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Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco: uma nova perspectiva para o monitoramento da interferência da indústria nas políticas de controle do tabaco no Brasil e no mundo

Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco: uma nova perspectiva para o monitoramento da interferência da indústria nas políticas de controle do tabaco no Brasil e no mundo

Autores:

Silvana Rubano Barretto Turci,
Alex Medeiros Kornalewski,
Daniel da Costa e Silva Carvalho,
Tania Maria Cavalcante,
Stella Aguinaga Bialous,
Paula Johns,
Vera Luiza da Costa e Silva

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.33 supl.3 Rio de Janeiro 2017 Epub 21-Set-2017

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00148515

No sentido de conter o avanço da epidemia do tabaco, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem trabalhando para que os seus Estados-membros se tornem partes legalmente vinculantes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT-OMS), que é o primeiro tratado internacional sobre saúde negociado sob os auspícios da OMS 1, em vigor desde 2005. Atualmente, 179 países e a União Europeia são Estados-membros desse tratado 2. A fim avaliar e definir as diretrizes da CQCT-OMS, a cada dois anos, os Estados-membros reúnem-se na Conferência das Partes (COP) e fazem recomendações sobre as melhores práticas para a implementação do tratado.

O Brasil ratificou o tratado em 2006 (Decreto nº 5.658/2006) 3, e, ao fazê-lo, o controle do tabaco tornou-se uma política do Estado. O país foi pioneiro na condução de várias políticas, tais como: promoção de ambientes livres de fumaça de tabaco, oferta de tratamento para cessação de fumar na rede pública de saúde - Sistema Único de Saúde (SUS), restrição da propaganda, regulação dos componentes dos produtos derivados do tabaco, realização de pesquisas sobre prevalência de uso de tabaco e, mais recentemente, lançou uma política de aumento de impostos e preços de produtos derivados do tabaco. Para implementar as recomendações previstas nos 38 artigos da CQCT-OMS, em 2003, foi criada, a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ), sob presidência do Ministro da Saúde, composta, inicialmente, por representantes de 11 Ministérios e, atualmente, formada por representantes de 18 órgãos federais 4.

De acordo com o relatório sobre o progresso da CQCT-OMS elaborado pela OMS 5, um dos maiores entraves à condução de políticas previstas no tratado tem sido a interferência da indústria do tabaco nas políticas públicas. Entre seus 38 artigos, o Artigo 5.3 é o que dispõe sobre a necessidade de proteger as políticas púbicas dos interesses comerciais da indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional 1. As diretrizes para implementação do Artigo 5.3 destacam a importância do monitoramento das atividades da indústria fumageira, atividade essa também destacada como primordial no controle de tabagismo pela Assembleia Geral de Saúde em sua decisão 54.18, na qual os Estados-membros devem estar alertas às tentativas de interferência da indústria do tabaco (http://www.who.int/tobacco/resources/publications/Tobacco%20Industry%20Interference-FINAL.pdf).

Embora a necessidade de enfrentamento das táticas da indústria fumageira para criar obstáculos ao controle do tabaco esteja prevista no tratado desde sua concepção, a definição de estratégias para que os governos se defendam da indústria vem se conformando gradualmente. Nesse sentido, organizações não governamentais e governos vêm monitorando e denunciando as táticas da indústria de modo constante, porém, não sistemático 6. No que se refere ao Artigo 5.3, durante as COP, em especial a COP6 em 2014, houve a recomendação para que fossem intensificadas as ações colaborativas entre os Estados-membros, a fim de conter os esforços da indústria transnacional do tabaco. O Secretariado da CQCT-OMS, com respaldo dos países membros, identifica a necessidade da criação de centros de monitorização da indústria do tabaco ou observatórios para analisarem e divulgarem as táticas atuais e futuras usadas pela indústria do tabaco e, assim, informar os governos e formuladores de políticas com o intuito de impedir tais interferências 7,8,9,10,11.

Uma iniciativa para essa sistematização foi da Universidade de Bath (Reino Unido), que criou, em 2012, o website Tobacco Tactics (http://www.tobaccotactics.org) para demonstrar como a indústria do tabaco atua a fim de comprometer as ações de controle do tabaco no Reino Unido e na União Europeia, incluindo também algumas atividades globais.

A partir do contato com pesquisadores da Universidade de Bath, e com parceiros da CONICQ, da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da União Internacional para o Controle da Tuberculose e Doenças Respiratórias (UNION), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou, em março de 2016, o Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco como parte de um projeto global promovido pelo Secretariado da CQCT-OMS e destinado a estabelecer uma plataforma internacional que sirva de sentinela das atividades da indústria fumageira. Esse é o primeiro Observatório estabelecido em uma instituição pública de pesquisa e tem como objetivo monitorar, analisar e divulgar as atividades da indústria do tabaco e seus impactos no Brasil. Também é sua missão subsidiar estrategicamente a Política Nacional de Controle do Tabaco no país 8. Essa plataforma on-line foi idealizada a partir do modelo de software livre e gratuito wiki, o mesmo utilizado no website (http://www.tobaccotactics.org).

