versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 29-Out-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0441
A Enfermagem amplia, cada vez mais, seu escopo de atuação na atenção em saúde aos indivíduos e coletividades, tanto no cenário nacional como no contexto internacional. Isso em virtude de o profissional vir a assumir um papel mais decisivo e proativo quanto à identificação das necessidades de cuidado da população, bem como na promoção e proteção da saúde dos indivíduos em suas diferentes dimensões.1,2
O campo da Saúde Coletiva é permeado pela atenção em saúde promovida pela Enfermagem, de forma interdisciplinar e comunicativa com diferentes setores sociais,1 sendo inegável o papel que a enfermeira detém na identificação e intervenção das necessidades em saúde da população, por meio de práticas interativas e integradoras de cuidado, centradas na educação, promoção e proteção da saúde.1,3
No Brasil, as atribuições dos profissionais da Enfermagem em Atenção Primária em Saúde (APS) receberam importantes contribuições no âmbito assistencial e gerencial, com a aprovação da Política Nacional,4 que estabelece as diretrizes de organização desse modelo de atenção em saúde. Esse é um marco institucional relevante, tendo em vista que corrobora nove atribuições específicas gerenciais para o trabalho das enfermeiras na APS, que já tem regulamentadas as ações de administrar, coordenar, planejar e dirigir serviços e ações nos quais a Enfermagem está atuando.5 A amplitude das ações desenvolvidas pelas enfermeiras na APS, evidenciadas em estudos nacionais6,7 e internacionais3 são as assistenciais, gerenciais, educativas e envolvem o controle social, fato que vem ao exposto considerando a legislação vigente.
A atuação das enfermeiras na APS contribui para a diversificação e consolidação da atuação da Enfermagem e, também, para a ampliação do corpo de conhecimentos da profissão.2 Essas profissionais possuem uma dupla jornada de ações que são destinadas ao indivíduo e ao coletivo, sendo elas a produção do cuidado de Enfermagem e gestão dos projetos terapêuticos; gerenciamento da equipe de Enfermagem e do serviço de saúde para a produção do cuidado.8
O envolvimento profissional com ações gerenciais no âmbito das equipes da APS ocupa as enfermeiras de forma importante, de modo que pode distanciá-las do cuidado mais próximo com o usuário, tendo em vista que a gerência dos serviços de saúde envolve atividades burocráticas para a sua administração. Essa especificidade demanda formas de gestão mais participativas com o desenvolvimento de habilidades e competências que possam dar subsídios para as enfermeiras delegarem funções, por exemplo.9
De tal modo, o cuidado de Enfermagem em APS irá englobar ações que se se estendem desde procedimentos técnicos, a exemplo daqueles relacionados ao núcleo de conhecimento profissional como a interação entre usuários e trabalhadores, até elementos mais amplos como o planejamento da assistência, coordenação do cuidado e avaliação das ações desenvolvidas pela equipe.10
A atuação gerencial da Enfermeira é uma forma de cuidado que deve ser priorizada assim como a prática assistencial, tendo em vista que os processos de gestão devem ser realizados de uma maneira interligada às necessidades de saúde da comunidade como um todo, buscando efetivar as práticas de cuidado e seus focos de atenção.7
Por outro lado, a diversidade das atividades, já apresentadas, acarreta na sobrecarga de trabalho que, por consequência, provoca o distanciamento das enfermeiras das atividades estritamente assistenciais, o que acaba por direcionar suas ações e atribuições à realização de atividades gerenciais e administrativas.7
Na realidade da APS, na maioria das vezes, as nfermeiras desempenham atividades que não são apenas referentes à equipe de Enfermagem e de Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Realizar um gerenciamento participativo e compartilhado (cogestão) é uma maneira de aliviar o acúmulo de atividades da enfermeira e incentivar a corresponsabilização de toda a equipe na produção do cuidado.9 Tendo isso em vista, é importante considerar, no âmbito da APS, a atuação interprofissional, uma vez que ela está integrada ao trabalho intersetorial, proporcionando a integração e efetivação do amplo trabalho realizado nesse contexto.
