versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.12 Rio de Janeiro 2018 Epub 29-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00010918
Monoclonal antibodies (mABs) have been indicated as an innovative technology for the treatment of some types of cancer, since they are capable of targeting and selectively killing tumor cells. However, the high costs of these therapies raise questions as to the sustainability of access. This study aimed to identify the principal characteristics of monoclonal antibodies used in cancer treatment with active marketing authorization in Brazil as of 2016. This was a descriptive retrospective analysis based on consultation of the Brazilian Health Regulatory Agency (Anvisa) website, in which these mABs were characterized according to the target antigen, type of antibody, year of registration, therapeutic indications, and applicant. A total of 14 antibodies were identified with action on seven different target antigens. The most frequent clinical indications were for lymphomas, leukemias, breast cancer, and colorectal cancer. As for type, the study identified three chimeric, six humanized, and five human antibodies. Roche was the applicant in 6 of the 14 mABs, or 43% of the marketing authorization. It was possible to discuss the idea of me-too medicines in the biological market and the idea of a differentiated oligopoly, as well as to think about the tensions in this kind of market. It is expected that the development of new products, although to act on the same biological target, represent the possibility of a competitive increase and, as a result, a decrease in prices practiced by companies. However, this becomes a problem when it is the same pharmaceutical industry that launches on the market new antibodies directed to the same target, with no relevant changes.
Keywords: Monoclonal Antibodies; Neoplasms; Drug Approval; Decision Making
Los anticuerpos monoclonales (mABs) han sido señalados como una tecnología innovadora para el tratamiento de algunos tipos de cáncer, por ser capaces de apuntar y matar selectivamente células tumorales. No obstante, los altos costes de estas terapias ponen en cuestión la sostenibilidad del acceso. El objetivo de este trabajo fue identificar las principales características de los anticuerpos monoclonales, destinados al tratamiento de cáncer, con registro sanitario activo, en Brasil, en 2016. Se trató de un análisis descriptivo retrospectivo, a partir de la consulta a la página web de la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria (Anvisa), donde esos mABs se caracterizaron conforme el antígeno objetivo, tipo de anticuerpo, año de registro, indicaciones terapéuticas y empresa detentora de su registro. Se identificaron 14 anticuerpos con acción en siete antígenos-objetivo diferentes. En lo referente a las indicaciones clínicas, hubo una mayor frecuencia de linfomas, leucemias, cáncer de mama y cáncer colorrectal. En cuanto al tipo, se identificaron tres anticuerpos quiméricos, seis humanizados y cinco humanos. Roche apareció como la empresa detentora del registro de 6 de los 14 mABS, lo que representa un 43% de los registros sanitarios. Fue posible, a partir de esos datos, discutir la idea de medicamentos me-too en el mercado de biológicos, así como reflexionar sobre las tensiones existentes en ese mercado y la idea de oligopolio diferenciado. El desarrollo de nuevos productos, aunque sean para actuar en un mismo objetivo, representa la posibilidad de un incremento competitivo y, con ello, de una disminución de los precios practicados por las empresas. Esto se convierte en un problema cuando es la misma empresa que lanza en el mercado nuevos anticuerpos, dirigidos al mismo objetivo, sin cambios relevantes.
Palabras-clave: Anticuerpos Monoclonales; Neoplasias; Aprobación de Drogas; Toma de Decisiones
Os produtos biológicos e biotecnológicos têm ocupado um lugar central no âmbito da pesquisa e do desenvolvimento, especialmente a partir da década de 1980, quando a farmacologia se reinventou com o surgimento de produtos produzidos por nova rota de síntese - a biotecnológica, objetivando oferecer opções voltadas à medicina personalizada e à terapêutica direcionada 1,2,3. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) distingue seis principais grupos de produtos biológicos: (1) vacinas; (2) soros hiperimunes; (3) hemoderivados; (4) biomedicamentos obtidos a partir de fluidos biológicos, tecidos de origem animal ou a partir de procedimentos biotecnológicos; (5) medicamentos contendo microrganismos vivos, atenuados ou mortos; e (6) anticorpos monoclonais (mABs) 4.
Os mABs, proteínas cujo mecanismo de ação é complexo, são imunoglobulinas derivadas de um mesmo clone de linfócito B, cuja clonagem e propagação se efetuam em linhas de células contínuas 4. São produzidos para reagir com antígenos específicos de certos tipos de células, tendo maior capacidade de preservar as células saudáveis quando comparados às terapias citotóxicas padrão 5. Por isso, os anticorpos têm sido indicados como a tecnologia inovadora para o tratamento de alguns tipos de câncer e promissora no que diz respeito à possibilidade de alvejar e matar seletivamente células tumorais 6.
