versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.4 Rio de Janeiro abr. 2019 Epub 02-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.07472017
The scope of this study is to present an integrative review of the prevalence of the use of phytotherapy during pregnancy. A review of the topic was made by research in the Scielo, Medline and Science Direct databases using the following key words: “herbs and pregnancy,” “plant and gestation,” with their respective terms in Portuguese. Forty-six articles published between 2000 and 2015 met the study’s inclusion and exclusion criteria and were included in this review. Of these, 11 were carried out in Europe, 10 in Asia, 5 in Africa, 3 in Oceania, 16 in America and only one of which was a multinational study. In most of these (67.39%), the interview method was used. A substantial variability in the prevalence of phytotherapy use was reported in the articles. In addition, camomile, ginger, garlic, mint and echinacea were the species most used by pregnant women. Despite the socioeconomic and ethnic-cultural variables among women worldwide, phytotherapy use during gestation is a widespread practice.
Key words: Pregnancy; Herbal medicine; Phytotherapy; Safety; Efficacy
Desde a sua origem a humanidade tem buscado nas plantas a cura de diversas doenças. Ainda hoje, apesar da grande variedade de medicamentos disponíveis, a fitoterapia permanece bastante popular em todo o mundo e tem tido a sua demanda aumentada em muitas regiões1.
Em comunidades carentes, a combinação de fatores como a pobreza, a baixa escolaridade, o sistema de saúde precário, a influência de parteiras e curandeiros locais, assim como a facilidade de acesso às plantas medicinais in natura, às drogas vegetais secas e aos derivados vegetais preparados artesanalmente (ex. “garrafadas”) ajudam a explicar a adoção da fitoterapia como o principal e, muitas vezes, o único recurso para a prevenção e o tratamento de doenças1,2. Por outro lado, nas classes sociais que apresentam melhores indicadores socioeconômicos, especialmente na área urbana, o renovado interesse pela fitoterapia justifica-se pela simples preferência cultural ou como parte da busca por uma terapêutica alternativa ou complementar ao uso de medicamentos industrializados compostos por substâncias ativas isoladas2.
O aumento da popularidade da fitoterapia nos diferentes estratos da população mundial é, em muitos casos, encorajado pela crença popular de que as preparações fitoterapêuticas são de origem natural e, portanto, são mais seguras e menos tóxicas. Todavia, são crescentes as preocupações acerca da qualidade, segurança e eficácia das preparações terapêuticas obtidas artesanalmente a partir de plantas medicinais ou de drogas vegetais cujos perfis fitoquímico, farmacológico e toxicológico não estão, em muitos casos, claramente definidos3. Nesse contexto, a fitoterapia pode oferecer risco à saúde de alguns indivíduos, em especial, a grupos sensíveis à interação com fitocomplexos de composição desconhecida, como as crianças, os idosos e as gestantes3,4. No caso das gestantes, esse risco pode se tornar ainda maior quando há o uso concomitante de medicamentos industrializados e de preparações artesanais obtidas de plantas medicinais ou drogas vegetais, condição que possibilita o surgimento de interações medicamentosas desconhecidas na mãe e prejuízos ao desenvolvimento fetal. Dessa forma, a adoção da fitoterapia durante a gestação deve ser acompanhada por profissionais da área de saúde e pelas autoridades sanitárias, uma vez que representa uma questão relevante de saúde pública que pode envolver diferentes níveis de risco ao desenvolvimento saudável do bebê4.
Diante do exposto, o objetivo principal deste estudo foi realizar uma revisão integrativa da literatura sobre o uso da fitoterapia (plantas medicinais in natura, drogas vegetais, derivados vegetais e medicamentos fitoterápicos) durante a gestação.
Foi utilizado o método de revisão integrativa, que teve como finalidade reunir dados científicos da literatura sobre o tema investigado. Esta metodologia possibilitou a análise crítica e a síntese de estudos anteriores e contribuiu para a maior compreensão sobre a temática proposta nesta revisão. O processo de elaboração deste estudo foi realizado em seis fases: (a) definição das questões norteadoras; (b) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão dos estudos; (c) busca na literatura; (d) avaliação dos estudos; (e) interpretação dos resultados e (f) síntese. As perguntas norteadoras desta revisão foram: Qual a prevalência do uso da fitoterapia (plantas medicinais in natura, drogas vegetais, derivados vegetais e medicamentos fitoterápicos) entre as gestantes no mundo?; Quais são os principais métodos utilizados nos estudos que avaliam o uso da fitoterapia por gestantes?; Quais são as espécies vegetais mais utilizadas pelas gestantes?
