versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.22 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400030014
Objectives: To analyze, based on the Brazilian List of Preventable Causes (in Portuguese, LBE), the fetal mortality from 2008 to 2010 in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. Methods: We used data from the Mortality Information System (SIM). Fetus weight and fetal death causes variables were used. The database had 1,685 fetal deaths in Belo Horizonte from 2008 to 2010; 316 deaths that were not in agreement with the fetal death definition were excluded. After the exclusion, fetal deaths whose weight was less than 1,500 g were classified according to LBE. SPPS version 12 was used for statistical analysis. Results: Among 1,369 stillbirths, 823 deaths were excluded (less than 1,500 g), and 546 potentially avoidable deaths remained for analysis. Among those, 62.1% were avoidable. Conclusion: A high proportion of preventable deaths indicates that there is a need for improved prenatal care and childbirth.
Key words: fetal death; cause of death; International Classification of Diseases
Há dificuldades em se estudar a mortalidade fetal no Brasil. Há problemas e inadequações no conceito de aborto e óbito fetal, subestimando o evento1,2, além da ocorrência da notificação de nascidos vivos que resultaram em óbitos logo após o nascimento como fetais, sobrestimando a componente fetal2,3.
Em 2007, sob a coordenação da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, foi publicada a primeira versão da Lista Brasileira de Causas Evitáveis (LBE). Malta e Duarte4 adaptaram o conceito para as mortes perinatais evitáveis ou reduzíveis nacionalmente, definindo-as como aquelas total ou parcialmente preveníveis por ações dos serviços de saúde disponíveis. Para menores de cinco anos, Malta et al.5 partiram de listas existentes e as adequaram à realidade brasileira. Após adoção dessa lista, em 2008, para identificação de problemas potencialmente preveníveis dos óbitos infantis no país, em 2010 foi proposta a atualização dessa lista para os menores de cinco anos, enfatizando o período neonatal6. As mortes de menores de cinco anos foram organizadas, então, nas categorias: causas evitáveis (reduzíveis por ações de imunoprevenção, adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-nascido, ações adequadas de diagnóstico e tratamento e ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas a ações adequadas de atenção à saúde); causas mal-definidas; demais causas (não claramente evitáveis).
Malta et al.7 sugeriram que as análises fossem processadas por peso ao nascer, utilizando as categorias 1.500 a 2.499 g; ≥2.500 g6,7. Alguns estudiosos brasileiros utilizaram a LBE e publicaram trabalhos enfocando a evitabilidade dos óbitos infantis7–9. Este trabalho analisa, à luz da LBE, a mortalidade fetal em 2008–2010 em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, e é o ponto de partida para um estudo maior da evitabilidade dos óbitos fetais no município.
Foram utilizados os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que traz variáveis da mãe e do feto obtidas das declarações de óbito (DO). As definições de óbitos fetais foram as descritas na 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
Foram utilizadas as variáveis peso do feto e causas básicas do óbito fetal. A base de dados possuía 1.685 óbitos fetais ocorridos em Belo Horizonte de 2008 a 2010. Foram excluídos 316 óbitos que não estavam de acordo com a definição de óbito fetal (duração da gestação menor que 22 semanas e peso ao nascer menor do que 500 g). Dessa forma, iniciou-se a análise com 1.369 óbitos fetais. O software estatístico utilizado foi o SPPS versão 12.
Os óbitos fetais foram, então, classificados segundo a LBE excluídos aqueles cujo peso era inferior a 1.500 g, conforme Malta et al.6,7. Ademais, foram classificados utilizando a LBE segundo faixa de peso fetal (1.500 a 2.499 g; ≥2.500 g).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Belo Horizonte sob o número CAE 16812513.7.0000.5140.
Dos 1.369 óbitos fetais, excluídos aqueles com peso inferior a 1.500 g (n=823), restaram 546 potencialmente evitáveis. A Tabela 1 indica os percentuais de causas, em relação ao total de potencialmente evitáveis (n=546). Verificou-se 339 óbitos fetais que seriam evitáveis, dentro daqueles 546 potencialmente evitáveis, ou seja, 62,1%.
A elevada proporção de mortes evitáveis mostra a necessidade de melhoria da assistência pré-natal e ao parto. Houve elevada proporção (65,0%) de mortalidade fetal por causa evitável em fetos de peso de pelo menos 2.500 g que, teoricamente, estariam aptos ao nascimento, o que é inaceitável, tendo em vista as possibilidades de prevenção.
A utilização da LBE deu visibilidade para a hipóxia entre os óbitos fetais com pelo menos 2.500 g, corroborando outros estudos9,10. A hipóxia responde por um terço dos óbitos fetais em países em desenvolvimento11, com grande evitabilidade no trabalho de parto12. Assim, a assistência obstétrica merece destaque.