Os investimentos nesse setor não pararam de crescer, e o número de estudos clínicos com mABs, nos anos 2000, mais que triplicou em relação à década anterior 2. A importância dos mABs fica evidente, tendo em vista a rápida absorção dos vários anticorpos monoclonais lançados. As vendas de produtos biológicos nos Estados Unidos no ano de 2012 chegaram a 63 bilhões de dólares, um aumento de 18,2%, se comparado às vendas do ano anterior, e de 36,8% em relação ao ano de 2008, quando o mercado girava em torno de 46 bilhões de dólares 7.
Dentro desse mercado americano, os anticorpos monoclonais foram, naquele ano, a classe mais vendida. Os mABs movimentaram 24,6 bilhões de dólares, com a liderança da Roche, dentre as empresas produtoras de biológicos, detendo 11 anticorpos monoclonais no mercado. Esse crescimento foi impulsionado principalmente pelas vendas no setor oncológico 7. As estimativas indicam que, até 2020, os medicamentos oncológicos movimentarão mais de 100 bilhões de dólares em mercados farmacêuticos desenvolvidos e emergentes 8.
O tratamento contra o câncer com medicamentos biológicos é recente, se comparado aos tratamentos com os medicamentos produzidos por síntese química 5. No entanto, apesar de recente, a terapia à base de mABs atingiu sucesso considerável nos últimos anos, uma vez que os produtos biológicos, alvos específicos, se mostraram efetivos para o tratamento de doenças malignas hematológicas e de alguns tumores sólidos 9.
A essas inovações, contudo, têm sido associados altos valores. Os custos dos tratamentos de câncer estão crescendo exponencialmente e projeta-se, para os próximos anos, um quadro insustentável, que pode colocar o acesso ao tratamento oncológico sob ameaça. Com os medicamentos de alto custo, o desafio de sustentabilidade do acesso a medicamentos deixou de ser exclusivo de países em desenvolvimento, sendo uma questão complexa hoje, inclusive, para os países desenvolvidos. Questiona-se como países cujo sistema de saúde se propõe universal serão capazes de prover o acesso a essas novas tecnologias tão caras 10.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os custos com os novos medicamentos para câncer mais que dobraram entre os anos de 2005 e 2015, sem necessariamente representarem um aumento significativo na sobrevida dos pacientes 11. Nos Estados Unidos, em 2008, um tratamento de 18 semanas de um único paciente com o mAB cetuximabe já custava, em média, cerca de 80 mil dólares. Da mesma forma, o bevacizumabe custava, em média, para tratar um único paciente com câncer de mama metastático, 90 mil dólares 11,12.
A crescente absorção desses produtos pelo mercado não é exclusividade dos Estados Unidos. No Brasil, os medicamentos biológicos são responsáveis por um percentual elevado das compras do Ministério da Saúde, devido não apenas à adoção crescente desses produtos como opção terapêutica de primeira linha, mas também ao alto valor agregado dessa classe de medicamentos 6. O envelhecimento populacional, a alta carga das doenças crônicas, dentre elas o câncer, e o direito à assistência farmacêutica garantido pela Constituição Federal de 1988 têm, segundo Tanaka & Amorim 13, pressionado a incorporação e a compra pública dos medicamentos produzidos pela rota biotecnológica.
Os mABs são medicamentos biológicos de importância no tratamento do câncer. Porém, esses altos custos dos tratamentos podem apontar para uma falta de competitividade de mercado, decorrente de uma possível concentração produtiva, fazendo com que o acesso a essas terapias pelos usuários do sistema de saúde se torne limitado pelos altos preços praticados 14. O cenário dos medicamentos patenteados é cada vez mais restritivo, sendo necessário que se pressione o governo, no sentido de assegurar a redução dos preços praticados pelas empresas que detêm monopólio de mercado e, com isso, que seja possível assegurar o acesso universal à saúde 10. Nesse âmbito, a busca por incentivo à concorrência aparece como estratégia de redução de preços. No entanto, tem-se ainda muito que caminhar no sentido de extrapolar barreiras patentárias e aspectos regulatórios 15.
A entrada dos mABs em alguns mercados no mundo não se faz da mesma maneira, sendo influenciada por diversos fatores não só técnico-científicos, mas também mercadológicos. Este trabalho teve como objetivo identificar as principais características dos mABs destinados ao tratamento de câncer, com registro sanitário ativo, no Brasil, em 2016.
Trata-se de um estudo descritivo, que teve como objeto os mABs com registro sanitário ativo no Brasil, no ano de 2016, para tratamento de neoplasias malignas. Foram considerados os anticorpos presentes na lista de preços de medicamentos, da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), editada pela Anvisa, que exerce o papel de Secretaria Executiva da CMED. Essa planilha registra o preço de fábrica de cada produto, correspondente ao preço máximo que pode ser praticado pelos fabricantes e importadoras na venda para as farmácias, drogarias e Administração Pública, bem como também o preço máximo ao consumidor. Foram identificados os mABs autorizados a serem comercializados no mercado brasileiro em setembro de 2016. O arquivo consultado foi o de setembro daquele ano 16.
