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O Fenômeno das drogas na perspectiva dos estudantes de enfermagem: perfil do consumo, atitudes e crenças

O Fenômeno das drogas na perspectiva dos estudantes de enfermagem: perfil do consumo, atitudes e crenças

Autores:

Luciana de Souza Pereira de Magalhães,
Taís Verônica Cardoso Vernaglia,
Flávia Abrahão Marcolan de Souza,
Silvana Vieira da Chagas,
Marcelo Santos Cruz

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.22 no.1 Rio de Janeiro 2018 Epub 01-Fev-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0205

INTRODUÇÃO

O uso de drogas afeta a sociedade mundialmente, constituindo uma ameaça importante para a saúde, bem-estar e desenvolvimento social.1 É uma questão de saúde pública de difícil resolução, considerando a complexidade, a gravidade e a diversidade de problemas decorrentes do uso de drogas e um sistema de saúde com oferta desigual de serviços, que apresenta dificuldades em atender integralmente, as necessidades desse grupo.2 Este problema tem se intensificado em todas as classes sociais,3 estabelecendo um desafio, em especial no que diz respeito à formulação e a proposição de Políticas Públicas e suas estratégias de enfrentamento para tal fenômeno.

Segundo o Relatório Mundial Sobre Drogas da ONU,4 estima-se que cerca de 246 milhões de pessoas, com idade entre 15 e 64 anos, tenham usado alguma droga ilícita pelo menos uma vez em 2013 e aproximadamente 27 milhões de pessoas, são usuários de drogas problemáticos. Entre os jovens, as chances de vivenciar tais problemas aumentam, uma vez que evidenciamos uma exposição cada vez mais precoce às substâncias.5 O abuso de drogas, que significa um uso prejudicial ou com riscos, mas sem perda de controle, engloba prejuízos sociais, psicológicos, econômicos e políticos, refletindo negativamente, no convívio familiar e social.6 Neste texto, o termo "dependência" é utilizado com o sentido de uso prejudicial com perda do controle.

O I Levantamento Nacional sobre o uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas7 realizado em 2010 com 18 mil estudantes universitários, informou que 86,2% já fizeram uso na vida de bebidas alcoólicas enquanto 46,7% deles relataram uso na vida do tabaco. Quanto às drogas ilícitas, a maconha é a mais consumida, onde 48,7% afirmaram ter feito uso na vida. Ainda 58,0% dos estudante têm o perfil de uso de múltiplas drogas7 com o álcool presente na maioria das combinações.8 A frequência do consumo de drogas é maior entre universitários brasileiros entre 18 e 24 anos, chegando a ser duas vezes maior em relação a população total brasileira com idade entre 12 a 65 anos.9

Este comportamento desmistifica o pressuposto de que o conhecimento sobre as drogas adquirido nas disciplinas dos cursos, seja suficiente para refrear o consumo. É necessária uma compreensão integrada do fenômeno, identificando fatores de risco e de proteção, considerando as características individuais e inerentes à experiência acadêmica,9 na ampliação das ações de promoção à saúde, preventivas e educativas, do tratamento e reabilitação.1

Estudos mostram que o ingresso na universidade é um evento facilitador para o acesso às drogas.3 As novas experiências que surgem em reuniões sociais e o tempo de permanência longe da família deixam o jovem mais vulnerável.6,10 Somam-se a esses fatores os conflitos de transição para a fase adulta, considerando fatores psicológicos, relacionamento familiar,1 influência dos pares, religião3 e condição econômica.

Entretanto, a despeito das condições que concorrem para o uso de drogas envolvidas nessa fase, a enfermagem, antagonicamente, é uma ciência que tem como foco o cuidado humano, a promoção da saúde e a prevenção de doenças,11 tornando-se essencial a identificação dos elementos que prejudicam a saúde da população. Suas crenças e atitudes em relação ao uso, que se refere a qualquer tipo de utilização de drogas, podem se apresentar de maneiras distintas desde o ingresso no curso e com o aprendizado, no decorrer da graduação, podem sofrer mudanças importantes para manutenção de um estilo de vida condizente com o que eles ensinam.12 Contudo, estudos apontam para um déficit no número de horas destinadas ao ensino sobre drogas nas graduações em enfermagem, que oferecem informação e treinamento específico limitados,1 interferindo, qualitativamente, na assistência aos usuários de drogas. Considerando que as atitudes de um profissional são influenciadas, entre outros fatores, pelo conhecimento sobre determinado assunto,13 com pouco conhecimento sobre essas substâncias, tais profissionais tendem a adotar atitude mais negativa, dificultando a abordagem, a identificação de problemas associados ao uso de substâncias e uma intervenção efetiva.

