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O fardo atual da infecção por citomegalovírus em receptores de transplante renal que não recebem profilaxia farmacológica

O fardo atual da infecção por citomegalovírus em receptores de transplante renal que não recebem profilaxia farmacológica

Autores:

Claudia Rosso Felipe,
Alexandra Nicolau Ferreira,
Adrieli Bessa,
Tamiris Abait,
Priscilla Ruppel,
Mayara Ivani de Paula,
Liliane Hiramoto,
Laila Viana,
Suelen Martins,
Marina Cristelli,
Wilson Aguiar,
Juliana Mansur,
Geovana Basso,
Helio Tedesco Silva Junior,
Jose Medina Pestana

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170074

Introdução

O esquema imunossupressor padrão atual para receptores de transplante renal inclui indução com basiliximab e terapia de manutenção com tacrolimus (TAC), micofenolato (MPS) e prednisona (PRED).1 A terapia de indução com globulina antitimócitos de coelho (r-ATG) tem sido utilizada em uma proporção crescente de pacientes com maior risco imunológico e em receptores de rim de doadores de critérios ampliados.2 Esta estratégia determina menor incidência de rejeição aguda e maior sobrevida do enxerto a longo prazo,3,4 mas está associada a maior incidência de infecção por citomegalovírus (CMV)5 e poliomavírus.6,7

Devido ao uso crescente de esquemas imunossupressores mais eficazes, o espectro das apresentações clínicas da infecção pelo CMV mudou progressivamente, com significativas morbidade e mortalidade na ausência de estratégias preventivas. O tratamento da infecção por CMV é então obrigatório, mas associado ao aumento de custos diretos e indiretos.8

Atualmente, existem duas alternativas para a prevenção da infecção por CMV, profilaxia farmacológica universal e tratamento preventivo. Ambas as estratégias têm eficácia e segurança comprovadas.9 No entanto, o acesso à profilaxia farmacológica e aos testes laboratoriais para monitoramento da replicação viral, utilizados para o tratamento preventivo, são limitados e não são reembolsados pelo nosso Sistema Único de Saúde.

Este estudo tem como objetivo avaliar a incidência de infecção por CMV, e seu efeito nos principais desfechos de transplante renal, utilizando uma coorte contemporânea de receptores de transplante renal que não foram submetidos à profilaxia farmacológica.

Métodos

Formato do estudo

Este estudo retrospectivo de um único centro único incluiu dados extraídos de uma base eletrônica de dados e adjudicados por revisão de registros médicos. O estudo foi aprovado pelo Comitê local de Ética em Pesquisa (CEP) na UNIFESP sob registro C.A.A.E ID: 56366516.5.0000.5505.

Casuística

Para esta análise, todos os pacientes submetidos a transplante entre 30/04/2014 e 30/04/2015 foram inicialmente selecionados. Os pacientes submetidos a transplantes simultâneos de pâncreas e rim, recebendo transplante de rim de doadores vivos com HLA idênticos e recebendo tratamento imunossupressivo inicial, incluindo ciclosporina ou everolimus, foram excluídos da análise.

Objetivo

O objetivo deste estudo foi determinar a incidência e fatores de risco para infecção ou doença por CMV e sua influência nos resultados clínicos no primeiro ano após o transplante renal.

Imunossupressão

A terapia de indução com basiliximab foi utilizada em receptores pediátricos, enquanto a r-ATG (dose única de 3 mg/kg dentro de 24 horas da revascularização do enxerto) foi a escolha para a maioria dos receptores adultos. Todos os pacientes receberam tacrolimus em doses ajustadas para manter concentrações sanguíneas entre 5-15 ng/mL, combinadas com MPS (1440 mg/dia) ou azatioprina (AZA, 2 mg/kg/dia). Todos os pacientes receberam uma dose inicial de 0,5 mg/kg/dia de prednisona que foi progressivamente reduzida para 5 mg/dia dentro de um período de 30-45 dias após o transplante.

Manejo da infecção/doença por CMV

Nenhum dos pacientes recebeu profilaxia farmacológica para infecção por CMV. Em vez disso, o tratamento preventivo foi realizado em pacientes considerados de alto risco para desenvolver infecção por CMV: (1) receptores de transplante de rim soronegativos para CMV, de doadores soropositivos para CMV (D+/R-); (2) uso de r-ATG para indução, (3) uso de MPS para tratamento de manutenção; (4) após o tratamento de episódios de rejeição aguda. O tratamento preventivo consistiu do monitoramento da replicação viral a cada duas semanas, da semana três até o final do terceiro mês, utilizando o teste de antigenemia pp65 CMV.

A infecção por CMV foi definida como a presença de mais de 5 células infectadas com o antígeno pp65 de CMV em um total de 200.000 neutrófilos do sangue periférico, na ausência de sintomas ou sinais de infecção por CMV. Para pacientes com D+/R, o diagnóstico de infecção por CMV foi feito com qualquer número de células infectadas.

A doença por CMV foi definida como qualquer número de células infectadas com sintomas ou sinais característicos associados ao antígeno pp65, tais como febre, astenia, mialgia, leucopenia, trombocitopenia e anormalidades das enzimas hepáticas. Todos os episódios de infecção por CMV ou doença foram tratados com ganciclovir endovenoso, com ajustes de dose de acordo com a função renal, conforme a bula da medicação. O tratamento foi monitorado semanalmente e prolongado por mais uma semana após um exame negativo de antigenemia pp65, com um mínimo de 14 dias de ganciclovir. A recorrência da infecção ou doença por CMV foi definida como um novo episódio diagnosticado após um tratamento bem sucedido anterior, confirmado por um exame negativo de antigenemia pp65.