A planilha de preços de medicamentos não indica explicitamente quais são os mABs. No entanto, foi possível identificá-los a partir do conhecimento da nomenclatura desses medicamentos. Os mABs possuem nomes terminados com o sufixo “mab” (em português, “mabe”), que significa monoclonal antibody (anticorpo monoclonal) 17. Todos os anticorpos foram categorizados pelo sistema de classificação de fármacos ATC/DDD Index (Anatomical Therapeutic Chemical and Defined Daily Dose) da OMS (https://www.whocc.no/atc_ddd_index/, acessado em 21/Dez/2016).
Apenas aqueles classificados no nível L01XC, referente aos mABs utilizados para o tratamento de neoplasias malignas, foram analisados neste estudo. Os anticorpos com outra classificação ATC foram excluídos do estudo, por não terem como indicação principal o tratamento de câncer. A pesquisa identificou o anticorpo monoclonal nimotuzumabe, que não possui atribuição de código ATC. Esse anticorpo foi incluído no estudo por constar, em bula, a indicação principal para o tratamento de tumores pediátricos 18.
As variáveis de interesse coletadas foram: nome do produto biológico, antígeno-alvo, tipo de anticorpo, ano de registro, indicações terapêuticas e empresa detentora do registro. A principal fonte de dados foi a página de Internet da Anvisa, na seção de consulta às informações de registro (http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/consulta_produto/Medicamentos/frmConsultaMedicamentos.asp), bulário eletrônico (http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/index.asp) e consulta à situação de documentos técnicos (http://consultas.anvisa.gov.br/#/documentos/tecnicos).
Esta pesquisa utilizou apenas dados de domínio público de acesso irrestrito sobre medicamentos, não havendo identificação de sujeitos nem envolvimento de seres humanos. Por essa razão, foi dispensada de apreciação ética pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (CAAE 571745165.0.0000.5240).
Foram identificados 34 mABs em comercialização no Brasil em setembro do ano de 2016, sendo 14 (41%) deles do subgrupo químico da ATC L01XC, referente aos mABs, destinados ao tratamento de neoplasias e de interesse deste estudo. O Quadro 1 sintetiza todos os mABs registrados no Brasil com o respectivo código ATC e grupo terapêutico.
Fonte: Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Preços Máximos de Medicamentos por Princípio Ativo;http://portal.anvisa.gov.br/documents/374947/2829072/LISTA+CONFORMIDADE_2016-09-20.pdf/7a5c49b5-d63b-4dac-9162-eb14e1daba96) e Organização Mundial da Saúde (Anatomical Therapeutic Chemical and Defined Daily Dose; https://www.whocc.no/atc_ddd_index/). * O grupo terapêutico é representado no sistema de classificação ATC pela combinação da primeira letra (grupo anatômico) com os dois números subsequentes. Então, por exemplo, os antineoplásicos são representados por “L01”. As demais letras e números do código expressam o grupo farmacológico, químico e identificam a substância química.
Quadro 1 Anticorpos monoclonais comercializados no Brasil, código ATC (Anatomical Therapeutic Chemical) e grupo terapêutico, 2016.
Outros 14 anticorpos (41%) também foram classificados, no nível 1, no mesmo grupo anatômico principal, representado pela letra L (agentes antineoplásicos). No entanto, como pertencem ao subgrupo terapêutico dos imunossupressores (L04) e não eram indicados para o tratamento de câncer no Brasil, foram excluídos deste estudo. São eles: natalizumabe, belimumabe, vedolizumabe, alentuzumabe, infliximabe, adalimumabe, certolizumabe pegol, golimumabe, basiliximabe, ustequinumabe, tocilizumabe, canaquinumabe, secuquinumabe e siltuximabe.
No total, 82% dos anticorpos identificados são agentes antineoplásicos ou imunossupressores. Os outros seis (18%) mABs encontrados na lista da CMED pertencem a grupos anatômicos que não o dos agentes antineoplásicos e imunomoduladores, tais como: sangue e órgãos hematopoiéticos (B), sistema cardiovascular (C), anti-infecciosos para uso sistêmico (J), sistema musculoesquelético (M), sistema respiratório (R) e órgãos sensoriais (S). O Quadro 2 traz os mABs incluídos neste estudo e as características encontradas para eles.
CD: cluster de diferenciação; CTLA-4: antígeno 4 associado ao linfócito T citotóxico; EGFR: fator de crescimento epidérmico; FCEV: fator de crescimento endotelial vascular; HER2: receptor de fator de crescimento epidérmico humano tipo 2; PD1: receptor de morte programada 1. Fonte: elaboração própria. * A empresa detentora do primeiro registro sanitário deste anticorpo foi a Mantecorp.
Quadro 2 Classificação dos anticorpos monoclonais comercializados, de acordo com alvo, tipo, ano de registro, indicação clínica principal e empresa detentora do registro sanitário. Brasil, 2016.
