versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2019 Epub 09-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190007
Segundo o Ministério da Saúde, entende-se por óbito fetal a “morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez”(1(. Inclui-se nesta classificação, portanto, a definição de aborto, que é o produto de concepção até a vigésima semana de gestação - ou até 500 g - quando a idade gestacional é incerta. No entanto, somente quando o óbito ocorre a partir das 20 semanas gestacionais que o feto receberá declaração de óbito e fará parte do cálculo do coeficiente de natimortalidade(2(.
Calcula-se que ocorram anualmente cerca de 2,6 milhões de óbitos fetais, entre os quais 98% ocorrem em países de baixa e média renda; estima-se que a maior parte dos óbitos fetais seja provocada por causas preveníveis(3(. Entre as causas de óbito fetal, destacam-se as de etiologia materna, tanto prévias (como obesidade, uso de drogas) quanto obstétricas [como doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), diabetes mellitusgestacional], as complicações placentárias, incluindo doenças do cordão (como hematoma retroplacentário, estenose de cordão), as malformações fetais e o trauma no nascimento(4-8(.
São escassos os estudos que investigam a causa base do óbito fetal, e, naqueles encontrados, o percentual de causas mal definidas é elevado(9). Para apropriado aconselhamento e prevenção de episódios futuros, uma avaliação acurada da causa da morte fetal com base em achados de necrópsia e dados clínicos é necessária(8), o que justifica a realização de pesquisas neste âmbito.
Esta pesquisa teve como objetivo geral investigar os fatores de risco maternos e os achados de necrópsia associados ao óbito fetal a partir de dados obtidos no Serviço de Verificação de Óbito (SVO) de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, entre 2010 e 2015. Com base nesses dados, pretendeu-se: a) apresentar as características maternas sociodemográficas e clínicas; b) analisar as características clínicas fetais; e c) verificar as causas de óbito apontadas a partir dos laudos de autópsia e de anatomopatologia.
Trata-se de um estudo observacional, com delineamento transversal, que utilizou dados secundários. Os documentos utilizados foram relatórios de autópsias obtidos no SVO de Florianópolis, emitidos pela Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina, Brasil, entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2015. Foram incluídos os laudos com diagnóstico de óbito fetal que tivessem 20 semanas de idade gestacional ou mais e excluídos aqueles com informações incompletas.
No serviço em questão, o protocolo de encaminhamento de fetos é feito pelos serviços de saúde, mediante autorização da família, visando elucidar a causa da morte fetal, bem como investigar a presença de malformações. Quando há suspeita de ligação com crime, o corpo é encaminhado ao Instituto Médico Legal. No SVO de Florianópolis, os fetos são classificados de acordo com os critérios do Ministério da Saúde para realização de autópsia (idade gestacional acima de 20 semanas ou peso acima de 500 g), sendo considerados peça cirúrgica aqueles que não preenchem o critério. Na autópsia são analisados macro e microscopicamente os órgãos fetais; faz-se também o estudo da placenta, quando encaminhada. Na declaração de óbito, estão contidos os dados sociodemográficos fetais e maternos e os diagnósticos de morte fetal (finais e provisórios).
Ao receber o natimorto, a análise ectoscópica e alguns testes podem ser realizados para diagnosticar se o óbito foi ou não intrauterino. O teste mais realizado nos serviços de perícia é o da docimásia hidrostática pulmonar de Galeno. Este é um método seguro que se baseia na densidade do pulmão em comparação com a da água. Se flutuar, significa que o pulmão tem menor densidade, o que indica que o recém-nascido tinha respirado. Do contrário, pode-se inferir que houve óbito intrauterino. Esse teste deve ser idealmente realizado em até 24 horas após o nascimento, e alguns fatores confundidores, como tentativa de reanimação, devem ser informados ao médico patologista para que ele possa ter uma visão mais crítica da prova(10).
