Compartilhar

O Zika vírus não é mais um problema em nosso meio?

O Zika vírus não é mais um problema em nosso meio?

Autores:

Vivian Iida Avelino-Silva

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 23-Abr-2018

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ed4325

O vírus Zika (ZIKV) foi isolado pela primeira vez em 1947 a partir de amostras de primatas não humanos identificados na Floresta Zika em Uganda.(1) Trata-se de um vírus de ácido ribonucleico (RNA) da família Flaviviridae, que também inclui os vírus da Dengue e Febre Amarela.(2,3)

A transmissão do vírus ocorre predominantemente através da picada de mosquitos do gênero Aedes,(4) embora o vírus tenha sido também isolado em outros fluidos corpóreos, como sêmen e saliva,(5-7) e a transmissão por via sexual seja descrita em um número crescente de casos, incluindo casos de transmissão homem-mulher, homem-homem e mulher-homem.(8-15) Além disso, a possibilidade de transmissão sanguínea da doença já foi demonstrada.(16-18)

A infecção em humanos é descrita desde 1956,(19) mas a doença ganhou importância epidemiológica a partir de surtos e disseminações epidêmicas do vírus em ilhas da Micronésia(4,20-22) e em países da América do Sul e América Central.(23,24)

Embora os primeiros casos de infecção pelo Zika vírus tenham sido diagnosticados somente a partir do primeiro semestre de 2015, publicações recentes mostram que a doença provavelmente circula em nosso meio desde o início de 2014.(25) O Brasil teve uma participação científica importante e internacionalmente reconhecida nos últimos dois anos devido ao reconhecimento da emergência da infecção pelo Zika vírus e identificação de consequências neurológicas em bebês expostos durante a gestação.(23) A doença ganhou expressiva atenção da comunidade científica, evidenciada pelo aumento exponencial de publicações sobre o assunto nos últimos anos.

Entretanto, no meio assistencial e principalmente para o público leigo, a doença deixou de representar uma ameaça relevante nos últimos meses. Após a ampla cobertura da mídia observada em 2015 e 2016, pouco se noticiou sobre a doença em 2017, exceto que a incidência da mesma, bem como das arboviroses concorrentes Dengue e Chikungunya, reduziu-se abruptamente em todo o país.(26,27) Enquanto em 2015 o Ministério da Saúde chegou a aconselhar mulheres a evitar gestações,(28) e em 2016 a doença foi declarada Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde(29) sendo observada consequente redução da taxa de natalidade em algumas regiões,(30) em 2017 o movimento em clínicas de fertilização voltou a subir (Glina e Alvarenga, comunicação pessoal), refletindo menor preocupação de público leigo em relação à doença.

É importante ressaltar que a redução acentuada da preocupação em relação à infecção pelo Zika vírus em nosso meio pode ser precipitada, se não equivocada. Estudos de modelagem estatística vêm sendo utilizados com o objetivo de predizer quais regiões do mundo serão mais afetadas pela doença. Tais modelos preditores são importantes não apenas para direcionar medidas de prevenção e planejar a alocação de recursos terapêuticos, mas também para orientar onde os projetos de pesquisa devem concentrar esforços para elucidar inúmeros aspectos ainda desconhecidos da doença. Os modelos utilizam informações como a presença, eficiência e densidade de vetores, densidade populacional, temperatura e humidade local, altitude, imunidade ou susceptibilidade da população residente, histórico de ocorrência de outras arboviroses e deslocamentos populacionais entre regiões.(31,32) Diversas regiões do Brasil mantém-se assinaladas como áreas de risco elevado de transmissão do Zika vírus,(31) incluindo o Estado de São Paulo, onde sabe-se que, comparativamente à região Nordeste do país, a ocorrência de casos foi menor,(26) e grande parte da população permanece susceptível à infecção. O país encontra-se em plena estação de maior incidência de doenças transmitidas por mosquitos, e é importante que o risco de infecções pelo Zika vírus não seja negligenciado, em especial por mulheres em idade fértil e gestantes.

