versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.4 Rio de Janeiro jul./ago. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180041
A aptidão cardiorrespiratória (ACR) é considerada padrão-ouro para avaliação do desempenho aeróbico de atletas e da população normal, tendo sido recentemente denominada sinal vital clínico e indicador essencial de função cardiovascular e pulmonar.1 A ACR está associada a menor risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais, tendo estudos demonstrado sua associação consistente e inversa com mortalidade, mesmo após ajuste para fatores de risco tradicionais.2 Além disso, tanto o consumo de oxigênio máximo (VO2max) quanto o consumo de oxigênio (VO2) no limiar ventilatório (LV) foram associados com um risco reduzido de desfechos adversos.1,3-5 Uma meta-análise com 33 estudos observacionais de coorte delineou melhor a relação da ACR com os defechos de mortalidade por doença cardiovascular e por todas as causas.2 Entretanto, o VO2max e o LV são frequentemente usados para avaliar o desempenho de atletas e monitorar suas respostas ao treinamento. Durante o teste cardiopulmonar de exercício (TCPE), muitas variáveis podem ser usadas para avaliar respostas específicas ao treinamento nos sistemas cardiovascular, respiratório e musculoesquelético com base na análise de respostas submáximas e máximas ao exercício incremental progressivo.
Os sistemas modernos de TCPE permitem a análise da troca gasosa em repouso, durante exercício leve, moderado e máximo, e na recuperação, fornecendo medidas de VO2, de produção de dióxido de carbono (VCO2) e de ventilação (VE).6 Esses sistemas computadorizados avançados permitem análises simples e complexas dos dados que são facilmente obtidos e armazenados, o que torna o TCPE amplamente disponível. O VO2 no LV, frequentemente referido como limiar anaeróbico, é avaliado no nível submáximo do TCPE.6 Para a maioria dos indivíduos saudáveis, o limiar anaeróbico é atingido em intensidades de exercício que variam entre 50% e 75% do VO2max, enquanto que, para atletas de alto rendimento, pode ser atingido em intensidades de exercício de até 80% do VO2max.6
Observando-se os equivalentes ventilatórios de oxigênio (razão entre VE em l/min e VO2 em l/min, VE/VO2) em um dado minuto durante o TCPE, é possível identificar um padrão em forma de U com um claro valor mínimo. Ramos et al.,7 denominaram esse VE/VO2 mínimo, uma variável adimensional, de ponto ótimo cardiorrespiratório (POC) com dados de referência para idade e sexo. Sugeriram que o POC reflete a integração circulação-respiração, assim como o uso mais econômico da ventilação para a obtenção de oxigênio para os tecidos ativos durante o exercício.
Nesse contexto, vale comentar que o VO2max depende da realização de um teste de exercício verdadeiramente máximo. Embora o LV possa ser avaliado no nível submáximo,5 ele também requer um nível de exercício mais intenso se comparado ao da avaliação do POC. Além disso, a medida do LV pode ser comprometida pela existência de vários critérios distintos para sua identificação e/ou caracterização, pois não pode ser precisamente definido em todos os casos, o que limita seu uso tanto na prática clínica quanto no desempenho esportivo.
A aplicação do POC para a avaliação do desempenho de atletas pode ser interessante.8 Além disso, sendo o POC uma variável submáxima do TCPE, seu uso é de particular interesse para indivíduos que não conseguem alcançar um TCPE máximo por limitações funcionais. No cenário dos esportes, onde há muito pouca oportunidade ou intenção de realização de repetidos TCPE máximos durante a temporada de competição, o POC seria uma opção, pois sua medida e seu acompanhamento ao longo da temporada seriam de mais fácil obtenção e aceitação.8 Como já descrito pelo mesmo grupo de pesquisa,9 o valor do POC aumenta com a idade e tende a ser ligeiramente mais alto em mulheres, com modestas associações com outras medidas ventilatórias, sugerindo uma contribuição independente e potencial na interpretação da resposta cardiorrespiratória ao TCPE. Ramos e Araujo,9 também mostraram que o POC fornece valiosa informação quanto ao risco de mortalidade por todas as causas em mulheres e homens a partir da meia-idade. Em indivíduos saudáveis com POC < 22, não houve morte durante um acompanhamento de seis anos, sugerindo que o menor nível de POC seja um indicador de bom prognóstico. Ao longo dos anos, pode-se considerar que haja piora na VE e redução no VO2max, que são variáveis diretamente envolvidas no cálculo do POC. Entretanto, o declínio na ventilação pulmonar pode ser menos significativo ou numericamente importante do que a redução no VO2, explicando, assim, os valores mais altos de POC em idosos.9
O estudo publicado nesta edição por Souza e Silva et al.,10 é o primeiro a descrever o perfil do POC em atletas, tendo se baseado em jogadores de futebol de elite submetidos a TCPE em esteira rolante conforme protocolo de rampa. Os autores relataram que os valores de POC não diferiram significativamente conforme a posição em campo dos atletas.10 A ausência de associação com VO2max e LV indica que o POC acrescenta informação aos parâmetros convencionais do TCPE; entretanto, falta determinar se esse POC tem papel significativo em termos de desempenho no futebol e/ou no monitoramento das respostas ao treinamento ao longo da temporada de competições. Não obstante, a informação fornecida por esse novo estudo10 é original e deveria ser confirmada em futuros estudos que incluam a interpretação de outras variávels de TCPE em atletas, em especial aqueles que participam de eventos esportivos de resistência muito longos, como maratona ou triatlon, situações em que o atleta se exercita em intensidade inferior ao LV e provavelmente mais próxima ao POC.
Concluindo, o POC, definido como o mais baixo valor de VE/VO2 em um dado minuto do TCPE, foi associado com mortalidade por todas as causas na população frequentemente avaliada em teste de exercício clínico de rotina. O POC é uma variável reproduzível e fisiologicamente baseada no TCPE. Além disso, a disponibilidade de dados de referência quanto a idade e sexo em uma grande amostra de indivíduos saudáveis é uma vantagem em comparação aos demais índices de TCPE frequentemente obtidos em um TCPE máximo. O estudo recente de Souza e Silva et al.,10 representa um avanço para o POC ao sugerir seu potencial uso em jogadores de futebol adultos profissionais. Futuros estudos longitudinais são necessários para confirmar a relevância do POC e se sua medida poderia substituir outras variávels ventilatórias relevantes do TCPE, como LV ou VO2max, em atletas.