versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.93 no.6 Porto Alegre nov./dez. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.11.008
Recentemente, os óbitos de crianças < 5 anos apresentaram queda drástica, com um número menor de 3,6 milhões de óbitos em 2013 em comparação com 2000.1 Essa redução é principalmente atribuída a um progresso na prevenção e no tratamento de doenças infecciosas em neonatos pós-neonatais e crianças entre 1-4 anos.2 Com essa redução nas infecções, as doenças neonatais se tornaram mais importantes. Em 1990, os óbitos neonatais representaram 37,4% dos óbitos em crianças < 5 anos em comparação com 41,6% em 2013.3 As três principais causas do número de 2,9 milhões de óbitos neonatais anuais em todo o mundo são complicações de parto prematuro (1,0 milhão), condições intraparto (0,7 milhão) e infecções (0,6 milhão). As condições intraparto e nascimento prematuro dominam no período neonatal precoce.4
Em 2013, o Grupo de Estimativa sobre Epidemiologia Materno-Infantil relatou que os eventos intraparto representam 24% dos óbitos neonatais no mundo.1 Dois terços desses óbitos ocorrem no sul da Ásia e na África.5 Países de alta renda têm baixa incidência de óbitos associados a asfixia, em aproximadamente 12%.6 Por outro lado, ocorrem cerca de 740.000-1.480.000 óbitos neonatais globais anuais entre neonatos com peso ao nascer ≥ 2.500 g e em países de baixa e média renda a maioria desses óbitos está associada a asfixia intraparto.7
O Brasil, o maior país da América do Sul, com uma população de aproximadamente 200 milhões e 3 milhões de nascimentos por ano, passou por um progresso econômico e social de 2003 a 2013, no qual mais de 26 milhões de pessoas saíram da pobreza e a desigualdade foi reduzida.8 O 4° Objetivo de Desenvolvimento do Milênio foi atingido pelo país com uma redução de 78% da taxa de mortalidade abaixo de 5 anos de 1990 (61,5 por 1.000 nascidos vivos) a 2013 (13,7 por 1.000 nascidos vivos).9 As estimativas e os intervalos de incerteza para óbitos neonatais precoces e tardios por 1.000 nascidos vivos no Brasil em 2013 foram 7,5 (6,6 a 8,4) e 2,6 (2,4 a 2,7), respectivamente.3 Os dados compilados pelas secretarias estaduais de Saúde e relatados para o Ministério da Saúde indicaram que hipóxia intrauterina e asfixia no parto representaram 7% das causas básicas de óbitos entre 0 e 6 dias após o nascimento, em 2014.10
Os nascidos a termo têm o menor risco de mortalidade neonatal e infantil. Em 11 países da Europa Ocidental, as taxas de mortalidade infantil dos nascidos ≥ 37 semanas de gestação ficaram abaixo de 2,0 por 1.000 nascidos vivos em 2010.11 A taxa de mortalidade neonatal para neonatos com peso ao nascer ≥ 2.500 g em 2010 foi de 0,73 por 1.000 nascidos vivos nos Estados Unidos12 e 2,63 no Brasil.10 A taxa das condições intraparto associadas a essa alta taxa de mortalidade neonatal em bebês com peso normal ao nascer no Brasil não é bem avaliada.
O estudo avalia a taxa anual e as características epidemiológicas principais dos óbitos precoces associados à asfixia perinatal em neonatos com peso ao nascer ≥ 2.500 g sem malformações congênitas no Brasil de 2005 a 2010, considerando a presença de hipóxia intrauterina, asfixia no parto ou síndrome de aspiração de mecônio em qualquer linha dos atestados de óbito.
Este é um estudo de base populacional de todos os nascidos vivos com peso ≥ 2.500 g sem malformações congênitas, que morreram por asfixia no parto até 168 horas após o nascimento, de 1° de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2010 no Brasil. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, que foi o principal centro para esse projeto.
Em cada uma das 27 unidades federativas do Brasil, dois investigadores fizeram uma pesquisa ativa sobre todos os neonatos que morreram na primeira semana após o nascimento. Ambos os investigadores foram os coordenadores locais do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria. Os atestados de óbito originais e/ou prontuários eletrônicos foram obtidos nas secretarias estaduais de Saúde dos 26 estados brasileiros e na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados do Estado de São Paulo.