A maior parte dos mABs selecionados para este estudo são humanizados (43%), ou seja, são caracterizados por possuírem as regiões hipervariáveis do anticorpo de camundongo e, o restante, da estrutura de anticorpo humano 19,20.
Foram identificados sete antígenos-alvos diferentes, sendo os principais os seguintes: EGFR, CD20 e HER2. No que diz respeito às indicações clínicas para as quais esses biológicos eram direcionados, observou-se uma maior frequência de linfomas, leucemias e também de cânceres de mama, cólon e reto.
Quanto ao tipo, foram identificados três mABs quiméricos (brentuxumabe vedotina, cetuximabe e rituximabe), seis humanizados (bevacizumabe, nimotuzumabe, obitunuzumabe, pertuzumabe, trastuzumabe e trastuzumabe entansina) e cinco do tipo humano (ipilimumabe, nivolumabe, ofatumumabe, panitumumabe e ramucirumabe). Foi possível observar anticorpos resultantes de três tecnologias de produção diferentes - quimérico, humanizado e humano - para os mesmos alvos.
Quanto às empresas detentoras de registro, foi possível observar que a Roche detém o registro de seis mABs, o que representa 43% dos mABs registrados para o tratamento de câncer existentes no mercado brasileiro. Em segundo lugar, com dois anticorpos (15%), destaca-se a Bristol-Myers Squibb. Os outros seis mABs são registrados por seis empresas diferentes.
Os mABs são considerados importantes para tratamento e diagnóstico, devido à sua especificidade ao antígeno. Aliprandini 21 destaca que a imunoterapia possui eficácia comprovada quando se conhece o antígeno e se dispõe de anticorpos capazes de agir sobre esse alvo, exercendo função citotóxica, de bloqueio de vias de sinalização, adjuvante ou neutralizante. Além disso, destaca que existem diferentes tecnologias empregadas na produção de anticorpos, de forma que as moléculas terapêuticas variam em relação à imunogenicidade, ou seja, ao reconhecimento da molécula terapêutica pelo paciente.
Carvalho 5 identificou, em 2013, sete mABs com registro sanitário no Brasil: bevacizumabe, cetuximabe, ipilimumabe, nimotuzumabe, panitumumabe, rituximabe e trastuzumabe, sendo eles atuantes em cinco antígenos-alvo diferentes. Ao comparar os resultados de ambos os estudos, verificou-se que, apesar de serem disponibilizados no mercado entre os anos de 2013 e 2016 sete novos mABs para o tratamento de câncer, apenas dois alvos moleculares novos surgiram no mercado brasileiro: CD30 e PD1.
O antígeno CD30 é alvo do anticorpo monoclonal brentuximabe vedotina, que obteve registro sanitário no Brasil em 2013. Seu mecanismo de ação consiste em diversas etapas, dentre as quais estão incluídas a ligação ao antígeno CD30, expresso na superfície da célula tumoral, e a liberação do fármaco MMAE (agente antimicrotúbulo monometil auristatina E), que, por sua vez, age inibindo a polimerização de tubulina das células em divisão, fazendo com que haja uma suspensão do ciclo celular que dispara sinais bioquímicos que culminam em apoptose 22,23,24. O outro novo alvo é o fator de morte programada 1, para onde se direciona o nivolumabe, registrado em 2016. A partir da ligação ao receptor, há uma potencialização de respostas das células T, incluindo respostas antitumorais, responsáveis por combater o tumor. Os anticorpos anti-PD1 agem, então, restaurando a função imune no microambiente do tumor 25.
Os demais alvos de medicamentos já identificados no estudo de Carvalho 5 e que, à época, tinham registro sanitário concedido pela Anvisa são: CTLA-4, FCEV, EGFR, CD20 e HER2.
O CTLA-4 (antígeno 4 associado ao linfócito T citotóxico) é um regulador-chave das células T. Ao se ligarem a esse antígeno, os anticorpos bloqueiam os sinais inibitórios dessas células, reduzindo, então, o número de células T reguladoras e aumentando o número das células T efetoras reativas ao tumor que, por sua vez, mobilizam-se para promover um ataque direto às células tumorais 26,27.
Já o FCEV (fator de crescimento endotelial vascular) é um regulador fundamental da angiogênese capaz de, dentre outras coisas, estimular a proliferação celular e inibir a apoptose. Por essa razão, quando se inibe a via de sinalização desse receptor, inibe-se a angiogênese tumoral e, consequentemente, o crescimento do tumor é prejudicado 28. O EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico) é outro receptor envolvido na angiogênese celular. Além disso, está envolvido no controle de sobrevivência da célula, progressão do ciclo celular, migração celular e metástase. Portanto, ao ser bloqueado, todas essas funções perdem estímulo, e há um comprometimento do desenvolvimento tumoral 29.
