versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.1 São Paulo jan./mar. 2018 Epub 23-Abr-2018
http://dx.doi.org/10.1590/1678-4685-jbn-3802
É bem sabido que o exercício físico é eficaz na melhoria da composição corporal e da saúde metabólica; no entanto, os mecanismos subjacentes para os seus benefícios clínicos ainda não são claros.1,2 Alguns dos efeitos mais reconhecidos do exercício no músculo são mediados pelo co-ativador-1α do receptor γ ativado por proliferador de peroxisoma (PGC-1α), que estimula a expressão do domínio da proteína transmembrana fibronectina tipo III contendo 5 (FNDC5). O FNDC5 parece sofrer uma clivagem proteolítica, liberando um pequeno fragmento chamado irisina (os restantes 112 resíduos de aminoácidos) no sangue.3 A irisina é um hormônio que pode se ligar a receptores indeterminados na superfície de células do tecido adiposo, estimulando seu "escurecimento (para a cor marrom)" e termogênese em camundongos, aumentando a expressão de proteína 1 de desacoplamento (UCP-1).3 Portanto, a irisina pode converter o tecido adiposo branco em "tecido adiposo bege", que está associado a efeitos positivos na saúde, tais como controle de massa de gordura, tolerância à glicose e melhora da resistência à insulina, prevenção de perda muscular e redução da inflamação sistêmica.3-5 Assim, a irisina ganhou grande interesse como um novo alvo potencial para prevenir e tratar distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes.1,3,6,7 No entanto, surgiram algumas controvérsias nas publicações recentes sobre a importância da irisina e/ou FNDC5 em humanos.1,4,8,9 Provavelmente, a maioria dos desentendimentos pode ser devido a diferentes exercícios, a sua duração, o status de treinamento de indivíduos e ao tipo de ensaio para quantificação de irisina.10
Vários pesquisadores examinaram os efeitos do exercício físico nos níveis de irisina em indivíduos saudáveis.3-5,11-19 Huh et al.19 observaram maiores níveis plasmáticos de irisina em homens jovens após 30 minutos de exercício de corrida, mas não após 8 semanas de intervenção de treinamento. Nygaard et al.5 revelou que sessões únicas de exercícios de resistência intensa e treinamento de força pesada levaram a aumentos transitórios nos níveis de irisina em indivíduos saudáveis.
Os níveis de irisina não foram estudados de forma abrangente em pacientes com doenças crônicas como obesidade, diabetes e doença renal crônica (DRC), e pouca atenção tem sido dada aos efeitos do exercício sobre os níveis de irisina nesses pacientes. Um estudo realizado em indivíduos pré-diabéticos mostrou que 12 semanas de treinamento reduziram a irisina circulante e, em contraste, o exercício agudo aumentou seus níveis (~ 1,2 vezes). Além disso, os níveis de irisina plasmática foram maiores nos indivíduos pré-diabéticos, quando comparados aos controles.20 Corroborando esses fatos, Moraes et al.21 observaram que 6 meses de treinamento não aumentaram os níveis de irisina plasmática em pacientes com DRC submetidos à hemodiálise (HD). Seguindo essa linha de raciocínio, sugere-se que uma única sessão de exercício (intenso) aumentaria os níveis plasmáticos de irisina nesses pacientes.
Apesar do aumento dos níveis plasmáticos de irisina em indivíduos saudáveis5,12-14,19 e pré-diabéticos20 após uma única sessão de exercício, os efeitos agudos do exercício em pacientes com DRC ainda são desconhecidos. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do exercício de alta intensidade sobre os níveis plasmáticos de irisina em pacientes com DRC em HD.
Quinze pacientes com DRC submetidos a HD foram recrutados entre pacientes da Clínica Renal Vida no Rio de Janeiro, Brasil, anteriormente incluídos em uma pesquisa de nosso grupo.22 Os critérios de inclusão foram os seguintes: mais de 18 anos, tratamento de diálise durante pelo menos 6 meses antes do estudo, utilizando membranas biocompatíveis (polisulfona de baixo fluxo), com fístula arteriovenosa para acesso vascular no membro superior e ausência de distúrbios motores e capacidade de realizar exercícios físicos de resistência. Foram excluídos pacientes com doenças autoimunes, infecciosas, inflamatórias, neurológicas, cardiovasculares, pulmonares ou neoplásicas, HIV, hipertensão descontrolada, arritmias malignas, angina instável, história de acidente vascular cerebral (isquêmico ou hemorrágico), bem como pacientes em diálise aguda, fumantes, aqueles com membros inferiores amputados, pacientes hospitalizados no prazo de 3 meses antes do estudo e mulheres grávidas. Os pacientes que praticavam regularmente exercícios físicos também foram excluídos. Os pacientes serviram como seu próprio controle em um dia sem exercício.