Para a realização do levantamento bibliográfico, os descritores em inglês (herbal, pregnancy e plant) e em português (planta, erva, gestação e gravidez) foram definidos após a consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) realizada no portal da Biblioteca Virtual de Saúde (decs.bvs.br). Diferentes combinações dos descritores selecionados foram combinadas com o operador booleano AND em pesquisas realizadas nas bases de dados PubMed (National Library Medicine), SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e Science Direct (Elsevier) entre os meses de julho 2015 a junho de 2016.
Foram selecionadas 10.033 publicações (9.099 no Science Direct, 23 no Scielo e 911 no PudMed). Após a leitura dos títulos e resumos (abstracts), foram excluídas as duplicatas, as revisões, os estudos não clínicos e as publicações que não estavam relacionadas à temática proposta nesta revisão. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: estudos disponibilizados na íntegra e redigidos nos idiomas inglês, espanhol ou português, publicados entre janeiro de 2000 e dezembro de 2015 e que informavam ou que permitiam o cálculo da prevalência do uso de fitoterapia pelas gestantes participantes. Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão foram selecionados 46 artigos para compor a presente revisão integrativa.
A extração e a organização dos dados obtidos dos 46 estudos selecionados foram realizadas adotando-se o método de matriz de síntese, o que levou à categorização dos estudos por continente e a dados sumarizados em tabelas contendo o número e o grau de escolaridade das gestantes participantes, o método adotado, a abrangência, a prevalência do uso de fitoterapia durante a gestação e a relação de até dez plantas medicinais, drogas vegetais ou fitoterápicos citados em cada um dos estudos.
O panorama global do uso da fitoterapia durante a gestação foi definido com base nos dados mostrados nas Tabelas 1 a 4, que descrevem 45 investigações realizadas em 24 países distribuídos pelos cinco continentes, sendo 11 na Europa (Tabela 1), 10 na Ásia (Tabela 2), 5 na África (Tabela 3), 3 na Oceania (Tabela 3) e 16 na América (Tabela 4)5-49. Um 46º estudo, único de caráter multinacional, completa a lista de investigações analisadas nesta revisão50. Neste último estudo, 9.459 gestantes de 23 diferentes países responderam a um questionário sobre o uso de fitoterápicos e os dados mostraram que 28,9% das participantes fizeram uso da fitoterapia.
Tabela 1 Uso da fitoterapia por gestantes residentes na Europa.
Autores | Coleta / Amostra | Prevalênciaa | Escolaridadeb | Plantas medicinais c |
---|---|---|---|---|
Europa | ||||
Holst L et al., 2009; Norwich, Inglaterra5 | Questionário / 578 gestantes | 57,8% | 96,3% | Ginger (Z. officinale), cranberry (V. macrocarpon), raspberry (R. idaeus), chamomile (M. recutita), Floradix® (iron-rich herbs), echinacea (E. purpurea), peppermint, lavender, fennel e nettle. |
Bishop JL et al., 2011; Avon, Inglaterra6 | Questionário / 14.115 gestantes | 20% | 81,83% | Chamomile, peppermint, raspberry, rosehip, senna, evening primrose oil, ginger, fennel e Floradix® (iron-rich herbs). |
Pallivalappila AR et al., 2015; Aberdeen, Escócia8 | Questionário / 557 gestantes | 38% | 100% | Raspberry, cranberry, ginger, chamomile, eucalyptus, peppermint, aloe, grapefruit, echinacea e evening primrose. |
Pallivalappila AR et al., 2014; Grampian, Escócia7 | Questionário /332 gestantes | 37% | 100% | Ginger, cranberry, chamomile, raspberry, tea tree oil, senna, echinacea, aloe, grapefruit and garlic. |
Kalder M et al., 2011; Giessen, Alemanha9 | Questionário / 205 gestantes | 15,1% | 41% | Não informado na publicação. |
Cuzzolin L et al., 2010; Pádua e Rovereto, Itália10 | Entrevista / 392 gestantes | 27,8% | 99% | Chamomile, licorice, fennel, aloe, valerian, echinacea, almond oil, propolis d, cranberry. |
Lapi F et al., 2010; Flozrença, Itália11 | Entrevista / 150 gestantes | 48% | 100% | Almond oil, propolis d, fennel + malve, fennel, arnica, St John’s wort, vegetable carbon c, lemon balm + chamomile e mauve. |
Trabace L et al., 2015; sul da Itália12 | Entrevista / 600 gestantes | 81% | 72,7% | Chamomile, fennel, propolis d, cranberry, lemon balm, ginger, valerian e mallow. |
Facchinetti F et al., 2012; Rovereto, Verona e Modena, Itália13 | Entrevista / 700 gestantes | 42% | 82% | Almond oil, chamomile, fennel, valerian e echinaceae. |
Nordeng H et al., 2004; Oslo, Noruega14 | Entrevista / 400 gestantes | 36% | 80,4% | Echinaceae (E. purpurea), Floradix® (iron-rich herbs), ginger (Z. officinale,) chamomile (M. recutita), cranberry (V. macrocarpon), aloe (A. vera), horsetail (E. arvensis), black elderberry (S. nigra) e wheat germ oil (T. germinis oleum). |
Nordeng H et al., 2011; Stavanger, Noruega15 | Entrevista / 600 gestantes | 37,9% | 59,2% | Echinaceae, Floradix® (iron-rich herbs), ginger, cranberry, raspberry, chamomile, aloe e elderberry. |
a - Prevalência de uso da fitoterapia durante a gestação. b- Percentual de gestantes que utilizaram a fitoterapia e que tinham, no mínimo, nível médio completo; c - Dez plantas medicinais mais citadas pelas gestantes utilizando-se a mesma terminologia empregada nas publicações; d - Não são plantas medicinais/não pertencem ao reino vegetal.
