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O Programa Mais Médicos, a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

O Programa Mais Médicos, a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

Autores:

Joaquim José Soares Neto,
Maria Helena Machado,
Cecília Brito Alves

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.9 Rio de Janeiro set. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.16432016

Introdução

No decorrer da primeira década do presente século, estudos apontaram escassez de médicos no Brasil. Um relatório publicado pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais (Nescon/UFMG), em 2010, constatou que 97,6% dos municípios apresentavam escassez médica e que 400 deles eram totalmente carentes da atuação de médicos. Como resposta a tamanha carência, o governo brasileiro lançou o Programa Mais Médicos (PMM), por meio da Lei N° 12.871, de 22 de outubro de 20131. A instituição do PMM trouxe intensas discussões a respeito da quantidade e da formação dos médicos atuando no país.

Os médicos do PMM foram alocados em Unidades Básicas de Saúde (UBS) localizadas em realidades bastante diversas: áreas rurais, indígenas, quilombolas e fronteiriças, periferia de grandes cidades e capitais do sul ao norte do país. Devido a isto, também foi objeto de muitos debates a infraestrutura das unidades em que os profissionais participantes do PMM atuariam. Como exemplo, está citada a seguir manchete de artigo publicado no Portal iG, no dia 7/7/2013: “Falta de infraestrutura adequada é entrave para interiorização de médicos: Médicos ressaltam que, sem garantias de boas condições de trabalho, nem os estrangeiros vão encarar viver no interior e nas periferias”2.

Nora e Junges3, em uma revisão da literatura, seguida de metassíntese que tinha por objetivo analisar as práticas de humanização no sistema de saúde brasileiro, apontaram que problemas relacionados ao contexto interferem no processo de trabalho, comprometendo a qualidade dos serviços prestados, gerando desmotivação em profissionais e gestores e desconforto aos usuários. A falta de espaço físico adequado nas unidades tem levado à ausência de privacidade na conversa com os usuários. Além disso, observaram que a insuficiência de equipamentos e recursos materiais nas unidades interfere na continuidade do atendimento, gerando condições de trabalho desfavoráveis.

Sabendo-se então que as condições de infraestrutura encontradas pelos profissionais do Programa Mais Médicos têm efeito nos resultados de suas atuações, o acompanhamento de tais condições deve ser uma das preocupações centrais do PMM. Além disso, para que novas políticas públicas possam ser planejadas visando à melhoria das condições de atendimento, é necessário o aprofundamento do conhecimento da realidade específica de cada UBS em que os profissionais do Programa atuam.

O monitoramento e a avaliação de programas de intervenção governamentais tem-se colocado como parte importante do próprio programa. No caso específico do PMM, faz parte da Lei N° 12.8711 a estruturação de pesquisa avaliativa com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento do programa. O Programa Bolsa Família, outra política pública de grande impacto social, também tem uma política estabelecida de monitoramento e avaliação.

Sobre os processos de avaliação e de monitoramento de políticas públicas P. M. Jannuzzi4 escreve: “Informação e conhecimento são insumos fundamentais para o aprimoramento e a inovação das políticas e programas públicos. Por si só não são suficientes, mas são certamente imprescindíveis frente à escala, escopo e complexidade que caracterizam a ação governamental no mundo contemporâneo”. Na mesma publicação, a argumentação de Jannuzzi4 continua: “O monitoramento de programas requer uma seleção inteligente de indicadores-chave de recursos, processos, produtos e, se possível, de seus resultados e impactos potenciais, organizados de forma que permitam o acompanhamento contínuo de atividades críticas do programa e a tomada tempestiva de decisões necessárias ao seu bom funcionamento. Exaustividade, redundância e ambiguidade não são atributos de bom e objetivo sistema de monitoramento. Regularidade, prontidão e sensibilidade é o que se espera dos indicadores de tal sistema”.