O CD 20 (cluster de diferenciação 20) é um antígeno transmembrana encontrado em células, desde o estágio pré-B até a sua diferenciação final em plasmócitos. As funções biológicas desse antígeno não estão bem estabelecidas, mas sabe-se que ele é encontrado em 90% das neoplasias de célula B e que o seu bloqueio tem efeitos variáveis na progressão do ciclo da célula, provocando a morte celular 30.
Por fim, o antígeno HER2, conhecido como receptor de fator de crescimento epidérmico humano tipo 2, pertence aos receptores da família HER, que são, em condições normais, identificados como fundamentais para o desenvolvimento de órgãos e sistemas. Contudo, a super expressão desse gene em alguns tipos de tumores representa uma doença mais agressiva e de pior prognóstico 31. O domínio interno do gene HER2 codifica uma tirosina quinase que ativa sinais distais e intensifica o potencial metastático ao inibir a apoptose. Por essa razão, o bloqueio desse receptor em tumores com super expressão HER2 tem se mostrado uma forma eficaz de tratamento 30.
Ao analisar os anticorpos que têm a possibilidade de competirem por um mesmo mercado, Carvalho 5 destacou o cetuximabe e o panitumumabe como competidores, uma vez que ambos agem sobre o receptor EGFR e são indicados para o tratamento de câncer colorretal. Nessa esfera, destaca-se o nimotuzumabe que, também com alvo EGFR, destina-se à indicação de glioma em população pediátrica, não sendo registrado para o câncer colorretal, diferente dos outros dois anticorpos que agem nesse alvo.
No Brasil, foi encontrado apenas um ensaio no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC; http://www.ensaiosclinicos.gov.br/rg/?q=nimotuzumab, acessado em 10/Mai/2018) do nimotuzumabe para a indicação de tratamento de câncer de mama. O anticorpo monoclonal em questão foi registrado pela primeira vez em Cuba e, em uma busca realizada no Registro Público Cubano de Ensaios Clínicos (RPCEC; http://registroclinico.sld.cu/search/node/nimotuzumab, acessado em 10/Mai/2018), foram encontrados estudos do produto biológico em câncer de mama, câncer de esôfago, gliomas, câncer de cabeça e pescoço e câncer de pulmão. Foi encontrado apenas um ensaio para a indicação clínica de câncer colorretal, cuja amostra indicada no desenho do estudo era de apenas vinte pacientes. Os resultados desse último estudo não foram encontrados na base de dados.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, caberia destacar o rituximabe, obinutuzumabe e ofatumumabe, atuantes em CD20, para tratamento de leucemia linfocítica crônica, e o pertuzumabe, trastuzumabe e trastuzumabe entansina para uso em câncer de mama. Também merecem atenção os anticorpos nivolumabe e ipilimumabe que, apesar de agirem em alvos diferentes, são indicados para tratamento de leucemia. Philips & Atikins 25 discutem que, apesar do ipilimumabe (anti-CTLA-4) ser capaz de produzir respostas duradouras em pacientes com melanoma avançado, as toxicidades imunológicas geradas por esse anticorpo são significativas, sendo os anticorpos anti-PD1 uma possibilidade capaz de exercer significativa atividade antitumoral com menos toxicidade.
Outros estudos têm demonstrado os benefícios do tratamento com uso de ambos os anticorpos 25,32. Ensaios pré-clínicos demonstraram que o bloqueio de PD-1 concomitantemente ao bloqueio CTLA-1 melhora as respostas antitumorais, se comparado ao bloqueio de uma única via. A combinação de nivolumabe com ipilimumabe resultou em uma taxa de resposta objetiva maior, assim como respostas completas mais frequentes e sobrevida livre de progressão significativamente maior. No entanto, parece que os eventos adversos de graus 3 e 4 foram maiores com a terapia combinada, mas com um perfil de segurança gerenciável 32,33. Dessa forma, é interessante apontar que, em alguns casos, o bloqueio de antígenos-alvo diferentes no tratamento de um mesmo tipo de tumor aumenta a resposta tumoral e pode ser responsável por resultados melhores que os do uso do agente isolado.
Essa caracterização dos antígenos-alvo para os quais os mABs com registro sanitário ativo para tratamento de câncer são direcionados remete a uma discussão que não é recente no mercado de medicamentos produzidos por síntese química, mas que ainda não é objeto central de discussão no mercado de produtos biológicos: os chamados me-too. Os medicamentos do tipo me-too são muito similares aos líderes de mercado, com pequenas variações em sua estrutura que, na maioria das vezes, não configuram ganhos terapêuticos. Nesse sentido, a estratégia da indústria consiste em manter um mercado lucrativo, investindo em marketing, para promover esses medicamentos “novos”, porém não inovadores 34.