Conhecer as crenças e atitudes dos estudantes nos permite saber informações sobre a forma como estes alunos interpretam as experiências com as drogas e com os usuários. Considerando que, durante a graduação, os estudantes se encontram em um processo de construção de identidade profissional, tais informações são essenciais para o desenvolvimento de estratégias para a sua formação. De posse dessas informações, docentes têm a possibilidade de avaliar as crenças dos estudantes, durante as discussões e reflexões compartilhadas e oferecer conteúdo técnico-científico para enfrentar com atitude positiva, o atendimento ao usuário de drogas, oferecendo uma assistência eficaz, livre da insegurança, da insatisfação e do medo,14 garantindo ações de enfermagem que acompanhem as atuais políticas públicas, em especial, através de ações humanitárias e de respeito à cidadania. Além disso, não encontramos nos periódicos da Biblioteca Virtual em Saúde e Pubmed, estudos abordando ao mesmo tempo o perfil do consumo entre estudantes e as crenças e atitudes dos mesmos em relação ao uso de drogas. Desta forma, a revisão da literatura não responde aos questionamentos enfocados neste estudo, quais sejam, "Qual é o padrão do consumo de drogas de estudantes de enfermagem?", "Quais as crenças e atitudes destes estudantes sobre usuários e drogas?" e "É possível identificar a associação entre o padrão do consumo e as crenças e atitudes?".

Considerando que universitários consomem drogas com mais frequência que jovens não universitários9 e que tal hábito aumenta o risco de danos à saúde,6 pode comprometer a aprendizagem e a memória,15 expondo de maneira expressiva a formação acadêmica,10 torna-se relevante conhecer o padrão do uso de drogas entre os estudantes de enfermagem, uma vez que esta formação envolve a promoção da saúde e prevenção de doenças, sendo estes futuros profissionais os envolvidos na orientação, no cuidado individual, familiar e comunitário.16 As informações sobre o padrão do uso podem contribuir para o desenvolvimento de medidas que evitem o uso abusivo e o agravamento de problemas decorrentes, colaborando, também, para a elaboração de políticas públicas direcionadas a este segmento, que apresenta características particulares. Este estudo, ao identificar as crenças e atitudes dos estudantes em relação ao uso de substâncias psicoativas, pode contribuir para a reformulação do processo de ensino, reestruturando o conteúdo oferecido, além de despertar nos estudantes um olhar sem preconceitos sobre o fenômeno das drogas e consequentemente oferecer intervenções adequadas aos usuários.

Os objetivos deste estudo são descrever e analisar o perfil de uso e abuso de álcool e outras drogas entre estudantes de enfermagem do primeiro e último ano de graduação e investigar as atitudes e crenças desses estudantes em relação às drogas e aos usuários.

MÉTODO

Estudo quantitativo, descritivo e transversal, desenvolvido na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A população do estudo foi constituída de alunos matriculados no primeiro e no último ano do curso de enfermagem, maiores de 18 anos, que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa. Os objetivos do estudo foram apresentados aos alunos abordados em sala de aula e para os que manifestaram desejo de participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aplicou-se questionários por entrevistadores treinados, em sala reservada, respeitando a confidencialidade das informações fornecidas. O tempo para preenchimento dos instrumentos foi de aproximadamente 20 minutos. Na base de dados foi criado um código de identificação, assegurando o anonimato dos participantes.

O projeto de pesquisa foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa CEP-UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, Parecer: 992.346, data de relatoria em 15/04/2015, e aprovado sob o CAEE: 42629915.2.0000.5285.

A coleta de dados ocorreu entre setembro de 2015 e setembro de 2016, resultando a amostra final no total de 160 participantes entrevistados com o instrumento Alcohol, Smoking and Substance Involviment Screening Test - ASSIST: uma entrevista estruturada multidimensional, de rápida aplicação e fácil interpretação, que verifica a frequência do uso de substâncias na vida e nos últimos três meses anteriores à submissão ao questionário (álcool, tabaco e outras drogas), podendo ser aplicado por profissionais de saúde com diferentes formações com a finalidade de rastreamento para o risco atual para o abuso e a dependência.