REFERÊNCIAS

1. Dick GW. Zika virus. II. Pathogenicity and physical properties. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1952;46(5):521-34.
2. Fields BN, Knipe DM, Howley PM. Fields virology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. Vol. 1.
3. Strauss JH, Strauss EG. The alphaviruses: gene expression, replication, and evolution. Microbiol Rev. 1994;58(3):491-562. Review. Erratum in: Microbiol Rev. 1994;58(4):806.
4. Lanciotti RS, Kosoy OL, Laven JJ, Velez JO, Lambert AJ, Johnson AJ, et al. Genetic and serologic properties of Zika virus associated with an epidemic, Yap State, Micronesia, 2007. Emerg Infect Dis. 2008;14(8):1232-9.
5. Atkinson B, Hearn P, Afrough B, Lumley S, Carter D, Aarons EJ, et al. Detection of Zika Virus in Semen. Emerg Infect Dis. 2016;22(5):940.
6. Musso D, Roche C, Robin E, Nhan T, Teissier A, Cao-Lormeau VM. Potential sexual transmission of Zika virus. Emerg Infect Dis. 2015;21(2):359-61. Erratum in: Emerg Infect Dis. 2015;21(3):552.
7. Musso D, Roche C, Nhan TX, Robin E, Teissier A, Cao-Lormeau VM. Detection of Zika virus in saliva. J Clin Virol. 2015;68:53-5.
8. Hills SL, Russell K, Hennessey M, Williams C, Oster AM, Fischer M, et al. Transmission of Zika Virus Through Sexual Contact with Travelers to Areas of Ongoing Transmission - Continental United States, 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(8):215-6.
9. Foy BD, Kobylinski KC, Chilson Foy JL, Blitvich BJ, Travassos da Rosa A, Haddow AD, et al. Probable non-vector-borne transmission of Zika virus, Colorado, USA. Emerg Infect Dis. 2011;17(5):880-2.
10. McCarthy M. Zika virus was transmitted by sexual contact in Texas, health officials report. BMJ. 2016;352:i720.
11. Venturi G, Zammarchi L, Fortuna C, Remoli ME, Benedetti E, Fiorentini C, et al. An autochthonous case of Zika due to possible sexual transmission, Florence, Italy, 2014. Euro Surveill. 2016;21(8):30148.
12. Fréour T, Mirallié S, Hubert B, Splingart C, Barrière P, Maquart M, et al. Sexual transmission of Zika virus in an entirely asymptomatic couple returning from a Zika epidemic area, France, April 2016. Euro Surveill. 2016;21(23):1-3.
13. Frank C, Cadar D, Schlaphof A, Neddersen N, Günther S, Schmidt-Chanasit J, et al. Sexual transmission of Zika virus in Germany, April 2016. Euro Surveill. 2016;21(23):1-4.
14. Turmel JM, Abgueguen P, Hubert B, Vandamme YM, Maquart M, Le Guillou-Guillemette H, et al. Late sexual transmission of Zika virus related to persistence in the semen. Lancet. 2016;387(10037):2501.
15. Davidson A, Slavinski S, Komoto K, Rakeman J, Weiss D. Suspected Female-to-Male Sexual Transmission of Zika Virus - New York City, 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(28):716-7.
16. Barjas-Castro ML, Angerami RN, Cunha MS, Suzuki A, Nogueira JS, Rocco IM, et al. Probable transfusion-transmitted Zika virus in Brazil. Transfusion. 2016;56(7):1684-8.
17. Musso D, Nhan T, Robin E, Roche C, Bierlaire D, Zisou K, et al. Potential for Zika virus transmission through blood transfusion demonstrated during an outbreak in French Polynesia, November 2013 to February 2014. Euro Surveill. 2014;19(14). pii: 20761. Erratum in: Euro Surveill. 2014;19(15):pii/20771.
18. Lanteri MC, Kleinman SH, Glynn SA, Musso D, Keith Hoots W, Custer BS, et al. Zika virus: a new threat to the safety of the blood supply with worldwide impact and implications. Transfusion. 2016;56(7):1907-14.
19. Bearcroft WG. Zika virus infection experimentally induced in a human volunteer. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1956;50(5):442-8.
20. Duffy MR, Chen TH, Hancock WT, Powers AM, Kool JL, Lanciotti RS, et al. Zika virus outbreak on Yap Island, Federated States of Micronesia. N Engl J Med. 2009;360(24):2536-43.
21. Hancock WT, Marfel M, Bel M. Zika virus, French polynesia, South pacific, 2013. Emerg Infect Dis. 2014;20(6):1085-6.
22. Tappe D, Pérez-Girón JV, Zammarchi L, Rissland J, Ferreira DF, Jaenisch T, et al. Cytokine kinetics of Zika virus-infected patients from acute to reconvalescent phase. Med Microbiol Immunol. 2015;205(3):269-73.
23. Brasil P, Calvet GA, Siqueira AM, Wakimoto M, de Sequeira PC, Nobre A, et al. Zika Virus Outbreak in Rio de Janeiro, Brazil: clinical characterization, epidemiological and virological aspects. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(4):e0004636.
24. Fauci AS, Morens DM. Zika Virus in the Americas-Yet Another Arbovirus Threat. N Engl J Med. 2016;374(7):601-4.
25. Faria NR, Quick J, Claro IM, Thézé J, de Jesus JG, Giovanetti M, et al., Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the Americas. Nature. 2017;546(7658):406-10.
26. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 35, 2017. Boletim Epidemiológico. 2017;48(29):1-13.
27. Cancian N. Brasil registra queda nos casos de dengue, zika e chikungunya neste ano: mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus da dengue, da zika e da chikungunya [Internet]. São Paulo: Folha de São Paulo; 2017 Mar 13;cad:cotidiano [citado 2018 Jan 7]. Disponível em:
28. Silveira M. Não engravidem agora, diz Ministério da Saúde por causa da Microcefalia: força tarefa investiga o que provocou aumento repentino nos casos. Maioria vem acontecendo no Nordeste, especialmente em Pernambuco [Internet]. Rio de Janeiro: Globo Comunicação e Participações S. A; 2015 Nov 13;cad: Hora1 [citado 2018 Jan 8]. Disponível em:
29. World Health Organization (WHO). WHO Director-General summarizes the outcome of the Emergency Committee regarding clusters of microcephaly and Guillain-Barré syndrome [Internet]. Geneva: WHO; 2016 Feb 1 [cited 2016 Mar 3]. Available from:
30. Diaz-Quijano FA, Chiavegatto Filho AD. Reduction of the birth rate in Sao Paulo: a probable effect of the panic caused by the Zika-associated microcephaly epidemic. Ann Epidemiol. 2017;27(9):616-7.
31. Messina JP, Kraemer MU, Brady OJ, Pigott DM, Shearer FM, Weiss DJ, et al. Mapping global environmental suitability for Zika virus. Elife. 2016;5. pii: e15272. doi: 10.7554/eLife.15272.
32. Watts AG, Miniota J, Joseph HA, Brady OJ, Kraemer MU, Grills AW, et al. Elevation as a proxy for mosquito-borne Zika virus transmission in the Americas. PLoS One. 2017;12(5):e0178211.