Neste estudo, a idade materna foi categorizada a partir da faixa etária considerada ideal para reprodução - mulheres adultas de 20 a 34 anos completos - e seus extremos: adolescentes (10 a 19 anos completos) e mulheres com idade avançada (≥ 35 anos)(11). A idade gestacional foi agrupada da seguinte forma: pré-termo precoce (≥ 20 e < 34 semanas); pré-termo tardio (≥ 34 e < 37 semanas); a termo (≥ 37 e < 42 semanas); e pós-termo (≥ 42 semanas)(12). O peso fetal foi estratificado como extremo baixo peso (< 1000 gramas); muito baixo peso (≥ 1000 e < 1500 gramas); baixo peso (≥ 1500 e < 2500 gramas); peso adequado (≥ 2500 gramas e < 4000 gramas); e macrossomia fetal (> 4000 gramas)(13). O índice placentário foi determinado a partir do cálculo do quociente do peso em gramas da placenta ao ar pelo peso em gramas do recém-nascido(14).
Em relação à classificação de causa de morte, foram encontradas algumas situações com divergência na literatura: oligodrâmnio, polidrâmnio, infecção placentária de origem hematogênica e infecção ascendente (relacionada com corioamnionite). Neste estudo, tais causas foram agrupadas nas etiologias maternas relacionadas com a gestação. Considerou-se também circular de cordão como causa de morte intrauterina.
A análise dos dados foi realizada no software estatístico SPSS v.21 (IBM SPSS Statistics for Windows, Armonk, NY, USA). Na descrição dos dados, foram usadas medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis quantitativas e porcentagem para as variáveis qualitativas. A existência de associação entre a presença dos desfechos de interesse (óbito fetal e características obstétricas, placentárias e fetais) foi avaliada pelo teste qui-quadrado. Para a comparação dos valores médios das variáveis quantitativas, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes (não pareado). O nível de significância adotado nos testes estatísticos foi de 5% [intervalo de confiança (IC): 95%].
O protocolo de pesquisa está em consonância com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina sob protocolo no. 2.564.705, de 26 de março de 2018, o qual dispensou o uso do termo de consentimento livre e esclarecido.
Entre os anos de 2010 e 2015, o SVO de Florianópolis realizou a autópsia de 210 nascidos mortos com idade gestacional maior ou igual a 20 semanas, com média de 35 casos/ano. A distribuição anual das autópsias está ilustrada na Figura.
As características sociodemográficas e clínicas da amostra estão apresentadas na Tabela 1. A média da idade materna foi de 27 anos [desvio padrão (DP): 7], variando entre 14 e 45 anos. O peso fetal teve mediana de 1550 gramas, variando entre 166 e 4850 gramas; e o peso placentário, com mediana de 340 gramas, variou entre 40 e 1010 gramas. O cálculo do índice placentário mostrou mediana de 0,192 e variou entre 0,06 e 1,75.
Tabela 1 Características sociodemográficas e clínicas da amostra
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Local do nascimento | Hospital | 190 | 90,5 |
Domicílio | 11 | 5,2 | |
Outros estabelecimentos de saúde | 9 | 4,3 | |
Idade materna | Adolescentes | 29 | 13,8 |
Mulheres adultas de 20 a 34 anos | 102 | 48,6 | |
Mulheres em idade avançada | 38 | 18,1 | |
Sexo do feto | Feminino | 114 | 54,3 |
Masculino | 96 | 45,7 | |
Idade gestacional | Pré-termo precoce | 109 | 51,9 |
Pré-termo tardio | 30 | 14,3 | |
A termo | 40 | 19 | |
Pós-termo | 3 | 1,4 | |
Tipo de parto | Vaginal | 140 | 66,7 |
Cesáreo | 45 | 21,4 | |
Peso fetal | Extremo baixo peso | 63 | 30 |
Muito baixo peso | 29 | 13,8 | |
Baixo peso | 56 | 26,7 | |
Peso adequado | 50 | 23,8 | |
Macrossomia fetal | 5 | 2,4 |
A Tabela 2 apresenta as causas de óbito encontradas nos laudos de maneira detalhada. Destaca-se que nem todos os indivíduos contaram com a definição da causa da morte, mas alguns apresentaram mais de uma razão implicada na etiologia do óbito fetal.
