versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.4 Rio de Janeiro abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014194.18672012
Biogenic amines are low molecular weight organic bases with biological activity, produced by the action of the decarboxylase enzyme. Microorganisms used in food fermentation are able to produce them. Consumption of these compounds causes serious toxicological effects, which are undesirable for human health. Although there is no specific legislation regarding the amine content in food and beverages, the presence and accumulation of amines is a matter of great importance. The aim of this review is to highlight the need for further studies and foment debate about the presence of biogenic amines in a variety of foods.
Key words: Biogenic amines; Histamine; Tyramine; Food poisoning; Microorganisms
Os compostos nitrogenados possuem uma importante função metabólica nas células, sendo essenciais para a formação das proteínas presentes no organismo humano. A degradação destes compostos através de enzimas ocorre naturalmente em humanos e esta reação dará origem às aminas biogênicas (AB). As AB são fonte de nitrogênio e precursoras para a síntese de hormônios, alcaloides, ácidos nucleicos e proteínas1. Elas também podem influenciar processos no organismo humano como a regulação da temperatura corporal, nutrição e aumento ou diminuição da pressão sanguínea2.
Em alimentos as AB derivam principalmente da descarboxilação microbiana dos aminoácidos durante os processos de amadurecimento, deterioração ou transaminação dos aldeídos e cetonas pela aminoácido-transaminase3. A produção está ligada à estratégia de sobrevivência do microrganismo aos ambientes ácidos, ou como um suplemento alternativo de energia metabólica quando as células estão expostas a condições desfavoráveis de substrato4.
Muitos gêneros bacterianos, incluindo os produtores de ácido lático, são capazes de descarboxilar aminoácidos5,6. Entre as bactérias ácido-lácticas (BAL), cepas pertencentes aos gêneros Lactobacillus, Enterococcus, Carnobacterium, Pediococcus, Lactococcus e Leuconostoc, podem estar aptas à produção de aminas em vários alimentos como queijo, carne fermentada, vegetais e bebidas7-9. Alguns pesquisadores sugerem que os genes que codificam as enzimas da via de produção das AB podem ser transferidos a outros microrganismos através de elementos genéticos móveis10,11.
Microrganismos com a atividade de descarboxilase podem ser intencionalmente inseridos no alimento, como cultura starter, ou ser um contaminante no processo de produção. A presença de contaminantes nos alimentos pode ser considerada indicadora da qualidade e do grau de higiene da matéria-prima empregada na produção ou como um indicadora dos níveis de higiene preconizados pelo produtor12,13.
Entre as principais AB encontradas em alimentos e bebidas estão citadas a histamina, a tiramina, a putrescina e a cadaverina1. O consumo de produtos contendo grande quantidade destas aminas pode gerar quadros toxicológicos graves, que são ainda mais severos em consumidores cuja atividade da mono e da diamina oxidase, as enzimas responsáveis pela detoxificação do organismo, estejam reduzidas14,15.
Durante as últimas duas décadas, várias metodologias foram desenvolvidas tanto para a detecção de bactérias produtoras de aminas biogênicas, como para meios de cultura diferenciais7,8; métodos enzimáticos específicos16 e também cromatografia líquida7,8,17. Entretanto, estes testes apresentam algumas consideráveis desvantagens como: tempo de resposta, resultados falso positivo/negativo, baixa sensibilidade e equipamentos sofisticados de alto custo (HPLC). Métodos moleculares para a detecção e identificação desses microrganismos produtores de AB estão se tornando a melhor alternativa. A PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) e a hibridização de DNA oferecem vantagens na velocidade, sensibilidade, simplicidade e especificidade na detecção dos genes alvo18,19.
