versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.3 São Paulo jul./set. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170050
O aumento da expectativa de vida, evidenciado na população mundial nas últimas décadas, trouxe como consequência uma maior prevalência de diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial e doença renal crônica (DRC) - doenças frequentes e não transmissíveis entre os idosos.1
Esta é uma das razões para o aumento significativo da incidência de pacientes idosos (≥ 65 anos) na terapia renal substitutiva (TRS) nos últimos anos. Como evidenciado pela última pesquisa sobre diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia, 31,4% dos pacientes em diálise no Brasil são idosos.2
Da mesma forma, a obesidade atingiu grandes proporções a nível mundial, e é um dos maiores desafios de saúde pública deste século, sendo considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a epidemia do século XXI.3 No Brasil, esse aumento também foi dramático, especialmente nos pacientes com idade igual ou superior a 20 anos.4
A obesidade é conhecida por estar associada às duas causas principais de DRC, diabetes e hipertensão.5 Em outras palavras, obesidade pode ser considerada como um preditor de DRC.6
Ao considerar a terapia renal substitutiva (TRS) para pacientes obesos, vários estudos mostram que na hemodiálise (HD), o índice de massa corporal (IMC) está solidamente associado a um menor risco de mortalidade.7-12 Quanto ao tratamento com diálise peritoneal (DP), estudos sobre obesidade são controversos quanto aos resultados, e não há consenso sobre o prognóstico para esta condição.11,13-17
Estudos existentes na literatura não são longitudinais, avaliaram o IMC somente à admissão ou não são estratificados por idade, sendo ajustados apenas em modelos estatísticos.14,16,18
A DP é uma boa opção de tratamento para pacientes idosos, devido aos benefícios específicos que oferece para essa população.19-22 No entanto, em relação ao IMC elevado encontrado em pacientes em DP, a inconsistência de dados é uma realidade, particularmente na população idosa.
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do IMC em uma coorte de pacientes idosos em DP incidentes ao longo de um período de tempo.
Estudo de coorte prospectivo e multicêntrico, realizado de dezembro de 2004 a outubro de 2007, com pacientes recrutados para o estudo BRAZPD.23
Neste estudo foram incluídos os pacientes incidentes em DP, recrutados em 114 centros de diálise que servem mais de 10 pacientes em DP cada um, reportando mensalmente ao BRAZPD. Os detalhes do formato do estudo e as características da coorte estão descritos em outro lugar.23 Todos os pacientes tinham 18 anos de idade ou mais, permaneceram em DP por pelo menos 90 dias e forneceram informações completas sobre peso corporal e altura. Este estudo foi realizado segundo as premissas da Declaração de Helsinque, e todos os participantes forneceram consentimento informado por escrito antes de participarem.
Dos 3.439 pacientes incidentes inscritos no BRAZPD, 1.528 pacientes foram excluídos (867 por não completarem 90 dias de terapia e 661, com mais de 90 dias em tratamento, mas sem dados de peso ou estatura). Dos restantes 1.911, 1.149 foram excluídos (idade < 65 anos) e dos outros 762 pacientes, 88 foram excluídos (menos de duas medidas de IMC), deixando 674 para análise (Figura 1).
Os dados foram coletados mensalmente de dezembro de 2004 a outubro de 2007. Os dados sociodemográficos e clínicos foram tomados como base. O prontuário médico de cada paciente foi cuidadosamente revisado por nefrologistas que extraíram dados relativos à doença renal subjacente, história de doença cardiovascular e outras comorbidades. O escore de comorbidade de Davies24 foi utilizado para avaliar a gravidade das condições comórbidas, e a escala de status de Karnofsky25 para classificar o comprometimento funcional.
Os dados obtidos nos prontuários dos pacientes incluíram o seguinte: informações sociodemográficas, etiologia da doença renal crônica, hipertensão e comorbidades. Durante o período de seguimento, o peso corporal (PC), altura e o IMC foram avaliados mensalmente. O IMC, definido como peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros, foi classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS): abaixo do peso (< 18,5 kg/m2), normal (18,5 a 24,9 kg/m2), excesso de peso (25 a 29,9 kg/m2) e obesos (≥ 30 kg/m2).
