versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.4 São Paulo out./dez. 2017 Epub 18-Dez-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017ao4058
A idade avançada é um fator de risco para reduzir a mobilidade e, quando associada com mudanças na composição corporal, como o aumento da gordura em relação à massa magra,(1)os efeitos deletérios podem ser potencializados.(2)A redução da massa muscular, que ocorre com o envelhecimento, associada com baixa força muscular e a baixa desempenho físico, é definida como sarcopenia(3)e, quando esta condição coexiste com excesso de gordura corporal, é definida com obesidade sarcopênica.(4)
A redução na mobilidade pode ser considerada indicador de saúde devido aos efeitos na qualidade de vida no processo de envelhecimento, já que prejudica a realização de atividades diárias e o uso do transporte público, afetando diretamente a independência dos idosos. Outras consequências sérias no desenvolvimento da limitação física são o aumento da necessidade de hospitalização e o uso de serviços de saúde,(5)resultando em impacto negativo ao sistema público de saúde. Evidências indicam que a sarcopenia,(6,7)obesidade(8,9)e obesidade sarcopênica(10,11)são preditores da redução de mobilidade, porém torna-se necessário investigar quais destas condições estão mais relacionadas a com mobilidade reduzida em idosos com 80 anos ou mais, já que indivíduos pertencente ao este grupo etário são mais predispostos à incapacidade.(12)
Determinar quais condições desfavoráveis na composição corporal (obesidade, sarcopenia ou obesidade sarcopênica) estão relacionadas à mobilidade reduzida em idosos com 80 anos ou mais.
Trata-se de estudo transversal, com amostra por conveniência, não randomizada, realizado entre outubro de 2009 e maio de 2010, na cidade de Presidente Prudente (SP), que tinha aproximadamente 210 mil habitantes, localizada na Região Sudeste do Brasil.(13)
Idosos com 80 anos ou mais de ambos os sexos foram convidados para participar do estudo. A secretaria municipal de saúde de Presidente Prudente disponibilizou nomes, endereços e número de telefones dos indivíduos que utilizavam o serviço público de saúde na cidade. O convite foi realizado por meio de telefone e, além disso, a pesquisa também foi divulgada na mídia local. No total, 135 indivíduos responderam ao convite. Excluímos aqueles que não podiam se locomover, acamados, residentes de áreas rurais, institucionalizados, com marca-passo e com dados incompletos na base de dados. A amostra final foi constituída por 116 indivíduos.
Os objetivos e metodologias utilizadas para cole-ta de dados foram explicados, e os indivíduos foram in formados que poderiam desistir da participação a qualquer momento. Somente aqueles que assinaram o Termo de Consentimento foram incluídos na amostra. Todos os protocolos foram revisados e aprovados pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (número do caso 26/2009).
Para análise da composição corporal utilizou-se modelo de três compartimentos de absorciometria por duplo feixe de raios X (DXA), Lunar brand°, modelo DPX-MD, software 4.7. Esta técnica permite estimar a composição corporal no todo e por segmento corporal (massa magra, massa gorda e densidade mineral do tronco, membros superior e inferiores). Os dados foram transmitidos para um dispositivo conectado em computador, sendo registrados os resultados de massa magra, gordura corporal e densidade mineral óssea.
Utilizou-se teste de caminhada de 3 metros para avaliar a velocidade da marcha. Os indivíduos foram instruídos para caminhar naturalmente, e foi registrado o menor tempo (em segundos) obtido entre as duas caminhadas.
A amostra foi dividida em quatro grupos: Grupo Normal (GN), com indivíduos que não eram obesos ou sarcopênicos; Grupo Obeso (GO), com indivíduos com percentual de gordura acima do percentil 60 (34,1 e 44,2%, para homens e mulheres, respectivamente), de acordo com recomendações de Baumgartner et al.,(14)Grupo Sarcopenia (GS), com indivíduos que apresentaram baixa massa muscular e baixa velocidade na marcha; Grupo Obesidade Sarcopênica (GOS), com indivíduos que apresentaram ambas as condições desfavoráveis (obesidade e sarcopenia).