Os óbitos associados à presença de asfixia perinatal incluídos no estudo foram relatados em qualquer linha do atestado de óbito como quaisquer dos seguintes casos, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID 10): P20.0 - hipóxia intrauterina diagnosticada antes do início do trabalho de parto; P20.1 - hipóxia intrauterina diagnosticada durante o trabalho de parto e o parto; P20.9 - hipóxia intrauterina não especificada; P21.0 - asfixia grave as nascer; P21.1 - asfixia leve ou moderada ao nascer; P21.9 - asfixia ao nascer, não especificada; ou P24.0 - aspiração neonatal de mecônio.13 Este estudo não incluiu óbitos causados por aspiração neonatal de secreções que não mecônio, óbitos descritos como depressão cerebral neonatal ou óbitos fetais. Foram excluídos todos os recém-nascidos com malformação congênita relatados em qualquer linha dos atestados de óbito.
Dois profissionais independentes informaram os dados de cada óbito no prontuário eletrônico especificamente criado para o estudo. As variáveis registradas extraídas dos atestados de óbito foram: data e horário de nascimento e óbito; cidade e estado onde as mães moram e onde o bebê morreu; local onde o neonato morreu (hospital, outra unidade de saúde, casa, rua); idade da mãe, escolaridade (nenhum, 1-3, 4-7, 8-11, ≥ 12) e local de trabalho de trabalho (casa, fora de casa); número de partos anteriores; semanas de gestação (< 22, 22-27, 28-31, 32-36, 37-41, ≥ 42); gestão única ou múltipla; cesariana ou parto vaginal; peso ao nascer (g); sexo e etnia do neonato (branco, preto, asiático, nativo brasileiro, mulato); código CID-10 nas linhas Ia, Ib, Ic, Id e II.
Para calcular o índice de mortalidade relacionado à asfixia perinatal e o índice de mortalidade relacionado a síndrome de aspiração de mecônio, foi obtido o número de nascidos vivos de 2005 a 2010 com peso ≥ 2.500 g sem malformações relatadas nas certidões de nascimento na base de dados do sistema público de saúde de acesso aberto mantida pelo Ministério da Saúde.10 Esses índices foram analisados anualmente com relação ao país como um todo e de cada uma das cinco regiões do Brasil.
As características maternas e neonatais foram comparadas durante os anos do estudo. Todas as comparações usaram uma análise estatística descritiva, o teste qui-quadrado e o software SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, versão 21.0, EUA) para determinar as tendências.
Este estudo encontrou 27.800 óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal entre 2005 e 2010 no Brasil. Dentre eles, 2.767 (10%) apresentaram diagnóstico de malformação congênita no atestado de óbito e 823 (3%) eram neonatos não viáveis com idade gestacional < 22 semanas ou peso ao nascer < 400 g. Dentre os 24.210 neonatos potencialmente viáveis sem malformações congênitas, 2.861 (12%) não tinham dados de peso ao nascer. Os pacientes com e sem dados de peso ao nascer foram semelhante com relação à idade materna, ocupação e paridade, gestão múltipla, idade gestacional e sexo neonatal. Dentre os 21.349 óbitos com informações de peso ao nascer o estudo encontrou 10.675 (50%) neonatos com peso ao nascer ≥ 2.500 g e sem malformações que morreram por asfixia perinatal relacionada a doenças.
O índice de óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal por 1.000 nascidos vivos de neonatos ≥ 2.500 g sem malformações congênitas reduziu de 0,81 em 2005 para 0,65 em 2010 no Brasil (p < 0,001). Essa redução foi significativa em todas as regiões do país (fig. 1A). O índice de óbitos neonatais precoces associados à síndrome de aspiração de mecônio por 1.000 nascidos vivos de neonatos ≥ 2.500 g sem malformações permaneceu entre 0,20 e 0,29 durante o período do estudo no Brasil, com redução de apenas na Região Sudeste: de 0,24 por 1.000 nascidos vivos em 2005 para 0,18 em 2010 (p = 0,005) (fig. 1B).