Tabela 2 Uso da fitoterapia por gestantes residentes na Ásia.
Autores | Coleta / Amostra | Prevalênciaa | Escolaridadeb | Plantas medicinaisc |
---|---|---|---|---|
Ásia | ||||
Teoh CS et al., 2013; Kuala Lumpur, Malásia16 | Entrevista / 323 gestantes | 13,9% | Não informada | Chinese traditional herbs (chuen lin, sanchi, taibo herbs, red and black dates e dang shen), Salindah® , Periuk® , ginseng, spirulina, Sendayu Tinggi® e aloe. |
Rahman AA et al., 2008; Tumpat, Malásia17 | Entrevista / 210 gestantes | 51,4% | 54,8% | Coconut oil, Manjakani (Croton caudatus), Ketam Uri, Kacip Fatimah (L. patoina e L. pumila), Celaka (P. zeylonica) e ganoderma c. |
Law KS e Soon, 2013; Kota Bharu, Malásia18 | Entrevista / 460 gestantes | 34,3% | 11% | Anastatica hierochuntica, coconut oil, ginger, Allium ascalonicum, garlic (A. sativum), Cymbopogon citratus, Curruma longa, Croton caudatus, Lawsonia inermis e Piper betel. |
Chuang CH et al., 2009; 90 cidades de Taiwan19 | Entrevista / 21.247 gestantes | 33,6% | 89,1% | An-Tai-Yin® (contém gengibre e outras 12 ervas chinesas), Pearl Powder® (Margarita), Huanglian® (Coptidis Rhizoma), Szu-Wu-Tang® (contém 6 ervas chinesas) e ginseng (Ginseng Radix). |
Tang L et al., 2015; Jiangyou, China20 | Entrevista / 695 gestantes | 43,5% | 47% | Angelica sinsensis, Ziziphus jujuba, Dioscorea opposita, Lycium barbarum, Codonopsis pilosula, Gastrodia elata, Ginkgo biloba, Panax ginseng, Astragalus membranaceus, Adenophora tetraphylla. |
Al-Riyami IM et al., 2011; Muscat, Omã21 | Entrevista / 139 gestantes | 17% | 82% | Ginger, honey d, thyme, lemon juice, aniseed, green tea, mint, chamomile, Nigella sativa, fenugreek, sage e oregano. |
Khresheh R, 2011; três regiões da Jordânia22 | Questionário / 235 gestantes | 9,4% | 63,6% | Chamomile, mint, rosemary tea, sheeh tea. |
Mohamed H et al., 2010; Doha, Qatar23 | Entrevista / 393 gestantes | 18,9% | 96,1% | Ginger, aniseed, fenugreek, mint, thyme, sage, lemon e chamomile. |
Tabatabaee M, 2011; Kazeroon, Irã24 | Entrevista / 530 gestantes | 30,8% | 4,7% | Ammi, saatar, sweet basil, peppermint, ginger, cinnamon, chamomile, licorice, borage, olibanum. |
Al-Ramahi R et al., 2013; Nablus, Palestina25 | Entrevista / 300 gestantes | 40% | 80,9% | Anise (P. anisum), chamomile (M. recutita), sage (S. officinalis), thyme (T. vulgaris), dates (P. dactylifera), pepermint (M. piperita), cinnamon (C. verum), fenugreek (T. foenum-graecum), cumin (C. cyminum) e ginger (Z. officinale). |
a - Prevalência de uso da fitoterapia durante a gestação. b- Percentual de gestantes que utilizaram a fitoterapia e que tinham, no mínimo, nível médio completo; c - Dez plantas medicinais mais citadas pelas gestantes utilizando-se a mesma terminologia empregada nas publicações; d - Não são plantas medicinais/não pertencem ao reino vegetal.