Para classificação da massa muscular, o índice de massa magra apendicular (IMMA) foi utilizado (massa magra de membro superior + membro inferior [kg]/estatura [m]2), e os indivíduos que apresentaram valores de IMMA abaixo de 7,59kg/m2e 5,57kg/m2para homem e mulher, respectivamente, foram considerados com baixa massa muscular. A adoção destes pontos de corte foi baseada em dois desvios padrão abaixo da média de um grupo de referência com adultos jovens brasileiros (n=60; 25 homens e 35 mulheres) com idade entre 20 e 30 anos.(15)Para velocidade de marcha, indivíduos com velocidade de marcha abaixo de 0,8m/s no teste de caminhada de 3 metros foram considerados com baixa velocidade de marcha.(3)
A mobilidade foi definida por meio do desempenho no teste de equilíbrio estático e no teste da cadeira, a partir da versão modificada do Short Physical Performance Battery .(16)
O teste de equilíbrio estático teve quatro passos, realizados em uma sequência (10 segundos cada): em pé com pés juntos, lado a lado: tocar o calcanhar no lado do dedão do pé oposto, semi-tandem: equilíbrio de um pé, primeiro com qualquer um dos pés, depois com o outro: e em pé com um dos pés na frente do outro.
Cada medida foi considerada de sucesso quando o individuo conseguiu permanecer por 10 segundos na posição mencionada. As pontuações possíveis para este teste foram as seguintes: zero se deficiência e incapaz de realizar qualquer ação no tempo estipulado; 1 se capaz de manter na posição lado a lado, contudo incapaz de manter a posição semi-tandem; 2 se capaz de manter a posição semi-tandem , porém incapaz de manter-se ereto em um pé só; 3 se capaz de manter-se ereto em um pé só, mas incapaz de manter a posição tandem; 4 se capaz de manter-se completamente na posição tandem.
Para medir a força dos membros inferiores, o teste da cadeira foi aplicado; nele, os indivíduos mantinham seus braços cruzados na frente do peito e, ao sinal do avaliador, levantava e sentava na cadeira o mais rápido possível, sem pausa, por cinco vezes. Aqueles que falharam em realizar o teste em menos de 60 segundos foram desqualificados. Os escores atribuídos para este teste foram: zero se impossível realizar o teste; 1 se tempo maior ou igual a 16,70 segundos; 2 se tempo envolvido entre 13,70 e 16,69 segundos; 3 se tempo envolvido entre 11,20 e 13,69 segundos; 4 se tempo envolvido menor ou igual a 11,19 segundos.
Para classificação da mobilidade, considerou-se o desempenho por meio da soma dos dois testes (zero a 8 pontos), com aqueles com escore total abaixo do percentual de 25 (3 pontos) sendo considerado como indivíduos com mobilidade reduzida.
A identificação da osteopenia e da osteoporose foi feita por DXA. A densidade mineral óssea do fêmur proximal total foi analisada por um técnico experiente, de acordo com protocolo. Os indivíduos foram classificados com osteopenia ou osteoporose, de acordo com critério estabelecido pela Organização Mundial da Saúde.(17)
A prevalência de artrite, osteoartrite, hérnia de disco, lombalgia e escoliose na população do estudo foi verificada pelo questionário de morbidades, baseado no Standard Health Questionnaire do Estado de Washington.(18)Trata-se de pesquisa com perguntas fechadas, que identifica a presença/ausência de doenças crônicas, distribuídas em três grupos: cardiovascular, metabólico e osteoarticular.
O teste χ2foi utilizado para analisar a proporção de idosos nos grupos (GN, GO, GS e GOS) de acordo com sexo, e também para indicar associações entre as variáveis de dependência (mobilidade) e independência (sarcopenia, obesidade e obesidade sarcopênica). As variáveis de independência com p<0,20 no teste χ2foram incluídas no modelo multivariado construído por análise binária de regressão logística, ajustada para variáveis de controle (sexo e doenças osteoarticular), que expressam a magnitude das associações nos valores de odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95%. A análise de variância (ANOVA) foi utilizada para comparar a mobilidade dos quatro grupos analisados seguidos por teste Tukey post-hoc . A análise estatística foi realizada com o Statistical Package of Social Science software (SPSS), versão 17.0, e nível de significância de 5%.
