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O sexo masculino é fator de risco independente para pior desenvolvimento neurológico na idade corrigida de 20 meses, em lactentes muito prematuros e alimentados com leite humano: estudo de coorte

O sexo masculino é fator de risco independente para pior desenvolvimento neurológico na idade corrigida de 20 meses, em lactentes muito prematuros e alimentados com leite humano: estudo de coorte

Autores:

Israel Macedo,
Luis Pereira-da-Silva,
Lília Brito,
Manuela Cardoso

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.3 São Paulo 2019 Epub 13-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4607

INTRODUÇÃO

O sexo masculino já foi descrito como fator de risco independente para pior desenvolvimento neurológico em lactentes prematuros.(1,2) Foram propostos alguns motivos para explicar essa desvantagem de prematuros do sexo masculino, como pior resposta adaptativa ao estresse pré-natal,(3) estado pró-oxidativo da placenta,(4) e algumas características morfológicas específicas do cérebro.(5,6)

O tipo de alimentação é um fator independente importante para o desenvolvimento cognitivo. Em lactentes muito prematuros, a ingestão de leite humano (LH) nos primeiros dias de vida parece estar independentemente associada a um melhor neurodesenvolvimento.(7,8)

Ainda não se sabe ao certo se os requisitos nutricionais no período neonatal são diferentes para lactentes prematuros do sexo masculino e feminino, e se o neurodesenvolvimento é afetado. Estudo com lactentes prematuros não encontrou nenhuma interação da dieta e do sexo com o neurodesenvolvimento na idade corrigida de 9 meses.(9) Por outro lado, alguns autores sugeriram que a nutrição subótima no ambiente hospitalar pode alterar a organização cerebral e o prognóstico neurocognitivo, com sensibilidade particular no sexo masculino.(10,11) Além disso, há relatos de melhora no neurodesenvolvimento de lactentes prematuros do sexo feminino, que receberam quantidades mais altas de proteínas(10) e ácido docosa-hexaenoico.(12)

Estudos publicados, que avaliaram a associação entre a dieta nos primeiros dias de vida e o neurodesenvolvimento ajustado ao sexo, em lactentes prematuros alimentados com LH, não mediram a composição do LH. Em vez disso, a ingestão de nutrientes fornecidos pelo LH baseou-se em suposição da composição do leite, ou no crescimento como medidas equivalentes de suporte nutricional.(10,11,1315)

Nossa hipótese, no presente estudo, foi de um melhor prognóstico para o sexo feminino, ajustado para a ingestão de energia e proteínas, e para a proporção proteico-energética, medidas no ambiente hospitalar, além de outras covariáveis neonatais relevantes.

OBJETIVO

Determinar a associação entre sexo e neurodesenvolvimento em lactentes alimentados com leite humano muito prematuros.

MÉTODOS

Desenho do estudo e participantes

Trata-se de análise secundária baseada em estudo de coorte de nascimentos, desenhado para avaliar a associação da ingestão de nutrientes intra-hospitalar com a composição corporal e o desfecho em termos de desenvolvimento neurológico. Foi investigada a associação entre o sexo e o neurodesenvolvimento na idade corrigida de 20 meses. O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Centro Hospitalar de Lisboa Central, em Lisboa, Portugal. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital e registrado no ISRCTN (ID: 27916681). Foi obtido Consentimento Livre e Esclarecido dos pais ou representantes legais de cada uma das crianças.

O protocolo do estudo foi descrito em outra publicação.(16) Em suma, lactentes consecutivos nascidos em instituições especializadas, com <33 semanas de gestação, alimentados com LH na quantidade mínima de 80mL/kg/dia (critério de conveniência para tolerância à nutrição enteral) foram considerados como candidatos neste estudo. Lactentes com malformações congênitas significativas e trigêmeos (ou mais) foram excluídos. Lactentes com diagnóstico de erros inatos do metabolismo, ou que foram posteriormente alimentados com fórmula acima de 12,5% do volume ingerido por nutrição enteral, ou aqueles transferidos, que vieram a óbito ou não estavam disponíveis para as avaliações de desenvolvimento neurológico foram excluídos. Em nossa unidade, a nutrição enteral é administrada a cada 3 horas (oito vezes ao dia); como critério de conveniência, os lactentes foram considerados predominantemente alimentados com LH quando, no máximo, uma das oito refeições (12,5%) tivesse sido substituída por fórmula.