Definições

Os episódios de rejeição aguda comprovada por biópsia (RACB) foram classificados de acordo com os critérios de Banff, de 2009. Rejeições clínicas foram definidas como disfunção do enxerto sem evidência histológica de rejeição, tratados com metilprednisolona durante pelo menos três dias. O desfecho composto de falha de eficácia incluiu a incidência da primeira rejeição aguda confirmada por biópsia, perda de enxerto, morte ou perda de seguimento. A função retardada do enxerto foi definida como a necessidade de diálise durante a primeira semana de transplante. A taxa estimada de filtração glomerular (TFGe) foi calculada utilizando a equação MDRD-4. A interrupção permanente do tratamento imunossupressor inicial foi definida como a retirada de um medicamento ou a conversão para outro medicamento alternativo durante o primeiro ano de transplante.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram resumidas por média e desvio padrão, e as variáveis categóricas por proporções. As diferenças entre os grupos foram identificadas utilizando o teste-t de Student ou Chi-quadrado, respectivamente. As diferenças no acumulado da sobrevida obtida pelas curvas Kaplan-Meier foi identificada pelo teste Log Rank. A regressão logística, utilizando uma ou mais variáveis, foi utilizada para identificar fatores de risco associados à infecção por CMV (idade e tipo de doador; idade; raça; causa da doença renal crônica; grau de sensibilização a antígenos HLA[PRA; tempo em diálise, sorologia para CMV pré-transplante; incompatibilidade HLA; terapia de indução; imunossupressão inicial com MPS; função retardada do enxerto e rejeição aguda) e com função renal reduzida aos 12 meses de transplante (idade e tipo de doador, idade, gênero, tempo em diálise, PRA, incompatibilidade HLA; sorologia pré-transplante para HLA; tempo de isquemia a frio; função retardada do enxerto; terapia de indução; uso de MPS; rejeição aguda e infecção ou doença recorrente por CMV).

Apenas variáveis com p < 0,05 na análise univariável foram utilizadas nos modelos multivariáveis. A melhor variável substituta foi selecionada entre as variáveis que mostraram colinearidade para incluir em modelos multivariáveis. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o SPSS versão 18 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e as diferenças foram consideradas significativas para valores de p < 0,05.

Resultados

População

De abril de 2014 a abril de 2015, realizaram-se 938 transplantes de rim. Foram excluídos cento e trinta e seis pacientes: 22 transplantes simultâneos de pâncreas e rim; 37 transplantes de doadores vivos com HLA compatibilidade, 69 pacientes que receberam everolimus, e 8 que receberam ciclosporina no esquema imunossupressor inicial (Figura 1).

Figura 1 Disposição dos pacientes avaliados nesse estudo. 

A coorte do estudo consistiu em 802 receptores; a maioria eram adultos, homens e com maior prevalência de etnias branca e mestiça. A proporção de pacientes com doença renal crônica secundária ao diabetes mellitus foi de 14,9% e o tempo médio em diálise foi de 46,1 meses. Os pacientes apresentaram baixo grau de sensibilização contra antígenos HLA. Apenas 6,2% eram CMV D+/R- com 2,1% adicional de CMV R- que receberam rins de doadores em situação desconhecida em termos de CMV. A idade média do doador foi de 44,9 anos, e 20,9% dos pacientes receberam rins de doadores vivos. A terapia de indução com r-ATG foi utilizada em 81,5%, e todos os pacientes receberam esquemas de imunossupressão inicial consistindo de TAC e PRED, em combinação com MPS (46,3%) ou AZA (53,7%).

Infecção ou doença por CMV

A incidência global de infecção ou doença por CMV foi de 42% (336/802). Os pacientes com infecção por CMV eram mais velhos e estavam em diálise durante um período mais longo. Este grupo apresentou uma maior proporção de pacientes com diabetes mellitus, CMV D+ ou combinações desconhecidas/R e PRA de classe II em média maior. Pacientes com infecção por CMV receberam enxertos de doadores mais velhos e com maior proporção de doadores de critérios ampliados, mas com menor incompatibilidade HLA. Finalmente, dos pacientes que não receberam indução ou basiliximab, apenas 23,6% desenvolveram infecção por CMV (Tabela 1).