Para que seja possível o monitoramento da evolução das condições materiais das UBSs, Soares Neto et al.5 construíram uma escala da infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde brasileiras. Uma escala é uma forma sofisticada de construção de um indicador. Os autores argumentam que “as vantagens de se ter uma escala são múltiplas, destacando-se o fato de que o Nível de infraestrutura de uma UBS passa ser mais facilmente interpretado, por exemplo, dado o escore de infraestrutura, sabe-se a probabilidade de que aquela UBS possua agrupamentos de itens de infraestrutura avaliados no questionário”.

O Índice de Desenvolvimento Humano6 foi desenvolvido por Amartya Sen e Mahbub ul Haq na década de 1990 e é utilizado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no seu relatório anual. O IDH permite a comparação entre países levando-se em consideração seu grau de desenvolvimento humano, que pode ser muito alto, alto, médio e baixo. O IDH é construído a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita (PPC) recolhidos em nível nacional. Anualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) classifica seus países membros de acordo com o IDH. Do mais, este índice pode ser calculado para estados, cidades, aldeias, etc.

Desde 2012, o PNUD Brasil, o Ipea e a Fundação João Pinheiro utilizam a metodologia do IDH Global para obter o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros. O cálculo foi com base nos dados dos três Censos Demográficos do IBGE – 1991, 2000 e 2010 – e de acordo com a malha municipal existente em 2010.

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano6, “o IDHM brasileiro considera as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no IDHM são mais adequados para avaliar o desenvolvimento dos municípios e regiões metropolitanas brasileiras”.

É com base na escala de infraestrutura citada anteriormente e no IDHM que na presente publicação serão feitas análises com o objetivo de se ter um amplo conhecimento das condições de infraestrutura das UBSs brasileiras e suas relações com o IDHM.

Também serão apresentados resultados em relação aos municípios em que serão feitas comparações das condições de infraestrutura das UBSs, levando-se em consideração o porte dos municípios. Para a avaliação das informações, serão utilizadas análises estatísticas descritivas e inferenciais do Nível de infraestrutura das unidades básicas de saúde.

A relevância do estudo da relação entre a infraestrutura das UBSs brasileiras e do IDHM se lastreia na expectativa de um forte relacionamento entre estas duas variáveis, o que mostraria que existe uma tendência de que municípios com IDHM baixos, tenham também UBSs com escores de infraestrutura baixos; e, do outro lado, municípios que tenham IDHM alto, também tenham indicadores de infraestrutura altos.

A infraestrutura de baixa complexidade e a insuficiência recursos materiais além de comprometer o desenvolvimento e a qualidade das ações da atenção básica que vêm sendo desenvolvidas pelos municípios atualmente, limita as potencialidades de ampliação do elenco de ações na perspectiva da reorganização das práticas e do modelo de atenção à saúde.

A escala de infraestrutura e o Programa Mais Médicos

O artigo de Soares Neto et al.5 descreve em detalhes a metodologia utilizada para a obtenção da Escala de Infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde brasileiras. Na presente publicação, a escala será aplicada para se obter um maior conhecimento a respeito do contexto em que atuam os médicos do PMM.

Uma característica importante de uma escala é a possibilidade da criação de níveis de complexidade. No caso específico da infraestrutura, foram criados 6 níveis de complexidade. O Nível 1 se refere àquelas UBSs com infraestrutura bastante elementar, enquanto que no Nível 6 estão as unidades com equipamentos e estruturas mais sofisticadas.

Na medida em que outras coletas de dados forem sendo realizadas, ou mesmo se utilizando dos dados do CNES, será possível comparar a série temporal e verificar a evolução da infraestrutura individual de cada UBS, e também das unidades do município, estado ou do país. Além disso, se informações a respeito de outros itens de infraestrutura forem obtidas em futuras coletas de dados, será possível, de forma simples, incluí-los na escala.

Reconhecendo a importância de se ter recursos estruturais e equipamentos que possibilitem atender as necessidades em saúde na atenção básica, o Ministério da Saúde lançou o “Manual de estrutura física das unidades básicas de saúde: saúde da família”7, no qual propõe que a estrutura física das UBS atue como agente facilitador de mudanças das práticas em saúde, favorecendo a do modelo de atenção no país. Esse manual7 segue os princípios da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 50/ANVISA/fevereiro/20028, que dispõe sobre a regulamentação técnica para planejamento, programação e avaliação de projetos físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS).