Tabela 3 Uso da fitoterapia por gestantes residentes na África e Oceania.
Autores | Coleta / Amostra | Prevalênciaa | Escolaridadeb | Plantas medicinaisc |
---|---|---|---|---|
África | ||||
Orief YI et al., 2014; Alexandria, Egito26 | Entrevista / 300 gestantes | 27,3% | 72% | Aniseed, fenugreek, ginger, garlic, green tea e peppermint. |
Mothupi MC, 2014; Nairóbi, Quênia27 | Entrevista / 333 gestantes | 12% | 57,5% | Não informado na publicação. |
Fakeye TO et al., 2009; Três regiões da Nigéria28 | Entrevista / 595 gestantes | 67,5% | 70,93% | Não informado na publicação. |
Gharoro EP e Igbafe AA, 2000; Benin, Nigéria29 | Entrevista / 1200 gestantes | 12,8% | 73,92% | Não informado na publicação. |
Bayisa B et al., 2014; Nekemte, Etiópia30 | Questionário / 250 gestantes | 50,4% | 64,4% | Garlic (A. sativum), ginger (Z. officinale), Eucalyptus e tenaadam (Rutachalenssis) |
Oceania | ||||
Forster DA et al., 2006; Mebourne, Austrália31 | Questionário / 588 gestantes | 36% | 81,3% | Raspberry leaf, ginger, chamomile, cranberry, echinacea, evening primrose oil, slippery elm, garlic e chinese herbs. |
Maats FH e Crowther CA, 2002; Alelaide, Austrália32 | Entrevista / 211 gestantes | 62% | Não informada | Ginger, raspberry, chamomile, echinacea, evening primrose oil, slippery elm, dong quai e lethicin. |
Skouteris H et al., 2008; Melbourne, Austrália33 | Questionário / 321 gestantes | 35,2% | 74,9% | Chinese herbs, ginger, echinacea, garlic, eucalyptus oil, eucalyptus, mint chew, dandelion leaf tea e Floradix® (iron-rich herbs). |
a - Prevalência de uso da fitoterapia durante a gestação. b- Percentual de gestantes utilizaram a fitoterapia e que tinham, no mínimo, nível médio completo; c - Dez plantas medicinais mais citadas pelas gestantes utilizando-se a mesma terminologia empregada nas publicações.
Tabela 4 Uso da fitoterapia por gestantes residentes na América.
Autores | Coleta / Amostra | Prevalênciaa | Escolaridadeb | Plantas medicinaisc |
---|---|---|---|---|
América | ||||
Acuña GPP et al., 2012; Bogotá, Colômbia34 | Entrevista / 446 gestantes | 33,6% | 50,2% | Manzanila (A. nobilis), hierbabuena (M. piperita), brevo (F. carica), calêndula (C. officinalis), apio (A. graveolens), anis estrellado, linaza, torangil (M. officinalis), albahaca (O. basilicum) e polio (S. brownii). |
Domíngues COF e Peacok BM, 2004; Santiago, Cuba35 | Entrevista / 200 gestantes | 38% | 54,6% | Menta (M. piperita), carpintero (J. pectoralis), verbena (V. officinalis), cãna santa, orégano, albahaca (O. basilicum), manzanilla e sábila (A. vera). |
Veladez I et al., 2003; Guadajara e 12 cidades de Jalisco, México 36 | Entrevista / 3.250 gestantes | 23,2% | Não informado | Manzanilla, romero, hierbabuena, té de las siete flores, albaca, comino, limón, orégano, guayaba, maíz, ruda, flores de nochebuena e poleo. |
Moussaly K et al., 2009; Montreal, Canadá37 | Questionário / 3.354 gestantes | 9% | Não informado | Chamomile, green tea, flax, peppermint, aloe, garlic, alfafa, ginger, licorice e rye ergot d. |
Brussard CS et al., 2010; 10 cidades dos EUA38 | Entrevista / 4.239 gestantes | 9,4% | 84,4% | Ephedra, ephedra + ginseng, chamomile, echinacea, ginger, raspberry, cranberry, mint/peppermint e primrose oil. |
Louik C et al., 2010; Toronto (Canadá), Boston, Filadélfia, San Diego e Nova York (EUA)39 | Entrevista / 4.866 gestantes | 5,8% | 97,7% | Ginger, echinacea, fish oil d, Metabolife®. |
Hepner DL et al., 2002; Boston, EUA40 | Questionário / 734 gestantes | 7,1% | Não informada | Echinacea, St John’s wort, ephedra, ginger, ginseng, Ginkgo, primrose, cranberry, garlic e valerian. |
Gibson PS et al., 2001; Rhode Island, EUA41 | Entrevista / 242 gestantes | 9,1% | Não informada | Garlic, aloe, chamomile, peppermint, ginger, echinacea, pumpkin seeds e ginseg. |