A morte fetal de causa não especificada deve ser avaliada para identificar sua etiologia e facilitar a adoção de medidas preventivas. Há dificuldades nessa avaliação, pois essas causas apresentam etiologia múltipla, interação com outras causas ou fatores de risco, como má nutrição fetal, alterações cromossômicas e infecções. Usualmente são necessários procedimentos de autópsia e testes genéticos para revelar a causa, cujo custo é alto13,14.
Este estudo utilizou dados secundários provenientes do SIM, que permite efetuar análises em tempo curto e a baixo custo. Porém, apresenta limitações, principalmente no que se refere à qualidade das informações. Contudo, longe da qualidade se constituir num desestímulo ao seu uso, a utilização dessas informações repercutem no aprimoramento dos dados deste sistema. De fato, a utilização da LBE aplicada às informações disponíveis apontou problemas reais que os serviços de saúde devem enfrentar para a prevenção do óbito fetal.
Tabela 1 Distribuição dos agrupamentos de causas básicas de morte fetais evitáveis (Lista Brasileira de Causas Evitáveis), segundo faixa de peso. Belo Horizonte, Minas Gerais, 2008–2010
Causas de óbito (denominação e código CID-10) | Peso fetal (em gramas) | Total | ||
---|---|---|---|---|
1.500–2.500 | ≥2.500 | |||
n (%) | n (%) | n (%) | ||
Causas evitáveis | ||||
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação | ||||
Sífilis congênita (A50) | 3 (0,5) | 2 (0,4) | 5 (0,9) | |
Afecções maternas que afetam o feto ou o recém-nascido (P00;P04) | 42 (7,7) | 29 (5,3) | 71 (13,0) | |
Complicações maternas da gravidez que afetam o feto ou o recém-nascido (P01) | 7 (1,3) | 5 (0,9) | 12 (2,2) | |
Feto e recém-nascidos afetados por complicações da placenta e das membranas (P02.2, P02.3, P02.7, P02.8, P02.9) | 34 (6,2) | 25 (4,6) | 59 (10,8) | |
Crescimento fetal retardado e desnutrição fetal (P05) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | 1 (0,2) | |
Transtornos relacionados com gestação de curta duração e baixo peso ao nascer, não classificados em outra parte (P07) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | 1 (0,2) | |
Isoimunização Rh e ABO do feto ou do recém-nascido (P55.0; P55.1) | 3 (0,5) | 2 (0,4) | 5 (0,9) | |
Doenças hemolíticas do feto ou do recém-nascido devidas à imunização (P55.8 a P57.9) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | 1 (0,2) | |
Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto | ||||
Placenta prévia e descolamento prematuro da placenta (P02.0 a P02.1) | 34 (6,2) | 13 (2,4) | 47 (8,6) | |
Feto e recém-nascido afetados por afecções do cordão umbilical (P02.4 a P02.6) | 9 (1,6) | 23 (4,2) | 32 (5,8) | |
Outras complicações do trabalho de parto ou do parto que afetam o recém-nascido (P03) | 0 (0,0) | 3 (0,5) | 3 (0,5) | |
Traumatismo de parto (P10 a P15) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | 1 (0,2) | |
Hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer (P20; P21) | 41 (7,5) | 37 (6,8) | 78 (14,3) | |
Reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido | ||||
Infecções específicas do período perinatal (P35 a P39.9, exceto P35.0 e P35.3) | 1 (0,2) | 1 (0,2) | 2 (0,4) | |
Transtornos endócrinos e metabólicos transitórios específicos do recém-nascido (P70 a P74) | 1 (0,2) | 12 (2,2) | 13 (2,4) | |
Afecções que comprometem o tegumento e a regulação térmica do recém-nascido (P80 a P83) | 3 (0,5) | 2 (0,4) | 5 (0,9) | |
Outros transtornos originados no período perinatal (P90 a P96.8) | 1 (0,2) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | |
Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento | ||||
Síndrome de Down (Q90) | 2 (0,4) | 0 (0,0) | 2 (0,4) | |
Subtotal causas evitáveis | 181 (33,2) | 158 (28,9) | 339 (62,1) | |
Causas de morte mal-definidas | ||||
Morte fetal de causa não especificada (P95) | 92 (16,8) | 77 (14,1) | 169 (31,0) | |
Afecções originadas no período perinatal não especificadas (P96.9) | 1 (0,2) | 0 (0,0) | 1 (0,2) | |
Demais causas de morte | ||||
Demais causas de morte (malformações) | 30 (5,5) | 7 (1,3) | 37 (6,8) | |
Subtotal causas não evitáveis | 123 (22,5) | 84 (15,4) | 207 (40,9) | |
Total | 304 (55,7) | 242 | 546 (100,0) |