Tabela 2 Etiologia das causas de óbito fetal apontadas no laudo de autópsia e de anatomopatologia
Etiologia | n | ||
---|---|---|---|
Placenta e anexos | Relacionadacom o cordão | Estenose de cordão* | 15 |
Circular de cordão intraútero | 12 | ||
Artéria umbilical única | 5 | ||
Relacionada com a placenta |
Descolamento prematuro de placenta | 22 | |
Insuficiência placentária não especificada | 13 | ||
Placenta em raquete | 9 | ||
Placenta circunvalada | 7 | ||
Trombose subcorial | 1 | ||
Materna | Relacionada com a gestação |
Infecção ascendente | 42 |
DHEG | 32 | ||
Infecção placentária crônica de origem hematogênica (STORCH)** |
18 | ||
Pré-natal não realizado | 12 | ||
Diabetes mellitus gestacional | 8 | ||
Oligodrâmnio | 3 | ||
Pielonefrite crônica | 2 | ||
Sangramento genital | 2 | ||
Infecção do trato urinário | 1 | ||
Sepse de foco renal | 1 | ||
Polidrâmnio | 1 | ||
Infecção renal | 1 | ||
Prévia | Hipertensão arterial sistêmica | 7 | |
Sífilis | 4 | ||
Isoimunização | 4 | ||
Uso de drogas ilícitas | 3 | ||
Obesidade | 1 | ||
Óbito*** | 1 | ||
Lúpus eritematoso sistêmico | 1 | ||
Hepatite B | 1 | ||
HIV positivo | 1 | ||
Melanoma em tratamento | 1 | ||
Fetal | Aspiração | Aspiração meconial | 14 |
Malformação | Cardiopatia congênita | 3 | |
Trissomia do cromossomo 21 | 3 | ||
Hidrocefalia | 1 | ||
Gastrosquise | 1 | ||
Higroma cístico | 1 | ||
Trissomia do cromossomo 18 | 1 | ||
Não especificada | 1 | ||
Indeterminada | 46 |
DHEG: doença hipertensiva específica da gestação; HIV: vírus da imunodeficiência humana;
*estenose de cordão: coarctação, compressão externa, nó verdadeiro, espiralização;
**STORCH: sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose e infecção por herpes simples vírus;
***óbito materno teve como causa abdômen agudo hemorrágico não relacionado com a gestação.
A Tabela 3 mostra a comparação das causas de morte agrupadas de acordo com as variáveis estudadas. Quando observadas as causas envolvidas na etiologia do óbito fetal de forma agrupada, verificou-se que 15,2% (n = 32) apresentaram alterações de cordão; 22,4% (n = 47), de placenta; 49,5% (n =104), doenças maternas relacionadas com a gestação; e 10% (n = 21), doenças maternas prévias. Entre as características fetais implicadas, observou-se que 6,7% (n = 14) apresentaram aspiração meconial e 5,2% (n = 11), malformações fetais. Neste estudo, 21,9% (n = 46) não tiveram sua causa definida.