O peso corporal foi medido mensalmente sem líquido de DP na cavidade abdominal. As medidas laboratoriais foram realizadas mensalmente, incluindo creatinina, ureia, potássio, cálcio, fosfato, alanina-amino-transferase (ALT), glicose, hemoglobina, albumina, colesterol total e triglicerídeos, e foram determinadas utilizando métodos de rotina. Os pacientes foram seguidos até receberem transplantes de rim, recuperação da função renal, foram transferidos para HD, morreram ou encerraram sua participação no estudo.
Os pacientes foram divididos em aqueles que foram incidentes na terapia renal substitutiva (TRS) para DP (DP primeiro: 230) e aqueles que vieram transferidos da hemodiálise (HD primeiro: 444). Os dados estão descritos como média ± DP, média ou porcentagem dependendo da característica da variável. Uma análise comparando os dois grupos (DP primeiro vs. HD em primeiro lugar) foi conduzida usando o teste do qui-quadrado ou Kruskal Wallis. Uma análise semelhante foi utilizada para comparar pacientes em DPA vs. DPAC.
Os dados demográficos e clínicos foram comparados entre os pacientes, que foram divididos de acordo com o IMC (definido pela OMS), por ANOVA, Kruskal Wallis ou qui-quadrado. A análise de sobrevida foi realizada utilizando o método de Kaplan-Meier, e a análise de risco proporcional de regressão de Cox foi utilizada para ajustar as variáveis confundentes. A sobrevida também foi analisada de acordo com a evolução do IMC no período de seguimento.
Finalmente, foi utilizado um modelo conjunto para dados longitudinais e tempo para o evento para avaliar efetivamente o impacto que uma variável longitudinal tem sobre o tempo em um evento de interesse, neste caso, a sobrevida. Os modelos conjuntos avaliam dados longitudinais e de sobrevida, presumindo que ambos os processos compartilham os mesmos efeitos aleatórios, o que pode reduzir o viés e melhorar a precisão em comparação com abordagens mais simples.
Esta abordagem inclui modelos separados para cada forma de dados usando ferramentas padrão para covariáveis dependentes do tempo em um modelo de sobrevida. Também foi ajustado para outras covariáveis, como idade, gênero, escore de Davies, primeira terapia e tipo de terapia. Para estimativa de parâmetros, a técnica de quadratura de Hermmit-Gauss foi realizada para avaliar o risco acumulado. O software STATA 13 foi utilizado. Foi considerado um intervalo de confiança de 95% e um p <0,05.
O estudo avaliou 674 pacientes idosos incidentes tratados por DPA (n = 364) ou DPAC (n = 310), que iniciaram a diálise entre dezembro de 2004 e outubro de 2007 e foram seguidos até outubro de 2007. Seguindo a classificação da OMS, o IMC basal foi usado para dividir os pacientes em quatro grupos: abaixo do peso (n = 56); normal (n = 329); sobrepeso (n = 214) e obeso (n = 75).
A idade média foi estatisticamente diferente entre os grupos, mostrando que pacientes abaixo do peso (76,79 ± 7,53 anos) eram mais velhos (p = < 0,0001). O sexo feminino foi significativamente prevalente entre os pacientes obesos (65,3%) (p = 0,014) e o tempo de seguimento (12,47 ± 7,73 meses) também foi maior (p = 0,017) no grupo de pacientes obesos. O nível educacional mostrou estatísticas significativas (p = 0,002), com mais analfabetos (30,4%) no grupo abaixo do peso e mais instruídos (9,3%) no grupo obeso (Tabela 1).