Também se utilizou como instrumento de coleta de dados o NEADA FACULTY Y SURVEY do Project NEADA - Nurse Education in Alcohol and Drugs - Connecticut - EUA, que consiste em uma escala autoaplicável traduzida por um brasileiro e um britânico e submetida, posteriormente, a "back translation" para conferir a manutenção do sentido original. Estruturado com questões sociodemográficas, contendo informações sobre moradia, data de nascimento, sexo, ocupação, etnia e religião. Também questões abordando o conhecimento teórico sobre as drogas, a nível nacional e internacional, adquirido durante a graduação e questões sobre as crenças dos estudantes de enfermagem em relação ao uso de substâncias e as atitudes dos mesmos na assistência ao usuário.

Para a análise dos dados, foi construído um banco de dados no programa Microsoft Office Excel 2007 e os mesmos foram analisados no software estatístico SPSS 21 (Statistical Package for the Social Sciences), por estatística descritiva.

Aplicou-se o Teste de Fisher, que é utilizado como alternativa ao teste qui-quadrado quando a amostra é pequena ou 80% dos valores esperados são inferiores a 5. Com o teste de Fischer buscou-se verificar a relação de dependência entre frequências das respostas do NEADA FACULTY Y SURVEY dos estudantes matriculados no 1ºano e 5º ano que declararam que fizeram uso de substâncias psicoativas nos últimos três meses, ao nível de significância de 5%. Considerou-se estatisticamente significativas, diferenças com p < 0,05.

RESULTADOS

A amostra de universitários foi composta por 105 (65,6%) estudantes do 1º ano de graduação e 55 (34,4%) estudantes do 5º ano de graduação. O perfil entre os estudantes, do 1º e do 5º ano era, predominantemente, na faixa etária entre 18 a 20 anos (64,8%), do sexo feminino (82,9% e 87,3%, respectivamente), moradores na capital (80,0% e 90,1%), brancos (38,1% e 63,6%), moram com os pais (47,6% e 47,7%), católicos (32,4% e 52,7%) e com pais católicos declarantes (41,0% e 58,2%).

Do total da amostra, 88,5% dos alunos do 1º ano nunca participaram de eventos acadêmicos sobre o fenômeno das drogas e, no 5º ano, este percentual foi de 69,1%.

Os dados apontam que o álcool é a droga lícita mais utilizada na vida, tanto no 1º quanto no 5º ano, respectivamente (81,0% e 81,8%). Em sequência, o tabaco (23,8%), a maconha (19,0%) e hipnóticos (9,5%) no 1º ano e, tabaco e maconha (25,5% ambos) e hipnóticos (10,9%) no 5º ano. Considerando apenas os estudantes que informaram ter usado cada uma das drogas pelo menos uma vez na vida, verificou-se o seu uso recente (nos últimos 3 meses) da substância reportada. No 1º e 5º ano, observou-se, respectivamente, para o uso de álcool (69,4% e 80,0%), tabaco (52,0% e 28,6%), maconha (50,0% e 14,3%) e hipnóticos (40,0% e 50,0%). (Ver Tabela 1).

Tabela 1 Uso na vida e nos últimos 3 meses de substâncias psicoativas entre estudantes do 1º e do 5º ano de Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, Brasil (n = 160). 

Drogas 1º ano (n = 105) 5º ano (n = 55)
Uso na vida Uso nos últimos 3 meses Uso na vida Uso nos últimos 3 meses
n % n % n % n %
Não faz uso de drogas 20 19,0 - - 10 18,2 - -
Álcool 85 81,0 59 69,4 45 81,8 36 80,0
Tabaco 25 23,8 13 52,0 14 25,5 4 28,6
Maconha 20 19,0 10 50,0 14 25,5 2 14,3
Hipnóticos 10 9,5 4 40,0 6 10,9 3 50,0
Outras substâncias 8 7,6 2 25,0 7 12,7 1 14,3

