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O impacto de atividades linguístico-discursivas na promoção da saúde de idosos de uma instituição de longa permanência

O impacto de atividades linguístico-discursivas na promoção da saúde de idosos de uma instituição de longa permanência

Autores:

Isis Aline Lourenço de Souza,
Giselle Massi,
Ana Paula Berberian,
Ana Cristina Guarinello,
Luciana Carnevale

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.20 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000200001490

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional consiste em um fenômeno de amplitude mundial. Na atualidade, apesar das orientações das políticas públicas nacionais ressaltarem como questão central a qualidade de vida na velhice, percebe-se que apenas uma parcela da população brasileira tem acesso a um envelhecimento saudável e autônomo, uma vez que a grande maioria ainda vive uma velhice frágil e dependente.

Idosos dependentes, geralmente, são atendidos por familiares que assumem a responsabilidade pelo cuidado de seus velhos(1). O Estatuto do Idoso(2) destaca que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso a efetivação do direito à vida e à saúde, porém, com priorização do dever da própria família garantir os direitos fundamentais inerentes à pessoa idosa, em detrimento do atendimento asilar, exceto os que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência.

Assim, as decisões familiares voltadas aos cuidados dos mais velhos, em geral, são balizadas pela situação socioeconômica de cada grupo familiar ou de cada idoso, caso este viva sozinho, ou seja, contratar cuidadores, profissionais que prestam serviços na própria residência, ou optar por instituições de longa permanência.

No Brasil, a expectativa de vida cresce proporcionalmente à ascensão da demanda por instituições denominadas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), casas de repouso ou instituições geriátricas(3).

A ILPI é um sistema organizacional que deveria assumir a responsabilidade de cuidar do idoso quando ele perde os vínculos com sua família e rede social, oferecendo suporte ou assistência às necessidades dos idosos, com a finalidade de cuidar de sua saúde e de lhe conceder qualidade de vida nos últimos anos de sua existência, ou seja, suprir as necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social(4). Porém, o tipo de assistência geralmente oferecida pelas ILPIs é predominantemente voltada aos cuidados biológicos da população assistida, sendo inexistentes, ou permanecendo em segundo plano, ações que promovam as relações e reinserções sociais dos idosos, o que resulta, muitas vezes, em absoluto isolamento dos mesmos.

Neste sentido, as ILPIs enfrentam o desafio de, efetivamente, cumprirem as diretrizes mundiais voltadas à atenção à saúde do idoso, que foram sendo paulatinamente incorporadas nas políticas públicas brasileiras nas últimas décadas, sobretudo aquelas relacionadas à Promoção da Saúde, tais como a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/94)(5), pautada, igualmente, na perspectiva de garantia aos direitos sociais dessa população, por meio do favorecimento de sua autonomia, integração e participação na sociedade e o pacto pela saúde em defesa do SUS(6). Essas políticas defendem a situação de saúde da população brasileira, com destaque para a promoção do envelhecimento ativo e saudável da pessoa idosa.

O envelhecimento saudável implica no reconhecimento de que, para além dos cuidados destinados à saúde física, outros fatores afetam a qualidade de vida no envelhecer(7). Desse modo, tal concepção articula-se à questão dos direitos à igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida e isso remete à conscientização dessa população quanto a sua responsabilidade de exercer voz ativa nos processos políticos e em outros setores ligados à experiência humana(8).

Contudo, a vivência nas ILPIs atesta, geralmente, uma realidade bastante diversa do almejado pelas políticas públicas. Um fato atual e preponderante diz respeito às limitadas relações que os idosos institucionalizados mantêm com os demais residentes e com pessoas que vivem fora dos muros da própria ILPI. Essa relação ineficaz, leva os idosos à inatividade e à depressão, ou seja, a condições vulneráveis desencadeantes de uma série de agravos à saúde(9). O isolamento dos idosos em ILPIs vem sendo apontado pela literatura(10) como um problema recorrente do abrigamento, em relação ao qual é necessário o implemento de ações que visem sua superação.

Na busca dessa superação, entende-se que um componente imprescindível para a promoção e manutenção da saúde de idosos institucionalizados é a instauração de interações significativas entre os residentes das instituições, o que pressupõe uma abordagem capaz de favorecer um trabalho voltado às práticas de linguagem. Assim, a prática dialógica é considerada como trabalho social que significa e dá sentido à vida do homem, em seus diferentes ciclos.

