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O valor da histeroscopia diagnóstica com biópsia no pré-operatório de ablação endometrial

O valor da histeroscopia diagnóstica com biópsia no pré-operatório de ablação endometrial

Autores:

Salete Yatabe,
Ana Maria Gomes Pereira,
Gilberto Kendi Takeda,
Daniela de Baptista Depes,
Reginaldo Guedes Coelho Lopes

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao2094

INTRODUÇÃO

O sangramento uterino anormal é um importante problema de saúde em mulheres na idade reprodutiva, na peri e pós-menopausa, que pode reduzir a qualidade de vida e levar à anemia.

A maioria das pacientes, com exceção daquelas com sangramento uterino disfuncional, tem afecções benignas. Lesões intrauterinas focais, principalmente pólipos endometriais e miomas submucosos, são condições ginecológicas comuns, que afetam 30 e 9%, respectivamente, das pacientes com sangramento uterino anormal(1). Toda paciente sintomática, com mais de 35 anos, deve ser avaliada, ou antes, se tiver fatores de risco, como obesidade e anovulação crônica(2). O tratamento clínico isolado não é suficiente para descartar afecções intrauterinas e é recomendável obter material endometrial para exame anatomopatológico.

Pode-se tentar o tratamento clínico, mas frequentemente o resultado é insatisfatório e, às vezes, contraindicado. A histerectomia é eficaz em cessar o sangramento, porém é uma cirurgia de grande porte e com complicações inerentes ao procedimento(3).

A ablação do endométrio é uma técnica cirúrgica capaz de destruir ou ressecar o endométrio, sendo indicada nos casos de sangramento uterino anormal sem melhora com o tratamento clínico ou com contraindicação a este.

É uma alternativa à histerectomia no tratamento de doenças benignas, sendo menos invasiva e menos agressiva, de menor morbidade e mortalidade e com significante redução de custos.

A condição prévia e necessária para a ablação endometrial é a certeza de que o endométrio não apresenta nenhuma lesão pré-neoplásica ou neoplásica. Por isso, é recomendado realizar a histeroscopia diagnóstica e biópsia endometrial antes de submeter a paciente à cirurgia.

A curetagem uterina (CTG) foi, durante muitos anos, o método para obter-se amostra endometrial para diagnóstico histopatológico. É um procedimento às cegas, necessita de internação e anestesia, tem taxa de complicação de 2,7% e avalia menos da metade da cavidade uterina em 60% das CTGs(4,5). Além disso, falha em detectar afecções intrauterinas como pólipos, miomas e lesões focais suspeitas de malignidade. A taxa de falso-negativo é de 2 a 10%(5).

A biópsia endometrial isolada pode ser realizada ambulatorialmente por meio de dispositivos como cânula de Pipelle® e cureta de Novak, e apresenta os mesmos problemas da CTG pelos resultados falso-negativos. Outras formas de obter amostra endometrial são: dispositivo Tao Brush, um escovado do endométrio para análise citológica que apresenta ser menos doloroso à paciente comparado aos métodos de biópsia por meio de sucção; a biópsia guiada pelo exame de ultrassonografia, que não melhora os resultados comparados com a Pipelle®; e o dispositivo Nicoletti-Gorlero para biópsia dirigida pela histerossonografia(4).

Em revisão sistemática e meta-análise de histeroscopia diagnóstica em mulheres na pré- e pós-menopausa com sangramento uterino anormal com vários estudos comparativos de histeroscopia e resultado anatomopatológico obtidos durante histerectomia, a histeroscopia cirúrgica ou por meio de biópsia dirigida confirma que a histeroscopia é segura, com poucas complicações e tem boa acurácia no diagnóstico de afecções uterinas(6,7).

A sensibilidade da histeroscopia no diagnóstico da hiperplasia endometrial por meio de critérios visuais é de 65% na pré-menopausa e 61% na pós-menopausa e 86,4% para diagnóstico de câncer, mesmo quando o endométrio é atrófico e existe o risco de 0,7% de neoplasia.