Grande proporção dos alunos de ambas as turmas concordou que sua educação básica sobre alcoolismo (Assertiva 1 (A1); 86% 1º e 5º ano) e abuso de drogas (A2; respectivamente 80% e 67%) foi adequada e que os enfermeiros devem recomendar limites ao consumo (A3; 88% e 94%). Cerca da metade de ambos os grupos (56% 1º ano e 50% 5º ano) discordou da afirmação de que uma pessoa que se torna "livre das drogas" jamais se tornará um usuário social (A4) e as duas turmas não diferiram quanto a crer na possibilidade do uso controlado por dependentes (A6; 59% e 44%). Estudantes do 1º e do 5º ano majoritariamente concordaram que o enfermeiro tem o direito de perguntar sobre o consumo de álcool de um paciente (A10; 80% e 86%), mesmo considerando que uma proporção de cerca de 40% dos alunos do 1º ano e um terço dos do 5º ano pense que as perguntas sobre o consumo de álcool e drogas podem incomodar os pacientes (A7). As duas turmas diferiram sobre a crença na possibilidade de que o paciente fique irritado ao ser perguntado sobre seu consumo de álcool e drogas (A8), pois 57% dos alunos do 1º ano acreditam nesta possibilidade contra apenas 30% dos alunos do 5º ano. (Ver Tabela 2).

Tabela 2 Atitudes e crenças dos estudantes do 1º e 5º ano de Enfermagem em relação ao uso e ao usuário de substâncias psicoativas - Rio de Janeiro, Brasil (n* = 96). 

Assertivas Ano Discorda Indiferente Concorda p-valor
n % n % n %
1. Minha educação básica sobre alcoolismo é adequada 8 13,3 0,0 0,0 52,0 86,7 0,1844
3 8,3 2,0 5,6 31,0 86,1
2. Minha educação básica sobre abuso de drogas é adequada 6 10,0 6,0 10,0 48,0 80,0 0,2375
8 22,2 4,0 11,1 24,0 66,7
3. Os enfermeiros devem saber como recomendar limites, ou seja, incentivar a redução do consumo aos pacientes que bebem muito e frequentemente, mas não são dependentes 5 8,3 2,0 3,3 53,0 88,3 0,7341
1 2,8 1,0 2,8 34,0 94,4
4. Uma pessoa que se torne “livre das drogas” por meio de tratamento nunca se tornará um usuário social 34 56,7 10,0 16,7 16,0 26,7 0,4534
18 50,0 4,0 11,1 14,0 38,9
5. Pessoas com base genética têm maior influência para tornar-se dependente de álcool 20 33,3 17,0 28,3 23,0 38,3 0,0425
5 13,9 8,0 22,2 23,0 63,9
6. Muitos dependentes de álcool podem aprender a reduzir o uso e manter o seu beber sob controle novamente** 18 30,5 6,0 10,2 35,0 59,3 0,3414
16 44,4 4,0 11,1 16,0 44,4
7. Eu penso que ao perguntar sobre o seu uso de álcool e drogas, farei com que o paciente sinta-se incomodado e aflito 22 36,7 12,0 20,0 26,0 43,3 0,3933
18 50,0 7,0 19,4 11,0 30,6
8. Os pacientes ficam irritados quando os enfermeiros perguntam sobre assuntos pessoais como o uso de álcool e drogas 11 18,3 15,0 25,0 34,0 56,7 0,0193
15 41,7 10,0 27,8 11,0 30,6
9. Não é provável que os pacientes falem a verdade sobre seu uso de álcool e drogas quando entrevistados por um enfermeiro 14 23,3 7,0 11,7 39,0 65,0 0,0190
17 47,2 6,0 16,7 13,0 36,1
10. Os enfermeiros têm o direito de perguntar aos pacientes sobre seu consumo de álcool quando suspeitam que os mesmos têm um problema relacionado ao beber 4 6,7 8,0 13,3 48,0 80,0 0,5117
3 8,3 2,0 5,6 31,0 86,1
11. A maioria das pessoas dependentes de álcool e drogas são desagradáveis para cuidar como pacientes 24 40,0 23,0 38,3 13,0 21,7 0,0223
24 66,7 10,0 27,8 2,0 5,6
12. Usuários de álcool e drogas somente podem ser tratados por especialistas desta área 25 41,7 15,0 25,0 20,0 33,3 0,0001
31 86,1 2,0 5,6 3,0 8,3

*O n = 96 representa os estudantes que informaram uso de drogas nos últimos 3 meses;