O conceito de segurança alimentar em conjunto com a demanda de consumidores de produtos saudáveis e seguros têm promovido estudos sobre componentes de alimentos que produzem efeitos nocivos à saúde humana. Quando se trata de aminas biogênicas, vários países estabeleceram limites de tolerância para sua presença em alimentos. No Brasil, apenas uma portaria trata sobre o assunto, a Portaria nº 185 de 13/05/199720, estabelecendo um limite máximo de 100 ppm para pescados formadores de histamina. A falta de controle do governo, em especial sobre o comércio varejista, entrepostos e indústrias e a falta de conhecimento dessa perigosa intoxicação, tanto pela população como pelos agentes de saúde, podem contribuir para que os alimentos que contem AB constituam um potencial risco à saúde do consumidor. A revisão do tema foi feita com base em artigos internacionais, devido à escassez de trabalhos no Brasil. O objetivo deste trabalho foi demonstrar a importância do desenvolvimento de pesquisas sobre os diversos aspectos relacionados às aminas biogênicas, capazes de gerar agravos à saúde humana.
As aminas biogênicas são bases orgânicas com estrutura alifática (putrescina, cadaverina, espermina e espermidina), aromáticas (feniletilamina e tiramina) e heterocíclicas (histamina e triptamina), gerada principalmente pela descarboxilação de seu aminoácido precursor correspondente. Levando-se em consideração a via biossintética, as aminas podem ser classificadas em biogênicas, quando são formadas pela descarboxilação de aminoácidos por enzimas microbianas (histamina, serotonina, tiramina, feniletilamina, triptamina, putrescina, cadaverina e agmatina), e em naturais, cuja formação ocorre in situ nas células à medida que são requeridas (putrescina, agmatina, espermina, espermidina e histamina)21. Aminoácidos livres também podem ocorrer em alimentos ou ser liberados através da proteólise.
Cepas microbianas com alta atividade da enzima proteolítica aumentam o risco de formação de AB em sistemas alimentares, pelo aumento da disponibilidade de aminoácidos livres22. Estes compostos são descritos como termoestáveis e tanto o cozimento quanto a exposição prolongada ao calor não atuam sobre a toxina14,23-25.
Aminas biogênicas presentes em vários alimentos são amplamente estudadas em função de seu potencial efeito tóxico em seres humanos. A Tiramina e a β-feniletilamina têm sido associadas a crises hipertensivas, traduzidas pelo aumento da pressão sanguínea podendo levar a falhas no coração ou até mesmo a hemorragia cerebral26-28.
A amina, histamina, age como um neurotransmissor e um vasodilatador no sistema nervoso central e no sistema cardiovascular. É considerada a agente responsável por alguns episódios de envenenamento alimentar, que se manifestam por reações alérgicas, caracterizadas pela dificuldade de respirar, prurido, erupção, vômito, febre e hipertensão. As pessoas que possuem o mecanismo de detoxificação das AB naturalmente deficientes por razões genéticas ou devido à inibição do mecanismo pelo uso de medicamentos (inibidores de monoamina oxidase) são mais susceptíveis ao envenenamento por histamina29-31.
A triptamina tem efeitos tóxicos nos seres humanos promovendo o aumento da pressão arterial, entretanto, não existe um quantitativo máximo de consumo dessa AB relacionado com o efeito tóxico. As poliaminas como a putrescina, espermina, espermidina e cadaverina estão naturalmente presentes em alimentos, envolvidas com o crescimento e a proliferação celular, porém, não foram associadas a efeitos adversos no organismo humano, mas podem reagir com o nitrito e formar as nitrosaminas carcinogênicas, agindo então, como um possível precursor mutagênico14,28,32.
A principal fonte de AB exógena é proveniente da alimentação, a quantidade e o tipo de aminas nos alimentos em geral, dependem da natureza, origem, etapas de processamento e microrganismos presentes. Muitos países vêm realizando estudos para identificar alimentos que possam conter estes compostos, principalmente os que impactam a saúde e a economia, a exemplo:
A presença de AB em vinhos tem sido extensivamente estudada nos últimos anos em função de uma maior atenção que vem sendo dada a saúde do consumidor, nele foram identificadas mais de 20 diferentes aminas.