A ação interprofissional é uma forma articulada de trabalho em equipe, que permite a atuação de forma colaborativa e participativa entre diferentes profissionais, que buscam ofertar cuidado atendendo às necessidades de saúde do usuário, reconhecendo a complexidade da situação trazida por ele, assim como o contexto no qual está inserido.11 Essa forma de atuação permite que as ações em saúde ocorram de maneira articulada e integrada, o que tende a estimular a corresponsabilização e evitar a duplicação de cuidados, esperas e adiantamentos desnecessários; proporciona a melhora na comunicação entre os profissionais, assim como o reconhecimento das contribuições de cada campo do conhecimento,12 tendo como consequência maior resolutividade e qualidade dos serviços em saúde.12,13 As equipes interprofissionais devem possuir algumas características que as possibilitem realizar um trabalho efetivo, que atuem de maneira integrada, possibilitando sua eficácia. Essas características são: respeito e confiança, reconhecimento dos diferentes profissionais e interdependência para a realização de diversas ações. A realização do trabalho interprofissional proporciona a integração e a organização de ações em saúde, e favorece o estabelecimento de uma rede de cuidados entre os diferentes níveis de atenção à saúde.14
Para que essa rede de cuidados proporcionada pelo trabalho interprofissional seja de forma holística, é necessário que se pense em realizar relações intersetoriais para ações em saúde. Pensando no contexto da saúde, a intersetorialidade engloba a relação entre uma ou várias partes do setor saúde com uma ou várias partes de outro setor, atuando a respeito de um tema em comum, para alcançar resultados mais efetivos, que o setor saúde, agindo individualmente, não alcançaria.15 Pensando esse conceito em um sentido mais amplo, pode-se entendê-lo como uma complexa estratégia política na garantia do direito à saúde, que necessita superar a fragmentação da execução das políticas e, assim, resolver os problemas cotidianos, articulando diferentes setores da gestão municipal.16
Com isso, é possível compreender que a intersetorialidade permite e favorece o fortalecimento da rede de atenção à saúde por meio dos diálogos partilhados entre instituições, governo e pessoas, permitindo a elaboração de políticas públicas que possuam impacto benéfico na saúde da população.17
Vislumbrando as inúmeras atribuições da enfermeira na APS, a mudança no perfil da população e algumas ações e alternativas já preconizadas para ofertar uma melhora dos serviços e ações de saúde, o presente artigo possui como objetivos analisar as inovações e os desafios apontados pelas coordenadoras da atenção básica para o exercício interprofissional e intersetorial, e a importância dessas práticas como potencializadoras do cuidar e do ensinar a cuidar em Enfermagem no âmbito da Atenção Primária em Saúde.
Trata-se de um estudo do tipo exploratório descritivoa com abordagem qualitativa,18 realizado na Região de Saúde 10 do estado do Rio Grande do Sul, sendo esta composta por seis municípios: Alvorada, Cachoeirinha, Glorinha, Gravataí, Porto Alegre e Viamão. A escolha da região de saúde ocorreu devido aos desafios impostos pela organização da rede assistencial de saúde, especialmente quanto ao adoecimento crônico na região metropolitana, agregando, portanto, a metrópole Porto Alegre e municípios de grande porte.
Os participantes desse estudo foram as Coordenadoras de Atenção Básica (CAB) dos municípios supracitados. Nestes, esse cargo de gestão era assumido, em sua maioria, por enfermeiras. Foram entrevistadas um total de nove profissionais, sendo sete enfermeiras, um enfermeiro e um médico. Em um dos municípios havia dois CAB e, em outros dois, além da coordenação da Atenção Básica, também participaram duas outras Coordenadoras da Secretaria de Saúde.
Foram realizadas entrevistas entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015. As entrevistas foram realizadas em dia e local previamente acordados com as coordenadoras, via telefone e/ou e-mail. Os questionamentos realizados tratavam da organização e gestão das DCNT na APS e estratégias adotadas pelas CAB para enfrentar os desafios no cotidiano da organização dos serviços.
Quanto à organização dos dados, seguiram-se os mesmos procedimentos adotados em uma pesquisa anterior19 para que assim fosse possível a realização da análise de conteúdo.18 A categorização temática, com o auxílio do software NVivo 9, foi realizada em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação.18 As entrevistadas receberam a seguinte codificação: ECAB - entrevistas com gestores, de um (1) a nove (9). Pensando-se na proximidade das atividades de gestão, mantiveram-se as duas outras coordenações da Secretaria com a mesma codificação, visto que foram incluídas a pedido das então CAB.
No que tange as considerações bioéticas, assim como noutra publicação,19 as diretrizes recomendadas pelo Conselho Nacional de Saúde foram respeitadas.20 Essa pesquisa foi aprovada Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pelos Comitês de Ética da UFRGS e da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, sob pareceres números, 708.357/2014 e 885.916/2014, respectivamente.