**Na Assertiva 6, o n = 59 por ter um caso de não-resposta no NEADA Faculty y Survey.

As crenças dos alunos das turmas do 1º e do 5º ano também diferiram quanto à herdabilidade. Enquanto 64% dos alunos do 5º ano reconhece a vulnerabilidade genética, apenas cerca 38% dos do 1º ano reconhece esta possibilidade (A5). Também discordaram quanto a confiar nas respostas dos pacientes: 65% dos alunos do 1º ano disse não ser provável que os pacientes falem a verdade sobre seu uso de álcool e drogas, mas apenas 36% dos do 5º ano concorda com isso (A9). Uma proporção muito maior de alunos do 5º ano (67%) discordou da afirmação de que a maioria das pessoas dependentes de álcool e drogas são desagradável para cuidar, contra apenas 40% dos do 1º ano (A11). As duas turmas diferiram bastante no que se refere à crença na necessidade de especialização. Apenas 8% dos do 5º ano concordaram que só especialistas devem cuidar de pessoas com problemas com drogas contra um terço dos do 1º ano (A12). (Ver Tabela 2).

Para estudar a distribuição do consumo de drogas pela amostra, foram criadas as categorias "estudantes que não usaram drogas nos últimos três meses", "estudantes que consumiram somente drogas lícitas nos últimos três meses" e "estudantes que consumiram drogas lícitas e ilícitas nos últimos três meses". Utilizamos o teste de Fischer para verificar a relação de dependência entre estas categorias e as crenças e atitudes evidenciadas pela escala NEADA e observamos que não houve relação de dependência entre o tipo de droga consumida nos últimos três meses e as crenças e atitudes.

DISCUSSÃO

A amostra predominantemente feminina (82,9% e 87,3%) no 1º e 5º ano respectivamente, é uma característica identificada em cursos de enfermagem.15

Os dados obtidos mostram que o álcool, o tabaco, a maconha e os hipnóticos são as substâncias de maior uso entre os estudantes do 1º e do 5ºano, sendo que o uso do álcool foi referido por todos os alunos que fizeram uso na vida (81,0% e 81,8%) de qualquer tipo de droga. A alta prevalência (85,0%) de uso na vida de álcool entre estudantes de enfermagem foi observada também, por Antoniassi Junior.6 No presente estudo, o uso do álcool nos últimos três meses também foi frequente nos dois grupos (69,4% no 1º ano e 80,0% no 5º ano). Todas as outras drogas, seja de uso na vida ou nos últimos três meses, apareceram entre os que já haviam consumido álcool, observando-se, assim, o uso de duas ou mais drogas, evidenciado, também, no estudo de Vázquez.17

Os dados sobre o consumo de álcool chamam a atenção para os riscos, considerando que maiores quantidade e frequência de uso, os expõem a uma possível interferência na aprendizagem e na memória, essenciais no desempenho acadêmico, podendo incidir na futura prática profissional. Acentuam a necessidade de que os estudantes recebam informações sobre as consequências do abuso do álcool, a fim de que promovam uma reconsideração do uso habitual na sociedade.

O tabaco foi a segunda droga mais referida pelos estudantes do 1ºano (23,8% de uso na vida). No caso dos alunos do 5º ano, o tabaco e a maconha são apresentados com o mesmo percentual de uso na vida (25,5%), colocando a maconha como a droga ilícita mais usada e confirmando o perfil encontrado no "I levantamento nacional sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas entre universitários das 27 capitais brasileiras".7 A alta prevalência de uso e o risco de aparecimento de problemas associados ao consumo do álcool e do tabaco podem estar relacionados ao seus caracteres lícitos, com grande divulgação e disponibilidade de oferta.5

Dos alunos que informaram uso na vida de hipnóticos, o uso nos últimos 3 meses, foi frequente tanto entre alunos do 1º (40%) quanto do 5º ano (50%). O consumo dessas substâncias é associado, por Marchi et al.,18 à fatores ansiogênicos vivenciados pelos estudantes de enfermagem durante a graduação, conferindo prejuízo no rendimento acadêmico.10

O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas19 - Sisnad - instituído pela Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, prescreve, entre outras medidas, a prevenção do uso indevido de drogas. Entretanto, autores apontam para a necessidade de desenvolver atividades de prevenção com estratégias diferenciadas para o segmento universitário, que possui perfil com características próprias.9 Sendo esta consideração, fundamental para a efetividade das propostas de redução de riscos e danos relacionados ao uso de drogas.