Tsui B et al., 2001; São Francisco, EUA42 | Questionário / 150 gestantes | 13% | Não informada | Echinacea, Pregnancy Tea®, ginger, raspberry, primrose oil, goldenseal, chamomile, garlic e elderberry. |
Glover DD et al., 2003; zona rural de Morgantown, EUA43 | Entrevista 578 gestantes | 45,2% | Não informada | Peppermint, cranberry, aloe, cocoa butter, licorice, green tea, ginseng, chamomile, echinacea e Gingko. |
Bercaw J et al., 2010; Houston, EUA44 | Questionário / 485 gestantes | 19% | 20% | Chamomile, garlic, aloe, ginger, echinacea e cod liver oil d. |
Salazar-Granara R et al., 2013; Porto Alegre, Brasil45 | Análise de prontuários / 9.023 gestantes | 3,9% | Não informada | Cáscara sagrada (R. purshiana), Centella (C. asiatica), Maracujá (P. alata), Sene (C. angustifolia), Ginkgo (G. biloba), Algas marinhas (F. vesiculosis), Menta (M. piperita), Castanha da Índia (A. hippocastanum), Garcínia (G. camboja), Cava (P. methysticum) |
Faria PG et al., 2004; Rio de Janeiro, Brasil46 | Entrevista / 31 gestantes. | 58% | 58% | Camomila, erva-doce, erva-cidreira e boldo. |
Macena LM et al., 2012; Tangará da Serra, Brasil47 | Entrevista / 36 gestantes | 55,5% | 36,1% | Boldo (P. barbatus), capim-cidreira (C. citratus), hortelã (M. x villosa), camomila (C. recutita), alecrim (R. officinalis), erva-doce (F. vulgaris) e poejo (M. pulegium). |
Pontes SM et al., 2012; Cuité, Brasil48 | Entrevista / 64 gestantes | 25% | Não informada | Boldo (P. boldus), erva-cidreira (M. officinallis), canela (C. zeylanicum), sabugueiro (S. nigra), capim-santo (C. citratus), cravo-da-índia (S. aromaticum), romã (P. granatum), erva-doce (F. vulgare) e alho (A. sativum). |
Rangel M et al., 2009; Niterói, Brasil49 | Entrevista / 139 gestantes | 56,8% | Não informada | Erva-cidreira (C. citratus), boldo (P. boldus), erva-doce (P. anisum), camomila (M. recutita e C. nobile). |
a - Prevalência de uso da fitoterapia durante a gestação. b - Percentual de gestantes utilizaram a fitoterapia e que tinham, no mínimo, nível médio completo; c - Dez plantas medicinais mais citadas pelas gestantes utilizando-se a mesma terminologia empregada nas publicações; d - Não são plantas medicinais/não pertencem ao reino vegetal.
Em relação ao número de estudos realizados por país, destacam-se os Estados Unidos da América (EUA), com sete publicações sobre o tema38-44. O Brasil aparece em segundo, com cinco estudos45-49, seguido de Itália com quatro10-13, Malásia16-18 e Austrália31-33 com três publicações cada. Os continentes americano, asiático e europeu concentraram 82,22% das publicações analisadas nesta revisão.
Na África, onde os poucos estudos disponíveis foram realizados em países do Norte, não há descrição de dados sobre as percepções das gestantes da região subsaariana, que é uma das mais pobres do planeta, assim como, de países emergentes, como a África do Sul. Ademais, os estudos publicados em países da Oceania refletem unicamente as experiências das gestantes australianas31-33, pois não foram encontrados estudos realizados nos demais países desse continente, como Nova Zelândia, Nova Guiné e demais ilhas desta região do Pacífico (Tabela 3). Também são escassos os estudos sobre o uso de fitoterapia pelas gestantes da Europa Oriental, incluindo toda a Rússia. Surpreendentemente, na China, outro país de proporções continentais e em franco desenvolvimento, onde a medicina tradicional baseada em recursos fitoterapêuticos é internacionalmente reconhecida, apenas um estudo foi encontrado20. Por outro lado, as percepções das gestantes do Oriente Médio sobre o uso de fitoterapia apresentam relatos frequentes, representando 40 % dos dados referentes ao imenso continente asiático21-25 (Tabela 2).