A amostra do estudo incluiu 116 idosos com idade entre 80 e 95 anos, média de 83,3 (2,7) anos; 69 (60%) mulheres, média 83,8 (2,9) anos; e 47 (40%) homens, média 83,3 (2,5) anos.
Não houve diferença significativa entre os grupos (GN, GO, GS e GOS) na proporção para doenças osteoarticulares (p=0,748).
Figura 1 mostra a distribuição da amostra de acordo com obesidade, sarcopenia e obesidade sarcopênica, e a comparação das análises entre os sexos. Houve maior proporção de obesidade sarcopênica entre os homens idosos (8,6%) e maior proporção de obesidade entre as mulheres idosas (23,3%).
Figura 1 Distribuição da frequência dos Grupos Normal, Obeso, Sarcopenia e Obesidade Sarcopênica de acordo com sexo
A comparação da mobilidade entre os quatro grupos é mostrada na tabela 1 . O GS mostrou baixo desempenho no teste de força de membros inferiores (p=0,003) e soma dos dois testes (p=0,049) comparado aos GO e GN.
Tabela 1 Comparação da mobilidade entre os Grupos Normal, Obeso, Sarcopenia e Obesidade Sarcopênica
Testes | Normal (n=47) | Obeso (n=36) | Sarcopenia (n=21) | Obesidade sarcopênica (n=12) | f | Valor de p |
---|---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | |||
Equilíbrio | 3,0 (1,2) | 2,9 (1,3) * | 2,6 (1,6) | 2,7 (1,6) | 0,420 | 0,739 |
Força | 2,0 (1,4) * | 1,9 (1,2) * | 0,9 (1,3) † | 1,1 (0,9) *† | 5,030 | 0,003 |
Dois testes | 5,0 (2,1) * | 4,8 (2,1) * | 3,6 (2,5) † | 3,8 (2,2) *† | 2,705 | 0,049 |
*†Letras diferentes significam diferença entre os grupos
DP: desvio padrão
A associação entre obesidade, sarcopenia, e obesi-dade sarcopênica e mobilidade é mostrada na tabela 2 . Observou-se associação entre sarcopenia e redução da mobilidade.
Tabela 2 Associação entre obesidade, sarcopenia, obesidade sarcopênica e mobilidade em idosos com 80 anos ou mais
Grupos | Mobilidade reduzida | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|
Sim n (%) | Não n (%) | |||
Obesidade | Sim | 5 (13,9) | 31 (86,1) | 0,627 |
Não | 14 (17,5) | 66 (82,5) | ||
Sarcopenia | Sim | 7 (33,3) | 14 (66,7) | 0,020 |
Não | 12 (12,6) | 83 (87,4) | ||
Obesidade sarcopênica | Sim | 3 (25,0) | 9 (75,0) | 0,394 |
Não | 16 (15,4) | 88 (84,6) |
Na tabela 3 , é mostrada a análise entre sarcopenia e mobilidade reduzida. Os idosos com sarcopenia comparados àqueles sem sarcopenia tiveram 3,44 vezes mais chances de mobilidade reduzida independente do sexo e da presença de doenças osteoarticular.
Tabela 3 Múltiplas análises entre sarcopenia e mobilidade reduzida entre idosos com 80 anos ou mais
Sarcopênia | Mobilidade reduzida | Valor de p |
---|---|---|
OR * (IC95%) | ||
Sim | 3,44 (1,12-10,52) | 0,031 |
Não | 1,00 |
*Modelo ajustado por sexo e doença osteoarticular. Teste Hosmer e Lemeshow 0,84.
OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%
Este estudo determinou qual anormalidade da composição corporal (obesidade, sarcopenia, ou obesidade sarcopênica) está relacionada à mobilidade reduzida de brasileiros idosos com 80 anos ou mais. Observou-se que idosos com sarcopenia tiveram maior limitação na mobilidade comparados com o GN, GO ou GOS.