As variáveis independentes clínicas e demográficas registradas foram sexo, gestação única ou gemelar, idade gestacional (IG), peso ao nascimento, pequeno para a IG (peso ao nascimento < percentil 10),(17) e ingestão diária medida de proteínas e energia, além da proporção proteico-energética, pontuação na Score for Neonatal Acute Physiology − Perinatal Extension II (SNAP-PE II),(18) uso pré- e pós-natal de corticosteroides, diagnóstico de sepse de início tardio,(19) enterocolite necrosante grave (grau ≥3B),(20) hemorragia peri-intraventricular grave (grau ≥3),(21) leucomalácia periventricular multicística,(22) dias de ventilação invasiva e suplementação de oxigênio, retinopatia da prematuridade (doença em estágio 3 ou superior)(23) e doença pulmonar crônica.(24,25) A IG foi determinada por ultrassom pré-natal precoce, ou pelo primeiro dia do último ciclo menstrual e, no caso de tecnologias de reprodução assistida, adicionando-se 2 semanas antes da data de concepção.(26)

Protocolo de nutrição

Os lactentes foram alimentados de acordo com o protocolo de nutrição da unidade de terapia intensiva neonatal, com base em recomendações internacionais(2729) e nacionais(30,31) de nutrição parenteral (NP) e enteral de neonatos. A NP foi iniciada nas primeiras 2 horas após o nascimento, com 2,5g/kg/dia de aminoácidos, sendo aumentada até 3,8-4,0g/kg/dia; lipídeos parenterais foram iniciados nas primeiras 24 horas após o nascimento, a 1g/kg/dia, e aumentados até 3g/kg/dia. A nutrição enteral trófica precoce (10 a 20mL/kg/dia) foi iniciada nos primeiros 2 a 4 dias após o nascimento com LH; subsequentemente, a nutrição enteral foi aumentada, e a NP, proporcionalmente reduzida. Até 35 semanas de idade corrigida, usou-se exclusivamente LH (leite da própria mãe – LPM, ou LH de doadora − LHD). Se o LPM não fosse suficiente após 35 semanas de idade corrigida, usou-se fórmula para prematuros, devido à limitação no estoque de LHD. A nutrição foi prescrita por médicos, em colaboração com um nutricionista.

O LHD e o LPM foram armazenados congelados no banco de leite da maternidade.(16) Para cada lactente, uma amostra de 3mL da soma das coletas diárias de LPM foi avaliada com analisador de infravermelho médio (Miris AB, Uppsala, Suécia). A composição do LHD foi analisada sempre. Os médicos, o nutricionista e o psicólogo desconheciam a composição do LH durante todo o período de estudo. Quando predominou a amamentação natural (volume ingerido e composição desconhecidos), a análise de composição do LPM foi suspensa. Um fortificante de LH (Aptamil FMS®, Milupa/Danone GmbH, Friedrichsdorf, Alemanha) foi usado quando a ingestão de LH tivesse sido, no mínimo, 100mL/kg/dia. O método de fortificação padrão foi suplementação com proteína modular(32) (Aptamil Protein Supplement® em pó, Milupa/Danone GmbH, Friedrichsdorf, Alemanha) e/ou com triglicerídeos modulares de cadeia média (óleo MCT OIL, SHS Nutricia/Danone®, GmbH, Friedrichsdorf, Alemanha), considerando-se o teor mais baixo de proteína reportado para o LH.(33) Os volumes administrados de LPM e LHD foram usados para calcular a ingestão de energia e proteínas, e a proporção proteico-energética.(33,34) O volume e o peso em pó das soluções e dos produtos comerciais de NP também foram considerados nesses cálculos. Após a aplicação do protocolo de nutrição em nossa unidade, as metas de ingestão diária conforme o peso corporal, depois de alcançada a ingestão diária de líquidos de 140 a 150mL/kg, foram as seguintes: energia 110kcal/kg; proteína (g/kg) 4,0 se <1000g; 3,7 se <1200g; 3,6 se <1800g e 3,4 se >1800g; e uma proporção proteico-energética de 3,6 se <1000g; 3,2 se <1800g e 2,6 se >1800g.(27,29) A ingestão mínima diária recomendada de nutrientes para o peso corporal, alcançada em, no mínimo, 75% dos dias, após o estabelecimento de ingestão estável de fluidos, foi avaliada para cada recém-nascido até 35 semanas de idade corrigida.