Um fator que sustenta a importância desta pesquisa é que, na Fonoaudiologia, a produção científica no âmbito da promoção da saúde com idosos institucionalizados ainda é escassa. Os estudos são fortemente influenciados por uma visão centrada na identificação de alterações/perdas relacionadas ao caráter biológico da velhice. Além disso, a maior parte das investigações relacionadas à temática da linguagem e do envelhecimento, enfocam dificuldades individuais de memória e lesões neurológicas(11). Sem dúvida, tais investigações têm grande relevância na área. No entanto, conforme indicam os próprios Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia, o grande desafio do fonoaudiólogo, alinhado às recentes propostas de reorientação das ações da categoria, condizentes com a promoção da saúde, encontra-se, justamente, na proposição de iniciativas que ultrapassem a dimensão da assistência curativa e individual.

Assim, o presente estudo parte do princípio de que, por meio de iniciativas configuradas pela concepção de linguagem, enquanto interação, torna-se possível o “empoderamento”, definido como “a condição que uma pessoa, um grupo social ou uma comunidade tem de ampliar, sistematicamente, sua capacidade de empreender ações, negociar e pactuar com outros atores sociais a favor do bem comum, como também de se fazer ouvir, de ser respeitada e de agir coletivamente para resolver problemas e suprir necessidades comuns(12).

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi analisar o impacto de atividades sociodiscursivas na promoção da saúde, em um grupo de idosos residentes numa Instituição de Longa Permanência, situada em um município da região Centro-Sul do Paraná.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Este estudo, de caráter qualitativo, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Maringá (CESUMAR), sob o número 114.859/12 e realizado em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos, de direito privado, filantrópica, situada em um município da região Centro-Sul do Paraná.

Os critérios para inclusão dos participantes foram vinculados à idade e à residência, ou seja, os participantes tinham que contar com, no mínimo, 60 anos de idade e residir em uma ILPI localizada na região Centro-Sul do Paraná. Foram excluídos sujeitos que apresentavam impossibilidades e/ou limitações linguísticas.

Participaram da pesquisa dez idosos, sendo sete mulheres e três homens, com idades entre 60 e 92 anos. Quanto ao estado civil, sete eram solteiros, dois divorciados e um viúvo. A escolaridade desses sujeitos foi variada: quatro tinham o ensino fundamental incompleto, quatro nunca frequentaram a escola e dois tinham o ensino superior completo. Constatamos que o tempo de residência na ILPI foi de um a mais de dez anos.

Inicialmente, foram realizadas várias visitas à instituição para convidar individualmente cada idoso a participar da pesquisa. Nessas visitas foi explicado aos idosos que aconteceriam momentos de conversas em grupo, para compartilharem temas que considerassem relevantes em suas vivências. Após esse processo, foi agendado o primeiro encontro, no qual obteve-se a assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes da pesquisa.

Para o desenvolvimento das atividades linguístico-discursivas foram realizados 16 encontros de grupo focal, semanalmente, no período de setembro a dezembro de 2012, em horários determinados pelos idosos, sendo que cada encontro teve duração de, aproximadamente, 90 minutos e foi norteado por temas específicos, tais como: juventude, infância, trabalho, religião, militância política, mitos, crendices e práticas populares no processo saúde/doença, vida na ILPI, viver bem, envelhecer, entre outros. Todos os encontros foram gravados em áudio, por meio de um gravador de voz digital (Powerpack® DVR-2089, 2160 HR).

Quanto aos temas norteadores da interação, tendo em vista a perspectiva da Promoção da Saúde que propõe o empoderamento dos sujeitos envolvidos no incremento de atividades saudáveis, solicitou-se aos idosos, no primeiro encontro, que expusessem assuntos que gostariam que fossem abordados. No decorrer das reuniões, a partir da interação dos sujeitos, foram sugeridos os tópicos de discussões dos próximos encontros.

Com relação ao grupo focal, este consiste na interação grupal sobre um tópico específico, de acordo com os objetivos da investigação(13). O ambiente para a realização das reuniões foi a sala de espera do consultório odontológico da Instituição de Longa Permanência para Idosos. O local era organizado previamente, com a disposição das cadeiras em círculo, com o intuito de deixar o ambiente agradável, tranquilo e acolhedor.

Antes da realização de cada encontro, era preparada uma pauta, contendo o objetivo do encontro, a dinâmica a ser realizada, bem como as questões norteadoras a serem desenvolvidas. Vale destacar que o roteiro elaborado servia apenas como um guia para a discussão, havendo flexibilidade para incorporar questões de interesse trazidas pelo grupo de idosos. Com isso, visava-se o favorecimento do processo de constituição do grupo e a criação de possibilidades de complementaridade, de partilha entre os idosos participantes da atividade.