No vinho, os níveis de AB, são relativamente baixos no final da fermentação alcoólica, podendo aumentar durante a fermentação malolática e o envelhecimento, sugerindo, que as BAL são responsáveis por sua produção neste período33. Existe uma hipótese que sugere que as bactérias usem a descarboxilação dos aminoácidos como um sistema para extração de maior quantidade de energia metabólica quanto possível dos substratos presentes no meio, permitindo sua sobrevivência34.
A variedade e as diferentes concentrações de aminas contidas no vinho podem ser explicadas pelas diferenças no processo de produção, tempo e condições de estocagem, qualidade da matéria-prima e possíveis contaminações microbianas durante as operações na vinícola34. Estudos como o de Del Prete et al.35 mostraram que a variedade da uva, utilizada na produção, também está diretamente relacionada à presença e ao tipo de amina presente no vinho.
As principais AB associadas com o vinho são: histamina, tiramina e putrescina36-39, a presença delas é sempre considerada como marcador da baixa qualidade. A maioria dos alimentos fermentados possui concentrações maiores e são mais consumidos que o vinho, porém a presença de álcool neste aumenta a atividade tóxica das aminas já que inibe a ação da enzima monoamina oxidase (MAO)40-43.
Para a análise da presença das aminas biogênicas no vinho as técnicas moleculares são escolhidas como principal metodologia, pois são: rápidas, fáceis e reprodutíveis, podendo ser utilizadas em qualquer fase da produção, permitem também que sejam identificados potenciais produtores de AB44. Novos estudos estão utilizando os próprios microrganismos, incluídos no processo de fermentação, para minimizar a formação de aminas durante a produção, e nestes casos tais bactérias seriam capazes de degradar as AB formadas reduzindo sua concentração no produto final. Em outros casos a utilização de bactérias descarboxilase negativas associadas ao gerenciamento do processo de fermentação inibiriam a formação desses compostos45-47, já que tanto a pasteurização quanto a variação de pressão não são eficazes na eliminação das aminas biogênicas presentes no meio48.
Em alguns países da Europa já foram estabelecidas recomendações quanto à quantidade máxima de histamina aceitável no vinho, 2mg/L na Alemanha, 5-6 mg/L na Bélgica, 8mg/l na França e 12mg/L na Suíça39, o que causa impacto na exportação do vinho para esses países.
O queijo é um produto sólido derivado do leite, obtido a partir de sua coagulação com enzima ou ácido lático, seguido de separação do soro. Os fermentos utilizados, o método de coagulação e separação do soro e os diferentes tratamentos dados à massa obtida, vão controlar a composição e as características organolépticas do produto final. A diversidade microbiana presente na matéria prima (leite), o que inclui leveduras, fungos, bactérias Gram positivas e Gram negativas, é o elemento núcleo no processo de produção do queijo49.
Este produto é um dos alimentos no qual mais comumente podemos encontrar aminas biogênicas42,50. Isto se deve, ao fato de que um dos processos bioquímicos que ocorre durante a maturação do queijo, que é a degradação das proteínas, permite o acúmulo de aminoácidos livres. Como resultado, através da atividade das descarboxilases bacterianas, alguns desses aminoácidos podem ser convertidos em aminas biogênicas3.
A microbiota presente nos queijos tem diferentes origens (leite, culturas iniciadoras e contaminação) e pode ter seu desenvolvimento afetado por vários fatores como o tratamento do leite, seu armazenamento, as condições de temperatura e pressão e o tempo de maturação51,52. No interior do queijo a microflora dominante geralmente corresponde a bactérias ácido lácticas enquanto outros microrganismos (bactérias Gram negativas e leveduras) constituem a microflora subdominante ou em alguns casos codominante53,54.