O Manual7 citado define que a estrutura física mínima (para uma equipe de saúde da família) deve ser composta de sala de recepção/arquivo de prontuários, sala de espera; sala de administração, gerência e ACS; sala de reuniões e educação em saúde; almoxarifado; consultório com sanitário; consultório; sala de vacina; sala de curativo/procedimento; sala de nebulização; farmácia (sala de armazenamento de medicamentos); equipamento odontológico; área de compressor; sanitário para usuário; sanitário para deficiente; banheiro para funcionários; copa/cozinha; depósito de materiais de limpeza; sala de recepção lavagem e descontaminação; sala de esterilização; abrigo de resíduos sólidos; depósito de lixo.

No presente estudo, foram utilizados dados do Censo PMAQ do ano de 2012 (versão 06 de Junho). Essa base disponibilizava dados de 38.308 UBSs. Entretanto, observou-se que, desse total, 3.449 unidades não preencheram o questionário do Censo PMAQ 2012, e, portanto, não foi possível incluí-las nas análises.

Em relação às informações acerca das unidades de lotação dos médicos do PMM, foi utilizada a Base Cadastral dos Médicos de Setembro de 2014, disponibilizada pela Universidade Aberta do SUS (UNASUS). Foram utilizados dados dos médicos do PMM alocados em Unidades Básicas de Saúde, até o 5º Ciclo. De um total de 14.702 médicos em atividade, tinha-se a informação de lotação em Unidades Básicas de Saúde (UBS), sem repetições para 11.136 médicos. Foram então recuperados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), de agosto de 2014, mais 2.671 registros de médicos em UBS, perfazendo um total de 13.351 médicos do PMM alocados em UBS conhecidas. Foram encontrados dados de Nível de infraestrutura para 9.902 UBS com médicos do PMM. Desta análise, percebeu-se que 2.115 municípios brasileiros não possuíam médicos do PMM alocados até setembro de 2014. Dentre os 3.198 municípios que possuíam médicos do PMM, cerca de 50% recebiam o serviço de apenas um médico do PMM e 19% de dois médicos. Faz-se necessário investigar a localização e a trajetória desses médicos com dados mais recentes, haja vista que o Programa Mais Médicos continuou crescendo após 2014.

A Tabela 1 apresenta o percentual de UBS segundo Níveis de infraestrutura e alocação de (pelo menos um) médico do PMM.

Tabela 1 Nível de infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde avaliadas pelo Censo PMAQ (2012) e alocação de médicos do Programa Mais Médicos por região geográfica, Brasil 2014 

Infraestrutura
Região PMM Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6 Total
Norte Não 19,3 21,2 27,4 23,0 7,9 1,1 100,0
Sim 1,9 11,1 30,4 44,1 10,2 2,3 100,0
Total 13,0 17,5 28,5 30,7 8,7 1,6 100,0
Nordeste Não 8,2 13,4 28,5 42,0 6,6 1,4 100,0
Sim 1,8 6,3 31,0 48,7 9,6 2,6 100,0
Total 6,5 11,5 29,1 43,8 7,4 1,7 100,0
Sudeste Não 1,7 5,1 19,0 39,3 22,1 12,7 100,0
Sim 0,5 2,0 11,7 35,5 25,9 24,5 100,0
Total 1,5 4,4 17,4 38,4 22,9 15,3 100,0
Sul Não 4,1 9,7 19,5 32,1 23,3 11,3 100,0
Sim 0,4 2,2 12,0 40,1 30,8 14,4 100,0
Total 3,1 7,6 17,4 34,4 25,4 12,2 100,0
Centro-Oeste Não 3,2 7,3 17,4 48,3 18,5 5,4 100,0
Sim 0,3 1,7 17,7 55,2 18,0 7,0 100,0
Total 2,5 5,9 17,5 50,0 18,4 5,8 100,0
Brasil Não 5,9 10,2 23,1 38,7 15,2 6,9 100,0
Sim 1,1 4,7 21,6 43,6 18,3 10,7 100,0
Total 4,6 8,8 22,7 39,9 16,0 7,9 100,0

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PMAQ, 2012.