Todos os procedimentos seguiram os princípios da Declaração de Helsinque. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense) sob o número 301/11. Todos os pacientes forneceram consentimento informado por escrito para participar do estudo. Este estudo foi registrado no serviço de Ensaios Clínicos dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (clinicaltrials.gov), sob o seguinte número de identificação: NCT02718638.
O programa de exercícios foi administrado por um fisioterapeuta, e consistiu de três conjuntos de dez repetições com quatro movimentos diferentes com tiras elásticas e tornozeleiras com pesos (Theraband, Akron, OH, EUA) em ambos os membros inferiores, conforme descrito anteriormente:22
1) Extensão do joelho: de 90 º a 0 º, para a contração isométrica, o paciente permaneceu na posição 0 º durante 5 segundos e retornou à posição 90º;
2) flexão tripla seguida de extensão dos membros inferiores: uma tira elástica foi colocada ao nível dos metacarpos e o paciente flexionou os músculos da coxa, joelho e tornozelo, seguido de uma dupla extensão dos músculos da coxa e do joelho;
3) Contração cosmométrica: com uma tira de resistência no tornozelo, colocada abaixo do terço distal da perna, a nível do maléolo, o paciente realizou uma extensão da perna por 10 segundos;
4) Flexão unilateral da articulação do quadril: os pacientes foram solicitados a estender o joelho, elevando-o até seu limite funcional.
Os pacientes realizaram dez repetições de cada exercício e descansaram 3 minutos entre as quatro categorias de exercícios. A única sessão de exercícios foi realizada durante 30 minutos na segunda meia hora da sessão de diálise. A intensidade foi baseada na adaptação do teste máximo de 1 repetição e a intensidade inicial foi de 60%, uma vez que a maioria dos pacientes com DRC estão debilitados.
O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como o peso corporal seco (kg) dividido pela altura ao quadrado (m) e foi utilizado para avaliar o estado nutricional do paciente de acordo com a Organização Mundial da Saúde.23 A gordura corporal foi calculada a partir da medição de dobras cutâneas (mm) (em quatro locais padrão (bíceps, tríceps, subescapulares e suprailíacos) usando um plicômetro de dobra cutânea (Cambridge Scientific Products(®), Cambridge, MA, EUA)) de acordo com a equação de Durnin & Womersley,24 e a % de gordura corporal foi calculada usando a equação de Siri.25 A área muscular do braço (AMB) foi calculada de acordo com a equação de Heymsfield.26 Todas as medidas foram realizadas após a sessão de diálise por um membro treinado da equipe.
As amostras de sangue em jejum foram coletadas pela manhã em dois dias diferentes, uma em um dia sem exercício e uma em um dia com um exercício de resistência intradialítica, exatamente ao mesmo tempo (30 e 60 minutos após o início da sessão de diálise). As amostras foram centrifugadas (15 minutos, 3500 rpm, 4 º C) e armazenadas em tubos a -80ºC até a análise. A coleta de dados foi realizada 30 minutos após o início da sessão de diálise para permitir que os pacientes se adaptassem ao processo de diálise. Como a duração do exercício físico foi de 30 minutos, coletamos amostras de sangue 60 minutos após a sessão de diálise, ou seja, imediatamente após a sessão de exercício e não após a sessão de HD de 4 horas.
Como no estudo anterior, os parâmetros bioquímicos de rotina (K, P, albumina, hematócrito, hemoglobina, glicose e ureia pré e pós-diálise) foram medidos de acordo com métodos padronizados. Os níveis séricos de proteína C-reativa de alta sensibilidade (PCR-as) foram analisados utilizando kits Bioclin(®) (Catalogo # K079) por um analisador bioquímico automático. O índice cinético de adequação da diálise (Kt/V) foi calculado de acordo com a equação de Daugirdas.27
Os níveis de irisina plasmática foram avaliados utilizando um ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) a partir de um kit comercial de acordo com as instruções do fabricante (Phoenix Pharmaceuticals, Burlingame, CA, EUA).
A distribuição das variáveis foi analisada pelo teste de Shapiro-Wilk. Os resultados estão expressos como a média ± DP (desvio padrão) ou porcentagens, conforme aplicável. O teste t emparelhado de Student foi usado para comparar as variáveis. As correlações entre variáveis foram analisadas utilizando o coeficiente de correlações de Pearson. Os valores obtidos após o exercício foram comparados com seus próprios controles. As análises estatísticas foram realizadas usando-se o software SPSS 19.0 (Chicago, IL, EUA).