Tabela 1 Comparação entre variables sociodemográficas e clínicas segundo o intervalo do índice de massa corporal
Abaixo do peso n=56 | Normal n=329 | Sobrepeso n=214 | Obeso n=75 | Valor de P | |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 76,79±7,53 | 75,23±7,04 | 73,79±6,15 | 72,36±5,5 | <0,0001 |
Gênero feminino (%) | 58,9 | 53,8 | 45,3 | 65,3 | 0,014 |
Etnia (%) | 0,14 | ||||
Branco | 66,1 | 67,2 | 72 | 68 | |
Negro | 7,1 | 9,1 | 10,3 | 16 | |
Marrom | 23,2 | 20,4 | 13,6 | 16 | |
Amarelo | 3,6 | 3,3 | 4,2 | 0 | |
Renda (%): até duas rendas | 33,9 | 31,6 | 28,5 | 25,3 | 0,35 |
Nível educacional (%) | 0,002 | ||||
Analfabeto | 30,4 | 17,3 | 8,4 | 13,3 | |
Ensino fundamental | 51,8 | 56,5 | 66,8 | 54,7 | |
Ensino médio | 16,1 | 22,2 | 18,2 | 22,7 | |
Faculdade | 1,8 | 4,0 | 6,5 | 9,3 | |
Seguimento pré-diálise (%) | 51,8 | 55 | 55,6 | 62,7 | 0,66 |
Seguimento (meses) | 8,5±6,2 | 10,66±7,03 | 10,97±7,2 | 12,47±7,73 | 0,017 |
Escolha do método (%) | 0,45 | ||||
Informação médica | 62,5 | 59 | 55,6 | 64 | |
Preferência pessoal | 21,4 | 25,5 | 21,5 | 24 | |
Única opção | 16,1 | 15,2 | 22 | 12 | |
Encaminhamento (%) | |||||
Clínico | 30,4 | 31,3 | 32,2 | 33,3 | 0,97 |
Cardiologista | 23,2 | 24,9 | 24,3 | 18,7 | 0,70 |
Endocrinologista | 8,9 | 7,6 | 8,9 | 14,7 | 0,34 |
Unidade de emergência | 21,4 | 16,7 | 13,6 | 16 | 0,52 |
Unidade básica de saúde | 8,9 | 7,6 | 9,3 | 6,7 | 0,84 |
Outros | 21,4 | 16,7 | 15,4 | 18,7 | 0,73 |
Distância do centro: | |||||
Até 25 km | 55,4 | 61,7 | 63,1 | 58,7 | 0,82 |
Comorbidades (%) | |||||
Diabetes | 32,1 | 44,7 | 55,1 | 68 | <0,0001 |
HVE | 42,9 | 40,4 | 42,5 | 40 | 0,95 |
Insuficiência cardíaca | 30,4 | 35,3 | 31,3 | 30,7 | 0,70 |
DVP | 23,2 | 28,3 | 30,8 | 29,3 | 0,71 |
Neoplasia | 8,9 | 4,6 | 5,6 | 4,0 | 0,59 |
Colagenase | 3,6 | 1,2 | 0 | 0 | 0,04 |
DP primeiro (230) /HD primeiro (444) (%) | 32,1/67,9 | 32,5/67,5 | 35 /65 | 40/60 | 0,64 |
DPA/DPAC (364/310) | 31/25 | 172/157 | 120/94 | 41/34 | 0,84 |
Karnofsky > 70 | 66,1 | 75 | 79 | 77,2 | 0,002 |
Pacientes com acesso vascular (%) | 19,6 | 21,9 | 20,1 | 18,7 | 0,83 |
Escore de Davies (%) | 0,56 | ||||
0 | 10,7 | 13,7 | 11,2 | 10,7 | |
1 | 51,8 | 42,6 | 39,3 | 33,3 | |
2 | 25 | 26,1 | 30,4 | 34,7 | |
3 | 12,5 | 17,6 | 19,2 | 21,3 | |
Óbito (%) | 44,6 | 34 | 26,2 | 29,3 | 0,001 |
PA Sistólica (mmHg) | 129,30±18,47 | 137,55±23,39 | 142,17±26,09 | 141,92±27,26 | 0,002 |
PA Diastólica (mmHg) | 76,94±11,96 | 79,53±12,62 | 82,81±12,52 | 81,97±12,75 | 0,002 |
Não houve diferença entre os quatro grupos ao comparar renda, raça, distância ao centro de diálise, acompanhamento pré-diálise, escolha do método, referência ou escore de Davies (Tabela 1).