Essa categoria de medicamento não fica restrita aos sintéticos, sendo capaz de alcançar outros produtos de saúde, serviços e até mesmo os produtos biológicos. O desenvolvimento de novos mABs para atuarem no mesmo antígeno-alvo poderia ser uma estratégia possível para aumentar, por exemplo, a competitividade nesse mercado e produzir uma redução nos preços praticados. Contudo, no Quadro 2, é possível observar situações como, por exemplo, o desenvolvimento de três mABs (pertuzumabe, trastuzumabe e trastuzumabe entansina), do mesmo tipo, pela mesma empresa, para atuar no mesmo antígeno e com a mesma indicação clínica. Fojo 35, nesse sentido, enfatiza a necessidade de se analisar se as novas terapias propostas pelas empresas apresentam inovações terapêuticas radicais.
Outra maneira possível de se melhorarem os resultados obtidos com o tratamento à base de mABs é alterar a sua forma de produção, a fim de se reduzir a imunogenicidade gerada no paciente. Isso se dá porque, apesar dos mABs possuírem capacidade de se ligar com elevada especificidade e afinidade a uma grande variedade de moléculas, existe a possibilidade de, quando injetados em pacientes, serem reconhecidos como estranhos e, então, eliminados pelo sistema imunológico. Com a finalidade de se diminuir essa imunogenicidade, ao longo dos anos, o método de produção desses anticorpos foi sendo aperfeiçoado 20.
Os principais tipos de mABs são: (1) murinos; (2) quiméricos; (3) humanizados; e (4) humanos. Os murinos foram os primeiros a serem desenvolvidos e são caracterizados pelo fato de serem obtidos exclusivamente de camundongos, o que é um problema para o uso em terapias. A utilização terapêutica desse tipo de anticorpo induzia a produção de anticorpos humanos anti-rato (HAMA), que combatiam esses anticorpos dos camundongos, gerando reações alérgicas ou até mesmo choques anafiláticos 5,19,36.
Os outros três tipos resultaram de alterações nas técnicas de desenvolvimento, visando a aumentar a semelhança dos mABs com os anticorpos humanos e, com isso, reduzir a incidência de eventos adversos. Na extremidade oposta aos murinos, têm-se os anticorpos humanos que possuem suas sequências de aminoácidos completamente derivadas de anticorpo humano 5.
Os anticorpos quiméricos são aqueles que possuem apenas a sua região variável derivada de anticorpo de camundongo e a fração constante do anticorpo humano. Os anticorpos humanizados, por sua vez, caracterizam-se por possuírem as regiões hipervariáveis do anticorpo de camundongo e o restante da estrutura de anticorpo humano 19,20. Em termos percentuais, os anticorpos quiméricos são 70% humanos, e os humanizados são entre 85 e 90% humanos 20.
Dentro desse contexto, quanto ao tipo, neste estudo, foram identificados três mABs quiméricos (brentuxumabe vedotina, cetuximabe e rituximabe), seis humanizados (bevacizumabe, nimotuzumabe, obitunuzumabe, pertuzumabe,trastuzumabe e trastuzumabe entansina) e cinco do tipo humano (ipilimumabe, nivolumabe, ofatumumabe, panitumumabe e ramucirumabe).
É possível destacar que, com exceção dos medicamentos que agem no receptor HER2 (um gene do receptor do fator de crescimento humano super expresso em alguns tipos de câncer), são todos humanizados e existe uma diversidade entre os tipos de anticorpos que atuam nos demais receptores. Em outras palavras, dentre os mABs cujo alvo é o antígeno CD20 ou o EGFR, por exemplo, é possível observar anticorpos resultantes de três tecnologias de produção diferentes - quimérico, humanizado e humano.
Pode-se observar que os medicamentos quiméricos são os que têm registro sanitário há mais tempo, e os humanizados e humanos são de registro mais recente. Outros autores 37,38,39 também destacam que o principal problema da aplicação dos anticorpos em seres humanos está na reação imunogênica gerada pelo paciente. Por essa razão, desde a década de 1980, vêm sendo desenvolvidos meios de tornar essas moléculas cada vez mais parecidas com as moléculas humanas, o que também é verificado nos resultados deste estudo.
Essa busca para minimizar a imunogenicidade dos mABs tem se expressado no desenvolvimento de ensaios clínicos e no registro desses medicamentos 37,38,39. Assim é que Carvalho 5 também identificou a tendência no aumento de ensaios clínicos na fase III de anticorpos humanizados e humanos.
O desenvolvimento desses anticorpos totalmente humanos representou um grande avanço e acarretou uma onda de anticorpos aprovados pelas diversas agências reguladoras do mundo, sendo a oncologia hoje uma das principais áreas de utilização dessa classe de produtos. A evolução no processo produtivo, com substituição dos anticorpos murinos pelos quiméricos, humanizados e humanos, permitiu a aplicação terapêutica desses produtos com diminuição das respostas imunes geradas no organismo do paciente. Conforme se aumentou a similaridade do anticorpo terapêutico com os anticorpos humanos, diminuiu-se a imunogenicidade e, portanto, os eventos adversos relacionados a ela 20,36.