No início de cada sessão/encontro, a pesquisadora fonoaudióloga/mediadora informava a finalidade da discussão, de modo a distribuir as vozes, conduzir a discussão e mantê-la dentro dos tópicos de interesse do grupo. Após o término do último encontro de grupo focal (o 16º), realizou-se uma entrevista semiestruturada oral e individual com os sujeitos da pesquisa, a qual compõe o corpus da presente pesquisa.

A entrevista foi organizada com dez perguntas abertas, em um roteiro que incluiu questões para investigar os sentidos atribuídos pelos idosos às atividades linguístico-discursivas desenvolvidas com o grupo focal. As questões também abordaram as mudanças geradas na sua relação com outro/idoso residente na mesma ILPI, a partir da participação no grupo.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e a análise e interpretação dos enunciados foram elaboradas em função da perspectiva bakhtiniana de linguagem(14), a partir dos princípios de Dialogia e Alteridade, que nos permitem afirmar que a constituição de um sujeito depende da alteridade, ou seja, das relações intersubjetivas estabelecidas por cada um ao longo de sua existência.

Convém salientar que essa ótica de análise consiste numa compreensão dialógica das respostas dadas às entrevistas semiestruturadas individuais, as quais resultaram de relações dialéticas com os discursos que se materializam na forma de enunciados.

Bakhtin(14) afirma que a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação, que é a realidade fundamental da língua. A enunciação - momento de uso da linguagem - é marcada tanto pela interação entre os sujeitos, quanto pelo meio social que os envolve. Durante o processo de interação, os enunciados produzidos na relação dialógica são estruturados a partir da atividade responsiva, como enunciados já vivenciados em outras relações.

À luz dessa visão bakhtiniana de linguagem, apreende-se que é a partir da convivência com os outros que o ser humano se constitui humano. O princípio dialógico funda a alteridade e estabelece a intersubjetividade como antecedente à subjetividade.

A identificação dos enunciados proferidos pelos sujeitos desta pesquisa, foi feita por meio da letra “s”, correspondente a “sujeito”, seguida de um número de 1 a 10, ou seja, a letra “s” acompanhada do número 1 (s1) indica que o enunciado em questão foi elaborado pelo sujeito participante identificado pelo numeral 1.

Antes de o corpus da pesquisa ser apresentado, convém ressaltar que, durante as visitas iniciais para organização dos encontros com os idosos, foi possível observar que a instituição em questão é um lugar organizado, oferecendo condições de higiene, salubridade, segurança e acessibilidade. Logo à entrada, situa-se o prédio principal com a sala da administração, uma sala de televisão, um amplo refeitório, uma cozinha, quartos coletivos que separam homens e mulheres, sendo que alguns idosos possuem quartos individuais. Na parte de trás do prédio principal, há uma ala de quartos e uma lavanderia e, ao lado, uma sala onde fica o consultório odontológico. Numa área externa, existem cadeiras dispostas lado a lado, o que pode facilitar a aproximação entre os idosos institucionalizados. Contudo, embora vários desses idosos sentem-se nessas cadeiras, muitos passam grande parte do tempo olhando para o horizonte, ou seja, apesar de o espaço físico viabilizar proximidade entre os residentes, não há movimento por parte deles para manter interação e proximidade intersubjetiva.

O corpus da pesquisa é composto por conjuntos enunciativos elaborados pelos idosos nas entrevistas individuais. Portanto, o impacto de atividades sociodiscursivas na promoção da saúde dos idosos que compõem esse estudo foi apreendido após a série de conversas estabelecidas durante os encontros do grupo focal, a partir da aplicação de entrevista semiestruturada.

Para eles, tais encontros, marcados por uma perspectiva dialógica, evidenciaram a possibilidade de aprendizado e crescimento pessoal, conforme os enunciados produzidos em resposta à pergunta sobre o que significou participar de atividades dialógicas.

“Aprendizado de um com o outro, aprendi muito. Um conta sua história e você começa a aprender como era a vida da pessoa, assim como a gente vivia uma vida diferente, vai comparando o modo de vida de cada um, aí fica pensando, puxa vida, será que era bom, será que não era. E como eu me senti acolhido nesse grupo, me senti a vontade” (s1).

“Uma oportunidade de crescer, pois através das conversas, a gente coloca as opiniões, enriquece o vocabulário. Eu tive chance de expor minhas ideias, conversar, conhecer melhor as pessoas que moram comigo” (s10).