Também na Tabela 1, diabetes mellitus apresentou alta prevalência no grupo obeso (68%, p < 0,0001). No grupo de pacientes abaixo do peso, o índice de Karnofsky superior a 70 ocorreu em 66,1% deles, uma porcentagem menor do que nos demais grupos (p = 0,002). No entanto, este foi o grupo com maior porcentagem de óbitos (44,6%, p = 0,001).
Os níveis de pressão arterial mostraram significativamente que os valores mais altos de pressão arterial sistólica (PAS) (p = 0,002) e pressão arterial diastólica (PAD) (p = 0,002) estão presentes no grupo de pacientes com sobrepeso e obesidade (Tabela 1).
Quanto aos dados laboratoriais, houve diferença estatística nos níveis de cálcio (p = 0,046) e glicose (p = 0,006), com os valores mais altos presentes em pacientes obesos (Tabela 2).
Tabela 2 Comparação entre variáveis laboratoriais com o intervalo do índice de massa corporal
Abaixo do peso N= 56 |
Normal N= 329 |
Sobrepeso N= 214 |
Obeso N= 75 |
Valor de p | Dados faltosos | |
---|---|---|---|---|---|---|
Albumina -S (g/L) | 0,77 | 484 | ||||
Creatinina -S (mg/dL) | 5,58±2,85 | 6,49±3,20 | 6,87±5,31 | 6,71±3,11 | 0,19 | 44 |
Uréia -S (mg/dL) | 107,00±46,74 | 114,30±46,05 | 113,91±47,50 | 107,16±46,24 | 0,48 | 3 |
Hemoglobina (g/L) | 10,66±2,04 | 10,54±3,35 | 11,21±2,68 | 10,68±1,81 | 0,07 | 3 |
Fosfato (mg/dL) | 4,58±1,77 | 5,42±11,34 | 4,78±1,77 | 5,27±5,31 | 0,78 | 3 |
Cálcio (mg/dL) | 8,55±2,19 | 8,18±2,61 | 8,41±2,14 | 9,00±1,60 | 0,046 | 3 |
Potássio (mEq/L) | 4,34±1,16 | 4,58±1,08 | 4,80±1,60 | 4,56±0,76 | 0,055 | 3 |
ALT (mg/dL) | 21,01±13,42 | 16,93±13,36 | 18,25±11,43 | 19,78±15,30 | 0,084 | 3 |
Glicose (mg/dL) | 101,85±48,85 | 119,21±63,87 | 129,94±78,92 | 142,23±81,65 | 0,006 | 63 |
Triglicérides (mg/dL) | 125,24±72,71 | 175,34±101,19 | 215,85±201,01 | 181,82±87,48 | 0,39 | 565 |
Colesterol total (mg/dL) | 193,26±49,41 | 194,27±66,05 | 185,13±68,99 | 174,18±47,92 | 0,077 | 566 |
A comparação entre pacientes em DPA (n = 364) vs. DPAC (n = 310) não mostrou diferença entre os dois grupos ao se comparar idade, gênero, renda ou cuidados pré-dialíticos. Em relação à etnia, houve uma maior porcentagem de brancos em DPA (73,6% vs. 62,9%, p = 0,01). O nível educacional também foi significativo (p = 0,001), mostrando mais analfabetos no grupo DPAC (19,7% vs. 11,3%) e pacientes com mais alta escolaridade em DPA (7,1% vs. 2,9%).
A distância ao centro de diálise também mostrou ser de importância significativa (p = 0,002), com pacientes em DPA morando mais próximos (67,3% vs. 54,2%). Houve um maior número de pacientes em DPAC (63,5% versus 54,7%) por causa de uma indicação médica (p < 0,0001), bem como mais pacientes em DPA (29,4% vs. 17,1%) por preferência pessoal. Quanto a encaminhamentos, os pacientes anteriormente atendidos por endocrinologistas preferiam DPA (11,8%) ao invés de DPAC (5,5%) (p = 0,003). A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) foi a única comorbidade que mostrou diferença significativa entre os grupos (p = 0,011), com pacientes em DPAC com maior prevalência (46,5% vs. 36,8%).