Tabela 1 Características demográficas da população do estudo 

Total N = 802 Com CMV N = 336 Sem CMV N = 466 p
Idade do receptor, em anos (média ± DP) 40,2 ± 14,7 48,6 ± 13,4 41,1 ± 14,8 0,000
Gênero do receptor, N (%)
Masculino 497 (62,0) 198 (39,8) 299 (60,2) 0,132
Feminino 305 (38,0) 138 (41,2) 167 (54,8)
Etnia do Receptor, N (%)
Branco 321 (40,0) 135 (42,1) 186 (57,9) 0,011
Negro 105 (13,1) 36 (34,3) 69 (65,7)
Misto 354 (44,5) 149 (42,1) 205 (57,9)
Outro 22 (2,7) 16 (72,7) 6 (27,3)
Causa da doença renal crônica, N (%)
Glomerulonefrite 182 (22,7) 64 (35,2) 118 (64,8) 0,000
Hipertensão 86 (10,7) 47 (54,7) 39 (45,3)
Diabetes Mellitus 119 (14,9) 64 (53,8) 55 (46,2)
Doença renal policística 57 (7,1) 31 (54,4) 26 (45,6)
Desconhecida 284 (35,4) 104 (36,6) 180 (66,4)
Outra 74 (9,2) 26 (35,1) 48 (64,9)
Tempo em diálise, meses (média ± DP) 46,1 ± 45,7 51,6 ± 47,6 42,2 ± 44,0 0,004
Tratamento prévio, N (%)
Hemodiálise 684 (85,2) 284 (41,5) 400 (58,5) 0,784
Diálise peritoneal 43 (5,4) 21 (48,8) 22 (51,2)
Conservadora 36 (4,5) 14 (38,9) 22 (61,1)
Hemodiálise/Diálise peritoneal 39 (4,9) 17 (43,6) 22 (56,4)
Painel de anticorpos reativos (média ± DP)
Classe I 9,1 ± 22,0 10,9 ± 24,0 7,8 ± 20,3 0,064
Classe II 4,7 ± 16,5 6,0 ± 18,2 3,8 ± 15,1 0,050
Incompatibilidade HLA (média ± DP) 2,5 ± 1,3 2,3 ± 1,2 2,6 ± 1,3 0,001
CMV IgG, N (%) pré-transplante
Doador +/Receptor + 573 (71,5) 222 (38,7) 351 (61,3) 0,001
Doador +/Receptor - 50 (6,2) 33 (66) 17 (34)
Doador -/Receptor + 34 (4,2) 13 (38,2) 21 (61,8)
Doador desc/ Receptor + 126 (15,7) 55 (43,7) 71 (56,3)
Doador -/Receptor - 2 (0,3) 1 (50) 1 (50)
Doador desc/ Receptor - 17 (2,1) 12 (70,6) 5 (29,4)
Idade doador, anos (média ± DP) 44,4 ± 15,3 47,3 ± 14,8 42,3 ± 15,4 0,000
Doador, N (%)
Doador vivo 168 (20,9) 41 (24,4) 127 (75,6) 0,000
Doador falecido de critério padrão 451 (56,3) 177 (39,2) 274 (60,8)
Doador falecido de critério expandido 183 (22,8) 118 (64,5) 65 (35,5)
Tempo de isquemia a frio (media ± DP) 24,5 ± 6,7 24,9 ± 6,7 24,4 ± 6,8 0,417
Terapia de indução, N (%)
Sem indução 97 (12,1) 26 (26,8) 71 (73,2) 0,000
Timoglobulina 654 (81,5) 301 (46) 353 (54)
Basiliximab 51 (6,4) 9 (17,6) 42 (82,4)
Imunossupressão inicial, N (%)
TAC+MPS+Pred 371 (46,3) 193 (52) 178 (48) 0,000
TAC+AZA+Pred 431 (53,7) 143 (33,2) 288 (66,8)

DP: desvio padrão; CMV: citomegalovirus; HLA: antigeno leucocitário humano; (desc): desconhecido; TAC: tacrolimus; MPS: micofenolato de sódio; AZA: azatioprina; Pred: prednisona.

A infecção por CMV (58,6%) foi mais frequente do que a doença por CMV (41,4%). Devido à prevalência do estado pré-transplante, a maioria dos episódios (66,1%) ocorreu entre CMV D+/R+. Dos 336 primeiros episódios de infecção/doença por CMV, 47 (14%) foram precedidos por um episódio de rejeição aguda. Dos 65 pacientes com primeiros episódios de rejeição aguda tratados, 19 (29%) ocorreram após o primeiro episódio de infecção/doença por CMV.

A incidência de recorrência da infecção ou doença por CMV foi de 36%, variando entre 1 e 5 episódios por paciente, e produziu um total de 514 episódios de infecção por CMV ou doença diagnosticada em 336 pacientes. Importante: 46% dos pacientes com infecção/doença por citomegalovírus necessitaram de alterações transitórias ou permanentes nas doses de MPS ou AZA (Tabela 2).

