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O NÍVEL: POR QUE UMA SOCIEDADE MAIS IGUALITÁRIA É MELHOR PARA TODOS.

O NÍVEL: POR QUE UMA SOCIEDADE MAIS IGUALITÁRIA É MELHOR PARA TODOS.

Autores:

Mathias Roberto Loch

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.32 no.8 Rio de Janeiro 2016 Epub 08-Ago-2016

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00059716

O livro O Nível: Por Que Uma Sociedade Mais Igualitária É Melhor Para Todos, dos epidemiologistas ingleses Richard Wilkinson e Kate Pickett, foi publicado na Inglaterra em 2009, mas só ganhou uma versão brasileira em 2015. Talvez não por acaso ele tenha sido lançado no Brasil pouco depois (apesar de ter sido escrito originalmente antes) de O Capital no Século XXI1 do economista francês Thomas Piketty, lançado na França em 2013 e, no Brasil, em 2014, que é um livro que teve grande repercussão internacional. Ambos os livros apresentam importantes reflexões sobre as desigualdades econômicas, que cresceram em muitos países nos últimos anos, e seus impactos na vida humana. Ademais, para além do tema em comum, ambos os livros são de fácil compreensão mesmo para não iniciados em economia, epidemiologia ou nas áreas mais específicas que são abordadas.

Evidentemente, enquanto O Capital no Século XXI apresenta um olhar mais amplo e com análises econômicas que ajudam a explicar como as desigualdades aumentaram ou diminuíram ao longo da história, o O Nível: Por Que Uma Sociedade Mais Igualitária É Melhor Para Todos, objeto desta resenha, foca no impacto das desigualdades em diferentes indicadores de saúde.

A edição brasileira de O Nível: Por Que Uma Sociedade Mais Igualitária É Melhor Para Todos conta com duas seções específicas. Em seu prefácio, é apresentada a justificativa para se incluir apenas a análise dos países ricos (inclusive pela melhor disponibilidade dos dados), e, no apêndice, são apresentadas 19 referências, e seus respectivos resumos, de estudos que focaram questões ligadas às desigualdades de renda no Brasil e na América Latina.

O livro é dividido em três partes. A primeira, Sucesso Material, Fracasso Social, tem três capítulos.

No primeiro, O Fim de Uma Era, aponta-se que os países ricos parecem já ter chegado ao máximo do que o crescimento econômico poderia fazer para melhorar a qualidade de vida de suas populações. Quando se observam os indicadores de saúde, felicidade e de bem-estar em geral, percebe-se, nesses países, que o crescimento econômico não é acompanhado de melhorias nesses indicadores, ou seja, parece haver um platô em relação ao benefício que o crescimento econômico pode gerar.

No segundo capítulo (Pobreza ou Desigualdade?), são apresentados argumentos técnicos para as escolhas metodológicas feitas pelos autores. Além das análises entre países selecionados, são apresentados dados comparando indicadores sociais e de saúde com o nível de desigualdade nos 50 estados dos Estados Unidos. É também apresentada uma análise em que os problemas sociais e de saúde abordados no livro foram combinados, de forma a criarem uma escala geral, chamada pelos autores de índice de problemas sociais e de saúde. Cabe apontar que, nesse parâmetro, países mais desiguais são os que apresentam maiores índices de problemas tanto sociais como de saúde. Por outro lado, a relação desses problemas com a média de renda desses países é fraca. O mesmo acontece em relação aos estados dos Estados Unidos.

No terceiro capítulo, intitulado Como a Desigualdade Deixa Marcas, é abordado como a desigualdade pode influenciar a vida das pessoas. São citados (isso se repete em vários outros capítulos) interessantes experimentos, principalmente ligados à psicologia evolucionista, que ajudam a dar plausibilidade para muitas correlações apresentadas no livro.

A segunda parte do livro, denominada Os Custos da Desigualdade, é a mais extensa e apresenta nove capítulos, um para cada problema social ou de saúde investigado (vida comunitária e relações sociais; saúde mental e uso de drogas; saúde física e expectativa de vida; obesidade; desempenho educacional; maternidade na adolescência; violência; encarceramento e punição; e mobilidade social).