O número absoluto de óbitos neonatais precoces no Brasil, extraído da base de dados mantida pelo Ministério da Saúde,10 e o número de óbitos associados a asfixia e à síndrome de aspiração de mecônio constatado no estudo são mostrados na figura 2. Os óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal representaram 40% de todos os óbitos neonatais precoces de neonatos ≥ 2.500 g sem malformações durante o período do estudo no país. Os óbitos neonatais precoces associados à síndrome de aspiração de mecônio aumentaram de 14,4% de todos os óbitos neonatais precoces de neonatos ≥ 2.500 g sem malformações no Brasil em 2005 para 16,6% em 2010 (p < 0,001). Dentre os 4.076 óbitos com síndrome de aspiração de mecônio, 1.976 (48%) também foram diagnosticados com hipóxia intrauterina ou asfixia ao nascer em pelo menos uma das linhas do atestado de óbito.
As características dos 10.675 neonatos ≥ 2.500 g sem malformações que apresentaram óbito neonatal precoce associado a asfixia perinatal são mostradas na tabela 1. A contribuição das regiões Norte e Nordeste do Brasil para os óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal aumentou de 58% em 2005 para 60% em 2010 (p = 0,040).
Dados ausentesa | 2005 n = 2.051 | 2006 n = 1.822 |
2007 n = 1.811 |
2008 n = 1.790 |
2009 n = 1.659 |
2010 n = 1.542 |
X2 de tendência (p) |
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Mãe branca | 15% | 45% | 44% | 39% | 38% | 38% | 37% | < 0,001 |
Mãe < 20 anos de idade | 9% | 25% | 25% | 24% | 23% | 25% | 24% | 0,352 |
Mãe < 8 anos de escolaridade | 18% | 64% | 59% | 63% | 58% | 58% | 53% | < 0,001 |
Dona de casa | 33% | 69% | 57% | 62% | 57% | 56% | 62% | < 0,001 |
Primeira gestação | 26% | 50% | 54% | 49% | 52% | 51% | 52% | 0,413 |
Gestão múltipla | 2% | 1,1% | 1,2% | 0,7% | 0,8% | 0,6% | 0,8% | 0,115 |
Cesariana | 2% | 45% | 46% | 46% | 48% | 50% | 49% | 0,010 |
Idade gestacional 37-41 semanas | 4% | 82% | 85% | 84% | 84% | 85% | 84% | 0,251 |
Peso ao nascer ≥ 4.000 g | 0% | 8% | 7% | 8% | 7% | 8% | 9% | 0,522 |
Masculino | 0% | 58% | 57% | 56% | 56% | 57% | 56% | 0,300 |
Óbito em hospital | 6% | 97% | 98% | 97% | 97% | 97% | 98% | 0,933 |
Óbito na 1ª hora após o nascimento | 8% | 12% | 11% | 9% | 11% | 11% | 13% | 0,208 |
Óbito nas primeiras 24 horas após o nascimento | 0% | 72% | 70% | 73% | 72% | 71% | 71% | 0,568 |
Óbito em hospital público | 8% | 72% | 77% | 74% | 68% | 69% | 68% | < 0,001 |
Óbito em uma capital de estado | 0% | 26% | 28% | 23% | 27% | 24% | 25% | 0,066 |
Mãe que mora no interior, porém o óbito ocorreu na capital | 0% | 12% | 11% | 11% | 13% | 12% | 12% | 0,235 |
Óbito na cidade de residência materna | 0% | 62% | 59% | 59% | 57% | 58% | 56% | < 0,001 |
Síndrome de aspiração de mecônio | 0% | 34% | 36% | 38% | 41% | 40% | 41% | < 0,001 |
aDados ausentes: % dos 10.675 óbitos sem informações.
As características dos 4.076 neonatos ≥ 2.500 g sem malformações que apresentaram óbito neonatal precoce associado a síndrome de aspiração de mecônio de acordo com o ano do óbito são mostradas na tabela 2. A contribuição das regiões Norte e Nordeste do Brasil para esses óbitos aumentou de 48% em 2005 para 55% em 2010 (p = 0,010). Foram feitas cesarianas com mais frequência em neonatos que apresentaram óbito neonatal precoce associado à síndrome de aspiração de mecônio em comparação com os nascidos vivos brasileiros10 (51% em comparação com 48%; p < 0,001), principalmente na Região Norte (49% em comparação com 47%; p < 0,001), Nordeste (43% em comparação com 38%; p < 0,001) e Sudeste (59% em comparação com 55%; p < 0,001) do país. Cuidados hospitalares neonatais estiveram igualmente disponíveis para os neonatos que apresentaram óbito neonatal precoce associado à síndrome de aspiração de mecônio em comparação com todos os nascidos vivos brasileiros10 (98% em comparação com 98%; p = 0,22), porém a disponibilidade dos cuidados hospitalares neonatais foi maior para neonatos que morreram por síndrome de aspiração de mecônio em comparaçãocom os nascidos vivos nas regiões Norte (97% em comparação com 92%; p < 0,001) e Nordeste (98% em comparação com 96%; p = 0,008).