Muitos gêneros bacterianos são capazes de produzir as enzimas descarboxilase, e as BAL são suas principais produtoras55. As aminas tiramina e putrescina são as mais encontradas em amostras durante a fase de maturação, enquanto a histamina é detectada principalmente na fase final do processo de maturação. Sendo a cadaverina descrita como a mais abundante em queijos brasileiros43,51,56-58. A PCR já é usada para a detecção de bactérias produtoras de AB em leite e queijo e têm sido desenvolvidas técnicas de quantificação baseadas na PCR em tempo real para serem utilizadas em diferentes etapas do processo de produção do queijo59-61. No Brasil em 2010 houve um consumo per capita de 3,4 quilogramas de queijo ao ano, ante 2,6 quilogramas em 2000, com um crescimento médio de 2,7% ao ano, no período de 2000 a 201062. O aumento no consumo de queijos no país e a presença de aminas biogênicas mostram a necessidade de se assegurar a qualidade e a segurança deste produto.
Esse tipo de alimento é geralmente nutritivo, saudável e barato quando comparado à carne vermelha. Entretanto, podem em algumas ocasiões conter potentes toxinas, como as aminas biogênicas, que ameaçam a saúde dos consumidores. A presença de aminas em peixes foi estudada primeiramente na família Scombridae, particularmente o atum, o bonito e a cavalinha que são mais suscetíveis ao acúmulo de teores tóxicos de AB, pois apresentam alta concentração de histidina livre nos músculos63-66.
Entretanto, outros tipos de peixes como o arenque, a sardinha e a anchova, também tiveram relatos de presença de AB66. Em peixes, as aminas biogênicas são formadas principalmente a partir da descarboxilação de aminoácidos específicos livres, por enzimas exógenas liberadas pelos microrganismos associados a frutos do mar67. Cepas produtoras de histidina descarboxilase foram isoladas de peixe escombroide em diversos estudos realizados, as mais comuns são: Morganella morganii, Proteus vulgaris, Pantoea agglomerans, Enterobacter cloacae68,69. Em peixes, não escombroide, cujos níveis de histidina livre no músculo também são altos, não foram identificadas espécies bacterianas específicas relacionadas à produção das AB70. A histamina produzida se acumula no peixe, este quando consumido manifesta a intoxicação, que se caracteriza por um tipo de reação alérgica, com respiração dificultada, prurido, erupção cutânea, vômito, febre e hipertensão, conhecida como "envenenamento escombroide"29,30.
Embora o controle da temperatura e das condições higiênicas de manipulação e armazenagem tenham uma importante função na inibição do crescimento de microrganismos mesofílicos, a ocorrência de bactérias psicrotróficas pode resultar na formação de aminas biogênicas71-73. O estudo realizado por Kanki et al.74 sugere que a atividade enzimática da histidina descarboxilase foi responsável pela formação de histamina e sua ação pode continuar mesmo depois da autólise bacteriana. Metodologias, fenotípica e genotípica, para identificação de uma potencial produção da enzima descarboxilase foram testadas por Muñoz-Altienza et al.75, entre o teste em placa, a cromatografia líquida e a PCR, esta última foi a mais precisa em seus resultados. Os inúmeros casos de envenenamento escombroide e a dificuldade de eliminação das aminas acumuladas nos alimentos determinam a importância do controle da qualidade.
Alimentos fermentados são aqueles nos quais microrganismos potencialmente seguros são inoculados ou estimulados a crescer e produzir enzimas, principalmente amilases, proteases e lipases para hidrolisar polissacarídeos, proteínas e lipídios em produtos inofensivos com sabor, aroma e textura agradável e atraente para o consumo76. No entanto, estes microrganismos considerados seguros podem produzir substâncias indesejáveis como, por exemplo, as aminas biogênicas.