Tabela 3 Comparação das causas de óbito fetal com as características clínicas e sociodemográficas
Variáveis n (% dentro do grupo) | Causas | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Placenta e anexos | Materna | Fetal | Indeterminada | ||||||||||||
C | p | Pl | p | P | p | Pr | p | A | p | M | p | p | |||
IG | PTP | 14 (51,9) | 0,562 | 26 (61,9) | 0,087 | 61 (67) | 0,26 | 10 (55,6) | 0,591 | 2 (16,7) | 0,005* | 8 (80) | 0,348 | 20 (51,3) | 0,613 |
PTT | 4 (14,8) | 9 (21,4) | 13 (14,3) | 2 (11,1) | 3 (25) | 2 (20) | 7 (17,9) | ||||||||
AT | 8 (29,6) | 5 (11,9) | 16 (17,6) | 6 (33,3) | 6 (50) | 0 (0) | 11 (28,2) | ||||||||
PT | 1 (3,7) | 2 (4,8) | 1 (1,1) | 0 (0) | 1 (8,3) | 0 (0) | 1 (2,6) | ||||||||
Tipo de parto | PV | 22 (81,5) | 0,477 | 26 (61,9) | 0,018* | 67 (75,3) | 0,904 | 16 (76,2) | 0,953 | 7 (53,8) | 0,057 | 9 (100) | 0,076 | 30 (75) | 0,91 |
PC | 5 (18,5) | 16 (38,1) | 22 (24,7) | 5 (23,8) | 6 (46,2) | 0 (0) | 10 (25) | ||||||||
Idade materna | Adolescente | 6 (25) | 0,322 | 7 (17,5) | 0,658 | 19 (22,4) | 0,181 | 2 (11,1) | 0,548 | 0 (0) | 0,222 | 1 (12,5) | 0,578 | 4 (11,8) | 0,645 |
Adulta | 15 (62,5) | 22 (55) | 47 (55,3) | 13 (72,2) | 9 (81,8) | 4 (50) | 22 (64,7) | ||||||||
Idade avançada | 3 (12,5) | 11(27,5) | 19 (22,4) | 3 (16,7) | 2 (18,2) | 3 (37,5) | 8 (23,5) | ||||||||
Procedência | Hospital | 30 (93,8) | 0,785 | 39 (83) | 0,126 | 96 (92,3) | 0,628 | 20 (95,2) | 0,586 | 10 (71,4) | 0,004* | 11 (100) | 0,543 | 41 (89,1) | 0,374 |
Domicílio | 1 (3,1) | 4 (8,5) | 4 (3,8) | 1 (4,8) | 1 (7,1) | 0 (0) | 4 (8,7) | ||||||||
Outros** | 1 (3,1) | 4 (8,5) | 4 (3,8) | 0 (0) | 3 (21,4) | 0 (0) | 1 (2,2) | ||||||||
Peso fetal | EBP | 11 (35,5) | 0,389 | 19 (43,2) | 0,1 | 37 (36,3) | 0,028* | 7 (33,3) | 0,58 | 1 (7,1) | 0,038* | 2 (18,2) | 0,28 | 10 (22,2) | 0,173 |
MBP | 6 (19,4) | 2 (4,5) | 14 (13,7) | 2 (9,5) | 1 (7,1) | 4 (36,4) | 8 (17,8) | ||||||||
BP | 4 (12,9) | 12 (27,3) | 31 (30,4) | 8 (38,1) | 4 (28,6) | 3 (27,3) | 11 (24,4) | ||||||||
PA | 9 (29) | 11 (25) | 16 (15,7) | 3 (14,3) | 8 (57,1) | 2 (18,2) | 16 (35,6) | ||||||||
MF | 1 (3,2) | 0 (0) | 4 (3,9) | 1 (4,8) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) |
C: relacionada com o cordão; Pl: relacionada com a placenta; G: relacionada com a gestação; Pr: doença/característica materna prévia à gestação; A: aspiração meconial; M: malformação; IG: idade gestacional; PTP: pré-termo precoce; PTT: pré-termo tardio; AT: a termo; PT: pós-termo; PV: parto vaginal; PC: parto cesáreo; EBP: extremo baixo peso; MBP: muito baixo peso; BP: baixo peso; PA: peso adequado; MF: macrossomia fetal;
*associação estatisticamente significativa (p < 0,05);
**outros estabelecimentos de saúde.
Na análise entre a idade gestacional e as causas de óbito, verificou-se que a aspiração meconial esteve associada às gestações a termo (p = 0,005); as demais idades gestacionais não apresentaram associação (p > 0,05).
Quando comparado o tipo de parto com as causas de morte, notou-se que o parto vaginal esteve ligado às doenças placentárias (p = 0,018). Observou-se também uma tendência à associação entre o parto vaginal e a aspiração meconial (p = 0,057). As demais causas não foram relacionadas com o tipo de parto (p > 0,05).
A idade materna (variável contínua e categórica) não mostrou associação com as causas de óbito.
Em relação ao local do parto, o hospital apresentou associação estatisticamente significativa com aspiração meconial (p = 0,04); os demais locais não foram associados às causas (p > 0,05).
Quanto ao peso fetal, verificou-se que o extremo baixo peso teve associação estatisticamente significativa com as doenças maternas relacionas com a gestação (p = 0,028). Além disso, o peso adequado ao nascer esteve ligado à aspiração meconial(p = 0,038).