A histeroscopia deve ser rotineiramente acompanhada de biópsia em todos os casos de distorção do relevo ou aspecto endometrial, dado que a visualização histeroscópica não pode substituir a histopatologia(8).

A histeroscopia diagnóstica com biópsia dirigida é considerada padrão-ouro para avaliação do sangramento uterino anormal, porque permite visualização direta de toda cavidade uterina, com visão magnificada para avaliar possíveis afecções. O resultado final de uma histeroscopia diagnóstica é a somatória do exame endoscópico com o resultado do exame anatomopatológico da biópsia endometrial.

OBJETIVO

Comparar o resultado do exame anatomopatológico da biópsia de endométrio com o resultado do exame anatomopatológico do produto da ablação endometrial.

MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo não randomizado no setor de Endoscopia Ginecológica do Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” (HSPE-FMO) no período de março 2007 a maio de 2009 após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HSPE-FMO sob o número 026/07 e do consentimento livre e informado de 45 pacientes encaminhadas por sangramento uterino anormal e com indicação de ablação do endométrio.

As pacientes foram submetidas à histeroscopia diagnóstica previamente à cirurgia e no dia da cirurgia. Todas receberam análogo de GnRH – goserelina 10,8 mg subcutânea no pré-operatório para preparo do endométrio e também para melhorar dos níveis de hemoglobina naquelas com anemia.

Para ablação do endométrio foi utilizado o ressectoscópio cirúrgico 26F com alça em arco, potência de 90 watts e glicina a 1,5% como meio de distensão da cavidade uterina.

Antes da cirurgia e com a paciente já anestesiada, foi realizada uma histeroscopia diagnóstica com biópsia dirigida do endométrio da parede anterior com histeroscópio de Bettocchi com canal acessório e pinça de biópsia. A seguir, foi retirado o histeroscópio e realizada uma biópsia orientada com cureta de Novak. Em seguida, o canal cervical foi dilatado e foi realizada a ablação do endométrio. Enviou-se o material obtido das duas biópsias e o produto da ablação foi mandado para exame anatomopatológico. Nos casos em que existiam pólipos, foi realizada a polipectomia previamente à ablação e foi enviado o material obtido separadamente.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), v. 16.0. Para a comparação entre frequências e proporções dos tipos de biópsia foi utilizado o teste exato de Fisher. O nível de significância foi estabelecido como 0,05 ou 5%.

RESULTADOS

Foram incluídas 45 pacientes com sangramento uterino anormal e indicação de ablação endometrial. A tabela 1 apresenta a análise descritiva com as variáveis quantitativas. A média da idade das pacientes foi de 44,2 anos (33 a 56), paridade de 2,67 filhos (0 a 9), volume uterino de 139,99 cc (42 a 278) e a média da duração dos sintomas até a cirurgia foi 3,68 anos (0,5 a 15).

Tabela 1 Análise descritiva: variáveis quantitativas 

Variáveis n Média Desvio padrão Mediana Mínimo Máximo
Idade 45 44,20 5,09 44,00 33,00 56,00
Paridade 45 2,67 1,48 2,00 0,00 9,00
Sintomas 45 3,68 3,17 3,00 0,50 15,00
Volume uterino 45 139,99 56,69 134,00 42,00 278,00

Idade em anos/sintomas: duração em anos/volume uterino em cc

Na tabela 2, está a comparação entre biópsia dirigida e ablação e a porcentagem de concordância dos dados da ablação em relação à biópsia dirigida. A biópsia dirigida apresenta 60% de sensibilidade para endométrio sem atipias, 76% para endométrio proliferativo e 100% para endométrio secretor.

Tabela 2 Comparação entre biópsias dirigida e ablação e porcentagens de concordância dos dados da ablação em relação à biópsia dirigida 

Biópsia dirigida Ablação
Endométrio sem atipias Proliferativo Secretor Total Teste exato de Fisher
Endométrio sem atipias n 3 9 0 12 0,01
% ablação 60 23,7 0,0 26,7
Proliferativo n 2 29 0 31
% ablação 40 76,3 0,0 68,9
Secretor n 0 0 2 2
% ablação 0,0 0,0 100 4,4
Total n 5 38 2 45
% ablação 100 100 100 100

Foi observada diferença estatística entre biópsias dirigida e ablação a partir do teste exato de Fisher (p < 0,05).