Os dados empíricos evidenciaram que, quando se trata da organização da educação permanente, nem todos os Municípios têm seus Núcleos Municipais de Educação em Saúde Coletiva (NUMESC) formalizados ou atuando em parceria com as equipes, o que pode dificultar a atualização dos profissionais. O NUMESC é um espaço inovador e potencializador das práticas em saúde, envolvendo a perspectiva de educação permanente que promove a interlocução dos diferentes saberes e fazeres, colocando o conhecimento em movimento e articulando-o no cotidiano. Sua constituição e consolidação ainda são um desafio aos municípios e equipes, porém um importante espaço de exercício interprofissional na APS e de inserção da Enfermagem.
[...] mas agora estamos implementando, tentando se organizar melhor para aderir ao NUMESC, uma coisa bem mais formalizada, dentro de uma equipe responsável por isso, fazendo as organizações para saber quais são as demandas e daí sim, a gente vai precisar do que está chegando realmente na ponta para podermos dar resposta (ECAB9).
Outro fator que perpassa essa situação é a falta de disponibilidade dos profissionais e flexibilidade da organização institucional dos serviços para que exista o envolvimento com as ações interprofissionais e intersetoriais de educação permanente ou continuada, promovidas pelos Municípios.
[...] A responsabilização é importante, sempre tiveram capacitações e tal, mas eram muito esporádicas e não tem como trabalhar coordenação de programa sem trabalhar o tempo todo com educação. E eu comecei a perceber de cara que, as pessoas além de ter muito tempo, digamos assim, sem fazer nada, sem fazer nenhum tipo de qualificação, de atualização, elas não tinham o mínimo de disposição para fazer. E as primeiras capacitações que eu montei aqui tinham meia dúzia de gente! (ECAB 9).
Uma forma de trabalho que foi apontada é a realização de ações preventivas e de longo prazo, preconizadas pelas políticas, em que é idealizado que sejam realizadas por equipes interprofissionais, que ocorrem no interior dos serviços de saúde.
Nós aqui trabalhamos um pouco diferente. As políticas pensam, e nós executamos um pouco mais, têm ações em longo prazo, como o ambulatório de doenças crônicas, centro especializado e programas específicos que capacitam a rede para ações... E há ações para prevenção, que queríamos o matriciamento dessas ações, e que fossem discutidos os casos com médico de família, enfermeiro, agente... [...] (ECAB 7).
Os coordenadores, em sua maioria enfermeiras, destacam a necessidade de se realizar um trabalho interprofissional e intersetorial, tendo em vista as múltiplas facetas do cuidar e do ensinar a cuidar na Atenção Primária em Saúde associadas à diversidade social e de agravos em saúde apresentados pela população atendida.
[...] não vai ser uma ação específica para resolver aquela questão. Aquilo transcende a saúde, vai para outras áreas, como assistência social, habitação, emprego. Muitas vezes uma ação de saúde não consegue atingir todos esses pontos, então tem que avaliar também a repercussão dessa ação [...] (ECAB 4).
[...] não conseguimos mais, hoje em dia, trabalhar sozinhos. Têm algumas coisas que se precisa do auxílio da assistente social, um auxílio de outras secretarias, então tem que ter uma parceria (ECAB 1).
Mesmo que os municípios considerem relevante prestar a assistência intersetorial, uma das coordenadoras enfermeiras relatou que ainda há muitos entraves e dificuldades que tornam o processo de tentativa de formação de uma equipe interprofissional um desafio. Esse relato demonstra o potencial de inovação que a Enfermagem dispõe frente à realidade, especialmente no que tange as práticas do cuidar em saúde na APS. A articulação interprofissional e intersetorial não é algo novo, mas de difícil alcance, pois as profissões ainda estão muito arraigadas aos conhecimentos de seu campo com dificuldade em promover uma verdadeira integração. A Enfermagem é a área da saúde que problematiza, congrega os diferentes profissionais e promove as interlocuções possíveis que, na fala da enfermeira entrevistada, aparece como trabalho de "formiguinha".
[...] é difícil em todos os lugares, com alguns setores é bem um serviço de formiguinha. De uma maneira geral é uma dificuldade, é um fator de desafio [...] (ECAB 7).
As CAB citam algumas alternativas criadas pelos municípios para driblar os desafios encontrados para a consolidação de um sistema intersetorial. São projetos de gestão que funcionam em rede, por meio de reuniões programadas, envolvendo diversos setores municipais e regionais para a discussão de novas estratégias de cuidado, buscando formas de potencializar esses espaços de atuação.