Tabela 2 Características da infecção por CMV ou episódios da doença 

Variável Total N = 802 MPS N = 371 AZAN = 431
Incidência do primeiro evento de CMV, N (%) 336 (42,0) 193 (52,0)(1) 143 (33,0)
Infecção 197 (58,6) 121 (62,7) 76 (53,2)
Doença 139 (41,4) 72 (37,3) 67 (46,8)
Tempo até o primeiro evento de CMV, em dias (média ± DP) 47,4 ± 30,1 41,1 ± 18,2(1) 55,8 ± 39,6
Duração do tratamento, em dias (média ± DP) 20,1 ± 9,1 20,3 ± 9,8 19,8 ± 7,8
Incidência de eventos de CMV segundo a sorologia para CMV pré-transplante, N (%)
Doador +/Receptor + 222 (66,1) 125 (64,8) 97 (67,8)
Doador +/Receptor - 33 (9,8) 17 (8,8) 16 (11,2)
Doador -/Receptor + 13 (3,9) 7 (3,6) 6 (4,2)
Doador desc/Receptor + 55 (16,4) 35 (18,1) 20 (14,0)
Doador -/Receptor - 1 (0,3) 1 (0,6) 0 (0)
Doador desc/Receptor - 12 (3,5) 8 (4,1) 4 (2,8)
Incidência de recorrências de eventos com CMV, N (%) 121 (36,0) 80 (41,4)(2) 41 (28,7)
Número total de eventos com CMV recorrente 178 110 68
Infecção 120 (67,4) 73 (66,4) 47 (69,1)
Doença 58 (32,6) 37 (33,6) 21 (30,9)
Pacientes com 1 recorrência 83 (68,6) 59 (73,8) 24 (58,5)
Pacientes com 2 recorrências 24 (19,8) 13 (16,2) 11 (26,8)
Pacientes com 3 recorrências 10 (8,3) 7 (8,8) 3 (7,3)
Pacientes com 4 recorrências 3 (2,5) 1 (1,2) 2 (5,0)
Pacientes com 5 recorrências 1 (0,8) 0 (0) 1 (2,4)
Total de eventos com CMV 514 303 211
Incidência de rejeição aguda tratada antes do primeiro evento com CMV, N (%) 47 (14,0) 13 (6,7)(1) 34 (23,8)
Pacientes com 1 episódio 40 (85,1) 12 (92,3)(a) 28 (82,4)
Pacientes com 2 episódios 7 (14,9) 1 (7,7) 6 (17,6)(b)
Total de rejeição aguda tratada antes do primeiro evento com CMV, N 54 14 40
Incidência de rejeição aguda tratada após evento com CMV, N (%) 19 (5,7) 14 (7,2) 5 (3,5)
Pacientes com 1 episódio 17 (89,5) 12 (85,7) 5 (100)
Pacientes com 2 episódios 2 (10,5) 2 (14,3) 0 (0)
Total de RA tratada após evento com CMV 21 16 5
Mudanças nas doses de MPS/AZA após eventos com CMV, N (%) 155 (46) 101 (52)(3) 54 (38)
Interrupção temporária 63 (41) 30 (30) 33 (61)
Redução na dose 69 (44) 55 (54) 14 (26)
Interrupção permanente 18 (12) 12 (12) 6 (11)
Conversão para outra medicação 5 (3) 4 (4) 1 (2)

DP: desvio padrão; CMV: coitomegalovirus; desc: desconhecido; MPS: micofenolato de sódio; AZA: azatioprina.

(1)p = 0,000,

(2)p = 0,016,

(3)p = 0,008 MPS versus AZA.

(a)2 pacientes tiveram 1 episódio de rejeição aguda antes do primeiro evento com CMV e 1 episódio de rejeição aguda após o primeiro evento com CMV;

(b)1 paciente teve 2 episódios de rejeição aguda antes do primeiro evento com CMV e 1 episódio de rejeição aguda após o primeiro evento com CMV.

Dos 139 pacientes com primeira doença por CMV, 87 (63%) ocorreram durante o período de monitoração de antigenemia pp65 a cada duas semanas. Destes, 19 eram D+/R-, 63 estavam recebendo MPS e 5 ocorreram após o tratamento para rejeição celular aguda. Apenas 2 pacientes (D+/R-) apresentaram doença por CMV após o dia 105, o fim do monitoramento por antigenemia pp65.

A maioria dos episódios de doenças por CMV foram leves, com leucopenia e/ou manifestações gastrointestinais, predominantemente diarreia, sem envolvimento de pulmão, fígado ou pâncreas. Rápida recuperação foi observada após o tratamento, com redução ou interrupção da dose de ganciclovir e MPS ou AZA. Nenhum episódio de doença invasiva por CMV foi confirmado por análise histológica, e não houve óbitos diretamente relacionados a episódios de infecção ou doença por CMV.

Em comparação com a AZA, os pacientes que receberam MPS apresentaram maior incidência (33% vs. 52%), e um intervalo menor entre o transplante e o primeiro episódio de infecção/doença por CMV, respectivamente. A incidência de recorrência da infecção/doença por CMV foi maior nos pacientes que utilizaram MPS (41,4%) em comparação com AZA (28,7%). A duração média do tratamento com ganciclovir não foi diferente entre pacientes que receberam MPS ou AZA.

A incidência do primeiro episódio de CMV após o tratamento de rejeição aguda foi maior em pacientes com AZA (23,8%) em comparação com aqueles usando MPS (6,7%). Além disso, a incidência de rejeição aguda após o primeiro episódio de infecção ou doença por CMV foi maior nos pacientes tratados com MPS (7,2%) em comparação com aqueles tratados por AZA (3,5%). As alterações no esquema imunossupressor inicial após a infecção por CMV/episódios de doença foram maiores em pacientes que receberam MPS (52%) em comparação com AZA (38%) (Tabela 2).

A idade dos receptores (OR = 1,03 por ano), a combinação sorológica de CMV D+/R- (OR = 5,21) e o uso de MPS (OR = 1,67) foram associados a um maior risco de se desenvolver infecção/doença por CMV. Por outro lado, o número de incompatibilidades HLA (OR = 0,88 por incompatibilidade) e a função renal com 1 mês (OR = 0,98 por ml/min/1,73 m2) foram associados a um menor risco de infecção/doença por CMV (Tabela 3).