Na tabela 3 está a comparação entre biópsias orientada e ablação e a porcentagem de concordância dos dados da ablação em relação à biópsia orientada. A biópsia orientada apresenta 80% de sensibilidade para endométrio sem atipias, 53% para endométrio proliferativo e 50% para endométrio secretor.

Tabela 3 Comparação entre biópsias orientada e ablação e porcentagens de concordância dos dados da ablação em relação à biópsia orientada 

Biópsia orientada Ablação
Endométrio sem atipias Proliferativo Secretor Total Teste exato de Fisher
Endométrio sem atipias n 4 11 0 15 0,03
% ablação 80 28,9 0,0 33,3
Proliferativo n 1 20 0 21
% ablação 20 52,6 0,0 46,7
Secretor n 0 1 1 2
% ablação 0,0 2,6 50 4,4
Pólipo n 0 6 1 7
% ablação 0,0 15,8 50 15,6
Total n 5 38 2 45
% ablação 100 100 100 100

DISCUSSÃO

Considerando o resultado anatomopatológico da ablação como referência, a biópsia orientada apresentou sensibilidade de 80% e especificidade de 73% para endométrio sem atipias. A biópsia dirigida teve sensibilidade de 60% e especificidade de 78%. A biópsia orientada apresentou maior sensibilidade para endométrio sem atipias. Para endométrio proliferativo e endométrio secretor, a biópsia dirigida apresentou maior sensibilidade .

A biópsia orientada apresentou para endométrio proliferativo sensibilidade de 53% e especificidade de 86%, enquanto que a biópsia dirigida teve sensibilidade de 76% e especificidade de 71%. Para endométrio secretor, a biópsia orientada apresentou sensibilidade de 50% e especificidade de 98%. A biópsia dirigida apresentou 100% de sensibilidade e 100% de especificidade.

Apesar do uso do análogo de GnRH prévio a cirurgia, houve dois casos de endométrio secretor. Houve o relato de sete pólipos na biópsia orientada e nenhum na ablação e na biópsia dirigida. Isso se deveu ao fato de que, na biópsia dirigida, dirigiu-se a biópsia para o endométrio, desviando-se do pólipo, e, na ablação, foi realizada a polipectomia previamente à ablação, sendo o material da polipectomia enviado ao patologista em separado ao produto da ablação.

O resultado histológico de endométrio sem atipias foi caracterizado quando o patologista não conseguiu definir o tipo exato do endométrio apesar de o material enviado ter sido considerado suficiente para análise. Não houve nenhum caso de material como insuficiente, nem mesmo quando o material foi obtido por biópsia dirigida. Bettocchi et al., em estudo de 1.276 biópsias realizadas com histeroscópio de pequeno diâmetro com instrumentos de 5F, afirmam que a biópsia dirigida, quando obtida com instrumento adequado e técnica correta, permite obter para o patologista material suficiente (média de 5,7 mm) para exame histopatológico(9).

Em estudo em que foram comparados os resultados histopatológicos obtidos por meio de histeroscopia com biópsia dirigida e biópsia orientada de pacientes tratadas com tamoxifeno encontraram-se especificidade de 80% e 68,9% e VPP de 68,9% e 43,7% para biópsia dirigida e orientada, respectivamente. Na distinção de endométrio normal e anormal, a histeroscopia mostrou sensibilidade e VPN de 100% independente do tipo de biópsia. Concluiu-se que, em mulheres usando tamoxifeno, a avaliação endometrial por meio da biópsia orientada é segura em excluir hiperplasia ou câncer, porém, a histeroscopia com biópsia dirigida permite melhor avaliação(7).