[...] é uma proposta de gestão inclusive, a formação das comissões das políticas públicas intersetoriais, é um trabalho novo, em que ocorrem reuniões mensais periódicas, nas quais são divididos por eixos temáticos. Sim, existe uma tentativa, mas não existem resultados ainda [...] (ECAB 9).
[...] eles formam uma reunião de rede. Tentam formar, fazer, formatar... [...] (ECAB 7).
Têm as reuniões regionais, [...] a Rede Chama. É uma rede composta por todos os órgãos do município, então tem essa articulação regional [...] (ECAB 4).
Um dos municípios associou o fato de possuir uma extensão territorial menor como facilitador para a realização de uma rede intersetorial, devido ao fato de acreditar que a comunicação entre os serviços ocorre de forma mais facilitada e efetiva.
A comunicação é muito boa [...] (ECAB 6).
[...] Lugar pequeno, essa intersetorialidade acaba sendo mais fácil (ECAB 5).
Foi unânime entre as coordenações, ao tratar sobre intersetorialidade, relatar as ações desenvolvidas em conjunto com as Secretarias Municipais de Educação para o Programa Saúde na Escola (PSE). Essas o consideram uma forte ferramenta de ação em saúde e educacional, que também auxilia na sensibilização de toda a comunidade, além de potencializar práticas de cuidado e de ensinar a cuidar para crianças, adolescentes e professores.
A gente tem o Programa Saúde na Escola (PSE), que desenvolve ações de prevenção, de educação com professores. Nesse grupo do PSE temos trabalhado com educação e com outras secretarias, formando grupo gestor. Têm ações curativas e educativas. Esse programa tem força para sair do território e interagir como um todo [...] (ECAB 7).
[...] temos trabalhado muito com a Secretaria de Educação, usando os espaços das escolas, cozinhas das escolas. Algumas unidades fazem isso e lá, têm as nutricionistas que fazem um trabalho bem interessante, principalmente no PSE (ECAB 8).
Uma das coordenadoras entrevistadas destacou o quão eficaz e resolutiva se torna a assistência de Enfermagem, especialmente em visitas domiciliares, quando em parceria com diferentes profissionais e setores. Essa é uma importante ferramenta para o exercício de práticas que consolidem a interprofissionalidade e intersetorialidade no cuidado ao usuário.
[...] quando tem alguma visita da saúde para fazer, sempre uma enfermeira vai junto. Fazemos essa visita em conjunto e funciona muito bem. Quando tem que encaminhar, fazemos a visita e um encaminhamento em conjunto (ECAB 5).
Diante do amplo escopo de tarefas desenvolvidas pelas enfermeiras na APS, pode-se destacar a supervisão e a orientação da equipe de Enfermagem. Essa atividade pode ser auxiliada pela educação permanente dos profissionais. A Educação Permanente em Saúde (EPS) é uma estratégia política pedagógica instituída como Política Nacional por meio da Portaria nº 198/2004, sendo reformulada pela Portaria nº 1.996/2007. De acordo com essa portaria, a EPS é uma relação de aprendizagem-trabalho, que ocorre no cotidiano dos serviços de saúde, onde o aprender e o ensinar se incorporam aos processos de trabalho,8 considerando os conhecimentos e as experiências já vivenciadas pelos profissionais, por meio de uma metodologia problematizadora a partir dos problemas enfrentados na realidade, visando às necessidades de saúde dos sujeitos e populações.21
Teoricamente, a EPS se baseia em quatro princípios, sendo eles a autonomia, a cidadania, a subjetividade dos atores e o aprender na, pela e para a prática.22 Essa fundamentação é em decorrência de dois objetivos, que a EPS busca alcançar a aprendizagem significativa e possibilidade de transformar as práticas profissionais.21
Tendo isso em vista, a implementação da EPS torna-se relevante para a qualificação da atenção à saúde prestada à população em consonância aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), favorecendo a articulação entre ensino e serviço.23,24 A qualificação da assistência ocorre em decorrência de a EPS permitir que os profissionais se tornem mais críticos e capacitados, sendo capazes de iniciar um processo de reconhecimento, negociação e resposta, de forma pertinente, às necessidades de saúde dos usuários e da população, permitindo a aproximação dos profissionais da comunidade.25,26
Mesmo havendo vários fatores positivos para a transformação e qualificação das ações e serviços de saúde associados à implementação da EPS, ainda há inúmeras limitações no seu processo de implementação.24 A inexistência de Núcleos Municipais de Educação em Saúde Coletiva, como mencionado pelas CAB, é um desafio importante para os Municípios, tendo em vista que esses espaços têm a potência de promover debates que venham a fomentar a articulação de diferentes atores em torno da resolução de problemas cotidianos da ação gerencial das profissionais enfermeiras.