Em relação ao nível de PAS, houve diferença estatisticamente significante (p = 0,002), com níveis mais elevados para pacientes em DPAC (142,01 ± 24,89 mmHg vs. 136,10 ± 24,04 mmHg). Em relação à PAD, não encontramos diferenças. O seguimento foi diferente, mostrando pacientes em DPA com períodos mais longos quando comparados aos do DPAC (11,39 ± 7,55 meses vs. 10,6 ± 6,56 meses, p = 0,015). O índice de Karnofsky superior a 70 foi significativo (p = 0,004), mostrando que os pacientes em DPA apresentaram menor desempenho (77,8% vs. 76,8%). Quanto aos grupos DPA e DPAC, não houve diferença em relação ao escore de Davies ou ao óbito.
Quanto às variáveis laboratoriais, houve diferença estatística nos níveis de hemoglobina (p = 0,001) e ALT (p = 0,03), ambos maiores para pacientes em DPA (11,13 g/dL ± 3,15 vs. 10,36 g/dL ± 2,57 e 19,01 U/L ± 13,07 vs. 16,84 U/L ± 12,97, respectivamente).
Nós dividimos os pacientes em dois grupos, DP primeiro (n = 230) e HD primeiro (n = 444), com base no tipo de modalidade de diálise utilizada pelo paciente no início do TRS. Nessa divisão, o atendimento pré-dialítico e o seguimento tiveram diferenças estatisticamente significativas (p = 0,048 e p < 0,0001, respectivamente), mostrando que um maior número de primeiros pacientes em DP apresentou seguimento (61,3% vs. 52,9%) e que isso ocorreu por um longo período de tempo (12,18 meses ± 7,64 vs. 5,10 ± 6,76 meses).
Em relação à escolha do método, houve diferença significativa (p = 0,0001), com mais pacientes em DP (36,1% vs. 17,3%) como terapia de escolha e mais primeiros pacientes em HD (22,3% vs. 7,0%) escolheram DP como a única opção restante. Quanto aos encaminhamentos, apenas aquelas realizadas por endocrinologistas mostraram diferença estatisticamente significante (p = 0,001), resultando mais frequentemente em pacientes em DP primeiro quando encaminhados por esses especialistas (13.9% vs. 6.3%). O índice de Karnofsky superior a 70 também foi estatisticamente significante (p = 0,03), com pacientes em DP mostrando valores maiores (79,9% vs. 75,9%). Não houve diferença estatística para qualquer outra variável sociodemográfica.
Não observamos diferenças estatisticamente significativas nos valores das variáveis laboratoriais, com exceção de uma tendência (p = 0,057) para a creatinina sérica, com valores maiores para pacientes em HD primeiro (6,81 mg/dL ± 3,9 vs. 9,6 mg/dL ± 5,13).
Na Tabela 3, observamos no modelo Cox que, mesmo após o ajuste, a idade e o IMC, tanto a interseção quanto a inclinação da curva permaneceram associados à sobrevida, com a idade como fator de risco e IMC como fator de proteção. Na Figura 2 mostramos a curva de Kaplan Meier com base na evolução do IMC. Isso foi confirmado no modelo conjunto (Tabela 4). Os parâmetros conjuntos, a interseção individual do IMC e as inclinações das curvas (efeitos aleatórios), fornecem o grau em que a composição corporal afeta a sobrevida. Um aumento de uma unidade no IMC basal resultou em diminuição de 1% no risco de morte (HR = 0,99, p = 0,02) e uma inclinação individual do IMC de uma unidade ao longo do seguimento, em uma diminuição de 12% no risco de morte (HR = 0,88, p = 0,01).