O processo de fermentação dos alimentos contribui para a formação de aminas biogênicas, pois requer a presença de microrganismos potencialmente produtores de descarboxilase, concentrações adequadas de precursores de aminoácidos livres associado a fatores ambientais que favorecem o crescimento microbiano e a síntese da descarboxilase77. A grande concentração de proteínas presente nesses produtos e a atividade proteolítica durante a maturação proveem os precursores para a ação da descarboxilase das culturas iniciadoras e da microflora selvagem78. Em vários estudos realizados com estes alimentos a tiramina foi mais comumente encontrada e em maior concentração, porém a putrescina, a cadaverina, a feniletilamina e a triptamina também já foram detectadas em carnes fermentadas29,78-82. São poucos os estudos sobre aminas em produtos cárneos brasileiros, onde existem apenas dados sobre os teores de histamina em algumas amostras de linguiça, presunto e salame63,83e sobre os teores de aminas na carne e em produtos à base de frango como salsicha, mortadela, linguiça frescal, almôndega, hambúrguer e empanado84.
Apesar da determinação destes compostos não ser um procedimento simples nos alimentos, em carnes as dificuldades analíticas são ainda maiores devido a fatores como a complexidade da matriz cárnea (rica em proteínas, com muitas gorduras e a presença de numerosos ingredientes não cárneos de origem animal ou vegetal), assim como diferentes processamentos a que foram submetidos85. Métodos moleculares como a PCR ou hibridização são as mais utilizadas na rotina de identificação de potenciais produtores de compostos aminados19,86. As aminas biogênicas em alimentos são de grande interesse, não só por seu risco potencial à saúde humana, mas também porque elas podem ter função como indicadores químicos da presença de contaminação microbiana indesejada.
Os vegetais apresentam uma importante função na nutrição e saúde humanas, por serem fontes de minerais, vitaminas, antioxidantes, fitoesteróis e fibras87. Alimentos vegetais podem naturalmente conter aminas biogênicas, já que estas são requeridas no metabolismo celular e no crescimento dos tecidos, entretanto nos vegetais, elas podem também ser produzidas por microrganismos1,88,89.
Comer vegetais frescos é a melhor forma de absorver todos os nutrientes benéficos destes alimentos, porém só a lavagem não é um modo efetivo de eliminação das toxinas ou das bactérias patogênicas presentes. Estudos realizados com crucíferas (couve-flor e brócolis) mostraram a ocorrência de aminas biogênicas em grandes concentrações nesses alimentos90.
Em alguns vegetais, quando cozidos, ocorre a transferência dos compostos aminados para a água de cozimento, entretanto para as crucíferas, ocorre apenas a redução da concentração91. Isto indica que mesmo com o cozimento as AB não são eliminadas do alimento podendo ainda causar seus efeitos tóxicos. Um estudo realizado por Tapingkae et al.25 mostrou, que as aminas biogênicas são termoestáveis e tanto o cozimento quanto exposição prolongada ao calor são incapazes de eliminar a toxina. Embora poucos estudos tenham abordado a atividade biológica das aminas em produtos vegetais, putrescina e espermidina são as mais comumente presentes. Além disso, várias aminas biogênicas com efeitos potencialmente prejudiciais podem ocorrer em níveis relativamente altos, como a histamina em espinafre e no tomate92,93.
A cerveja é uma bebida fermentada composta principalmente por malte, lúpulo, água e levedura, consumida mundialmente em larga escala. Durante sua produção, a fermentação alcoólica ocorre pela ação de cepas de leveduras selecionadas como Saccharomyces cerevisiae (fermentação de topo), Saccharomyces carlsbergensis (fermentação de fundo), junto com leveduras selvagens e bactérias ácido-lácticas94. É durante o processo de fermentação que pode ocorrer a formação das aminas biogênicas95.