Tabela 3 Multiple variables analysis to risk of CMV infection or disease 

Variável Análise univariável Análise multivariável
Odds Ratio (95% CI) p Odds Ratio (95% CI) p
Idade do receptor, anos 1,04 (1,03-1,05) < 0,001 1,03(1,02-1,04) 0,000
Tempor em diálise, meses 1,00(1,00-1,01) 0,005 1,00(0,99-1,00) 0,703
PRA classe I 1,01(1,00-1,01) 0,051
PRA classe II 1,01(0,99-1,02) 0,067
Incompatilidades HLA 0,83(0,74-0,93) 0,001 0,88(0,77-0,99) 0,035
Sorologia para CMV, Doador (+)/Receptor (-) 2,88(1,57-5,26) 0,001 5,21(2,55-10,66) 0,000
Receptor, etnia Caucasiana 1,01(0,76-1,35) 0,940
Doença renal crônica causada por diabetes mellitus 1,76(1,19-2,60) 0,005 1,26(0,81-1,94) 0,304
Tipo de doador
Doador vivo (ref.)
Doador falecido de critério padrão 2,00 (1,34-2,99) 0,001
Doador falecido de critério expandido 5,6(3,53-8,95) < 0,001
Idade do doador, em anos 1,02(1,01-1,03) < 0,001 1,00(0,99-1,01) 0,867
Função retardada do enxerto, sim 2,45(1,84-3,23) < 0,001
Terapia de indução, r-ATG 2,75(1,83-4,14) < 0,001 1,57(0,99-2,47) 0,053
Terapia imunossupressora, MPS 2,18(1,64-2,91) 0,000 1,67(1,22-2,29) 0,001
Rejeição aguda, sim 1,04(0,69-1,56) 0,849
TFGe com 1 mês 0,98(0,97-0,98) < 0,001 0,98(0,98-0,99) 0,000

IC: intervalo de confiança; MPS: micofenolato de sódio; r-ATG: globulina anti-timocítica do coelho; TFGe: taxa estimada de filtração glomerular (MDRD4).

Resultados clínicos de eficácia e segurança

O grupo com CMV mostrou maior incidência de primeira rejeição aguda tratada (19 vs. 11%) e a primeira biópsia tratada confirmou rejeição aguda (10% versus 6%), em comparação com o grupo sem CMV. Essas diferenças foram consistentes quando esta análise foi limitada a pacientes que receberam MPS ou AZA (Tabela 4). Não houve diferenças na incidência do desfecho composto por falha de eficácia, perda de enxerto, morte ou perda de seguimento. No entanto, uma maior porcentagem de óbitos por infecção foi observada no grupo com CMV (Tabela 5).

Tabela 4 Incidência e características de episódios de rejeição aguda 

Parâmetros, N (%) Com CMV
Total N = 336 MPS N = 193 AZA N = 143 Total N = 466 MPS N = 178 AZA N = 288
Primeiro episódio de rejeição aguda, N(%) 65 (19)a 25 (13)b 40 (28)c 50 (11) 12 (7) 38 (13)
Rejeição aguda comprovada por biópsia 34(10)d 11(6)e 23(16) 27(6) 7(4) 20(7)
IA 13(38) 3(27) 10(44) 18(67) 6(86) 12(60)
IB 11(32) 5(45) 6(26) 4(15) 0 4(20)
IIA 9(27) 3(27) 6(26) 5(19) 1(14) 4(20)
IIB 0 0 0 0 0 0
III 1(3) 0 1(4) 0 0 0
Alterações limítrofes 21(6) 8(4) 13(9) 18(4) 4(2) 14(5)
Rejeição aguda clínica 10(3) 6(3) 4(3) 5(1) 1(1) 4(1)
Tempo até o primeiro episódio de rejeição aguda, em dias (média ± DP) 49,0 ± 50,1 68,7 ± 78,7 42,8 ± 52,1 80,5 ± 129,1 123,1 ± 170,0 52,7 ± 91,8
Número total de episódios de rejeição aguda tratada 75(22) 30(16) 45(33) 55(12) 13(7) 42(15)
Rejeição comprovada por biópsia 36(48) 11(6) 25(18) 30(55) 7(4) 23(8)
IA 13(36) 3(27) 10(40) 21(70) 6(86) 15(65)
IB 13(36) 5(45) 8(32) 4(13) 0 4(17)
IIA 9(25) 3(27) 6(24) 5(17) 1(14) 4(17)
IIB 0 0 0 0 0 0
III 1(3) 0 1(4) 0 0 0
Rejeição mediada por anticorpo 0 0 0 1(2) 1(1) 0
Alterações limítrofes 28(37) 12(6) 16(11) 19(35) 4(2) 15(5)
Rejeição aguda clínica 11(15) 7(4) 4(3) 5(9) 1(1) 4(1)
Tratamento
Metilprednisolona 55(73) 24(80) 31(69) 46(84) 9(69) 37(88)
Globulina anti-timocítica/Metilprednisolona 20(27) 6(20) 14(31)e 8(14) 3(23) 5(12)
Imunoglobulina/plasmaferese 0 0 0 1(2) 1(8) 0
Episódios de rejeição aguda por paciente
Pacientes com 1 episódio 52(16) 20(10) 32(22) 41(9) 9(5) 32(11)
Pacientes com 2 episódios 10(3) 5(3) 5(4) 5(1) 2(1) 3(1)
Pacientes com 3 episódios 1(0,3) 0 1(1) 0 0 0
Pacientes com 4 episódios 0 0 0 1(0,2) 0 1(0,3)

(a)p = 0,001,

(b)p = 0,046,

(c)p = 0,000,

(d)p = 0,023,

(e)p = 0,030 com versus sem CMV.