Nesses capítulos, os autores buscam estabelecer elos causais específicos para cada problema, com referência nas ideias de Tocqueville, Putnam, Bourdieu, entre outros, fazendo com que as correlações encontradas tenham um maior significado e aumentando, possivelmente, a compreensão dos leitores de cada fenômeno específico. Por outro lado, essa parte do livro também demonstra que, nos países ricos e estados dos Estados Unidos onde a desigualdade é mais elevada, os indicadores sociais e de saúde são piores do que nos países e estados com maior igualdade econômica.

Uma Sociedade Melhor é o nome da terceira e última parte do livro, composta por quatro capítulos (do 13º ao 16º): Sociedades Disfuncionais; Nossa Herança Social; Igualdade e Sustentabilidade; e A Construção do Futuro.

O capítulo 13 destaca que as diferenças nos indicadores investigados nas sociedades mais e menos igualitárias são grandes, sendo que os problemas ficam de três a dez vezes mais comuns nas sociedades mais desiguais. Além disso, destaca-se que os efeitos negativos das desigualdades não se restringem às pessoas mais pobres. Nas sociedades mais igualitárias, não apenas os pobres são beneficiados, mas a população em geral. Nesse mesmo capítulo, são discutidas algumas possíveis explicações alternativas para os resultados encontrados, entre os quais, as diferentes histórias dos países. Mesmo ponderando que algumas explicações alternativas são possíveis, é difícil acreditar que elas seriam suficientes para eliminar as sólidas correlações encontradas.

Os experimentos apresentados no capítulo 14 dão plausibilidade para alguns achados. Um dos pontos centrais é que nossa biologia combina com a natureza das nossas relações sociais, sendo que nossa espécie desenvolveu, ao longo de sua evolução, um apreço pela amizade e cooperação e que estruturas sociais que criam relações baseadas na desigualdade e que geram sentimentos de inferioridade e exclusão social levam as pessoas a terem piores indicadores de saúde e qualidade de vida.

O capítulo 15 aponta que as sociedades mais desiguais tendem a elevar o consumo competitivo e estimular o consumismo. Nesses ambientes, a competição por status é maior, e as pessoas acabam tendo seus padrões de consumo mais baseados no valor social dos produtos do que na sua utilidade. Os autores apontam a necessidade de se propor metas justas de redução de emissão de carbono, pois reconhecem que seria injusto se propor as mesmas ações em países que estão em diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social.

No último capítulo, os autores apontam que não há um único caminho para diminuição da desigualdade. Inclusive o tamanho do Estado é um ponto abordado. Em geral, parece que a maior parte dos países analisados conseguiu chegar a baixos níveis de desigualdade por meio da distribuição de impostos e benefícios, com um sistema de seguridade social que garante direitos importantes (ou seja: com um Estado mais forte). Porém, existem exceções, como o Japão, uma sociedade relativamente justa, mas que investe uma baixa proporção de seu Produto Interno Bruto em políticas sociais. Possivelmente, porque as diferenças de renda da população japonesa são pequenas. O contrário acontece nos Estados Unidos, em geral o país que apresenta, entre os investigados, os piores indicadores sociais e de saúde. Nos Estados Unidos, há grandes desigualdades de renda e baixo investimento em políticas sociais. Análise interessante apresentada nesse mesmo capítulo mostra a ampliação da diferença entre os 10% mais ricos e mais pobres na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, entre 1975 e 2004, e como essas diferenças aumentaram nos anos governados por políticos mais conservadores.

Em síntese, o livro aborda a questão da desigualdade econômica com uma linguagem clara, dialoga bem com autores importantes e faz um bom levantamento de dados. Os achados reforçam a importância da construção de sociedades mais igualitárias. O Brasil tem tradição sobre o tema e certamente tem especificidades importantes, que tornam a questão da desigualdade de renda um problema de difícil solução no nosso contexto. De qualquer modo, ignorar as importantes contribuições do livro seria um equívoco.

REFERÊNCIAS

1. Piketty T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; 2014.