Os tipos e a concentração de aminas na cerveja são afetados principalmente pela qualidade das matérias primas, tecnologia empregada, contaminação microbiológica durante o processamento e condições de armazenamento. A presença das AB é caracterizada por sua origem em 3 grupos principais, o primeiro corresponde as naturalmente presentes na matéria prima, a agmatina, a putrescina, a espermidina e a espermina que são usualmente encontradas no malte e a tiramina, a 2-feniletilamina e as poliaminas encontradas no lúpulo.
Ao segundo grupo pertencem as aminas que são geradas durante o processo de mostura e cozimento do mosto, como a tiramina, a agmatina e a cadaverina. As enzimas presentes no malte e a decomposição térmica do aminoácido correspondente são responsáveis pela formação dessas aminas.
O último grupo é composto pela tiramina e a triptamina que podem ser formadas durante a mostura e a fermentação96. Buscando eficiência, sensibilidade e rapidez nos resultados, inúmeros métodos de análise têm sido amplamente usados em alimentos, principalmente na cerveja22,38,39,95,97.
Em cervejas a presença de aminas biogênicas é de grande interesse, não só pelo risco a saúde humana, mas também por ter uma função indicadora de contaminação por microrganismos indesejados ou por indicar deficiência nas condições de processamento94.
Outro fator importante é que o álcool inibe a ação da MAO, amplificando as reações ocorridas pelo acumulo das AB98. A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)99 realizaram uma pesquisa quanto aos mais variados fatores relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas, e dentre os levantamentos realizados, a cerveja foi relatada como a bebida mais consumida entre adultos brasileiros, atingindo 61% das doses anuais. O consumo global de cerveja chegará à marca dos dois bilhões de hectolitros em 2013, segundo a previsão de um dos mais importantes institutos de pesquisa, a Canadean, em seu estudo Global Beer Trends de 2011100, mostrando a importância da manutenção da qualidade deste produto.
A detecção precoce de bactérias produtoras de aminas biogênicas nos alimentos é essencial para evitar os riscos iminentes à sua presença. Vários métodos para determinar a produção de AB estão sendo desenvolvidos tanto para análises bioquímicas como para moleculares. Com relação à busca por microrganismos produtores de AB, métodos de triagem foram inicialmente baseados no uso de meios de cultura diferenciais contendo indicadores de pH7,8.
Métodos analíticos usados para separação e quantificação das aminas são baseados principalmente nas técnicas cromatográficas101. Aminas biogênicas de cadeia alifática, entretanto, não conseguem ser detectadas por espectrometria comum, devido à baixa absorção de luz ultravioleta. Sendo então necessários tratamentos específicos para amostras a serem analisadas tornando o processo mais caro25.
O uso de ferramentas moleculares para detecção precoce e rápida de microrganismos indesejados nos alimentos tem sido objeto de vários estudos já publicados. Esses métodos independem de cultivo, são acurados e confiáveis, usam vários genes alvo sendo possível identificar e/ou quantificar todas as bactérias envolvidas na produção de AB em uma determinada amostra18,60,102-104. A relação entre a presença de genes que codificam a descarboxilase e a capacidade para sintetizar AB foi descrita por muitos autores105-107. As técnicas da PCR e de hibridização DNA são as metodologias mais importantes, devido às suas vantagens como: rapidez, sensibilidade, simplicidade e especificidade na detecção dos genes alvo. A biologia molecular acelera a obtenção de resultados e permite a introdução antecipada de medidas de controle para evitar o desenvolvimento dos microrganismos presentes. Entre as técnicas moleculares utilizadas, a Multiplex PCR pode ser a mais bem sucedida na rotina de detecção de cepas potencialmente produtoras de histamina, tiramina, putrescina, cadaverina e feniletilamina. Nesta metodologia, todos os alvos podem ser detectados ao mesmo tempo, por uma mesma PCR104,108-110.
Os métodos moleculares são altamente específicos e seus resultados são fáceis de interpretar quando comparados com os métodos convencionais, o que os torna os mais indicados para a análise da presença de aminas biogênicas nos alimentos.