O modelo de entrevista foi utilizado em 31 dos estudos com as gestantes, enquanto 14 utilizaram um questionário estruturado aplicado presencialmente, enviado por correio eletrônico ou disponibilizado via internet. A análise de dados extraídos de prontuários foi adotada em apenas um estudo realizado no Brasil45.
O modelo de entrevista orientada por um questionário estruturado permite obter informações mais completas e de maior qualidade, à medida que propicia o diálogo do pesquisador com a gestante entrevistada. Assim, a coleta de dados por este modelo possibilita que a entrevistada esclareça eventuais dúvidas sobre as perguntas do questionário, o que pode facilitar a correta identificação da espécie vegetal usada como recurso fitoterapêutico. Por outro lado, a realização das entrevistas pode onerar o estudo e, com isso, limitar o número de gestantes participantes e a abrangência geográfica.
Os critérios para definição do número de participantes diferiram substancialmente nos estudos, variando entre 31 e 21.000 mulheres, com média de 1.885 ± 4.135 gestantes por estudo. O desvio-padrão, duas vezes maior que a média, aponta para a elevada dispersão do número de gestantes selecionadas em cada estudo. Enquanto alguns utilizaram um tamanho amostral de 31 participantes, outros utilizaram 21.247 gestantes.
O número de gestantes utilizados nos estudos é um critério importante a ser analisado. Ele deve garantir uma amostragem estatisticamente significativa da população sob investigação, evitando assim que o comportamento errático de amostras muito pequenas comprometa a validade externa dos dados obtidos51. A adoção de métodos para a escolha aleatória das gestantes é também de fundamental importância para garantir que a amostra represente proporcionalmente todos os segmentos da população estudada52.
O caráter multicêntrico, ideal para elevar a abrangência desse tipo de pesquisa e mostrar o impacto das variabilidades regionais em cada país, foi adotado em apenas nove estudos10,13,19,22,28,36,38,39,50. Todavia, cinco deles utilizaram amostragens superiores à média global19,36,38,39,50. A abrangência geográfica do estudo é de fundamental importância, pois possibilita a compreensão dos impactos das variabilidades culturais regionais, especialmente, em países de grandes dimensões territoriais e diferentes biomas. No Brasil, por exemplo, o uso de recursos fitoterapêuticos pelas gestantes pode variar expressivamente na dependência das diferentes influências culturais, assim como da diferença observada entre os biomas e os recursos fitoterapêuticos que cada região oferece.
Na análise das variáveis socioeconômicas divulgadas nos artigos, identificou-se que a maioria dos estudos foi realizada em ambiente urbano (95,55%) e em grandes metrópoles como São Francisco42, Kuala Lumpur16, Melbourne31,33 e Rio de Janeiro46. Embora a maior parte dos estudos tenha sido conduzida em regiões urbanas, 45,2% das 578 gestantes da zona rural dos EUA declararam-se adeptas à fitoterapia43. Por outro lado, os estudos realizados com mulheres que viviam em centros urbanos nos EUA, a adesão ao uso da fitoterapia durante a gestação foi menor, com a prevalência de uso variando de 5,8% a 19%38-42,44. Tal padrão se repetiu em estudos realizados na Itália e na Malásia, onde a adesão à fitoterapia durante a gestação foi cerca de duas vezes superior entre as moradoras do campo em relação às que residem nas cidades10,17. Tais resultados indicam a necessidade do estabelecimento de uma clara identificação entre as gestantes provenientes das zonas rural e urbana, uma vez que as primeiras parecem mais predispostas ao consumo de fitoterápicos durante a gestação e, portanto, mais susceptíveis aos efeitos tóxicos de plantas medicinais in natura, drogas vegetais e derivados vegetais artesanalmente elaborados.
A escolaridade das gestantes que fizeram uso da fitoterapia foi informada em 33 (71,74%) dos 46 estudos analisados nesta revisão. Em 28 (60,87%) deles a população foi composta por mulheres residentes em grandes cidades e com grau de escolaridade mínimo correspondente ao secundário completo (Tabelas 1-4). Esse perfil diverge do conhecido estereótipo de que a fitoterapia é utilizada principalmente como cuidado primário de saúde por pessoas com baixa escolaridade e residentes no campo.