Também foi possível observar que mulheres com DHEG tiveram média de 0,191 de índice placentário versus média de 0,264 naquelas sem a doença (p = 0,02). A DHEG não se mostrou associada à idade gestacional (p = 0,277), ao tipo de parto (p = 0,212), à idade materna (p = 0,863), à procedência (p = 0,137) e ao peso fetal estratificado (p = 0,134).
Apesar de não haver significância estatística (p > 0,05), todos os casos de malformação eram em prematuros.
Conhecer o perfil das gestantes é essencial no acompanhamento pré-natal. Neste estudo foi encontrada uma prevalência de 13,8% de adolescentes, 48,6% de mulheres adultas e 18,1% de mulheres em idade avançada. Em estudo semelhante realizado em Florianópolis, entre 2000 e 2009, a prevalência das faixas etárias foram de 14,4%, 73% e 12,6%, respectivamente(15). Em se tratando da mesma população, nota-se discreta tendência para o aumento da idade materna, fato que vem sendo observado de acordo com as estatísticas nacionais(16). Tal cenário se deve a fatores como controle de natalidade eficaz, maior nível de educação materno, avanços na atenção à saúde e na tecnologia de reprodução assistida e maiores taxas de divórcio seguido de novas uniões(17). Como consequência, verifica-se aumento do risco de inúmeros desfechos desfavoráveis ao feto e à mãe, como DHEG, aborto e mais indicações de cesariana(18).
Em relação ao tipo de parto, observou-se maior prevalência do parto vaginal em relação à cesariana. Pondera-se que neste estudo somente foram incluídos natimortos e, quando o diagnóstico é feito intraútero, o parto vaginal é a via preferencial. Mesmo diante das divergências na literatura, é importante reforçar que a cesariana traz menos morbidade ao feto em relação ao parto vaginal, principalmente em pré-termos(19); o benefício para o feto também deve ser posto em evidência no momento de escolha da via de parto. Quanto ao parto domiciliar, salienta-se que, embora estudos mostrem maior satisfação materna, há maior prevalência de desfechos desfavoráveis aos recém-nascidos em partos realizados em domicílio(20).
Conhecer a direção da natimortalidade por idade gestacional é fundamental, sendo este um marcador de saúde gestacional. Neste estudo verificou-se maior tendência (51,9%) de óbito em pré-termos precoces, dado concordante com grande estudo de base populacional realizado nos Estados Unidos, entre 2006 e 2012(21).
Com relação ao acompanhamento pré-natal, observou-se que na população estudada 12 gestantes não o realizaram, representando 5,7% do total. Considerando-se a população de nascidos vivos na Grande Florianópolis no período deste estudo, estatísticas mostram que somente 1,3% não apresentou acompanhamento pré-natal(16), o que representa prevalência inferior àquela que culminou em óbito fetal.
Além de dados clínicos relacionados com a história materna pregressa e com intercorrências na gestação, a análise placentária mostra-se indispensável. As membranas placentárias podem ser infectadas tanto pela ascensão de microrganismos, causando corioamnionite, quanto pela via hematogênica. A reação inflamatória provocada nessas situações está associada a achados anatomopatológicos clássicos. Na corioamnionite, por exemplo, encontram-se infiltrados polimorfonucleares que envolvem desde a membrana amniótica até as vilosidades(22). Neste estudo, entre todas as causas de morte intrauterina destacadas, a infecção ascendente foi a mais prevalente (20%), corroborando os achados de Man et al. (2016)(23). Nos casos de infecção placentária de origem hematogênica, algumas afecções são consideradas principais, como sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose e infecção pelo herpes simples vírus, conhecidas como STORCH. Além destas, é importante destacar a participação da listeriose, relacionada com infecção gestacional de via hematogênica, que causa alterações características identificáveis no exame anatomopatológico(24).