Na análise acerca do mercado brasileiro de mABs para o tratamento de neoplasias malignas no Brasil, este estudo identificou que oito diferentes empresas detêm o registro sanitário dos 14 mABs incluídos no estudo. A Tabela 1 traz os dados das principais empresas farmacêuticas e biotecnológicas do mundo por receita anual de venda no ano de 2015, bem como as estimativas de vendas e participação de mercado dessas empresas para o ano de 2022.
Tabela 1 Principais empresas farmacêuticas e biotecnológicas por receita de venda anual, 2015-2022.
Classificação/Empresas | Vendas mundiais * | Participação de mercado (%) | ||
---|---|---|---|---|
2015 | 2022 | 2015 | 2022 | |
Farmacêutica | ||||
1. Roche | 38,7 | 52,6 | 5,2 | 4,7 |
2. Novartis | 42,5 | 52,5 | 5,7 | 4,7 |
3. Pfizer | 43,1 | 49,1 | 5,8 | 4,4 |
4. Sanofi | 34,8 | 45,4 | 4,7 | 4,0 |
5. Johnson & Johnson | 29,9 | 39,8 | 4,0 | 3,6 |
6. Merck | 35,2 | 39,2 | 4,8 | 3,5 |
7. GlaxoSmithKline | 27,1 | 32,5 | 3,6 | 2,9 |
8. AbbVie | 22,7 | 31,0 | 3,1 | 2,8 |
9. Allergan | 18,4 | 30,7 | 2,5 | 2,7 |
10. AstraZeneca | 23,3 | 30,2 | 3,1 | 2,7 |
Biotecnológica | ||||
1. Roche | 31,1 | 43,6 | 16,9 | 12,9 |
2. Sanofi | 14,9 | 25,3 | 8,1 | 7,5 |
3. Novo Nordisk | 15,1 | 24,4 | 8,2 | 7,2 |
4. Amgen | 18,8 | 23,2 | 10,2 | 6,9 |
5. Bristol-Myers Squibb | 4,5 | 18,2 | 2,5 | 5,4 |
6. Johnson & Johnson | 10,9 | 17,7 | 5,9 | 5,2 |
7. AbbVie | 14,8 | 15,5 | 8,0 | 4,6 |
8. Eli Lilly | 6,6 | 15,4 | 3,6 | 4,6 |
9. Pfizer | 11,9 | 14,8 | 6,5 | 4,4 |
10. Merck | 7,9 | 13,0 | 4,3 | 3,9 |
Fonte: Evaluate 40.
* Em bilhões de dólares.
Comparando-se os resultados obtidos aqui com as empresas que figuram no ranking das principais empresas, é possível verificar que três aparecem entre as principais farmacêuticas e biotecnológicas (Roche, Merck e GlaxoSmithKline), três figuram apenas no ranking das biotecnológicas (Bristol-Myers Squibb, Amgen e Eli Lilly), uma figura apenas na lista das principais farmacêuticas (GlaxoSmithKline) e as outras duas (Takeda e Eurofarma) não aparecem em nenhum dos dois rankings 40.
Foi possível observar que a Roche detém o registro de seis mABs, o que representa 43% dos registros sanitários ativos no mercado brasileiro de anticorpos para o tratamento de câncer. Em segundo lugar, com dois anticorpos (15%), destaca-se a Bristol-Myers Squibb. Os outros seis mABs são registrados por seis empresas diferentes.
É possível perceber que o mercado biotecnológico está concentrado em poucas empresas que conseguiram crescer e se tornarem lucrativas. A maioria delas, para obterem sucesso, contaram com parcerias estratégicas e aporte de capital de empresas farmacêuticas já estabelecidas. Um caso considerado como bem-sucedido para o setor econômico é o da empresa norte-americana Genentech que, em 2006, junto com a Amgen, já respondia por dois terços dos lucros das empresas biotecnológicas americanas. Fundada em 1976, a Genentech se verticalizou, abrindo capital ainda na década de 1980 e atuando por meio de parcerias e licenciamentos até a década seguinte, quando vendeu parte de suas ações e, em seguida, o controle acionário, para a Roche 41.
Benavide 42, a partir de dados de mercado do ano de 2009, apresentou uma lista das principais empresas de produtos biotecnológicos por receita anual de vendas, em que a Roche/Genentech já liderava o mercado, com suas vendas atingindo 21,9 bilhões de dólares, o que representava, à época, 18,7% do mercado, seguida da Amgen, que aparecia em segundo lugar, com 13,7 bilhões de dólares anuais em venda (11,7% do mercado).
A Amgen também se verticalizou, passando a atuar não só no desenvolvimento, mas na produção e venda de produtos biológicos. Contudo, trabalhou em parcerias de desenvolvimento com grandes empresas farmacêuticas na década de 1980 para aumentar seu capital e, em seguida, entre os anos de 1994 e 2007, adquirir oito empresas menores 41.