Como ponto positivo, considerando a amostra total, a maioria dos estudantes acredita ter uma educação básica adequada sobre drogas e reconhece como atribuição do enfermeiro, orientar usuários de álcool, encorajando-os a considerar uma mudança no consumo. Entretanto, esta concordância dos estudantes retrata uma incoerência quando verificamos o uso de múltiplas drogas entre os mesmos, indicando uma possível falha na qualidade de informações recebidas sobre as drogas. Também podem indicar que apesar de terem estas informações, mantém um uso com riscos. Outra possibilidade é de que esta prática possa estar relacionada com uma avaliação dos estudantes sobre o uso do álcool baseada em crenças construídas antes da graduação, sob influência da forte aceitação do álcool em nossa sociedade e sugere que práticas reflexivas possam ser incorporadas às atividades acadêmicas, com o objetivo de provocar análises críticas e possíveis mudanças de hábitos e comportamentos. A discrepância identificada também aponta para a necessidade de atenção à saúde mental dos estudantes, uma vez que as motivações para o uso podem estar amparadas, entre outros, por problemas de ordem emocional e comportamental. A atenção sobre a dimensão psicológica dos graduandos, por exemplo, pode representar um reforço na abordagem das questões relacionadas ao uso de drogas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Enfermagem11 abordam o reconhecimento da responsabilidade social deste profissional, porém, para desenvolver este comprometimento, é preciso ir além do modelo biológico no ensino sobre o uso indevido de drogas,16 onde principalmente a prática é pouco abordada.14 Sabe-se que o conhecimento sobre a temática é indispensável para assistir e orientar essa população, de maneira a promover mudança no comportamento em relação ao uso de substâncias. Além disso, pontuam sobre a necessidade de desenvolver competências e habilidades, que permitam ao enfermeiro atuar eticamente e com embasamento científico, assegurando uma assistência de qualidade e integral.

Em contradição com a boa avaliação da própria formação, os estudantes do 1º ano acreditam na capacidade dos usuários em controlar o uso de álcool e outras drogas, apesar de ainda não terem conhecimento científico sobre o assunto. Entretanto os estudantes do 5º ano apresentaram opiniões divididas quanto ao controle, o que denota uma abordagem ineficaz da temática durante a graduação. A falta de conhecimento pode levar o futuro profissional a realizar intervenções impróprias13 e, inclusive, influenciar negativamente, no consumo de substâncias pelos própios estudantes, que chegam na universidade com uma ideia formada sobre o uso de drogas e realizam um julgamento sobre o uso das substâncias, baseado em suas crenças. Conforme os resultados apontam, o álcool foi a droga de maior prevalência entre os estudantes sem que haja a redução da parcela de consumo no grupo do 5º ano. Possivelmente, a alta aceitação dessa substância pelo grupo está amparada por suas crenças em relação a esta droga, evidenciando uma provável necessidade de rever os conteúdos abordados durante a graduação, uma vez que esse julgamento pode ser modificado, com a ampliação do conhecimento científico.

Apesar de ficar evidente para ambos os grupos ser responsabilidade do profissional de enfermagem investigar sobre o consumo e saber orientar esses indivíduos, identificamos uma atitude contraditória à essa afirmação, entre os estudantes do 1º ano, onde menos da metade discorda quando questionados sobre ser desagradável cuidar de usuários de drogas. Esse sentimento inclui nosso sistema de valores, tendendo a uma atitude negativa em relação aos usuários. No grupo pertencente ao 5º ano, percebe-se uma modificação, de maneira positiva, nas crenças e atitudes dos estudantes, em relação à visão que apresentam sobre cuidar dos usuários e no reconhecimento de ser responsabilidade do enfermeiro cuidar dessas pessoas, mesmo não sendo especialistas.