Avaliação do desenvolvimento neurológico

Os índices de desenvolvimento mental e psicomotor (MDI - mental developmental indexes) e (PDI - psychomotor developmental indexes) da Bayley Scales of Infant Development II (BSID-II)(35) foram usados para avaliar o desenvolvimento funcional nesta amostra de estudo. Esta é uma ferramenta validada para crianças com até 42 meses de idade.(36,37) O MDI mede as funções cognitiva, de linguagem e pessoal-social, e a escala motora mede o controle das funções motoras grossa e fina.(35) A confiabilidade da pontuação de ambas as escalas foi demonstrada na amostra normativa de crianças, com coeficientes de consistência interna variando entre 0,78 e 0,93, para o MDI, e entre 0,75 e 0,91, para o PDI.(35) A confiabilidade da pontuação do teste-reteste na amostra normativa foi de moderada a alta para faixa etária próxima à examinada neste estudo (r=0,91, para o MDI, e r=0,79, para o PDI, aos 24 meses de idade).(35) Os escores médios de MDI e PDI foram classificados como dentro dos limites normais (≥85), atraso leve (70 a 84) ou atraso grave (<70).(38)

A avaliação de neurodesenvolvimento foi inicialmente agendada para a idade corrigida de 18 meses. No entanto, outras avaliações tinham sido programadas para esta idade, e ficou decidido que a avaliação de neurodesenvolvimento seria adiada por 2 meses (para 20 meses de idade corrigida) para que fossem realizadas em melhores condições.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada com os programas R versão 3.4.0 (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria) e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 13 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para determinar a associação entre a ingestão intra-hospitalar de nutrientes e o neurodesenvolvimento na 20a semana de idade corrigida, uma amostra de 75 lactentes foi estimada para detectar qualquer diferença ≥11 no MDI ou PDI, e desvio padrão (DP) de ≥8 pontos(39) em variável com distribuição normal, com nível de significância estabelecido em 0,05 e 80% de poder. A normalidade das variáveis numéricas contínuas foi testada, usando-se o teste de Shapiro-Wilk, e os dados são expressos de acordo com medidas centrais e de dispersão adequadas. A análise univariada foi realizada pelos testes t de Student, U de Mann-Whitney, r de Pearson ou tau-b de Kendall, conforme apropriado. As variáveis categóricas foram descritas em seus valores absolutos e frequências relativas comparadas, usando o teste χ2 ou o teste exato de Fisher. Quando a análise de composição do LPM não foi possível, análise post-hoc para dedução dos valores faltantes foi realizada, conforme descrito anteriormente.(16,22,2426) O efeito das covariáveis foi primeiro explorado por análise univariada, selecionando-se as associações com p<0,15 e, após esclarecimento de todas as suposições, por regressão linear múltipla. O método reverso foi, então, usado, com o MDI e o PDI como variáveis dependentes, e o sexo como variável independente.

RESULTADOS

O estudo foi interrompido antes que o tamanho de amostra calculado fosse alcançado, devido a impedimentos logísticos. O período de inclusão de participantes foi de 1° de fevereiro de 2014 a 28 de fevereiro de 2015 (13 meses), durante o qual 156 lactentes candidatos foram identificados (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma da coorte de lactentes muito prematuros com avaliação de neurodesenvolvimento aos 20 meses de idade corrigida 

A avaliação de neurodesenvolvimento foi realizada em 32 lactentes, sendo 26 muito prematuros (≥28 semanas) e 6 prematuros extremos (<28 semanas). As características e desfechos clínicos desses lactentes, assim como a comparação entre os sexos, estão resumidos na tabela 1.