Dados ausentesa | 2005 n = 698 |
2006 n = 650 |
2007 n = 689 |
2008 n = 741 |
2009 n = 661 |
2010 n = 637 |
X2 de tendência (p) |
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Mãe branca | 13% | 46% | 46% | 43% | 39% | 42% | 39% | 0,002 |
Mãe < 20 anos de idade | 9% | 23% | 23% | 23% | 22% | 24% | 22% | 0,867 |
Mãe < 8 anos de escolaridade | 19% | 62% | 59% | 61% | 58% | 58% | 52% | 0,001 |
Dona de casa | 34% | 76% | 62% | 68% | 60% | 58% | 63% | < 0,001 |
Primeira gestação | 26% | 51% | 57% | 49% | 56% | 55% | 53% | 0,465 |
Gestação múltipla | 2% | 0,7% | 0,9% | 0,0% | 0,5% | 0,8% | 0,5% | 0,634 |
Cesariana | 2% | 52% | 49% | 50% | 51% | 53% | 51% | 0,555 |
Idade gestacional 37-41 semanas | 4% | 84% | 87% | 87% | 87% | 87% | 87% | 0,206 |
Idade gestacional ≥ 42 semanas | 4% | 11% | 8% | 7% | 7% | 7% | 7% | 0,033 |
Peso ao nascer ≥ 4000 g | 0% | 8% | 7% | 7% | 5% | 8% | 9% | 0,443 |
Masculino | 0% | 52% | 51% | 52% | 51% | 50% | 51% | 0,474 |
Óbito em hospital | 6% | 98% | 98% | 99% | 97% | 97% | 99% | 0,493 |
Óbito na 1ª hora após o nascimento | 7% | 7% | 9% | 6% | 8% | 8% | 9% | 0,506 |
Óbito nas primeiras 24 horas após o nascimento | 0% | 73% | 71% | 74% | 71% | 72% | 70% | 0,404 |
Óbito em hospital público | 8% | 75% | 79% | 77% | 71% | 72% | 70% | < 0,001 |
Óbito em uma capital de estado | 0% | 31% | 35% | 28% | 32% | 28% | 28% | 0,075 |
Mãe que mora no interior, porém o óbito ocorreu na capital | 0% | 18% | 15% | 16% | 19% | 16% | 16% | 0,786 |
Óbito na cidade de residência materna | 0% | 62% | 62% | 61% | 59% | 58% | 56% | 0,003 |
aDados ausentes: % dos 4.076 óbitos sem informações.
Este estudo constatou que 10.675 neonatos com peso ≥ 2.500 g sem malformações morreram em 0 a 6 dias após o nascimento, devido a asfixia perinatal; a taxa desses óbitos por dia reduziu de 5,6 em 2005 para 4,2 em 2010. Apesar da redução nos índices de mortalidade em todas as regiões do país, as regiões Norte e Nordeste do Brasil mostraram a maior taxa de óbitos. A maioria desses óbitos ocorreu no primeiro dia de vida. A asfixia perinatal contribuiu para 40% de todos os óbitos neonatais brasileiros de neonatos com baixo risco no período do estudo. Notavelmente, 40% desses óbitos associados a asfixia nesse grupo de neonatos ocorreram em um hospital localizado em município diferente em comparação com a residência materna. Dentre os 10.675 óbitos precoces de neonatos com peso ≥ 2.500 g sem malformações e com asfixia, 4.076 (38%) foram diagnosticados com síndrome de aspiração de mecônio em uma das linhas nos atestados de óbito, com aumento de 19% na síndrome de aspiração de mecônio atribuível a óbitos neonatais precoces em 2010, em comparação com 2005. Este estudo corrobora as informações disponíveis, de um lado, sobre o fato de que a asfixia perinatal representa duas vezes (1,86-2,06 vezes) o número de óbitos precoces de neonatos com peso normal ao nascer no país em comparação com o número relatado pelo Ministério da Saúde.10 Por outro lado, esse é o primeiro relato da taxa de síndrome de aspiração de mecônio com relação a óbitos neonatais precoces, pois as estatísticas de saúde oficial não isolam essa doença de outras síndromes de aspiração neonatal como uma causa do óbito. Deve-se destacar que 2.100 neonatos que morreram por síndrome de aspiração de mecônio, cujos dados foram coletados por este estudo, não tinham código CID-10 relacionado a hipóxia intrauterina ou asfixia ao nascer.