(DP) desvio padrão.

Tabela 5 Efficacy and safety endpoints 

Parâmetros Com CMV Com CMV
Total (n = 336) MPS (n = 193) AZA (n = 143) Total (n = 466) MPS (n = 178) AZA (n = 288)
Endpoint composto, N (%) 67 (20) 31 (16) 36 (26) 92 (20) 38 (21) 54 (19)
RACB 34 (10) 11 (6) 23 (16) 27 (6) 7 (4) 20 (7)
Perda do enxerto 8 (2)1 4 (2) 4 (3) 19 (4)3 12 (7) 7 (2)
Óbito 12 (4)2 9 (5) 3 (2) 19 (4) 9 (5) 10 (3)
Perda de seguimento 13 (4) 7 (4) 6 (5) 27 (6) 10 (6) 17 (6)
Sobrevida do paciente, (%) 96,1 95,3 97,2 95,9 94,9 96,5
Sobrevida do enxerto. (%) 92,9 92,2 93,7 91,6 87,6 94,1
Total de perda do enxerto, N (%) 12 (4) 6 (3) 6 (4) 20 (4) 13 (7) 7 (2)
Tempo para perda do enxerto, dias (média ± DP) 81,83 ± 30,0 65,67 ± 23,9 98,00 ± 28,0 75,90 ± 94,4 73,85 ± 97,3 79,71 ± 96,2
Causa para perda do enxerto, N (%)
Rejeição 2 (17) 1 (17) 1 (17) 4 (20) 2 (15) 2 (29)
Técnica 2 (17) 0 1 (17) 7 (35) 4 (31) 3 (42)
FI/AT 1 (8) 2 (33) 0 8 (40) 6 (46) 2 (29)
Glomerulonefrite 1 (8) 0 1 (17) 0 0 (0) 0
Outra 6 (50) 3 (50) 3 (50) 1 (5) 1 (8) 0
Total de óbitos. N (%) 13* (4) 9 (5) 4 (3) 19 (4) 9 (5) 10 (4)
Tempo até o óbito, dias (media ± DP) 164,54 ± 88,70 149 ± 70,3 199,50 ± 126,3 97,16 ± 114,6 81,11 ± 93,8 111,60 ± 134,0
Causa do óbito, N (%)
Infecção 11 (84) 7 (78) 4 (100) 11 (58) 5 (56) 6 (60)
AVC 0 0 0 3 (16) 0 3 (30)
Cardiovascular 1 (8) 1 (11) 0 3 (16) 2 (22) 1 (10)
Outra 1 (8) 1 (11) 0 2 (10) 2 (22) 0

MPS: micofenolato de sódio; AZA: azatioprina; RACB: rejeição aguda confirmada por biópsia; DP: desvio padrão; FI/AT: fibrose intersticial e atrofia tubular;

14 de 12 pacientes que sofreram perda do enxerto tiveram primeiro RACB;

21 de 13 pacientes que morreram tiveram perda do enxerto primeiro;

31 de 20 pacientes que sofreram perda do enxerto tiveram RACB primeiro;

*1 paciente sofreu perda do enxerto 174 dias antes do óbito.

Função renal

A incidência de função retardada do enxerto foi maior em pacientes com CMV, em comparação com aqueles sem CMV, mesmo considerando receptores de rins de doadores padrão (60% vs. 49%) ou doadores de critérios expandidos (70% vs. 55%) separadamente (Tabela 6). A TFGe aos 1 e 12 meses também foi em média 10 mL/min menor no grupo com CMV. Essa diferença não foi observada no subgrupo de receptores de rins de doadores falecidos de critérios ampliados (Tabela 6). Embora a idade do doador tenha sido associada a um risco aumentado (OR = 1,04 por ano), o uso de terapia de indução com r-ATG (OR = 0,57) e TFGe a 1 mês (OR = 0,93 por ml/min/1,73 m2) foi associado a um menor risco de redução na TFGe aos 12 meses (Tabela 7).

Tabela 6 Função renal 

Com CMV Sem CMV p
Total 336 466
FRE, N (%) 189 (56) 171 (37) 0,000
TFGe a 1 mês, ml/min, média ± DP 41,4 ± 20,7 54,3 ± 28,1 0,000
TFGe aos 12 meses, ml/min, média ± DP 50,0 ± 19,0 61,4 ± 29,4 0,000
Doador vivo 41 (12) 127 (27)
TFGe a 1 mês, ml/min, média ± DP 52,0 ± 19,0 62,5 ± 21,8 0,006
TFGe aos 12 meses, ml/min, média ± DP 50,7 ± 16,1 60,3 ± 18,9 0,004
Doador falecido de critério padrão 177 (53) 274 (59)
FRE, n (%) 116 (65) 142 (52) 0,004
TFGe a 1 mês, ml/min, média ± DP 43,4 ± 23,1 54,0 ± 31,0 0,000
TFGe aos 12 meses, ml/min, média ± DP 54,4 ± 20,4 66,1 ± 34,5 0,000
Doador falecido de critério expandido 118 (35) 65 (14)
FRE, n (%) 87 (74) 37 (57) 0,020
TFGe a 1 mês, ml/min, média ± DP 34,7 ± 14,4 38,8 ± 21,0 0,129
TFGe aos 12 meses, ml/min, média ± DP 42,6 ± 15,2 44,0 ± 17,1 0,606

FRE: Função retardada do enxerto; TFGe: taxa estimada de filtração glomerular pela fórmula MDRD (Modificação da dieta na equação do estudo da doença renal).

