versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.5 São Paulo nov. 2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150133
Sobrepeso e obesidade são definidos pelo índice de massa corpórea (IMC) de 25-29,9 kg/m2 e ≥ 30 kg/m2, respectivamente. Trata-se de problema de saúde pública mundial, com números alarmantes. Assim, dados brasileiros mostram que 52,5% dos brasileiros estão acima do peso e 17,9% são obesos1. Nos EUA, aproximadamente 35% dos adultos estão obesos2.
Um dos principais problemas da obesidade é que ela, comumente, se associa a hipertensão arterial, dislipidemia, resistência insulínica e diabetes no contexto da síndrome metabólica3,4. Desse modo, o tecido adiposo exerce papel relevante na secreção de mediadores inflamatórios e humorais, que podem favorecer o aumento da pressão arterial e resistência insulínica5. Muitos avanços estão surgindo nessa área, principalmente relacionados às alterações epigenéticas. Por exemplo, indivíduos obesos apresentam hipermetilação do DNA em uma região específica que codifica a adiponectina, favorecendo menor secreção desse composto e exacerbando a doença metabólica no obeso6.
A obesidade, de forma independente ou não, é reconhecida como importante fator de risco para doenças cardiovasculares e insuficiência cardíaca7,8. No entanto, nem todos os aspectos dessa associação estão esclarecidos. Por exemplo, em casuística nacional de 4050 pacientes assintomáticos submetidos ao ecocardiograma com estresse físico, observou-se que os indivíduos obesos apresentavam maior prevalência de hipertensão, diabetes, dislipidemia, antecedentes familiares e sedentarismo. No entanto, na análise multivariada ajustada para fatores confundidores, a obesidade não se associou à isquemia miocárdica9. Por outro lado, em pacientes com síndrome coronariana aguda, a medida da circunferência abdominal associou-se com angina recorrente, mas não com outras complicações durante a internação10.
Em relação à associação entre obesidade e insuficiência cardíaca, em casuística utilizando participantes do estudo de Framinghan, observou-se que o aumento de 1 kg/m2 elevou em 5% o risco para desenvolvimento de insuficiência cardíaca7,11. De fato, observa-se a presença de remodelação cardíaca em indivíduos obesos, detectada, clinicamente, por hipertrofia ventricular esquerda e aumento de átrio esquerdo12,13. Nesse sentido, existem várias hipóteses que relacionam a obesidade à remodelação cardíaca e, consequentemente, à disfunção miocárdica. Estudos experimentais sugerem a participação da resistência insulínica, alterando o metabolismo energético e favorecendo acúmulo intracardíaco de lípides, num fenômeno descrito como lipotoxicidade12. Adicionalmente, alterações no trânsito de cálcio, no colágeno e na gordura epicárdica foram descritas como potenciais mecanismos responsáveis pela remodelação cardíaca induzida pela obesidade, associada à disfunção miocárdica12,14,15. Devemos considerar, também, que é possível que alterações genéticas como, por exemplo, o polimorfismo no gene ALK7, que codifica o receptor de TGF-beta, possam estar relacionadas à remodelação ventricular em pacientes com síndrome metabólica16. Por outro lado, estudos experimentais não identificaram participação da via glicolítica17 ou desequilíbrio entre a fosfolambam fosforilada e total18, mas relataram redução de expressão de colágeno tipo I em ratos obesos por dieta hipercalórica19. Outro ponto importante, mas menos estudado, refere-se à possibilidade de remodelação do ventrículo direito, causada por hipertensão pulmonar, decorrente da restrição imposta pela obesidade ou coexistência de síndrome da apneia obstrutiva do sono12,20. Portanto, os mecanismos fisiopatológicos exatos associados à remodelação na obesidade permanecem por ser elucidados.
Aspecto extremamente interessante, entretanto, refere-se ao fato de que, em algumas situações clínicas, os pacientes com sobrepeso e obesidade leve apresentam menos internações e menor mortalidade quando comparados aos de menor IMC7,21-23. O mesmo pode ser observado com a prega tricipital, cujos valores acima de 20 mm associaram-se a menor mortalidade24. Essa situação tem sido chamada de paradoxo da obesidade e, embora não se saibam os mecanismos envolvidos, algumas hipóteses foram propostas: comportamento em U, onde os extremos exibem maiores riscos; pacientes obesos estariam com tratamentos mais otimizados; e a possibilidade do indivíduo obeso apresentar maior reserva metabólica ao catabolismo imposto pela doença crônica como, por exemplo, na insuficiência cardíaca7.
Outro ponto que vem ganhando destaque nos últimos anos são as crianças e adolescentes que merecem atenção quanto ao excesso de peso. Assim, estudo brasileiro avaliando 4609 crianças entre 6 e 11 anos mostrou que 24,5% delas estavam acima do peso25. Crianças e adolescentes com sobrepeso apresentam, ainda, maior prevalência de hipertensão arterial e dislipidemia13,25,26. Esse contexto promove cenário para aumento de risco cardiovascular precoce, sugerido, por exemplo, pela correlação do IMC com resistência insulínica, índice de massa do ventrículo esquerdo e espessura da camada íntima da carótida comum13.
Por fim, o manejo do paciente obeso caracteriza outro desafio. O reganho de peso induzido por complexas interações entre vias hormonais e neuronais, que regulam a ingestão alimentar, hábitos de vida, alimentação e características genéticas, dificulta a abordagem terapêutica contínua do paciente obeso27. Por essa razão, aceita-se que medicações ou cirurgias bariátricas possam ser úteis para reduzir o IMC27. No entanto, é necessário enfatizar que, atualmente, o objetivo final do tratamento é a mudança do estilo de vida e a utilização de estratégias para manter a motivação para a perda de peso28,29.
Pelo exposto, existem ainda muitas lacunas a serem preenchidas no capítulo da obesidade e sua associação com a doença cardiovascular. Do mesmo modo, a obesidade permanece como tema prioritário para futuros estudos, tanto clínicos como experimentais, na tentativa de melhor compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos e suas repercussões clínicas.