No continente Europeu existem legislações específicas, que determinam uma concentração máxima de AB em alguns tipos de alimentos. Os níveis limite de histamina para pescado fresco é de 100mg/Kg e para produtos curados de 400mg/Kg (Commission Regulation (EC)2073/2005)111. A americana Food and Drug Administration (FDA)112 considera que o nível de histamina possivelmente causador de risco a saúde é igual a 500mg/Kg.
Os limites toxicológicos são difíceis de serem estabelecidos devido à grande diferença entre as pessoas e a robustez de seu sistema de detoxificação. Entretanto concentrações acima de 100mg/Kg de alimento são supostamente deletérias, especialmente em consumidores pertencentes ao grupo de risco - tendo deficiência da MAO1. No Brasil há apenas uma legislação sobre concentrações máximas permitidas de histamina e ela trata sobre pescados frescos e seus derivados20. Embora essas regulamentações sejam válidas, elas apenas tratam da histamina, enquanto os alimentos podem carrear outras aminas biogênicas, tão perigosas quanto esta.
Outro problema relacionado à regulamentação é que a legislação existente apenas determina a concentração máxima de AB nos alimentos, porém não leva em consideração a presença de microrganismos passíveis de produzirem enzimas descarboxilase após o produto acabado. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 12 de 2001113 existe uma tolerância máxima da presença de algumas bactérias nos mais variados alimentos, quando os resultados analíticos estão dentro dos padrões descritos, os produtos são considerados como "em condição sanitária satisfatória" e liberados para consumo humano. Os parâmetros determinados por esta RDC permitem que muitos alimentos possam apresentar teores tóxicos de aminas biogênicas devido à presença, mesmo que pequena, de microrganismos. Por isso faz-se necessária, no mínimo, a detecção dos genes que codificam para AB em coliformes termotolerantes, estafilococos coagulase positiva e Bacillus cereus.
É de grande importância o estudo da presença de aminas biogênicas em alimentos, particularmente pelo seu potencial tóxico e a possibilidade de serem encontradas em carnes, leite, salsicha, chocolate, queijos, peixes, legumes e algumas bebidas14,29,114. Inúmeros métodos para a identificação precoce e quantificação de AB são utilizadas para que a antecipação da presença desses compostos possa prevenir casos graves de intoxicação. Entretanto considera-se que a ocorrência desses casos seja geralmente subestimada, não só devido à subnotificação como também pelo erro no diagnóstico.
Outra questão crítica a ser considerada é a grande variação da resposta clínica, que depende da quantidade de AB ingerida e da susceptibilidade individual. Grandes quantidades ingeridas podem não ser perigosas caso sejam rapidamente e apropriadamente removidas pelo sistema de detoxificação individual. Entretanto características genéticas, estado de saúde, alterações metabólicas, idade e inibição pelo consumo simultâneo de bebidas alcoólicas, outros alimentos ou medicamentos, podem diminuir a atividade intestinal das aminas-oxidases e das metiltransferases e o sistema não funcionar como necessário.
Segurança é requisito básico que deve sempre ser satisfeito na produção de alimentos. Embora os altos níveis de AB estejam relacionados à saúde do consumidor, suas concentrações em alimentos não foram ainda adequadamente padronizadas pelas agências regulatórias. No Brasil, poucos trabalhos têm sido realizados com relação às aminas biogênicas, o que dificulta a determinação de parâmetros passíveis de serem utilizados como base para criação de ações regulatórias.
Portanto a importância da necessidade de novas pesquisas sobre aminas biogênicas não está apenas pautada na saúde da população em seu aspecto de vigilância sanitária, mas também nos problemas econômicos que podem ser gerados pela presença desses compostos tóxicos em alimentos destinados a exportação.
MB Gomes, BAD Pires, SAP Fracalanzza e VA Marin participaram igualmente de todas as etapas de elaboração do artigo.