No que se refere à atitude dos alunos na realização de questionamentos aos usuários pelo enfermeiro, os estudantes do 1º ano acreditam que perguntas podem deixar o usuário aflito, incomodado, irritado e que possivelmente mintam sobre o uso de drogas. Esta interpretação moralista e a atitude negativa podem interferir desfavoravelmente na comunicação, na identificação e direcionamento de problemas relacionados ao uso de drogas.20 Representam um bloqueio que pode dificultar a abordagem e a orientação dessas pessoas, remetendo à necessidade de aumentar a atenção aos conteúdos das aulas, uma vez que o despreparo para cuidar dos usuários está relacionado a um menor conhecimento sobre as drogas. Sabe-se que para aumentar a adesão ao tratamento, é necessário a criação de vínculo entre o usuário e profissionais, através do diálogo e do acolhimento.16 Em relação ao 5º ano, apesar da maioria dos estudantes discordar de que questionamentos podem deixar o usuário aflito, incomodado e irritado, esse percentual corresponde à metade da amostra, revelando que estes estudantes apresentam dificuldades na comunicação com o usuário de drogas, como foi verificado também no estudo de Santos et al.20 Como consequência, tanto a nível nacional como internacional, pesquisadores16,20 relatam que estes estudantes ficam inclinados a oferecer assistência baseados em suas crenças, tendendo ao julgamento de valores e com uma atitude preconceituosa, interferindo negativamente no exercício da sua função. Para aperfeiçoar o ensino para esta prática, é necessária a ampliação de conteúdos sobre as drogas na formação dos profissionais de enfermagem,21 que lidam com usuários de drogas nos diferentes níveis de atenção à saúde.

Quanto ao uso de drogas entre os universitários, percebe-se a necessidade de intervir precocemente, de modo a promover uma possível modificação em suas crenças, uma vez que as substâncias são usadas, entre outros motivos, por problemas familiares e econômicos, para diversão, para promover alívio da ansiedade, facilitar a socialização.5

Este estudo pode contribuir para a revisão e reformulação dos conteúdos e práticas da grade curricular sobre a atenção a pessoas com problemas com substâncias psicoativas a serem trabalhados durante a graduação para a formação. Isto é essencial para a formação de enfermeiros mais seguros e habilitados a atuar nesta área da atenção à saúde.

CONCLUSÃO

Conhecer as crenças e atitudes dos estudantes de enfermagem em relação ao usuário de drogas, bem como o padrão de consumo de drogas entre os mesmos é importante, pois a enfermagem tem como responsabilidade a promoção, prevenção e reabilitação da saúde. Para exercer tal função, é necessário adquirir conhecimento técnico-científico que resulte em uma assistência que ofereça atenção de maneira integral à saúde das pessoas.

Verificamos de acordo com os resultados, que embora os estudantes de enfermagem considerem ter conhecimento básico adequado sobre drogas, o uso de álcool foi apontado por todos os estudantes que afirmaram ter consumido pelo menos um tipo de droga e o uso de outros tipos de drogas aparece entre os usuários de álcool. Apesar deste consumo aparecer com alto percentual em ambos os grupos, menos da metade dos estudantes do 5º ano acredita na possibilidade de controle do uso de álcool pelos usuários, apontando para uma deficiência no conteúdo oferecido pela instituição, implicando no desconhecimento sobre as formas de redução do próprio consumo e do consumo do usuário e, também, em uma oferta de assistência ineficaz, limitada ao senso comum.

Em contrapartida, os dados apontam que estudantes do 5º ano apresentam visão menos preconceituosa sobre cuidar desses indivíduos e, mais frequentemente do que os alunos do 1º ano, possuem o entendimento que é da responsabilidade do enfermeiro, cuidar desses usuários. Contradições são mais visíveis entre os estudantes do 1º ano, onde a maioria reconhece que o profissional de enfermagem deve investigar o uso de drogas e saber fazer orientações, mas se mostram inseguros, quando concordam que o usuário pode se irritar, se sentir incomodado e aflito, além de omitir informações sobre o uso, quando forem realizadas perguntas que são essenciais para uma compreensão abrangente da forma de consumo e posterior intervenção. Tais crenças podem ser modificadas durante a graduação com conteúdo teórico bem elaborado, que confira qualidade ao exercício profissional no futuro e com um possível contato do estudante com essa população, que pode ser promovido durante os estágios, onde o estudante tem a chance de aprender a aplicar o conteúdo aprendido, desenvolvendo competências práticas durante as intervenções e suscitando mudanças em suas atitudes.

Os participantes do estudo representam limitações para a pesquisa, pois somente os estudantes de enfermagem foram incluídos, sendo de igual importância a investigação entre os estudantes dos outros cursos. Os dados foram coletados na própria universidade, o que pode causar constrangimento e receio quanto ao relato de uso de drogas. Ainda como limitação, os questionários aplicados são baseados em autorrelatos e não foram feitas testagens que confirmem o uso ou não uso de uma determinada droga, o que demandaria disponibilidade dos alunos e aumentaria os gastos relacionados aos testes.

REFERÊNCIAS

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