A avaliação de 639 mulheres com histeroscopia diagnóstica ambulatorial foi seguida de biópsia de endométrio com cureta de Novak e comparou-se a acurácia da biópsia endometrial às cegas com à da histeroscopia para lesões intrauterinas. Com a cureta de Novak, o valor de falso-negativos foi de 88,7% na detecção de pólipos e de 98,5% para miomas submucosos com sensibilidade de 8,4% e 1,4%, respectivamente. A histeroscopia diagnóstica com biópsia de endométrio aumenta a acurácia, permitindo diagnosticar praticamente todas as lesões focais da cavidade uterina(1).

Angioni et al. avaliaram a especificidade da biópsia orientada com cureta de Novak em detectar lesões intracavitárias benignas como causa de sangramento na pósmenopausa, comparando-a com a biópsia dirigida por meio de histeroscopia em 319 pacientes. Do total, 67% das pacientes tinham afecções endometriais. A biópsia orientada apresentou sensibilidade de 11% e especificidade de 93%, com acurácia de 59% em detectar pólipos. Para miomas submucosos, apresentou sensibilidade e especificidade de 13 e 100% e acurácia de 98%. A histeroscopia teve sensibilidade de 100% e especificidade de 97%, acurácia de 91% para pólipos e sensibilidade de 100%, especificidade de 98% e acurácia de 99% para miomas submucosos. Concluíram que a biópsia orientada tem baixa sensibilidade e acurácia no diagnóstico de lesões intracavitárias focais. A histeroscopia elimina os resultados falso-negativos da biópsia orientada e permite a biópsia dirigida nos casos de dúvida(10).

CONCLUSÃO

Quando comparadas com o resultado do exame anatomopatológico do produto da ablação endometrial, a biópsia orientada de endométrio apresentou sensibilidade maior para endométrio sem atipias e a biópsia dirigida de endométrio maior sensibilidade para endométrio proliferativo e secretor.

REFERÊNCIAS

1. Svirsky R, Smorgick N, Rozowski U, Sagiv R, Feingold M, Halperin R et al. Can we rely on blind endometrial biopsy for detection of focal intrauterine pathology? Am J Obstet Gynecol. 2008;199:115.e1-.e3.
2. Goldstein SR. Modern evaluation of the endometrium. Obstet Gynecol. 2010;116(1):168-76.
3. Lethaby A, Hickey M, Gary R, Penninx J. Endometrial ressection/ablation techniques for heavy menstrual bleeding. Cochrane Database of Sys Rev. 2009;(4) CD001501.
4. Revel A. Multitasking human endometrium. A review of endometrial biopsy as a diagnostic tool, therapeutic applications and a source of adult stem cells. Obst Gynecol Surv. 2009;64(4):249-57.
5. Tinelli R, Tinelli FG, Cicinelli E, Malvasi A, Tinelli A. The role of histeroscopy with eye-directed biopsy in postmenopausal women with uterine bleeding and endometrial atrophy. Menopause. 2008;15(4):737-42.
6. Van Dongen H, Croon CD, Jacobin CE, Tribes JB, Jansen FW. Diagnostic hysteroscopy in abnormal uterine bleeding: a systematic review and mete-analysis. BJOG. 2007;114(6):664-75.
7. Garuti G, Cellani F, Colonnelli M, Garzia D, Gonfantini C, Luerti M. Hysteroscopically targeted biopsies compared with blind samplings in endometrial assessment of menopausal women taking tamoxifen for breast cancer. J Minim Invasive Gynecol. 2004;11(1):62-7.
8. Costa H de L, Costa LO. Hysteroscopy in menopause: analysis of the techniques and accuracy of the method. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(10):524-30.
9. Bettocchi S, Venere RD, Pansini N, Pansini MV, Pellegrino A, Santamato S et al. Endometrial biopsies using small-diameter hysteroscopy's and 5F instruments: how can we obtain enough material for a correct histological diagnosis? J Minim Invasive Gynecol. 2002;9(3):290-2.
10. Angioni S, Loddo A, Milano F, Piras B, Minerba L, Melis GB. Detection of Benign intracavitary lesions in postmenopausal women with abnormal uterine bleeding: A prospective comparative study on outpatient hysteroscopy and blind biopsy. J Minim Invasive Gynecol. 2008;15(1):87-91.