Em 2010, nove mABs adquiriram o status de blockbuster no mercado global, gerando vendas superiores a um bilhão de dólares. As vendas dos 25 anticorpos ativos registrados em 2010 foram na ordem de 43 bilhões de dólares, sendo 75% por apenas cinco deles: bevacizumabe (Avastin®), rituximabe (Rituxan®), adalimumabe (Humira®), infliximabe (Remicade®) e trastuzumabe (Herceptin®). Três desses cinco anticorpos - bevacizumabe, rituximabe e trastuzumabe - também são os mABs registrados no Brasil há mais tempo para câncer 25.
Carvalho 5 também apontou que a Roche era o laboratório farmacêutico com destaque na produção de anticorpos para o tratamento de câncer no Brasil em 2013, com o registro de três anticorpos. Três anos depois, a empresa já possuía mais três biológicos em oncologia registrados no país - obinutuzumabe, pertuzumabe e trastuzumabe entansina.
O último relatório do grupo Evaluate, empresa líder em análise de mercado no setor de biotecnologia e no setor farmacêutico, previu que os biológicos serão responsáveis por 50% das vendas dos cem produtos líderes de mercado até 2022, com a Roche liderando esse mercado. A análise destaca que o laboratório tem o pipeline mais valorizado, com a estimativa de que chegue a representar 43 bilhões de dólares, em 2022. É possível que os investimentos da Roche em P&D ultrapassem os da Novartis e que os produtos daquela, em 2022, representem 10% dos cinquenta produtos mais vendidos no mundo 40.
É possível notar uma maior concentração de empresas no setor biotecnológico do que no setor farmacêutico tradicional e no que diz respeito à participação no mercado, com a Roche tendo o domínio de 16% do mercado de biológicos no ano de 2015 40. É interessante resgatar, nesse sentido, a discussão que se faz sobre oligopólio diferenciado quando se pensa no mercado farmacêutico. Esse termo refere-se ao fato de que existe, sim, uma concentração produtiva de mercado, mas que ocorre segundo nichos e classes terapêuticas 42,43. A necessidade de produtos específicos para cada tipo de doença e, muitas vezes, a possibilidade de substituição entre produtos praticamente inexistentes evidenciam os mercados altamente concentrados 44. Sendo assim, comparando as empresas que dominam o mercado de produtos oncológicos com outros mercados farmacêuticos, é possível identificar diferenças.
Dados sobre as empresas líderes de mercado em diferentes áreas terapêuticas demonstram que a Roche aparece como a líder em oncológicos, com uma parcela de 31% do mercado. No entanto, analisando outros mercados, nota-se o domínio por outras empresas, o que caracteriza o oligopólio diferenciado descrito anteriormente. Das dez principais empresas atuantes no ramo dos oncológicos 40, quatro possuem registro de dez (71,4%) mABs para tratamento de câncer do mercado brasileiro (Roche, Eli Lilly, Bristol-Myers Squibb e Merck), o que indica que o comportamento do mercado nacional não foge do padrão de domínio farmacêutico mundial.
Os resultados apontaram que o registro sanitário de novos mABs não é necessariamente consequência da descoberta de novos antígenos-alvo. Nesse sentido, este estudo apontou a necessidade de que se pense até que ponto as inovações propostas a esses novos produtos biotecnológicos são, de fato, inovadoras, para que não aconteça no mercado biotecnológico o mesmo que aconteceu com o mercado farmacêutico: o surgimento de um grande número de medicamentos me-too. Apesar do surgimento de novos mABs para um mesmo antígeno-alvo poder representar a possibilidade de um mercado mais competitivo, não é isso que acontece quando esses produtos são desenvolvidos pela mesma empresa. Nesse caso, o grande número de me-too, em vez de representar uma possibilidade de aumento de concorrência, pode apenas significar uma estratégia de marketing da empresa e se configurar como mais um obstáculo ao acesso.
Contudo, é importante registrar que a alta complexidade dos medicamentos biotecnológicos, sobretudo dos aprovados para o uso em oncologia, tensiona ainda mais essa discussão. Isso se dá pelo mesmo motivo que se discute a intercambialidade de biossimilares: na prática, é impossível que seja produzido um produto biológico idêntico a outro. Qualquer mudança mínima de processo pode ser responsável por diferenças estruturais e de conformação que podem significar uma diferença na imunogenicidade, por exemplo 39.
Além disso, identificou-se que quase metade dos registros sanitários ativos de mABs para tratamento de câncer no mercado brasileiro é de domínio da empresa farmacêutica Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S.A. Essa empresa domina outros mercados, mas nem todos os mercados farmacêuticos e biotecnológicos, o que contribui para corroborar a discussão sobre oligopólio diferenciado. A baixa competitividade do mercado contribui para a prática de altos preços, favorecendo o acesso desigual a tratamentos inovadores em oncologia.