Tabela 3 Modelo de regressão de cox ajustado para idade, gênero, escore de davies, tipo de tratamento e primeiro tratamento
Variável | Coef. De Risco | p | IC |
---|---|---|---|
Idade | 1,03 | <0,0001 | 1,01 – 1,05 |
Gênero | 0,68 | 0,008 | 0,52-0,90 |
Davies | |||
1 | 1,22 | 0,40 | 0,75-1,98 |
2 | 0,94 | 0,84 | 0,56-1,58 |
3 | 1,60 | 0,06 | 0,96-2,67 |
HD primeiro | 1,17 | 0,27 | 0,87-1,58 |
DPA | 0,93 | 0,66 | 0,70-1,24 |
Tabela 4 Joint model of age, gender, body mass index - intercept and slope
Variável | Coef. De risco | p | IC |
---|---|---|---|
Idade | 1,03 | 0,001 | 1,01 – 1,05 |
Gênero | 0,70 | 0,011 | 0,53-0,92 |
IMC | 0,99 | 0,021 | 0,99-0,99 |
Interseção | 0,88 | 0,009 | 0,80-0,96 |
Inclinação da curva |
Neste estudo observacional de uma coorte de pacientes idosos incidentes em DP no Brasil, demonstramos que os pacientes variam amplamente quanto à evolução do IMC. Sem um modelo de efeito aleatório, a conclusão alcançada é: não há diferença na sobrevida entre os subgrupos avaliados. No entanto, ao estabelecer modelos para a evolução do IMC, observa-se que entre os idosos que evoluíram para óbito não houve ganho médio de IMC, o oposto ocorreu com aqueles que sobreviveram.
Os pacientes abaixo do peso eram mais velhos em nosso estudo. Embora seja frívolo afirmar que o IMC possa medir a adiposidade em todas as faixas etárias de forma semelhante. O estudo de Santos e Sichieri26 concluiu que, na população idosa que eles avaliaram (n = 699), quando comparados com a população de meia idade (n = 1306), o IMC pode ser usado como indicador de adiposidade para esta faixa etária, particularmente para mulheres.
Além disso, um estudo de Perissinotto et al.27 mostrou que, entre homens mais velhos, há maior perda de massa corporal magra quando comparados às mulheres. Goh et al.28 sugerem que o IMC deva ser diferenciado por idade e etnia. Um estudo publicado recentemente mostra que, no Brasil, a prevalência de obesidade é de 12,5% para os homens e 16,9% para as mulheres.29 Esse fato também foi evidenciado em nosso estudo, que mostrou mais mulheres do que homens no grupo de pacientes obesos.
Nos países em desenvolvimento, os estudos mostraram uma forte relação entre condição socioeconômica e obesidade em homens e mulheres30. Esses dados não mostraram relevância em um estudo de Andrade Bastos et al.31 da população total de pacientes incidentes do BRAZPD quando foi avaliado o impacto do nível de renda e instrução formal na sobrevida. Em nosso estudo, a renda também não foi associada ao IMC, no entanto, ao avaliar o nível de instrução, observamos que, contrariamente à revisão sistemática recente,32 entre os pacientes abaixo do peso, havia mais pessoas analfabetas; e entre aqueles obesos e com sobrepeso, havia uma maior porcentagem de pacientes com ensino fundamental e médio.
Está bem estabelecido que a obesidade está associada à resistência à insulina e à hiperinsulinemia33, bem como ao aumento do risco de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.34 No Brasil, em 2013, VIGITEL (Surveillance of Risk and. Protective Factors for Chronic Diseases Telephone Survey ), que promove a vigilância dos fatores de risco e de proteção para doenças crônicas por meio de pesquisa telefônica em todo o país, apresentaram taxas aumentadas de diabetes no grupo de pacientes idosos (≥ 65 anos, 22,1%).35 Descobrimos, como esperado, alta prevalência de diabetes mellitus no grupo de pacientes obesos, bem como níveis mais altos de glicose.
O sobrepeso é um bom preditor para o desenvolvimento da hipertensão.36 De fato, nossos pacientes com sobrepeso e obesidade apresentaram os maiores níveis de pressão arterial, tanto sistólica quanto diastólica.