A DHEG, enquanto pré-eclâmpsia, afeta 3%-5% das gestações. Seu diagnóstico é feito tradicionalmente pelo aumento da pressão arterial e pela presença de proteinúria. Quando manejada inadequadamente, pode ser letal(25). No presente estudo, a DHEG versou entre as principais causas de óbito intrauterino (15,2%). Na fisiopatologia da doença, a falha na segunda invasão trofoblástica faz com que a resistência vascular da circulação uteroplacentária esteja elevada, o que culmina na ocorrência de infartos placentários. Não é incomum na prática clínica encontrar graus ultrassonográficos de placenta avançados em pacientes com DHEG quando comparadas àquelas sem a doença. Tais modificações também são visíveis na análise anatomopatológica, que mostra áreas brancas e vermelhas, o que indica infartos antigos e recentes, respectivamente. Por consequência, um menor peso placentário é esperado em pacientes que sofrem dessa afecção, bem como um menor índice placentário. Neste estudo, verificou-se que a presença de DHEG esteve associada a um menor índice placentário (p =0,02) sem que houvesse alteração estatisticamente significativa no peso do feto (p = 0,134), quando comparado com óbitos por outras causas.
O estudo detalhado das causas de morte traz informações muito importantes na investigação do óbito fetal, bem como quando agrupadas as causas. No presente trabalho, 22,4% dos indivíduos tiveram alterações em leito placentário que culminaram no óbito intrauterino. Stanek et al. (2014)(6) afirmam que essas anormalidades são menos comuns no segundo trimestre, além de reforçarem que lesões hipóxicas crônicas são mais prevalentes no pré-termo e que sinais de hipóxia intraútero, como presença de mecônio, surgem principalmente em gestação a termo(26). Corroborando esses dados, a presente pesquisa mostrou ligação significativa entre aspiração meconial e gestações a termo, bem como entre procedência hospitalar e peso adequado ao nascer. Destaca-se que essas associações se deveram, possivelmente, ao fato de que a maior parte dos partos ocorreu em ambiente hospitalar, seja porque o diagnóstico de óbito intrauterino havia sido feito previamente, seja porque muitas gestantes apresentavam doenças que necessitavam de acompanhamento contínuo, sendo o hospital o local adequado para intervir nessas gravidezes de alto risco.
Na literatura, os estudos apontam uma proporção de aproximadamente 60% de óbitos fetais sem causa determinada(9,27). Neste estudo, somente 21,9% permaneceram sem justificativa. Sugere-se que este dado poderia ser ainda menor com o preenchimento correto do encaminhamento e de informações prévias completas enviadas ao SVO. De acordo com fluxogramas de investigação de óbito fetal, a realização de autópsia, exame placentário, análise citogenética e provas de coagulação são essenciais na investigação do óbito fetal. A partir desses resultados iniciais, outros exames podem ser indicados(28).
Como limitação deste estudo, destaca-se a não obrigatoriedade de encaminhamento de natimortos ao SVO e a baixa qualidade das informações repassadas ao médico do serviço que realiza o exame necroscópico. Enfatiza-se que não só o encaminhamento do feto, como também o da placenta, é essencial para uma investigação adequada da causa mortis, e que esses dados associados à história clínica detalhada tornam a análise mais completa e fidedigna.
Entre todas as causas de óbito fetal, a infecção ascendente foi a mais prevalente. A principal causa de morte relacionada com o cordão foi a estenose e com a placenta, o descolamento prematuro. Quanto à gestação, destaca-se a infecção ascendente; para as doenças maternas prévias, hipertensão arterial sistêmica. As causas fetais foram a aspiração meconial e as consequências relacionadas tanto com a trissomia do cromossomo 21 quanto com a cardiopatia congênita. Somente 21,9% dos indivíduos não obtiveram sua causa de morte definida, mostrando-se abaixo da média encontrada na literatura.
Verificou-se que a aspiração meconial esteve associada à gestação a termo, ao peso adequado no nascimento e à procedência hospitalar; o parto vaginal esteve associado às doenças placentárias. Notou-se que o extremo baixo peso ao nascer mostrou associação a doenças maternas relacionadas com a gestação; DHEG apresentou índice placentário estatisticamente inferior àquele em relação às mulheres sem essa doença. Entre todas as variáveis investigadas, a idade materna não mostrou associação com as causas de morte estudadas.