A Tabela 1 traz uma contribuição importante para a política pública, pois mostra de forma sintética as condições das Unidades Básicas de Saúde no Brasil e nas cinco regiões geográficas brasileiras e, em particular, daquelas unidades que receberam médicos do PMM.

Observou-se que, no Brasil, a maioria das UBSs que tem médicos do PMM alocados possuem Nível de estrutura tipo 3 e 4 (65,2%). O menor percentual de UBSs é encontrado no Nível 1 (somente 1,1%). Cerca de 64% das UBSs foram classificadas nos três maiores Níveis de infraestrutura, Níveis 4, 5 e 6. Poucas UBSs estão nos extremos da escala, 4,6% no Nível 1 (que indica o Nível mais baixo de infraestrutura) e 7,9% no Nível 6 (Nível mais alto de infraestrutura).

Em relação aos níveis de complexidade das UBSs encontrados nesse estudo, em geral, podem-se notar percentuais maiores nos Níveis inferiores da escala (Níveis 1, 2 e 3) nas regiões Norte e Nordeste e percentuais maiores nos Níveis superiores (Níveis 4, 5 e 6) nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Observou-se que a maioria das unidades na Região Norte (59,0%) e quase metade das UBSs na Região Nordeste (47,1%) encontrava-se nos níveis inferiores da escala (Níveis 1, 2 e 3), diferentemente do que ocorre nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste nas quais a maioria situava-se nos níveis superiores (Níveis 4, 5 e 6). Destaca-se que mesmo na região Norte, que detém cerca de 30% das UBS com infraestrutura de tipo 1 e 2, somente 13% das UBSs que possuem médicos PMM alocados têm um desses nível estes dois níveis de infraestrutura. Na região Norte, 13,0% das UBS têm nível de infraestrutura do tipo 1; chama a atenção o fato de esse percentual ser bem menor na região Sudeste (1,5%), Centro-Oeste (2,5%) e Sul (3,1%).

O Programa Mais Médicos, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde

Nesta seção será feito um estudo detalhado de como se relaciona o Indicador de Desenvolvimento Humano Municipal e a infraestrutura da Unidades Básicas de Saúde localizadas neles. É de fundamental importância verificarmos esta relação, pois, como existe uma relação significativa entre o IDHM e a Infraestrutura das UBSs, tem-se a necessidade de priorizar a elaboração de políticas públicas visando a melhoria das condições materiais das UBSs localizadas em municípios de menores IDHM.

O diagrama de caixa (boxplot), a seguir, apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de acordo com o Nível de infraestrutura da UBS.

O IDHM é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano no município.

Na Figura 1, a caixa cinza é separada pela mediana, em dois quartis: inferior e superior (percentis 25 e 75). A mediana é o escore que divide a população em duas, metade acima e metade abaixo. A altura das caixas representa a amplitude interquartil e estima a variabilidade dos dados. Pela figura, percebe-se um padrão de melhor infraestrutura das UBS em municípios com maior IDHM, principalmente nos Níveis 4 e 5. O valor da mediana nos munícipios com UBSs de Nível 1 e 2 é cerca de 0,62, indicando que 50% das UBSs nos dois Níveis mais baixos de infraestrutura possuem IDH menor ou igual a 0,62. Entretanto, um valor bem superior é encontrado ao se observar a mediana das UBSs com Nível 6 de infraestrutura (IDHMmediana= 0,78). As linhas verticais que saem da caixa são conhecidas como bigodes de gato (whiskers, em inglês) e representam os 25% mais baixos e os 25% mais altos escores (que não sejam outliers). Os pequenos círculos representam valores que se distanciam moderadamente dos interquartis e os valores que se distanciam substancialmente são assinalados com um asterisco. Pela figura, nota-se que existem UBSs de Nível 5 e 6 em munícipios com baixo IDHM, entretanto, essas UBSs são consideradas outliers.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PMAQ, 2012 e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Figura 1 Diagrama de caixas do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal por Nível de infraestrutura das UBSs. 