Experiências de aprendizado, de crescimento, de acolhimento e de possibilidade de organizar e expressar ideias e opiniões transpareceram nos depoimentos. Para os idosos institucionalizados, participantes desta pesquisa, a proposta do grupo focal, pautado em atividade dialógica, foi uma oportunidade aberta ao conhecimento de diferentes histórias não coincidentes entre si e que, justamente por isso, propiciou o compartilhamento de sentimentos, dando lugar ao diálogo que, diga-se de passagem, só existe quando se reconhece a alteridade, a diferença em relação ao outro.

As atividades linguístico-discursivas proporcionaram aos idosos o reconhecimento de outros sujeitos residentes nesse mesmo espaço institucional, marcado pela restrição das relações de alteridade, pois, quando indagados sobre o que significou participar dos encontros, observou-se nos discursos:

“Para mim foi uma autoajuda, porque assim eu fiquei conhecendo aos poucos os colegas, muitos eu não sabia o conhecimento que têm, porque muitos demonstram-se tão friamente e quando a gente vai ver tem uma bagagem tão espetacular e eu acabei me entrosando melhor aqui. Na minha opinião, eu acho que deveria ter alguém que continuasse a fazer os encontros, urgentemente, que nem esses, que bateu aquele dia da semana nos já estávamos olhando, vai ter ou não, eu sondava pelo carro” (s4).

“Gostei de todos os encontros. Todos levavam para um elo só. Serviu para eu conhecer melhor algumas pessoas que eu até tinha medo daqui, que pareciam tão sérias que eu não tinha trocado uma palavra” (s3).

“Sabe que amigos são poucos os que eu tenho aqui. E o grupo era pra escutar também, né, assim eu conhecia melhor eles” (s2).

“Se não fosse essas conversas eu não poderia conhecer melhor quem vive comigo e eu aprendi a ver as pessoas aqui como minhas amigas. Porque eu considerava que não conhecia ninguém realmente de verdade, que eu pudesse ter confiança”(s7).

“Eu conheço as pessoas daqui, conheço assim, mas assim a fundo não conheço. Porque aqui no grupo a gente vai pegando mais confiança de tudo, porque eu até tenho confiança, mas não aquela confiança” (s9).

Com base nos depoimentos acima é possível afirmar que, a partir do diálogo, os idosos puderam conhecer uns aos outros, num processo de escuta, de entrosamento e de estabelecimento de confiança entre eles. Foi possível verificar, em seus enunciados, que as suas relações com os outros, na vida cotidiana institucionalizada, tendem a ser marcadas pela indiferença, pela falta de confiança e pelo não conhecimento das histórias desses outros que vivem espacialmente perto, mas, dialogicamente, tão longe.

À medida que se constituíam como grupo, passaram a compartilhar necessidades comuns, o que resultou no fortalecimento de laços e no sentido de pertencimento, conforme evidencia-se nos seguintes enunciados:

“Eu fiz fortes amizades durante nossas conversas. Sabendo um pouquinho cada vez da opinião de um e de outro, confirmei que a gente precisa pôr a nossa ideia” (s6).

Eu pude ver mais pessoas daqui como minhas amigas mesmo. Vi que têm pessoas que parecem uma caixinha de surpresa” (s8).

“A coisa boa é a amizade que a gente tem com tudo mundo, graças a Deus. A gente sempre cuida pra não agravar os outros aqui, se não vira aquela brigarada. O grupo pôde firmá isso, vê o que fala” (s5).

Percebe-se que, ao longo dos encontros, o grupo focal foi assumindo relevância na vida de seus participantes. Nos seus depoimentos, há referências recorrentes à construção de laços de amizade possibilitados pelo acolhimento e pelo conhecimento mútuo. Isso se tornou possível devido à qualidade da mediação implementada pelas pesquisadoras fonoaudiólogas, visando garantir a posição ativa dos participantes “chamados” a se assumirem como sujeitos do discurso. Em outras palavras, os idosos para os quais as palavras eram dirigidas não eram meros receptores, mas integrantes ativos no curso da interação viva. Assim, diálogos aconteceram de forma que fosse reconhecida a unicidade, a alteridade de cada um e a não indiferença à singularidade dos outros. Note-se que o tipo de mediação viabilizava o acolhimento, a construção de laços sociais e a participação ativa dos sujeitos, ou seja, os elementos constitutivos do “empoderamento”, cujo conceito e papel nas iniciativas de promoção da saúde foram descritos anteriormente.