Esse é apenas um dos entraves apontados pelas CAB para a realização da EPS. As entrevistadas ainda relatam que as dificuldades envolvem a falta de disponibilidade e interesse dos profissionais, além da flexibilidade dos serviços de saúde com relação ao envolvimento em ações educativas. Em estudo,23 obteve-se como resultado que as ações de EPS desenvolvidas por enfermeiras tiveram a flexibilidade dos serviços de saúde como uma potente estratégia para seu estabelecimento. Mesmo com estratégias que beneficiaram a realização de ações educativas, ainda encontraram como limitações a resistência e falta de comprometimento dos profissionais com relação ao processo educativo. Ainda existem diversos obstáculos que permeiam a implementação da EPS, o que acaba por dificultar a modificação da prática profissional no complexo contexto do trabalho em saúde. É necessário estimular a inovação de novos métodos, pensando na qualidade da gestão e assistência.24
Devido ao aumento da complexidade e dos custos dos serviços associados às necessidades e expectativas dos usuários e dos trabalhadores, especialmente na APS, há uma maior possibilidade de confusão, duplicação e ineficiência nas ações em saúdes ofertadas, e por essa complexidade é necessário que haja a interação dos profissionais de saúde, para que se pense na efetivação dos serviços prestados.13 Visto isto, é necessário pensar em alternativas e novas metodologias que aperfeiçoem e reordenem a organização dos serviços de saúde.
Um dos métodos de trabalho apontados pelas CAB, que podem vir a aperfeiçoar e melhorar as ações em saúde, é a formação de equipes interprofissionais articuladas à atenção intersetorial. Assim, afirmam que a atenção em saúde poderá ser ofertada de forma holística ao usuário, considerando o meio no qual está inserido e as dificuldades que enfrenta.
A ação interprofissional requer o trabalho em equipe, participativo e colaborativo entre diferentes profissionais, os quais atuarão de forma articulada, fortalecendo a centralidade no usuário, visando o cuidado das necessidades de saúde e o seu contexto de vida.11,12 O trabalho interprofissional vem se mostrando como um dos melhores métodos de atuação em saúde para enfrentar os diversos desafios presentes nesse meio.27 Isso possibilita uma resolutividade ampliada dos serviços prestados e qualifica a atenção à saúde.11
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a interprofissionalidade articula diferentes profissionais, portanto não se pode descartar a intersetorialidade dessa realidade, devido ao fato de que os profissionais, mesmo atuando em equipe, pertencerem a diferentes setores. A intersetorialidade está relacionada a uma ou várias partes do setor saúde ligada à(s) parte(s) de outro(s) setor(es), visando alcançar resultados em saúde que sejam mais efetivos, por meio da atuação profissional dentro e fora do seu setor, assegurando uma rede de proteção aos usuários.28
Contudo, a implementação dessas práticas de organização de trabalho para ofertar um cuidado de excelência não ocorre facilmente. Um dos entrevistados destacou que há diversos desafios para que isso se concretize, e destacou que essas dificuldades possuem diferentes amplitudes, dependendo do serviço a ser contatado. Em um estudo realizado,29 constatou-se que durante o trabalho da equipe interprofissional há algumas situações conflitantes, as quais prejudicam a interação entre os diferentes profissionais. As principais situações encontradas foram: desentendimento a respeito da prioridade de cuidado do paciente, chegada de novos profissionais na equipe, ausência de confiança, de reconhecimento do trabalho do outro e de colaboração na assistência ao paciente.8 Em outro estudo,30 realizado com gestores de saúde, reconheceu-se que há avanços nas ações intersetoriais, mas afirma-se que a intersetorialidade se restringe ao "exigido" nos programas e políticas de indução federal, limitando-se a parcerias, encaminhamentos (acordos frágeis) e compartilhamento de alguns recursos, materiais e profissionais.
Diante do exposto, são necessárias ações para modificar a realidade encontrada, visando facilitar a implementação e futura execução de ações interprofissionais e intersetoriais. As CAB entrevistadas relatam que os municípios criam metodologias para driblar os desafios. As coordenações se baseiam em projetos de gestão que funcionam em rede, por meio de reuniões programadas e periódicas, envolvendo diversos setores municipais e regionais para a discussão de novas estratégias de cuidado. Esse espaço favorece a articulação e comunicação, promovendo sua efetivação, e facilita a realização de ações preventivas e curativas em saúde.
