versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.1 São Paulo 2019 Epub 25-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019md4743
A doença de Ménière (DM) é uma síndrome clínica de etiologia desconhecida que consiste em episódios de vertigem, frequentemente associados a perda auditiva neurossensorial, zumbido e plenitude auricular flutuantes.(1) A patogênese da DM é atribuída à hidrópsia endolinfática (HE), caracterizada pela distensão das estruturas do labirinto que contêm endolinfa – ducto coclear, sáculo, utrículo, ampola e ductos semicirculares –, o que é corroborado por estudos post-mortem.(2) Porém, a relação entre DM e HE é complexa e ainda não está totalmente esclarecida.
Apenas recentemente a ressonância magnética (RM) foi capaz de detectar a HE na DM, permitindo sua confirmação in vivo. Nakashima et al.,(3) demonstraram a distensão do espaço endolinfático em pacientes com DM utilizando a sequência three-dimensional fluid-attenuated inversion recovery (3D-FLAIR) em um aparelho com campo magnético de 3 Tesla, 24 horas após a administração intratimpânica de gadolínio. Como o gadolínio se acumula na perilinfa e não atinge a endolinfa, é possível diferenciar esses dois compartimentos e demonstrar a HE.
A partir de tal achado, novos protocolos e sequências têm sido desenvolvidos para diferenciar os compartimentos endo e perilinfático na prática clínica, muitos dos quais utilizam a administração intravenosa de gadolínio. Embora a via intratimpânica resulte em maior concentração de gadolínio na perilinfa, tal via consiste em um uso off label, é menos prática e requer espera de 24 horas antes da aquisição das imagens. Por outro lado, a via intravenosa tem as seguintes vantagens: é menos invasiva, avalia as duas orelhas ao mesmo tempo, não depende da permeabilidade das janelas oval e redonda, permite a avaliação da barreira hematolabiríntica e requer menor tempo de espera até a aquisição das imagens (4 horas).(4) As sequências de RM 3D-FLAIR e inversion recovery turbo spin echo with real reconstruction (3D real-IR) estão entre as mais usadas para caracterizar as diferenças de sinais entre a perilinfa (com contraste) e a endolinfa (sem contraste).
Em relação aos métodos de graduação da HE, um dos primeiros utilizados foi o proposto por Nakashima et al.,(5) que classificaram a HE em ausente, leve e significativa, de acordo com a razão entre o espaço endolinfático e o espaço dos fluidos labirínticos (soma dos espaços endolinfático e perilinfático). A hidropsia vestibular seria considerada leve se o espaço endolinfático ocupasse entre 33,3% e 50% do espaço do fluido vestibular, e significativa se ocupasse mais de 50% (Figura 1). A hidropsia coclear seria considerada leve se o ducto coclear dilatado fosse menor do que a escala vestibular, ou significativa se o ducto coclear fosse maior do que a escala vestibular (Figura 1). Contudo, alguns autores questionaram esse método ao demonstrarem que a área do espaço endolinfático pode ser alterada de acordo com o tempo de inversão usado na aquisição das imagens.(6,7) Outros métodos de graduação semiquantitativos foram descritos utilizando diferentes valores de cut-off e critérios de avaliação, mas ainda não há consenso na literatura com relação ao ideal.(4)
Figura 1 Imagens de ressonância magnética no plano axial do ouvido esquerdo de paciente diagnosticado com doença de Ménière. (A) Sequência altamente ponderada em T2 mostra o espaço dos fluidos labirínticos (soma dos espaços endolinfático e perilinfático). (B) Sequência inversion recovery turbo spin echo with real reconstruction (3D real-IR) 4 horas após administração intravenosa de gadolínio mostra distensão do sáculo e utrículo, que ocupam a maior parte da área vestibular (seta grande), e a distensão significativa do ducto coclear (setas pequenas)
Uma recente metanálise demonstrou ordem da progressão da HE na DM, que começa na cóclea e, depois, envolve o sáculo, o utrículo, as ampolas e, por fim, os ductos semicirculares.(2) Além disso, o grau de distensão das estruturas do labirinto membranoso parece estar relacionado à sua complacência mecânica, que é alta no sáculo, e menor no utrículo e nos ductos semicirculares.(8) Nesse contexto, Attyé et al.,(7) descreveram um novo critério para avaliação da HE chamado SURI (inversão da relação entre a área do sáculo e do utrículo), observado apenas em pacientes com DM (sensibilidade de 50% e especificidade de 100%).
Diversos estudos mostraram a relação entre a detecção e a graduação da HE na RM com os achados clínicos em pacientes com DM.(1,9,10) Em um deles,(9) 90% dos pacientes com DM apresentaram HE na RM – resultado semelhante ao encontrado em estudos histopatológicos. Ademais, já foram demonstradas a progressão da HE ao longo do tempo e a correlação com a perda das funções coclear e vestibular em pacientes com DM.(1,10) Esses estudos também revelaram a presença de HE em grau variável nos ouvidos assintomáticos de pacientes com apresentação clínica unilateral, indicando que a DM pode ser uma doença sistêmica com evolução bilateral ao longo do tempo.
Os avanços da RM têm mostrado que esse método de imagem é uma ferramenta robusta na avaliação da HE, com resultados semelhantes aos encontrados em estudos post-mortem dos ossos temporais. A RM permite não apenas descartar outras causas de vertigem e perda auditiva, como schwannomas vestibulares, mas também avaliar separadamente os compartimentos coclear e vestibular do espaço endolinfático por um protocolo dedicado. As técnicas de aquisição das imagens e de avaliação da HE ainda estão em desenvolvimento, mas é possível que novos estudos em larga escala validem a RM como ferramenta acurada nos critérios diagnósticos da DM em um futuro próximo.