Houve uma redução nos óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal de 0,81 a 0,61 por 1.000 nascidos vivos com peso ≥ 2.500 g sem malformações durante todo o período do estudo. Essa redução resultou de vários fatores. As principais forças que provavelmente levaram à redução no índice incluem as mudanças socioeconômicas e demográficas, com crescimento econômico, redução nas disparidades de renda, urbanização, melhoria na escolaridade materna e redução nas taxas de fertilidade.14,15 Durante 2003 e 2008, houve uma redução das desigualdades nas taxas de mortalidade de neonatos e crianças no nível individual, de acordo com a escolaridade materna e a renda familiar per capita no Brasil.16 Os dados de todos os nascidos vivos brasileiros mostram que, durante o período do estudo (2005-2010), a proporção de mães adolescentes reduziu de 21,8% para 19,3%, a frequência de mães com menos de 8 anos de escolaridade também reduziu de 48,5% para 34,1% e os partos hospitalares aumentaram de 97,1% para 98,1%.10 Em nosso estudo, apesar do fato de abranger apenas óbitos neonatais precoces, a frequência de mães com < 8 anos de escolaridade reduziu de 64% para 53% de 2005 a 2010 e a frequência de mães que trabalham fora de casa aumentou de 31% para 38% no mesmo período. Deve-se destacar que o Brasil apresenta diferenças regionais muito grandes, principalmente em indicadores sociais, como saúde, mortalidade infantil e nutrição. As regiões mais ricas, como Sul e Sudeste, têm indicadores melhores do que as regiões Norte e Nordeste.8 Essa situação é mostrada na figura 1A, que indica que os óbitos neonatais precoces relacionados a asfixia perinatal em neonatos com peso ≥ 2.500 g sem malformações foram duas vezes maiores nas regiões Norte e Nordeste, em comparação com as regiões Sul e Sudeste do Brasil.
O progresso na sobrevida neonatal deve incluir planejamento pessoal para aumentar os números e melhorar as habilidades específicas voltadas para o cuidado no nascimento.17 Na China, as mudanças políticas permitiram que as parteiras iniciassem reanimação e tivessem treinamento em reanimação para obter a licença. De 2003 a 2008, mais de 110.659 profissionais receberam treinamento em reanimação em 322 hospitais representantes. Os óbitos relacionados a asfixia perinatal na sala de parto reduziram de 0,75 para 0,34 por 1.000 nesse período.18 A redução nos óbitos neonatais precoces relacionados a asfixia perinatal de neonatos brasileiros com peso ≥ 2.500 g sem malformações, de 2005 a 2010, pode ter ocorrido devido à contribuição do amplo programa de treinamento destinado a melhorar as habilidades dos prestadores de serviços médicos, o Programa de Reanimação Neonatal.19 Esse programa treinou mais de 75.000 prestadores de serviços médicos que trabalham nas salas de parto, com uma rede de mais de 800 instrutores em todos os estados brasileiros desde 1994, de acordo com as orientações com base na melhor comprovação global disponível e atualizada a cada cinco anos.20-22
Uma revisão dos estudos mostrou que há a ocorrência de líquido amniótico corado por mecônio em 13% das gravidezes e que a síndrome de aspiração ocorre em 4% dos nascidos com líquido corado por mecônio, com uma taxa de mortalidade de 10 por 100.000 nascidos vivos.23 Os índices de mortalidade atribuídos à síndrome de aspiração de mecônio variaram de 1 a 5 por 100.000 nascidos vivos em países desenvolvidos na última década.24,25 No Brasil, de 2005 a 2010, o índice de mortalidade neonatal precoce associado à síndrome de aspiração de mecônio em neonatos com peso ≥ 2.500 g sem malformações foi 23,3 por 100.000 nascidos vivos, 4 a 23 vezes maiores do que os relatados anteriormente. Apesar da redução nos óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal no presente estudo, os óbitos associados à síndrome de aspiração de mecônio não apenas reduziram, mas sua contribuição para os óbitos neonatais precoces associados a asfixia perinatal aumentou de 34% em 2005 para 41% em 2010. Vale destacar que esse achado ocorreu apesar do aumento surpreendente nas taxas de cesariana no Brasil de 