Ademais, a escassez de dados relacionados ao perfil socioeconômico dificulta a obtenção de informações que permitam traçar o perfil da gestante que utiliza a fitoterapia. Nesse contexto, a identificação da origem da gestante e o seu nível de escolaridade são dados relevantes a serem incluídos nos instrumentos de coleta de dados, pois o estilo de vida e o nível educacional podem impactar de forma direta a percepção das mulheres em relação à eficácia e à segurança da fitoterapia durante a gestação.
A prevalência do uso da fitoterapia durante a gestação variou de 3,9% a 67,5% no panorama traçado por esta revisão, o que corresponde a uma média global de 32,11%, muito próxima da daquela descrita no estudo multinacional, no qual 28,9% das gestantes declararam ter utilizado essa forma de tratamento. Importante ressaltar que, embora este estudo seja multinacional, 88% das gestantes participantes eram europeias50. É preocupante que a prevalência média global encontrada indique que ao menos 3 em cada 10 mulheres façam uso regular de fitoterapia durante a gestação, muitas vezes sem buscar a orientação de um profissional da saúde qualificado.
Quando a prevalência do uso durante a gestação, foi comparada entre as mulheres de cada continente, as gestantes australianas apresentaram maior adesão média à fitoterapia (44%), seguidas das europeias (40%) e africanas (34%). As gestantes asiáticas e americanas, por sua vez, mostraram-se menos adeptas à fitoterapia e apresentaram prevalências médias de 29% e 26%, respectivamente. Esses indicadores demonstram que o uso de recursos fitoterapêuticos por gestantes como um cuidado primário de saúde foi mais frequente entre mulheres de países desenvolvidos da Europa Ocidental e da Austrália do que entre gestantes de países pobres do norte da África.
De acordo com os estudos analisados, as 10 espécies medicinais mais utilizadas no mundo pelas gestantes são a camomila, o gengibre, a menta, a equinácea, o alho, o “cranberry”, o aloe, o “raspberry”, o “primrose” e o ginseng (Tabela 5).
Tabela 5 Panorama global das dez espécies de plantas medicinais mais usadas pelas gestantes.
Plantas medicinais | Terminologias adotadas nos estudos | Distribuição geográfica a | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||
Oceania (3) | Europa (10) b | África (2) | Ásia (10) | América (16) | ||
1º. Camomila | Anthenis nobilis, Chamaemellum nobile, Matricaria recutita, Chamomilla recutita, Chamomile, Manzanilla e Camomila. | 2 | 11 | - | 5 | 12 |
2º. Ginger | Zingiber officinale, Ginger. | 3 | 8 | 2 | 5 | 7 |
3º. Menta | Mentha x villosa, Mentha piperita, Mint, peppermint, hierbabuena, menta e hortelã. | 1 | 4 | 1 | 5 | 10 |
4º. Equinácea | Echinacea purpúrea, echinacea | 3 | 7 | - | - | 7 |
5º. Cranberry | Vaccinium macrocarpon, cranberry. | 1 | 8 | - | 1 | 3 |
6º. Alho | Allium sativum, garlic e alho. | 1 | 1 | 2 | 2 | 6 |
7º. Aloe | Aloe vera e aloe e sábila. | - | 5 | - | 1 | 5 |
8º. Raspberry | Rubus idaeus e raspberry | 2 | 6 | 0 | - | 2 |
9º. Primrose oil | Primrose oil e evening primrose oil | 2 | 2 | - | - | 3 |
10º. Ginseng | Panax ginseng, ginseng e ginseng radix. | - | - | - | 2 | 3 |
Prevalência por continente | 44% | 40% | 34% | 29% | 26% |
a. Número de estudos por continente. b. Incluído o estudo multinacional de Kennedy et al., 2013 onde 88% das gestantes participantes eram europeias.
Surpreendentemente, o ginseng, tão conhecido na cultura ocidental como uma erva da medicina tradicional chinesa, tem baixa prevalência de uso nos relatos das gestantes asiáticas (20%). Já outras espécies apresentam um perfil altamente regionalizado, como o boldo, Peumus boldus Molina (Monimiaceae), presente apenas nos relatos das brasileiras e, “Fenugreek”, Trigonella foenum-graecum L. (Fabaceae), entre as gestantes do Oriente Médio e do Egito. O uso do Aloe durante a gestação não foi identificado na Oceania e na África, enquanto a equinácea, o “cranberry”, o “raspberry” e o derivado vegetal “primrose oil” foram frequentes e restritos aos relatos de gestantes de países desenvolvidos e de clima temperado situados na Europa, Oceania e América do Norte. Apenas o gengibre, a menta e o alho foram mencionados por gestantes nos cinco continentes, o que mostra que essas espécies vegetais possuem uso medicinal disseminado em todo o mundo. A camomila, outra planta bastante popular, foi citada por gestantes de todos os continentes, exceto o africano (Tabela 5).