Essas considerações se fazem pertinentes, também ao compor essa reflexão a questão da inexistência de flexibilização institucional em prol de ações que possam construir coletivos para a formação profissional em serviço, o que pode estar fragilizando ainda mais as ações interprofissionais nas equipes da APS, diminuindo a resolutividade dos serviços em saúde e fragilizando a comunicação entre os profissionais.12,13
Entende-se que a comunicação é uma ação inerente ao trabalho em equipe, sendo transversal aos outros elementos necessários para a realização do trabalho em equipe. Isso em virtude de possibilitar a construção de outros elementos essenciais como confiança, vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração, necessários para a equipe interprofissional.29 Contudo, são escassos os espaços de comunicação entre serviços, dificultando a realização de um planejamento conjunto. Necessita-se, portanto, de programas, órgãos colegiados e técnicas de gerenciamento, como fóruns, comitês, câmaras e núcleos intersetoriais territoriais, para favorecer e promover a elaboração conjunta de ações, políticas, metas e divisão de funções entre os profissionais de diferentes serviços, possibilitando a união e a troca dos diversos saberes pertencentes a cada um dos profissionais,28 alternativa que vai ao encontro à realizada pelas entrevistadas.
Em um estudo realizado,30 notou-se que as principais articulações conduzidas entre setores ocorreram com a assistência social, saúde e educação, nas quais eram realizadas ações que, na sua maioria, envolviam o monitoramento do cumprimento de condicionalidades para a manutenção de benefícios de programas. Relacionado à relação educação-saúde, um estudo31 revelou que essa relação é permeada por tensões no que tange a área de planejamento e realização de ações, sendo que há evidências de ações pontuais e encaminhamentos de situações consideradas como problema. A situação é contrária àquela evidenciada pelas CAB desse estudo, visto que todas relataram ações de saúde exitosas quando em parceria com setor de educação.
A multiplicidade de ações que compõem o trabalho desenvolvido na APS denota a complexidade da atuação das enfermeiras, que atuam como coordenadoras nesse nível de atenção, demonstrando que a intersetorialidade e a interprofissionalidade são elementos intrínsecos ao cuidado integral em saúde. Desse modo, o entendimento de que a intersetorialidade é um dos componentes que fortalece a gestão em saúde16 é válido para endossar a compreensão expressa pelas enfermeiras coordenadoras participantes do estudo. Além disso, faz-se necessário refletir que a intersetorialidade remete à atuação de forma complementar entre os envolvidos, de forma interdependente e com relações horizontais, nas quais a atenção em saúde envolve todos os interessados, tanto os profissionais, quanto os cidadãos.16
Diante desse panorama, torna-se imprescindível a atuação da enfermeira nesses meios, tendo em vista o potencial dessa profissional na articulação do cuidado realizada em parceria com as demais áreas e categorias profissionais, priorizando o trabalho e a equipe, com o objetivo de realizar um cuidado eficaz centralizado no paciente.29 As entrevistadas do estudo evidenciam esse fato e relatam o quão benéficas e eficazes se tornam as ações em saúde quando realizadas de forma interprofissional e intersetorial.
As gestões municipais ainda encontram inúmeras dificuldades para cumprir os princípios do SUS, em vista da difícil tarefa de implementação da interprofissionalidade e intersetorialidade, o que por vezes não fornece uma atenção integral ao usuário.
Nesse âmbito, tendo em vista os papéis que a enfermeira possui na APS e seu potencial para ofertar um cuidado eficaz e resolutivo, é necessário articular alternativas e métodos de trabalho que possam modificar essa realidade, facilitando a implementação de ações em saúde interprofissionais e intersetoriais.
A prática de trabalho de alguns municípios com o uso de projetos de gestão em rede para efetivar o trabalho interprofissional e intersetorial, além da perspectiva de implantação do NUMESC, colaboram para repensar a realidade do trabalho em saúde. Sob essa perspectiva, pensa-se que a Educação Interprofissional possa agir como uma metodologia inovadora de ensino e cuidado, que produzirá bons resultados e facilitará a realização de ações em saúde que sejam interprofissionais e intersetoriais, de cunho integral e holístico e, dessa forma, otimizar e qualificar as práticas de Enfermagem e sua articulação com os demais profissionais e setores.