A Figura 2 apresenta valores médios para cada um dos três tipos de IDHM disponíveis, a saber: IDHM_Longevidade, IDHM_Educação e IDHM_Renda, segundo o Nível de infraestrutura das unidades básicas de saúde.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PMAQ, 2012 e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Figura 2 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal médio por Nível de infraestrutura das UBSs. 

Pela Figura 2, pode-se observar que as três dimensões envolvidas no cálculo do IDHM se comportam bastante diferentemente, quando analisadas sob a perspectiva do Nível de infraestrutura das UBSs. A dimensão da Educação (IDHM_Educação) possui os menores valores médios, em todos os Níveis de infraestrutura. A dimensão da Longevidade (IDHM_Longevidade) possui os maiores valores médios. Além disso, nota-se um padrão crescente entre o Nível de infraestrutura da UBS e o Índice de Desenvolvimento Humano, em especial, na dimensão Educação e Renda.

Em uma análise de correlação de Pearson entre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal e o escore de infraestrutura médio do munícipio, obteve-se uma correlação moderadamente alta (r = 0.50, p < 0.01, N = 5.542), indicando que quanto maior o desenvolvimento do munícipio, melhor a infraestrutura das unidades básicas de saúde.

Com a finalidade de se investigar o tamanho dos efeitos de variáveis como o IDHM, o porte do município e a região geográfica da UBS, realizou-se a análise de regressão linear múltipla. O coeficiente da regressão indica o quanto a probabilidade de ocorrência de um evento aumenta com o incremento de uma unidade na variável independente, mantendo-se constantes todas as demais. Quanto maior for o valor do coeficiente (Beta), maior será o poder preditivo da variável explicativa sobre o escore de infraestrutura. Diferentemente, valores negativos estão associados a uma diminuição do escore de infraestrutura. Cabe ressaltar que, nesta análise, não foi utilizada a variável categorizada nos seis Níveis de infraestrutura, mas o seu valor contínuo, em uma escala de 0 a 100.

A partir dos coeficientes da Tabela 2, observa-se que o IDHM_Renda é o fator que mais contribui para o aumento do escore de infraestrutura das unidades básicas de saúde (β = 0.206, p < 0.05), seguido pelo IDHM_Educação e o número de habitantes do município (ambos: β = 0.177, p < 0.05). O sinal positivo do coeficiente indica que quanto maior (a) a renda do munícipio, (b) o nível educacional e (c) o número de habitantes do município, maior será o escore de infraestrutura das UBSs.

Tabela 2 Estimativas de regressão linear múltipla entre o escore de infraestrutura das UBS's e variáveis contextuais. 

Coeficientes não estandardizados Coeficientes estandardizados
Model β Erro Padrão β t Sig.
1 (Constant) 30,932 1,372 22,552 ,000
IDHM_Educação 17,512 ,900 ,177 19,456 ,000
IDHM_Longevidade -6,891 2,074 -,031 -3,323 ,001
IDHM_Renda 22,606 1,273 ,206 17,752 ,000
Num. habitantes do município 1,365E-6 ,000 ,177 36,522 ,000
Norte e Nordeste -2,311 ,136 -,115 -16,945 ,000

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PMAQ, 2012 e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Além disso, morar na região Norte ou Nordeste afeta negativa e significativamente o escore de infraestrutura (β = −0.115, p < 0.05). O sinal negativo do coeficiente indica que unidades básicas de saúde localizadas na Região Norte e Nordeste estão associadas a uma diminuição no escore de infraestrutura.

Em relação ao número de habitantes do município, a partir dos dados analisados, sabe-se que cerca de 58% das UBSs de Nível 1 e de Nível 2 de infraestrutura são situadas em municípios de 10.000 a 50.000 habitantes. UBSs do Nível 6 de infraestrutura são encontradas majoritariamente em munícipios de grande porte: cerca de 66% das UBSs estão em municípios com mais de 100.000 habitantes.