Foram estudados 15 pacientes em HD (5 homens, 44,4 ± 15,1 anos de idade) com diálise de 64,9 (19,5 - 94,5) meses. A principal etiologia da DRC foi hipertensão (73%), seguida de glomerulonefrite crônica (13%) e outras doenças (14%). Os parâmetros antropométricos e bioquímicos basais estão apresentados na tabela 1. De acordo com o IMC, apenas 2 pacientes apresentaram valores abaixo de 18,5 Kg/m2 e 3 estavam com excesso de peso/obesidade; Todos os pacientes apresentaram níveis de albumina superiores a 3,8 mg/dL.
Tabela 1 Características antropométricas e bioquímicas basais dos pacientes em estudo
Parâmetros | Valores |
---|---|
Índice de massa corporal (kg/m2) | 23,4 ± 5,1 |
% de massa adiposa | 31,5 ± 8,2 |
Área muscular do braço (cm2) | 32,1 ± 12,9 |
Potássio (mg/dL) | 4,7 ± 0,7 |
Fósforo (mg/dL) | 6,9 ± 1,7 |
Albumina (mg/dL) | 4,1 ± 0,2 |
Hematócrito (%) | 30,9 ± 5,2 |
Hemoglobina (g/dL) | 10,2 ± 1,7 |
Glicose (mg/dL) | 86,7 ± 19,5 |
Dose da diálise - Kt/V | 1,57 ± 0,4 |
Os níveis basais de irisina plasmática não revelaram diferença significativa entre os dias sem exercícios e os dias com exercícios nos seus valores basais. Em contraste, os níveis de irisina foram significativamente reduzidos após 60 minutos de sessão de HD em ambos os momentos: com 30 minutos de exercício de resistência intradialítica, de 125,0 ± 18,5 a 117,4 ± 15,0 ng/mL (p = 0,02) e sem sessão de exercícios, de 121,5 ± 13,7 a 115,4 ± 17,2 ng/mL, (p = 0,02). Além disso, os níveis de irisina não diferiram de acordo com o gênero. Os níveis de PCR-as não mudaram após 60 minutos de sessão de HD em ambos os momentos. Além disso, em uma correlação bivariada, a análise revelou que a irisina circulante estava negativamente correlacionada com a diálise vintage (r = -0,54, p = 0,03); não houve correlação com dados antropométricos ou com parâmetros bioquímicos.
O presente estudo mostrou que o exercício de resistência intrasialítica de alta intensidade foi incapaz de aumentar os níveis de irisina plasmática em pacientes em HD. Os níveis plasmáticos de irisina foram reduzidos após uma sessão de HD de uma hora. A irisina é um hormônio secretado durante o exercício, que aumenta o gasto de energia, estimulando a expressão de UCP-1 e, portanto, o "escurecimento" do tecido adiposo branco.3 Este novo hormônio foi proposto para ser um atraente futuro alvo terapêutico para transtornos metabólicos.1,3,6,7 No entanto, os efeitos da irisina em seres humanos ainda não são claros e, ainda faltam dados sobre os níveis circulantes de irisina em pacientes com DRC.
Estudos relataram um aumento nos níveis plasmáticos de irisina após o exercício crônico;3,15 no entanto, alguns autores relataram que uma única sessão de exercício, mas não exercício crônico, promove um aumento da irisina circulante.12-14,19,20
O estudo conduzido por Huh et al.13 observaram que o exercício de vibração de todo o corpo durante 1,5 meses em mulheres saudáveis não treinadas não alterou os níveis de irisina, mas um exercício intenso foi efetivo. Kraemer et al.14 relataram aumento dos níveis de irisina após 54 minutos de exercícios em esteira em indivíduos jovens saudáveis, mas com 90 minutos de exercícios, os níveis já não foram mais elevados. Além disso, em indivíduos pré-diabéticos inativos, os níveis circulantes de irisina foram reduzidos em resposta a 12 semanas de treinamento e aumentaram agudamente logo após exercício intenso.20
O exercício de resistência parece ser mais eficaz no aumento dos níveis de irisina do que exercício de força.4,11 No entanto, alguns estudos não encontraram alteração nos níveis de irisina após o exercício agudo, crônico, de resistência.9,16-18 Assim, ainda não sabemos qual tipo de exercício, intensidade ou resistência, se houver, seria efetivo no aumento dos níveis de irisina plasmática na população em geral.