Tabela 1 Características dos lactentes incluídos e comparação entre os sexos 

Característica Total n=32 Feminino n=10 Masculino n=22 Valor de p
Idade gestacional, semanas 29,8 (1,8) 30,1 (1,6) 29,6 (1,9) 0,27*
Prematuros extremos 8 2 6
Idade gestacional, semanas 28,4 (1,4) 28,7 (0,7) 28,3 (1,6) 0,79*
Muito prematuros 24 8 16
Idade gestacional, semanas 30,2 (1,7) 30,4 (1,6) 30,1 (1,8) 0,65*
Peso ao nascimento, g 1168 [990-1419] 1279 [1073-1760] 1140 [960-1393] 0,35
Gêmeos 5 (15,6) 0 (0) 4 (19) 0,27
Corticoesteroides no pré-natal 32 (100) 11 (100) 21 (100) NA
SNAP-PE II 13 [0-22] 8 [5-27,8] 14 [3,8-20] 0,88
Sepse de início tardio 6 (18,8) 1 (9,1) 3 (14,3) >0,9
Dias em ventilação invasiva 0 [0-6] 2 [0-5] 0 [0-6] 0,57
Doença pulmonar crônica 3 (9,4) 1 (10,0) 2 (9,1) >0,9
Corticosteroides para doença pulmonar crônica 1 (3,1) 0 (0) 1 (4,8) NA
Hemorragia peri-intraventricular grave 2 (6,3) 1 (10,0) 1 (4,5) >0,9
Dias de suplementação de oxigênio 21 [5-42] 2 [0-5] 0 [0-6] 0,57

Resultados expressos por média (desvio padrão), n, mediana [intervalo interquartil], n (%).

*teste de t de Student;

teste de Mann-Whitney;

χ2.

SNAP-PE II: Score for Neonatal Acute Physiology − Perinatal Extension II; NA: não aplicável.

Todos os lactentes receberam um ciclo completo de betametasona no pré-natal. Não houve registro de caso de pequeno para a IG, corticosteroides no pós-natal, enterocolite necrosante grave, leucomalácia periventricular multicística e retinopatia da prematuridade, nem de lactentes transferidos ou que vieram a óbito. Não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos em relação à ingestão de proteínas e energia, e a proporção proteico-energética (Tabela 2), gemelaridade, SNAP-PE II, sepse de início tardio, dias de suplementação de oxigênio, doença pulmonar crônica, corticoesteroides no pós-natal, enterocolite necrosante grave e hemorragia peri- e intraventricular grave. Em comparação aos 56 lactentes excluídos devido à alimentação com fórmula, a proporção de sexo masculino-feminino não diferiu significativamente (p=0,82); no entanto, os 33 lactentes que foram incluídos tinham IG mais baixa (média [DP] de 29,8 [1,8] versus mediana de 31,7 com intervalo interquartil − IIQ − de 29,9-32,1 semanas de gestação; p=0,002); prevalência mais baixa de gemelaridade (12% versus 70%, p<0,0001) e tempo de internação mais longo (mediana de 51 [IIQ: 35-62] versus 39 [IIQ: 29-51] dias; p=0,016).

Tabela 2 Iniciação de leite humano fortificado e proporção de lactentes que atingiram a ingestão diária mínima recomendada de nutrientes. Comparação entre os sexos 

Total n=32 Feminino n=10 Masculino n=22 Valor de p
Iniciação da fortificação do leite humano, dias 7 6,4 6,5 0,98*
Lactentes que atingiram a ingestão mínima de proteína 63,6 40,0 68,2 0,24
Lactentes que atingiram a ingestão mínima de energia 15,2 20,0 13,6 >0,9
Lactentes que atingiram a proporção mínima proteico-energética 93,9 90,0 95,4 >0,9

Resultados expressos como média ou %.

*teste de Mann-Whitney;

χ2.

Durante a hospitalização, os lactentes foram alimentados exclusiva ou predominantemente com LH, ou amamentados naturalmente. Iniciou-se o uso de LH fortificado no sétimo dia após o nascimento (sem diferenças entre os sexos), o que se estendeu para todos os lactentes no 28º dia após o nascimento. A ingestão mínima diária recomendada de nutrientes foi alcançada por 63,6% dos lactentes para proteínas, 15,2% para energia e 93,9% para proporção proteico-energética. Não foram encontradas diferenças entre os sexos na iniciação do LH fortificado e nem na ingestão mínima diária recomendada de nutrientes. A mediana de ingestão diária de proteínas, energia e da proporção proteico-energética variou entre 2,7 a 4,2g/kg; 53,7 a 109,2kcal/kg e 3,4 a 5,6, respectivamente.

Em toda a amostra, a pontuação média (DP) do MDI foi de 100,2 (11,5) e do PDI, 97,4 (8,0). A pontuação média do MDI ficou dentro dos limites normais para 30 (93,8%) dos lactentes e indicou atrasos leve e grave em dois lactentes do sexo masculino, respectivamente. A pontuação do PDI ficou dentro dos limites normais para 30 (93,8%) dos lactentes e indicou atraso leve em um lactente do sexo feminino e em um do sexo masculino, respectivamente. Não houve diferenças significativas na pontuação do MDI e PDI quando se compararam lactentes prematuros extremos com os muito prematuros.