A redução na massa magra é uma das variáveis mais frequentemente utilizadas para indicar perdas na mobilidade.(7)Os homens apresentaram maiores quantidades de massa magra e alta incidência de sarcopenia comparados com as mulheres.(19)Nossos achados corroboram estudos anteriores, em que a proporção de idosos com 80 anos ou mais com sarcopenia foi maior entre os homens (10,3%) do que entre mulheres (7,8%) e, consequente, de obesidade sarcopênica − 8,6% e 1,7%, respectivamente.
A sarcopenia está relacionada à mobilidade e à disfunção funcional em idosos com mais de 60 anos de idade.(20)Ainda, ela influencia na mobilidade, porém, a quantidade de gordura e o tamanho do corpo também devem ser considerados em tais análises.(6)Em nosso estudo, somente a sarcopenia esteve associada com mobilidade reduzida, e aumentou as chances de um idoso de 80 anos ou mais apresentar mobilidade reduzida 3,44 vezes, independente do sexo e da presença de doenças osteoarticulares.
Mulheres tem maior proporção de gordura corporal.(21)Gomes et al.,(22)também observaram esta evidência em mulheres com 80 anos ou mais, resultado similar ao encontrado neste estudo, em que 23,3% das mulheres foram identificadas com obesidade, comparadas a 7,8% dos homens.
Uma maior quantidade de massa gorda ou alta proporção de gordura corporal pode aumentar a sobrecarga corporal e limitar os movimentos, impondo estresse adicional nas articulações e nos músculos, e acentuando o risco de deficiência.(23)Em nosso estudo, a obesidade não foi um fator limitador da mobilidade. Similar aos nossos resultados, Sallinen et al.,(24)também não encontraram associação entre a gordura corporal e a mobilidade em indivíduos com 80 anos ou mais. Estes resultados podem indicar que a gordura corporal não interfere na mobilidade de idosos com 80 anos ou mais, já que a gordura tende se redistribuir e a reduzir com o envelhecimento.(25)
A obesidade sarcopênica representa um desafio para profissionais de saúde, que precisam aplicar intervalos apropriados na população idosa para reduzir o risco que a gordura excessiva pode causar na saúde, enquanto preserva a massa magra.(26)Devido a estes fatores, ela é considerada uma das condições morfológicas que mais causam lesões, tanto para mobilidade como para saúde geral de idosos.(27)
Esta associação foi observada por Stenholm et al.,(11)que encontraram que a obesidade sarcopência aumentou o risco de um declínio na velocidade da caminhada e disfunção de mobilidade em idosos com mais de 65 anos. Nossos achados diferiram dos mencionados, já que os idosos com 80 anos ou mais com obesidade sarcopênica não mostraram mobilidade reduzida comparados com outros grupos.
É importante mencionar que o nível de atividade física afeta os componentes de massa magra e de gordura corporal. Com o tempo, os idosos tendem a se tornar mais sedentários, o que leva a um ciclo vicioso de mobilidade reduzida e, com a redução na mobilidade, o níveis de atividade física são ainda menores.(28)
Carmo et al.,(29)demonstraram a influência da atividade física quando reportaram que a mobilidade para atividades como caminhar, sentar, levantar de uma cadeira e levantar partindo da posição prona estava mais preservada em mulheres fisicamente ativas. Portanto, a atividade física deve ser vista como uma solução para perda de mobilidade, por preservar os componentes físicos(29)e corporais.(30)
Apesar da relevância dos resultados encontrados neste estudo, algumas limitações podem ser mencionadas: o não uso de variáveis de controle, como atividade física, consumo energético e classe socioeconômica, Escala Analógica de Dor; o não uso de questionários de Atividades de Vida Diária; e o desenho transversal do estudo, que limita a habilidade de estabelecer relações de causa. Porém, deve-se estabelecer que estudos com objetivo de verificar tais aspectos em idosos com 80 anos ou mais são limitados.
Idosos com 80 anos ou mais com sarcopenia têm maior chance de redução na mobilidade. Medidas preventivas, como prática de atividade física, especialmente ao longo da vida, podem evitar a ocorrência de sarcopenia e atenuar a redução da mobilidade nesta população. Além disto, sugerem-se novos estudos longitudinais para observar a relação de casualidade.