43,3% em 2005 para 52,3% em 2010.10 Deve-se especular se os partos cirúrgicos e o cuidado hospitalar neonatal não estiveram disponíveis para os neonatos que morreram por síndrome de aspiração de mecônio, porém, com base em nossos resultados, esse não é o caso. Nas regiões Norte e Nordeste, que têm a maior taxa de síndrome de aspiração de mecônio na mortalidade neonatal precoce (fig. 1B), a disponibilidade de cesariana e o cuidado hospitalar neonatal foram ainda maiores para os neonatos estudados em comparação com todos os nascidos vivos das mesmas regiões. Um dos motivos para essa alta taxa de mortalidade neonatal precoce específica deve-se provavelmente a problemas na organização do sistema brasileiro de cuidados perinatais, que força mulheres prestes a dar à luz a visitar mais de um hospital antes de serem internadas em uma maternidade, ocasionalmente em um município distante de suas residências.26 Além disso, como os hospitais secundários de referência, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, não têm unidades de terapia intensiva neonatal, as grávidas normalmente são transferidas quando há comprovação de sofrimento fetal, o que leva a atrasos na chegada à unidade de saúde de referência e, consequentemente, atrasos no recebimento oportuno de cuidado adequado.27 De acordo com nossos dados, entre os neonatos que morreram de síndrome de aspiração de mecônio, 38% de suas mães moravam em uma cidade diferente da unidade onde o neonato morreu em 2005 e essa incidência aumentou para 44% em 2010.
O uso de atestados de óbito para obter dados é a principal limitação do estudo. Usar essa fonte de informações traz preocupações relacionadas à falta de relatos de óbitos e suas causas, pois os dados são fornecidos por médicos sem uma avaliação objetiva de como a asfixia perinatal de fato contribuiu para o óbito. Apesar dessas preocupações, a abrangência do Sistema de Informação sobre Mortalidade é adequada, com um aumento nos relatos de mortalidade infantil de 70% em 2005-2007 para 85% em 2008-2010.28 Além disso, como os dados foram coletados de uma fonte secundária, não é possível avaliar quantos natimortos foram de fatos neonatos que nasceram vivos, mas morreram nos primeiros minutos após o nascimento. Essas limitações dão a entender que a taxa de asfixia perinatal em óbitos neonatais precoces de neonatos com peso ≥ 2.500 g sem malformações ainda é mais alta do que a documentada neste estudo. Por fim, a falta de cruzamento entre as certidões de nascimento e os atestados de óbito em nível nacional afeta a obtenção de dados precisos sobre algumas características maternas e neonatais. É importante enfatizar que a coleta de dados para o estudo foi feita por pediatras coordenadores estaduais do Programa de Reanimação Neonatal, o que aumenta sua conscientização dos dados sobre o local, os ajuda a construir pontes com a coordenação de saúde dos estados e capacita-os para discutir soluções locais para as altas taxas de óbitos neonatais associados a asfixia perinatal. Deve-se enfatizar também que os dados referem-se a óbitos entre 2005-2010 e não consideraram importantes esforços feitos pelo governo federal para melhorar a saúde materna e neonatal daí por diante. Em 2011, o Ministério da Saúde estabeleceu a Rede Cegonha, para aumentar o acesso e melhorar a qualidade do acompanhamento pré-natal e assistência durante o parto, cuidado após o parto e cuidado infantil.29 O impacto dessas ações pode ter reduzido a mortalidade neonatal associada a asfixia perinatal nos anos a seguir.
Parto seguro e início de vida saudável são o coração do capital humano e do progresso econômico.4,30 Este estudo demonstrou que as taxas de mortalidade neonatal precoce associadas a asfixia perinatal de neonatos no melhor espectro de peso ao nascer e sem malformações congênitas ainda são altas e a síndrome de aspiração de mecônio desempenha um importante papel. Os resultados deste estudo podem ajudar a melhorar o planejamento de saúde nacional, identificar e superar os gargalos no cuidado materno e neonatal para melhorar a sobrevida dos recém-nascidos.