Na análise univariada, a distribuição do MDI no sexo feminino apresentou tendência a pontuações maiores. O MDI e o PDI no sexo masculino, e o PDI em ambos os sexos continuaram apresentando distribuição normal.

A pontuação média no MDI foi significativamente menor no sexo masculino, e não houve diferenças significativas na pontuação média do PDI entre os sexos (Tabela 3).

Tabela 3 Comparação das pontuações nos índices de desenvolvimento mental e psicomotor na idade corrigida de 20 meses (n=32) para cada um dos sexos 

Índice Feminino Masculino Valor de p
MDI 100,0 [98,0-115,5] 97,0 [91,8-104,0] 0,036*
PDI 99,6 (10,8) 96,4 (6,5) 0,299

Resultados expressos como mediana [intervalo interquartil] ou média (desvio padrão).

*teste U de Mann-Whitney;

teste t de Student.

MDI: mental developmental indexes; PDI: psychomotor developmental indexes.

Apenas as covariáveis do MDI foram analisadas. A pontuação do MDI teve fraca correlação negativa com a IG (r=-0,274; p=0,129) e fraca correlação positiva com a ingestão diária de energia (r=0,289; p=0,109). Apenas o sexo, a IG e a ingestão diária de energia foram selecionados para a regressão múltipla linear, porque as outras covariáveis não atendiam os critérios para inclusão nos modelos multivariados. A ingestão diária de energia e a IG não afetaram significativamente a pontuação do MDI; apenas sexo masculino teve efeito negativo significativo (B=-9,44; IC95%: -17,64- -1,23; r2 ajustado=0,17; p=0,026) sobre a pontuação do MDI, ajustada para a IG (Tabela 4). Especificamente, a pontuação no MDI foi 9,44 pontos mais baixa (IC95%: -17,64- -1,23) no sexo masculino que no feminino.

Tabela 4 Efeito ajustado do sexo na pontuação do índice de desenvolvimento mental na idade corrigida de 20 meses com idade gestacional como covariável (n=32)*  

Variável B IC95% para B R2 ajustado Valor de p
Sexo, ajustado para a idade gestacional, semanas -9,44 -17.64; -1.23 0,17 0,026

*A energia foi removida no primeiro estágio das iterações;

estatisticamente significativo.

IC95%: intervalo de confiança de 95%.

DISCUSSÃO

Neste estudo, foi constatado que, dentre os lactentes muito prematuros, os do sexo masculino tiveram pontuação significativamente mais baixa no MDI (-9,44) do que o sexo feminino na idade corrigida de 20 meses, ajustada para IG e ingestão energética diária. Este modelo explica 17% da variação no MDI. Esses resultados foram observados em um contexto de nutrição subótima, com apenas 63,6% e 15,2% dos lactentes tendo atingido a ingestão mínima recomendada de proteínas e calorias, respectivamente. Isso reflete a baixa efetividade do método de fortificação usado.(16) Apesar da nutrição precoce subótima, o MDI e o PDI ficaram dentro dos limites normais em 93,8% dos lactentes com idade corrigida de 20 meses.

Diversos estudos já relataram que o sexo masculino apresenta associação independente com piores desfechos de desenvolvimento neurológico em lactentes prematuros, em ampla faixa de idades gestacionais. Nos lactentes prematuros tardios ou muito prematuros, foram relatadas pontuações no MDI significativamente mais baixas na idade corrigida de 24 meses para o sexo masculino.(40) Em uma grande amostra de lactentes muito prematuros da rede National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network, o sexo masculino foi identificado como fator de risco independente para MDI <70, na idade corrigida de 18 a 22 meses.(41) Em outro estudo, que incluiu 797 lactentes nascidos com 23 a 28 semanas de gestação, o sexo masculino mostrou-se consideravelmente associado a atraso cognitivo na idade corrigida de 24 meses.(42) O sexo masculino é também preditor de piores desfechos neurológicos em idades gestacionais extremamente baixas, conforme demonstrado na idade corrigida de 30 meses para lactentes do sexo masculino que sobreviveram ao nascimento ≤25 semanas de gestação na coorte do estudo EPICure.(2)