Nos discursos dos idosos, observou-se também como a interação permitiu que eles recordassem sua história e como, por essa via, poderiam atualizar e refletir sobre momentos significativos do passado, do presente e também refletir sobre o futuro.

“Porque muita coisa a gente esquece, e proseando a gente relembra, revive momentos que a gente tem muita saudade” (s5).

“Me representa que cada um se queixa de si e a gente se admira quanto fato parecido com o da vida da gente. E os encontros me ajudaram a refletir melhor sobre a vida” (s1).

Agora a gente até presta mais atenção nas outras pessoas que a gente tá ali perto e não se toca, não presta atenção no que eles estão falando. Agora assim a gente dá mais atenção, mais cuidado, trata os outros com mais carinho mesmo. Então isso que me ajudou bastante” (s4).

Ao serem questionados, durante a entrevista, sobre o que os motivou a participar dos encontros, os idosos anunciaram:

“Saí um pouco de lá, mudar o ambiente e parecer importante, sair daquela rotina de todo dia a mesma coisa, saí de um lado e vai pro outro e vai cá e pra lá. Da cadeira pra cama, da cama pra cadeira. Uma atividade diferente que motivou muito” (s1).

“No encontro a gente se distrai. Não é fácil ficar só lá. Eu ficava esperando chegar quinta, se não a semana parece que ficava vazia” (s3).

Evidencia-se o comprometimento dos idosos com o grupo pela assiduidade nos encontros, pois participavam independente de terem alguma outra atividade em ambiente institucional ou não, até mesmo nos dias chuvosos, em que a locomoção ao espaço da reunião não era tão favorável.

DISCUSSÃO

O idoso, ao chegar a uma instituição, traz consigo uma bagagem cultural, uma história de vida e um cotidiano, os quais, geralmente, são secundarizados em seu processo de inserção numa nova condição de vida institucionalizada pautada, na maioria das vezes, apenas no atendimento das suas necessidades básicas voltadas aos aspectos biológicos. Muitos idosos que residem nas ILPs vivem em um silêncio provocado pela nova condição de vida, que é correlativo ao processo de afastamento/evitação do diálogo.

Desse modo, na busca pela minimização dos efeitos desse duro processo de segregação, o presente trabalho focou-se na promoção de saúde dessas pessoas a partir de uma ação dialógica da linguagem, que representa, como já mencionado, a um só tempo, o “apossar-se” da própria voz e o reconhecimento de que se está vivo. Tomar a linguagem em seu caráter interativo, histórico, cultural, e o sujeito como autor das transformações sociais em suas relações com outros sujeitos, foi determinante para que os resultados deste estudo fossem alcançados.

O uso da linguagem pressupõe, invariavelmente, a possibilidade de significar. Deste modo, a concepção de que o discurso liberta o sujeito de uma condição de mero organismo abstrato, ressaltou a necessidade de situar o indivíduo que envelhece em uma ILPI numa dimensão histórica e social. Questões referentes ao uso da linguagem anunciaram uma perspectiva de análise que não se resume ao aspecto orgânico e fisiológico da pessoa que envelhece, mas compreende o próprio universo de constituição permanente da consciência dessa pessoa, marcada socialmente pela intersubjetividade(15).

A linguagem, pautada na perspectiva dialógica, como assumida nesta pesquisa, viabiliza o resgate, no espaço da interlocução, do papel do idoso como um ser social, histórico e cultural que é sujeito e autor das transformações sociais, à medida que se constitui a partir do fenômeno linguístico.

Nesta pesquisa, fica evidente, nos enunciados dos sujeitos, que a atividade grupal engendrada na/pela linguagem, trouxe a possibilidade de um novo espaço de inserção na ILPI, proporcionada pelas interações entre os seus residentes, visto que, apesar dos idosos morarem e partilharem o mesmo local, de estarem reunidos pelo tempo/espaço na ILPI, não são desenvolvidas ações que promovam a interação, o que caracteriza um agrupamento de indivíduos e não um grupo.

Já por meio dos encontros do grupo focal, fundamentados em atividades dialógicas, os idosos se reconheceram como integrantes de um grupo, a partir da possibilidade do compartilhamento de suas histórias de vida.

Enfatiza-se, desta forma, a distinção entre grupo e agrupamento. O agrupamento é composto por um conjunto de pessoas que convive partilhando de um mesmo espaço, mas com distanciamento inter-relacional, porém, com uma potencialidade para se constituir como um grupo propriamente dito. Na ILPI há essa aglutinação de pessoas, na qual a relação entre os institucionalizados é ínfima.