Nosso estudo anterior revelou que um programa de treinamento de exercícios de resistência durante 6 meses não conseguiu aumentar os níveis de irisina plasmática em pacientes em HD.21 De acordo com o presente estudo, o exercício de força intradialítica intensa também parecia ineficaz para o aumento da concentração circulante de irisina em pacientes em HD. Existem duas explicações possíveis para nossos resultados. Em primeiro lugar, a intervenção foi muito curta, não permitindo a mobilização da irisina a partir do seu precursor ou do FNDC5 para serem recrutados para a membrana. Em segundo lugar, medimos as concentrações de irisina imediatamente após a intervenção, mas sua elevação pode ocorrer minutos ou horas após o término da sessão de exercícios físicos.
A concentração de irisina circulante diminui com o aumento do estágio da DRC.28-30 O mecanismo por trás dessa diminuição ainda é desconhecido. Uma possível explicação seria a correlação negativa entre o nitrogênio ureico no sangue e a diminuição dos níveis de irisina, mostrando boa evidência de como a uremia pode afetar os níveis de irisina.30 Além disso, os pacientes com DRC podem ter menor volume muscular, e a irisina, que é produzida dentro do músculo, pode ser afetada pelo volume muscular total.31 Neste estudo, não encontramos uma correlação entre níveis de irisina plasmática e dados antropométricos.
Além disso, após uma hora de diálise encontramos uma redução nos níveis de irisina em ambos os momentos (com e sem exercício). Esta é a primeira evidência de que a irisina plasmática diminuiu com a sessão de HD. A irisina é um peptídeo com 112 aminoácidos, e peso molecular de ~ 12 kDa,32 e devido ao seu peso molecular, a irisina não passa facilmente pelos poros da membrana de diálise (embora possa passar esporadicamente).33 Uma possível explicação é que a irisina seja absorvida pela membrana de polisulfona. Assim, se os níveis de irisina plasmática não fossem naturalmente reduzidos pelo processo de HD, eles poderiam ter aumentado com esse exercício.
A relevância clínica da irisina em seres humanos estava fora do escopo deste estudo; no entanto, esse tópico precisa ser explorado. Segundo Nygaard et al.5 o exercício físico (resistência, treinamento de força ou ambos) não aumenta os níveis de irisina no estado estacionário, mas pode ter efeitos cumulativos sobre a saúde, devido ao aumento transitório da irisina circulante produzida durante o exercício físico.
Algumas limitações devem ser levadas em consideração ao interpretar nossos resultados. Primeiro, o tamanho de amostra relativamente pequeno, a variabilidade intra-paciente e os dados limitados coletados dos pacientes devem ser considerados. Em segundo lugar, não coletamos amostras de sangue (por hora) 4 horas após o exercício para avaliar a modulação dos níveis plasmáticos de irisina. Considerando que a PGC-1α está elevada até 2-3horas após o exercício; a concentração de irisina pode ser maximizada às 2horas após o exercício.4 Por fim, há controvérsias sobre a confiabilidade dos kits ELISA para detectar a irisina sérica, então sugerimos adicionar um ensaio alternativo, como análise de espectrometria de massa ou Western Blot para evitar quaisquer proteínas de reação cruzada. O presente estudo utilizou o kit ELISA mais prevalente (Phoenix Pharmaceuticals) de acordo com alguns dos estudos anteriores.11,12,15,20,29,30 Este kit foi previamente validado para com o western blot11,25 e espectrometria de massa,34 com uma faixa de detecção entre 0,1 e 1000 ng/mL. Apesar dessas limitações, este foi um protocolo bem controlado, o que nos permitiu concluir que os resultados são consideravelmente relevantes.
Em resumo, esses dados sugerem que o exercício de força intradialítica aguda foram incapazes de aumentar a concentração circulante de irisina em pacientes com DRC submetidos à HD. Além disso, parece que o próprio processo de diálise pode reduzir os níveis plasmáticos de irisina. Assim, considerando os benefícios importantes do exercício físico e a escassez de informações sobre esse assunto, são necessários mais estudos com a mesma modalidade ou intensidade física, intensidade ou tempo, para avaliar a regulação da irisina plasmática e seus efeitos fisiológicos em pacientes com DRC (principalmente relacionado ao equilíbrio metabólico).
A irisina é uma miocina induzida por exercício, conhecida por estimular o "escurecimento" e a termogênese do tecido adiposo e, portanto, está envolvida no controle da massa adiposa, tolerância à glicose e melhora da resistência à insulina, prevenção da perda muscular e redução da inflamação sistêmica. A DRC é caracterizada por alterações no gasto de energia e metabolismo. Neste contexto, a irisina pode ser um agente terapêutico promissor para prevenir o desenvolvimento de DRC e complicações. No entanto, os efeitos da irisina em pacientes com DRC ainda não estão claros. Considerando a importância e a escassez de informações sobre esse assunto, são necessários mais estudos.