O desfecho neurológico em lactentes prematuros do sexo masculino parece ser mais sensível à nutrição subótima do que no sexo feminino.(10,11) Em nossa amostra, uma correlação fraca a moderada foi anteriormente reportada entre a ingestão subótima de nutrientes e a velocidade de ganho de peso.(16) Em um grande estudo de coorte de lactentes muito prematuros, um escore z de perda de peso durante a hospitalização neonatal foi associado a piores desfechos neurológicos na idade corrigida de 24 meses para o sexo masculino.(10,11) Em outra coorte de lactentes com peso muito baixo ao nascimento, observou-se que o PDI aplicado aos 24 meses de idade corrigida aumentou quanto maior a ingestão de proteínas e energia durante a primeira semana após o nascimento, principalmente no sexo masculino.(10,11) Em nosso estudo, a pontuação do MDI apresentou fraca correlação positiva com a ingestão de energia no intra-hospitalar, embora esse efeito tenha sido perdido após ajustarmos para a IG.

O motivo específico para essa maior vulnerabilidade do sexo masculino ainda não está claro, mas pode ter relação com um prejuízo da resposta adaptativa ao estresse pré-natal e possível influência disso no desenvolvimento inicial do cérebro.(3) Um estado pró-oxidativo foi observado na placenta de lactentes do sexo masculino prematuros nascidos nas 72 horas após exposição à betametasona pré-natal, em comparação ao sexo feminino, indicando desvantagem fisiológica para o sexo masculino após o nascimento.(4) Em nossa amostra, todos os lactentes receberam corticosteroides no pré-natal. Em imagens de ressonância magnética tridimensionais, revelou-se menor interface entre as substâncias cinzenta e branca corticais em lactentes muito prematuros do sexo masculino em comparação ao feminino.(5) Em um estudo sobre as diferenças entre os sexos quanto ao volume cerebral aos 8 anos de idade, apenas os meninos nascidos prematuros apresentaram volume de substância branca significativamente reduzido em comparação aos meninos nascidos a termo, porém o volume de substância branca foi equivalente entre meninas prematuras e nascidas a termo.(6)

Este estudo tem pontos positivos, que devem ser reconhecidos. Estudamos uma coorte homogênea de lactentes prematuros alimentados com LH de forma exclusiva ou predominante, no ambiente hospitalar. Isso é importante, porque já se sabe que a alimentação precoce com LH é independentemente associada a um melhor neurodesenvolvimento.(7,8) Nesse contexto, este é o primeiro estudo que avalia a associação entre o sexo e o neurodesenvolvimento, ajustado pela ingestão de nutrientes com base na composição do LH − e não na ingestão estimada, ou no crescimento, como medidas equivalentes de suporte nutricional.(10,11)

No entanto, este estudo também teve limitações. Devido ao término prematuro do estudo, a amostra ficou pequena e, assim, possivelmente não atingiu o poder necessário para detectar associações significativas entre ingestão de nutrientes e neurodesenvolvimento. Ainda assim, na análise multivariada, o tamanho de amostra estudado atingiu poder suficiente para detectar associação significativa entre sexo e neurodesenvolvimento, ajustado para a ingestão de nutrientes. A variação não explicada no MDI pode ser decorrente da subestimação de variáveis, devido ao pequeno tamanho da amostra, ou a fatores de confusão não controlados, como condições socioeconômicas, escolaridade materna e estímulos ambientais.(11,43) Em nossa coorte, a distribuição dos sexos foi desigual; no entanto, ajustamos para esse fator em nossos modelos multivariados. Finalmente, existe viés de exclusão, porque os lactentes que concluíram o estudo eram significativamente mais imaturos, mais frequentemente fetos únicos e permaneceram no hospital por mais tempo do que aqueles que foram excluídos. Com esse viés, lactentes mais vulneráveis a um pior neurodesenvolvimento podem ter sido incluídos. Ainda assim, a principal variável independente não foi afetada, porque a proporção de sexo feminino-masculino não foi significativamente diferente quando comparados os lactentes incluídos e excluídos neste estudo.

CONCLUSÃO

O sexo masculino é um fator de risco independente para índice de desenvolvimento mental mais baixo em lactentes nascidos muito prematuros, no contexto de nutrição subótima. Este estudo reforça que, em lactentes prematuros alimentados com leite humano, uma avaliação precisa do efeito da nutrição no prognóstico de neurodesenvolvimento deve considerar o sexo e levar em conta a composição medida do leite humano, em vez da ingestão estimada ou crescimento como medidas equivalentes de suporte nutricional.

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