A transformação de um agrupamento em um grupo é um processo dinâmico e pressupõe que os sujeitos assumam uma posição de interlocutores uns dos outros. Nos encontros propostos no presente estudo, os idosos passaram a agir com a linguagem e sobre a linguagem, havendo uma integração coletiva com um fim comum, a interação, que aconteceu a partir da organização de relatos de suas vidas, de ideias, de opiniões, de experiências no grupo e para o grupo.

Assim, é possível ressaltar a função determinante que a linguagem, enquanto prática discursiva, pode assumir na vida do idoso institucionalizado, pois traz a possibilidade de que ele se reconheça presente no diálogo e, por aí, na própria instituição em que vive.

Diante dos enunciados produzidos pelos idosos, também foi possível perceber que a estratégia do grupo focal pode ser capaz de promover diálogo. Nos encontros, os idosos foram convocados a falarem sobre si, sobre suas vivências, suas opiniões; suas vozes eram distribuídas para que cada idoso pudesse escutar e ser escutado. Eles puderam falar sobre si, tiveram a oportunidade de dialogar sem se preocupar com prejulgamentos que partem de noções dicotômicas, como, por exemplo, noções polarizadas no “certo/errado”.

Destaca-se também a importância da Fonoaudiologia em efetivar trabalhos com a linguagem e sobre a linguagem, de forma a promover situações interativas entre os idosos institucionalizados, com vistas à promoção da saúde. Sob esse ponto de vista é pertinente salientar que a promoção da saúde acontece mediante ações que viabilizem o empoderamento do sujeito.

Vale ressaltar, ainda, que o empoderamento, em Promoção da Saúde, está associado a formas alternativas de se trabalhar as realidades sociais, em um processo que auxilie os indivíduos a reconhecerem suas potencialidades pessoais (coletivas e individuais) e compreenderem que ações organizadas socialmente são imprescindíveis para as mudanças em direção à melhora de sua situação de vida.

Nesta perspectiva, as atividades dialógicas promovidas no grupo focal trouxeram aos idosos a possibilidade de vislumbrarem e vivenciarem um papel ativo em um contexto relacional. Nos diálogos encaminhados, a riqueza das histórias de cada sujeito, o interagir com pessoas que viviam isoladas no mesmo ambiente, proporcionou, para os idosos, a experiência de “sentirem-se integrados, de “perceberem-se” pertencentes a um grupo.

Na medida em que os idosos foram convocados a participar do grupo, passaram a compartilhar necessidades em função de objetivos comuns. Dessa forma, o incentivo ao fortalecimento dos laços de amizade surgiu como uma estratégia para incidir positivamente sobre o local onde residiam os idosos institucionalizados, o que favoreceu sua saúde e os fez experimentar o prazer dos vínculos no seu viver.

COMENTÁRIOS FINAIS

Atendendo aos objetivos apontados neste estudo, o impacto das atividades socioverbais pode ser evidenciado a partir da formação de um grupo de idosos, cuja constituição foi motivada por interações significativas. Os efeitos dessa iniciativa revelam-se na formação de laços afetivos entre os idosos do grupo, o sentimento de amizade e confiança, a solidariedade mútua, a crescente possibilidade de compartilharem suas vidas e, principalmente, a possibilidade de se verem como sujeitos ativos, a partir da experiência promovida pelo diálogo.

Os encontros de grupo focal podem indicar a possibilidade de promover o empoderamento e a saúde dos idosos participantes, na medida em que o empoderamento implica um processo no qual acontecem transformações nas relações sociais, para privilegiar a liberdade e o respeito ao outro.

Os resultados desta pesquisa também permitem refletir sobre a importância de ações fonoaudiológicas, pautadas na promoção de saúde, a serem tomadas frente à realidade que aponta para o crescimento, em ritmo acelerado no país, da população de idosos. Tais ações implicam no fortalecimento do papel social do sujeito idoso, fomentando iniciativas que preservem a sua singularidade, autonomia e cidadania. Assim, trabalhos grupais viabilizadores do diálogo e do reconhecimento da alteridade podem assumir significativa relevância, pois, atividades com/sobre e de linguagem interferem na qualidade de vida de qualquer pessoa. Tais atividades podem influenciar positivamente nas condições de vida de idosos institucionalizados, empoderando-os, na medida em que se reconhecem como sujeitos e, portanto, agentes da própria vida e da instituição em que vivem.

REFERÊNCIAS

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