Tabela 7 Fatores de risco associados a baixa função renal (TFGe < 53 ml/min) 12 meses após o transplante 

Variável Análise univariada Análise multivariada
Odds Ratio (95% CI) p Odds Ratio (95% CI) p
Doador
Idade, anos 1,06 (1,04-1,07) < 0,001 1,04 (1,02-1,05) 0,000
Tipo
Doador vivo (ref.)
Doador falecido de critério padrão 1,21 (0,83-1,78) 0,321
Doador falecido de critério expandido 3,92 (2,42-6,38) < 0,001
Receptor
Idade em anos 1,03 (1,02-1,04) < 0,001 0,99 (0,98-0,97) 0,113
Masculino 0,87 (0,64-1,18) 0,359
Tempo em diálise, meses 1,00 (1,00-1,01) 0,021 1,00 (0,99-1,00) 0,791
PRA classe I 1,00 (0,99-1,01) 0,581
PRA classe II 1,00 (0,99-1,01) 0,237
Transplante
Compatibilidade HLA [0-6] 0,84 (0,74-0,95) 0,005 0,94 (0,81-1,09) 0,414
Sorologia para CMV, Doador (+)/Receptor (-) 1,07 (0,57-1,99) 0,831
Função retardada do enxerto 1,82 (1,35-2,46) 0,001
Terapia de indução, r-ATG 1,59 (1,07-2,36) 0,023 0,57 (0,33-0,98) 0,041
Terapia de imunossupressão, MPS 2,16 (1,60-2,93) < 0,001 1,01 (0,67-1,53) 0,944
Rejeição aguda, sim 1,20 (0,78-1,86) 0,407
Doença/infecção CMV, sim 1,99 (1,47-2,70) < 0,001 1,14 (0,77-1,68) 0,518
Função renal a 1 mês 0,93 (0,91-0,94) < 0,001 0,93 (0,92-0,94) 0,000

IC: intervalo de confiança; MPS: micofenolato de sódio.

Tolerabilidade

A incidência de mudanças nos esquemas de dosagens iniciais de MPS/AZA aos 12 meses de transplante foi maior em pacientes com CMV em comparação com aqueles sem CMV (63% vs. 31%). A redução da dose foi mais frequente nos pacientes que receberam MPS, enquanto a interrupção do fármaco foi mais frequente entre pacientes que receberam AZA (Tabela 8).

Tabela 8 Alterações nos cronogramas de doses de azatioprina e micofenolato de sódio 12 meses após o transplante 

Mês 12 Com CMV (n = 299) Sem CMV (n = 400)
Total (n = 299) MPS (n = 171) AZA (n = 128) Total (n = 400) MPS (n = 146) AZA (n = 254)
Sem modificação na imunossupressão inicial, n (%) 112 (37) 54 (32) 58 (45) 277 (69) 77 (53) 200 (78)
Sem modificação na imunossupressão inicial, n (%) 187 (63)a 117 (68)b 70 (55)c 123 (31) 69 (47) 54 (22)
Redução nas doses de MPS/AZA, n (%) 118 (63) 81 (69) 37 (53) 83 (67) 56 (81) 27 (50)
Interrupção permanente no uso de MPS/AZA, n (%) 69 (37) 36 (31) 33 (47) 40 (33) 13 (19) 27 (50)

ap = 0,000,

bp = 0,000,

cp = 0,000, com versus sem CMV, respectivamente.

Discussão

Esta análise mostra a influência negativa da infecção por CMV nos desfechos de transplantes renais em pacientes que recebem efetivos esquemas imunossupressores, mas sem profilaxia farmacológica para CMV. Os pacientes que desenvolveram infecção por CMV apresentaram maior incidência de episódios de rejeição aguda, necessitaram de mais alterações no esquema imunossupressivo e apresentaram função renal inferior aos 12 meses após o transplante.

Considerando os esquemas imunossupressores utilizados, incluindo uma dose única de r-ATG de 3 mg/kg em 82% dos pacientes e o uso de tratamento preventivo somente em pacientes considerados com alto risco de infecção por CMV10, a incidência geral de infecção/doença por CMV foi de 42%, com quase 60% deles diagnosticados por monitoração de replicação viral. Em outro estudo, envolvendo receptores de transplante de rim que receberam indução com basiliximab, tacrolimus, micofenolato e prednisona, a incidência de infecção/doença por CMV foi de 38%, usando um valor de corte maior, de 10 células positivas pp65 de CMV para desencadear o tratamento.11

Em uma população comparável, mas sem o uso de terapia preventiva, a incidência de doença por CMV foi de 17%. Curiosamente, neste estudo, 54% dos pacientes apresentaram viremia de CMV transitória e autolimitada,12 e não houve casos de doença invasiva de CMV.