A tabela a seguir mostra as médias do escore de infraestrutura e dos três tipos de IDHM, segundo a existência ou não de um médico do Programa Mais Médicos na unidade básica de saúde.

A Tabela 3 sugere que o escore de infraestrutura é levemente maior em unidades de saúde que possuem médicos PMM alocados. Os valores médios de IDHM são bastante próximos, sendo a maior diferença encontrada no IDHM de Educação e Renda.

Tabela 3 Média do escore de infraestrutura e IDHM segundo alocação ou não de médico PMM na UBS 

UBS sem médico PMM UBS com médico PMM
Brasil NO/NE SE/SU/CO Brasil NO/NE SE/SU/CO
Escore de Infraestrutura 52.4 45.24 52.31 49.17 48.39 56.22
IDHM_Educação 0.58 0.52 0.64 0.59 0.52 0.64
IDHM_Longevidade 0.81 0.77 0.84 0.81 0.77 0.84
IDHM_Renda 0.66 0.6 0.72 0.67 0.59 0.73

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PMAQ, 2012 e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Ao se analisar esses escores médios considerando-se apenas duas localizações – (1) Norte e Nordeste e (2) Sudeste, Sul e Centro-Oeste, nota-se que a maior diferença nos escores de IDH é encontrada no nível da localização, não da alocação dos médicos do Programa Mais Médicos. Unidades de saúde que recebem médicos do Programa, em geral, têm uma infraestrutura levemente superior, independente da localização.

Conclusão

Muitos estudos têm aprofundado o conhecimento das desigualdades sociais brasileiras. Nas últimas décadas, com a possibilidade da coleta de dados cada vez mais precisos devido aos avanços tecnológicos, tornou-se possível a construção de bons indicadores sociais, os quais permitem ampliar o nível de análises que podem ser realizadas, logo uma maior compreensão do objeto estudado.

No presente trabalho, foi utilizada uma escala da Infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde recentemente desenvolvida por Soares Neto et al.5 para o estudo da relação entre a Infraestrutura das UBSs e suas localizações no território nacional. Em particular, e de muita importância, estudou-se aqui a relação entre a infraestrutura das UBSs e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Estes autores verificaram que “a maioria das unidades na Região Norte (59,5%) e quase metade das na Região Nordeste (47,2%) encontrava-se nos Níveis inferiores da escala (Níveis 1, 2 e 3), diferentemente do que ocorre nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste nas quais a maioria situava-se nos Níveis superiores (Níveis 4, 5 e 6)”. No presente estudo, ao se observar as unidades básicas de saúde com baixíssimo nível de infraestrutura (ou seja, Nível 1), percebe-se que a grande maioria (75,8%) está localizada nas regiões Norte e Nordeste. Situação semelhante é encontrada nos Níveis 2 e 3. Por outro lado, nota-se que a maior parte das UBS com alto nível de infraestrutura (Nível 5 e Nível 6) localizam-se na região Sudeste (44,5% e 60,9%, respectivamente). Esse é um quadro que remete à bem conhecida situação de desigualdades entre as regiões brasileiras, em que, em geral, as Norte e Nordeste são marcadas por maior precariedade, quando comparadas com as demais.

Em um estudo realizado por Santos et al.9, no qual levantam evidências de que o Programa Mais Médicos é uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde, os autores afirmam que o programa deu passos importantes para viabilizar o direito à saúde ao tornar obrigatória a adesão do município ao Requalifica UBS que envolve investimentos na (re)construção de Unidades Básicas de Saúde. Afirmam também que em 2015 existiam 23.050 obras do Requalifica UBS previstas, ou sendo desenvolvidas, no Brasil e que, para o período 2013-2014, o valor total previsto foi de R$ 3,3 bilhões, para 4.811 municípios.