Quando avaliamos o índice de Karnofsky e o escore de Davies, achamos que os pacientes obesos apresentaram problemas mais graves, embora não tenha havido significância estatística. Estudos publicados até agora mostram resultados conflitantes em relação ao impacto do IMC na sobrevida de pacientes com DP, o que pode estar relacionado em parte ao fato de que o IMC não distingue músculo de tecido adiposo.37
É interessante observar que fatores como mudanças por envelhecimento, polimedicamentos, doenças crônicas, mudanças psicossociais e dieta causam maior risco de desnutrição em idosos.38 Isso, por sua vez, aumenta o risco de mortalidade e morbidade.38 De forma semelhante, o baixo IMC e a perda de massa muscular também estão associados à morbidade e mortalidade em pacientes com doença renal crônica.39 Nosso estudo mostra que a maioria dos pacientes malnutridos não só eram mais velhos, mas também morreram mais, embora paradoxalmente, os obesos apresentaram problemas mais sérios.
Vale ressaltar que os pacientes em DPA vs. DPAC foram comparados e verificou-se que há maior porcentagem de hipertensão arterial e HVE em pacientes com DPAC, bem como níveis de hemoglobina. No entanto, está além do alcance deste artigo comparar esses métodos, porém essa variável foi incluída como um dos fatores de ajuste nos modelos de regressão de Cox e modelos conjuntos, sem impacto significativo na sobrevivência. Os primeiros pacientes de DP também foram comparados com aqueles que eram HD primeiro e, neste caso, o índice de Karnofsky foi melhor entre os primeiros pacientes com DP. Da mesma forma, a modalidade de diálise DP primeiro vs. HD primeiro foi incluída nos modelos ajustados e não mostrou impacto na sobrevida.
A maioria dos estudos mostra que a associação entre IMC e sobrevida em diálise não está relacionada à idade. De fato, Pellicano et al.40 em um estudo longitudinal avaliou o IMC em HD e DP, estratificando os pacientes por idade e não relataram diferenças entre os grupos.
O estudo realizado por Hoogeveen et al.14 relatou que pode haver associação entre a idade e a sobrevida a longo prazo em diálise para pacientes com mais de 65 anos, sugerindo que a obesidade está mais associada à mortalidade para as pessoas com idade inferior a 65 anos. Em nosso estudo, a idade aparece como um fator de risco para a mortalidade e o IMC não apresenta pior impacto na mortalidade.
O fato de os pacientes malnutridos apresentarem maior mortalidade é consenso em TRS. A desnutrição é reconhecida como um forte preditor de mortalidade em pacientes submetidos a DP.41 Na verdade, quando avaliamos o efeito do baixo IMC sobre a sobrevida desses pacientes, os resultados parecem ser mais convincentes, com estudos mostrando que os pacientes em incidência de DP apresentam risco de mortalidade duas vezes como alto,16 e que há maior mortalidade em pessoas com menor IMC (<18,5 kg/m2).42 Nosso estudo também mostrou que pacientes malnutridos eram aqueles que apresentavam maior percentual de óbito.
Johnson et al.,17 um dos primeiros a avaliar o IMC em relação à mortalidade na DP, seguiram 43 pacientes com DP prevalentes por 3 anos e mostraram que o IMC superior a 27,5 kg/m2 era um preditor positivo da sobrevida de pacientes. Um recente estudo brasileiro,42 usando a população do BRAZPD, mostrou em um estudo observacional que o IMC elevado não tem impacto na mortalidade ao longo do tempo.
Considerando o risco de morte em pacientes obesos submetidos à DP, outros estudos mostraram diminuição,11,43 aumento,13,14 ou nenhuma diferença15,16. Em nosso estudo, apesar das limitações causadas pela ausência de função renal residual e variáveis de tabagismo, consideramos que a análise do IMC foi um diferencial, uma vez que se mostrou evolutivo e dependente do tempo na população idosa. Concluímos que o aumento da variação do IMC ao longo do tempo provou ser um fator protetor, com uma diminuição de cerca de 1% no risco de morte para cada unidade de IMC na linha de base e 12% para cada unidade obtida.