Os estudos selecionados nesta revisão, em sua maioria de caráter quantitativo, não discutiram dados de segurança e eficácia das estratégias fitoterapêuticas adotadas pelas gestantes participantes, limitando-se apenas a identificá-las. Dentre as espécies medicinais cujos relatos de uso abrangeram gestantes de ao menos quatro continentes, o gengibre, Zingiber officinale Roscoe (Zingiberaceae), é o único recurso fitoterapêutico cuja eficácia e segurança como antiemético foram comprovados por estudo clínico que não identificou efeitos teratogênicos em gestantes53. Também não há restrições ao uso do alho, Allium sativum L. (Liliaceae), por gestantes e lactantes, uma vez que essa espécie medicinal é bem tolerada e usada na culinária de diversos países54. Por outro lado, não existem informações sobre possíveis interações medicamentosas ou efeitos teratogênicos que permitam o uso da camomila, Matricaria recutita (L.) Rauschert (Asteraceae), e da menta, Mentha x piperita L. (Lamiaceae) durante a gestação e lactação54.
Em relação à eficácia clínica, as raízes da Z. officinalle demonstraram propriedade antiemética53, enquanto as flores da M. recutita apresentaram atividade anti-inflamatória tópica comparável à hidrocortisona55. Os bulbos de A. sativum podem agir como adjuvantes no tratamento da hiperlipidemia, da hipertensão e da arterioesclerose56-59, enquanto as partes aéreas de Mentha x piperita mostraram-se eficazes no tratamento da síndrome do intestino irritável, de desordens gástricas como flatulência, dispepsia e da dor em quadros de cefaleia e mialgias60-62.
Infelizmente, apenas 11 estudos utilizaram a nomenclatura científica para identificar todas as ervas medicinais citadas14,18,20,25,30,34,45,47-49 e outros quatro o fizeram de forma incompleta5,17,21,35. A grande maioria dos estudos descreveu os nomes populares ou mesmo as marcas comerciais, o que tornou imprecisa a identificação de algumas espécies e, principalmente, a parte da planta usada como droga ou derivado vegetal. Alguns estudos incluíram até mesmo produtos que não são de origem vegetal entre os fitoterápicos mais utilizados na gestação, como por exemplo, fungos, mel, própolis e óleo de peixe10,11,12,17,20,37,39,44. Assim, dentre as limitações metodológicas observadas nos estudos, destaca-se a utilização de nomenclatura popular para identificar as plantas medicinais, drogas e derivados vegetais. Essa prática gera imprecisões importantes, uma vez que espécies distintas podem ter o mesmo nome popular em diferentes regiões, como é o caso da camomila, que pode fazer referência tanto à espécie Matricaria recutita (Asteraceae)25, quanto à Anthemis nobilis (Compositae)35.
Outro ponto a ser considerado é a ausência de informações sobre a parte da planta utilizada pelas gestantes. Sobre este aspecto, é importante mencionar que os tecidos vegetais podem apresentar características fitoquímicas distintas, sendo comum encontrar alterações marcantes na composição e na concentração de um determinado constituinte em diferentes partes de uma mesma planta. No caso do ginseng, Panax ginseng C.A. Meyer (Araliaceae), por exemplo, a composição e a concentração de ginsenosídeos presentes em suas raízes e folhas varia substancialmente63.
A análise realizada nesta revisão mostra que a visão estereotipada de que a fitoterapia é uma prática associada a mulheres de baixa renda, pouco escolarizadas e moradoras da zona rural não reflete a realidade global. Independentemente de variáveis geográficas, socioeconômicas e étnico-culturais que eventualmente possam distingui-las, mulheres de todo o mundo fazem uso da fitoterapia durante a gestação. Sendo assim, destaca-se a necessidade de maiores investimentos em campanhas informativas direcionadas às gestantes e à população em geral. É importante desmistificar a ideia de que produtos de origem natural são inofensivos e de que seu uso não requer o acompanhamento de um profissional da saúde devidamente qualificado. Além disso, é fundamental o incentivo à realização de pesquisas que fomentem a transformação de plantas medicinais, drogas vegetais e derivados vegetais tradicionalmente utilizados pela população em medicamentos fitoterápicos seguros, eficazes e com qualidade devidamente comprovada de acordo com a regulamentação vigente em cada país.
Por fim, constatou-se que os estudos multicêntricos de amostragem ampla que adotam o modelo de entrevista orientada por questionário estruturado parecem ser a melhor opção quando se pretende compreender as percepções de risco das gestantes que fazem uso de fitoterapia.