No que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, observou-se uma moderada relação entre IDHM e os Níveis de Infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde. Assim, em geral, nota-se um padrão ascendente, em que o crescimento no valor de Índice de Desenvolvimento Humano está relacionado ao crescimento no Nível de infraestrutura da UBS, em especial, na dimensão Educação e Renda.

Dentre as unidades básicas de saúde do Nível 1, 23% estão no Norte e 52,8% no Nordeste. Por outro lado, do total de UBSs no Nível 6, 60,9% estão no Sudeste e 25,2%, no Sul. Isto é uma evidência bastante forte da desigualdade regional estabelecida historicamente no país. Um quadro bastante parecido, no que se refere ao panorama educacional do Brasil, foi encontrado em estudo das condições de infraestrutura das escolas brasileiras5. Esta evidência de que a realidade social brasileira tem levado a uma associação indesejável entre estas duas variáveis—região do país e nível de infraestrutura—leva à necessidade de estudos mais aprofundados para lastrear políticas públicas no sentido de propiciar melhores estruturas das Unidades Básicas de Saúde para municípios com baixo IDHM, principalmente, das regiões Norte e Nordeste.

Este estudo também aponta aspectos importantes ao se observar, separadamente, a relação entre os níveis de infraestrutura e os índices IDHM Educação, IDHM Longevidade, IDHM Renda e dos municípios brasileiros. Enquanto que a média do IDHM Longevidade é basicamente a mesma para todos os Níveis de infraestrutura, notamos uma clara tendência positiva de relação entre o IDHM Educação e o IDHM Renda com os Níveis de infraestrutura.

Em relação a possíveis diferenças entre o IDH dos municípios que receberam médicos do PMM e dos que não receberam, notou-se que não existe uma diferença substantiva entre o IDHM médio dos que receberam e dos que não receberam, quando controlada a região a que a UBS pertence. Entretanto, em relação ao escore de infraestrutura, tanto na localização Norte/Nordeste quanto na Sudeste/Sul/Centro-Oeste, a infraestrutura média das UBS que receberam médicos do PMM é maior que o das que não receberam. Este fato mostra um esforço em propiciar condições mínimas (ou mais adequadas) ao trabalho dos médicos do programa, embora estes tenham sido alocados, como previsto, nos munícipios prioritários que, em geral, vivenciam diversos tipos de vulnerabilidades.

Ao se analisar conjuntamente variáveis do estudo, a saber, os três tipos de IDHM, o porte do munícipio e a localização no Norte/Nordeste, a fim de se investigar qual dessas variáveis explicaria mais a infraestrutura das UBSs, por meio de uma análise de regressão, verificou-se que o IDHM Renda é o fator que mais contribui para o aumento do escore de infraestrutura das unidades básicas de saúde. O segundo fator com maior poder explicativo foi o IDHM Educação e o número de habitantes do município. Esses resultados indicam que que quanto maior (1) a renda do munícipio, (2) o nível educacional de seus habitantes e (3) o porte do município, maior será o escore de infraestrutura das UBSs. Por outro lado, estar localizada na região Norte ou Nordeste, diminui o escore de infraestrutura. Esses resultados coadunam com os achados de pesquisa realizada por Campos et al.10, em que estes autores apontam dificuldades na fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Semelhantemente, Tomasi et al.11 também encontraram marcantes desigualdades entre os habitantes das regiões brasileiras no que diz respeito ao acesso e a cuidados médicos no país.

Importante conclusão se retira daqui: o crescimento no indicador de renda e indicador educacional está relacionado com o crescimento do indicador de infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde. Cabe ressaltar que, por este estudo, não é possível se estabelecer nenhuma relação de causalidade entre as variáveis. Além disso, estudos mais aprofundados devem ser realizados no sentido de verificar a necessidade de políticas educacionais e de saúde integradas.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013 2. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out.
2. Borges P. Portal iG. [acessado 2013 jul 7]. Disponível em:
3. Nora CRD, Junges JR. Política de humanização na atenção básica: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2013; 47(6):1186-1200.
4. Jannuzzi PM. Monitoramento e Avaliação de Programas Sociais. Campinas: Alínea Editora; 2016.
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