Enquanto nesta coorte, 20% dos pacientes desenvolveram doença por CMV durante o monitoramento por pp65 em duas semanas, apenas 12% desenvolveram doença de CMV durante o monitoramento semanal por pp65 em nosso estudo anterior;11 sugerindo que a frequência dos exames pode explicar, pelo menos em parte, a maior incidência de doença por CMV. Por outro lado, esta coorte teve maior risco de doença por CMV, incluindo um alto uso de r-ATG (82%). Além disso, em outro estudo de coorte, observamos que os pacientes desenvolveram doença por CMV com menor nível de viremia em comparação com aqueles tratados para infecção por CMV, sugerindo que outros fatores, como a potência individual da resposta imune ao vírus, seja celular ou o título de anticorpos, podem estar envolvidos.10

A incidência de recorrência do CMV foi de 36%, comparável a outros estudos.8 No entanto, é importante destacar o elevado número de pacientes com mais de um episódio de recorrência, o que resultou em um alto número de episódios tratados, 514 em 330 pacientes. Os pacientes que receberam MPS apresentaram maior incidência e recorrência de infecção ou doença por CMV, e sofreram mais mudanças no esquema imunossupressor inicial durante o tratamento com CMV em comparação com aqueles que receberam AZA, confirmando observações anteriores.

Este estudo confirma que a idade do receptor, o estado sorológico CMV D+/R- e uso de MPS foram fatores de risco independentes associados à infecção/doença por CMV. O uso de r-ATG foi associado a um risco aumentado de infecção/doença por CMV, quase atingindo significância estatística. Além disso, a função renal ao 1º mês foi associada à incidência de infecção/doença por CMV, achado observado em outro estudo recente de coorte.13 Em um interessante estudo de coorte, pacientes com infecção por CMV apresentaram mudanças mais crônicas nos aloenxertos logo no início, mesmo antes de desenvolver infecção por CMV.14

Isto está de acordo com nossa observação, considerando a maior prevalência de doadores de critérios ampliados e a maior incidência de FTE (Função Tardia do Enxerto) no grupo de pacientes que posteriormente desenvolveram infecção/doença por CMV. Uma vez que a função renal prejudicada precocemente aumenta o risco de infecção por CMV é desconhecido, mas a vigilância imunológica prejudicada e a farmacocinética e farmacodinâmica alteradas dos medicamentos imunossupressores podem ter participação. Por outro lado, a associação entre o número crescente de incompatibilidades HLA e o risco reduzido de infecção/doença por CMV é menos clara e merece confirmação adicional.

Os pacientes com infecção/doença por CMV apresentaram maior incidência e episódios mais severos de rejeição aguda, e necessitaram maior número de tratamentos com r-ATG. Como esperado, não foram observadas diferenças na incidência de perda de enxerto ou morte entre os dois grupos no final do primeiro ano, embora uma maior proporção de óbitos fosse devido a infecções no grupo de pacientes que desenvolveram infecção/doença por CMV. É reconhecido que a infecção por CMV também induz uma ampla gama de efeitos indiretos, como a suscetibilidade à rejeição e às infecções oportunistas.15

Aos 12 meses, a TFGe média foi menor no grupo com CMV do que entre os pacientes sem CMV, sugerindo um possível efeito indireto. No entanto, entre vários fatores de risco associados à função renal ao final do primeiro ano, apenas a idade do receptor (OR = 1,04 por ano), uso de r-ATG (OR = 0,57) e TFGe ao 1 mês (OR = 0,93 por ml/min/1,73m2) estiveram associados independentemente com a TFG aos 12 meses. A TFGe ao 1 mês foi usada como um marcador substituto para o tipo de doador e FTE.

Durante o primeiro ano, 46% dos pacientes que desenvolveram infecção/doença por CMV exigiram uma alteração temporária ou permanente no esquema imunossupressor, particularmente devido a reações adversas hematológicas como a leucopenia. No final do primeiro ano, 63% dos pacientes com CMV apresentaram alterações no esquema imunossupressor inicial em comparação com apenas 31% no grupo sem CMV.

Os pacientes que receberam MPS apresentaram maior proporção de alterações no esquema imunossupressivo em comparação com aqueles que receberam AZA. Embora a alteração mais comum no MPS tenha sido a redução da dose, para AZA, a interrupção permanente ocorreu em quase 50% dos pacientes, tanto no grupo com quanto naqueles sem CMV. As alterações nos esquemas imunossupressores têm sido associadas ao aumento da incidência de rejeição aguda.16 É possível especular que essas alterações possam estar associadas a rejeições subclínicas agudas que influenciam a função renal aos 12 meses.

Esta análise tem várias limitações, incluindo a questão do estudo ter sido conduzido em um único centro, as características demográficas da população, os esquemas imunossupressores utilizados e a falta de profilaxia do CMV, mesmo para o grupo CMV D+/R-, de alto risco. Por outro lado, os dados representam bem as estratégias nacionais de abordagem da infecção por CMV, sugerindo que estratégias mais eficazes para reduzir essa infecção devem ser investigadas e implementadas. No contexto do nosso sistema de saúde pública, o uso de inibidores de mTOR pode ser uma estratégia econômica.11

Em resumo, em uma coorte contemporânea de receptores de transplante de rim, a incidência e a taxa de recorrência da infecção por CMV são altas e estão associadas a maior incidência de rejeição aguda e necessidade de alterações nas drogas imunossupressoras durante o primeiro ano após o transplante. Além dos fatores de risco tradicionais, a função renal ao 1 mês foi associada de forma independente à infecção por CMV. Entender essa associação é fundamental, na medida que aumentamos o uso de rins recuperados de doadores de critérios ampliados.

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