O Secretariado da CQCT-OMS iniciou um processo para ampliar a criação de centros de monitoramento da indústria do tabaco nos países que compõem os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esses países abrigam mais de 40% da população mundial, e, apesar dos esforços empreendidos para a implementação da CQCT-OMS, são países onde a indústria do tabaco está presente e não tem medido esforços para comprometer as medidas de controle do tabaco 7. A expectativa é que os centros considerem as singularidades de cada país e, ao mesmo tempo, gerem resultados e dados baseados em evidências.

Os observatórios consistem simultaneamente em um repositório de documentos e apresentam um processo dinâmico de comunicação e divulgação das estratégias usadas pela indústria do tabaco. Baseado nas categorias estabelecidas pela OMS 9,11, o Observatório da Fiocruz é organizado de acordo com as táticas utilizadas pela indústria do tabaco para se contrapor às políticas de controle do tabaco, ou seja, são agrupadas didaticamente em seis categorias: (1) realização de manobras por parte das empresas fumageiras para se apropriar de processos políticos e legislativos; (2) superestimação da importância da indústria do tabaco para o desenvolvimento econômico do país; (3) manipulação da opinião pública para obtenção de respeitabilidade pela indústria; (4) criação de grupos de fachada para defender os interesses da indústria; (5) depreciação de pesquisas científicas com o objetivo de enfraquecer a legislação de controle do tabaco e (6) intimidação dos governos por meio de litígios ou de ameaças de litígios. Também apresenta uma seção com nomes de organizações e de pessoas ligadas, direta ou indiretamente, à indústria do tabaco, como empresas de fachada usadas para defender os seus interesses, agências de propaganda, empresas de relações públicas, sindicatos e associações pró-tabaco e pessoas como ativistas, lobistas, políticos e blogueiros pró-indústria do tabaco (Figura 1).

Figura 1 As táticas usadas pela indústria do tabaco frente aos desafios do Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco do Centro de Estudos do Tabaco e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. 

As informações que compõem o Observatório são provenientes de fontes públicas, disponíveis em livros, artigos científicos, arquivos audiovisuais (fotos, filmes, documentários, peças publicitárias), documentos jurídicos, tese, dissertações e outros documentos disponíveis em websites como os das empresas de produtos derivados de tabaco e de grupos que defendem seus interesses. Documentos internos da indústria do tabaco, disponibilizados ao público como fruto de acordos judiciais entre governos e indústrias também estão sendo utilizados (https://industrydocuments.library.ucsf.edu/tobacco/).

O Observatório reunirá, de maneira didática, diversos documentos que demonstram como a indústria do tabaco tem tentado interferir para que não sejam adotas medidas para a implementação da Convenção-Quadro e atuará de forma complementar ao Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) (Figura 2).

Figura 2 A indústria do tabaco usa estratégias semelhantes nos diversos países. 

Em médio prazo, essa plataforma favorecerá a criação de uma linha de investigação específica para estudantes, jornalistas investigativos e outros atores sociais interessados no desenvolvimento de pesquisas sobre as táticas utilizadas pela indústria do tabaco, para compreender melhor quais e como essas estratégias minam as políticas públicas, e como fazer para contestá-las.

Em longo prazo, consolidará um modelo que poderá ser útil para monitorar as ações de outras indústrias como a de alimentos ultraprocessados, de bebidas açucaradas e alcoólicas, considerando que há inegável semelhança entre as práticas dessas indústrias, o que muito favorecerá para reduzir fatores de risco de doenças crônicas não transmissíveis 10. Além de ser um modelo a ser adotado pelos países dos BRICS, o Observatório da Fiocruz poderá servir de exemplo para todos os países onde essa indústria atua, considerando que o modus operandi é o mesmo que o praticado no Brasil.

Dra. Margaret Chan, diretora-geral da OMS, em seu discurso de abertura da 15ª Conferência Mundial sobre Tabaco e Saúde, em 2012, declarou que “o inimigo, a indústria do tabaco, mudou sua face e suas táticas. O lobo não está mais em pele de ovelha, e seus dentes estão à mostra” (Discurso da Dra. Margareth Chan na abertura da 15ª Conferência Mundial sobre Tabaco e Saúde em Cingapura, 2012. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/703_Discurso_Margaret_chan.pdf, acessado em 26/Mar/2013), nos chamando a uma reflexão sobre como os países, desde que informados pelo monitoramento sistemático da indústria do tabaco, podem se articular a fim de conter a influência dessa indústria.

REFERÊNCIAS

1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Texto oficial. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; 2011.
2. World Health Organization. Framework Convention on Tobacco Control. 2016. Parties to the WHO FCTC. (acessado em 13/Abr/2016).
3. Presidência da República. Decreto nº 5,658 de 2 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 21 de maio de 2003 e assinada pelo Brasil em 16 de junho de 2003. Diário Oficial da União 2006; 3 jan.
4. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CONICQ). Política Nacional de Controle do Tabaco: relatório de gestão e progresso 2011-2012. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; 2014.
5. World Health Organization. Global Progress Report, 2014. (acessado em 13/Apr/2016).
6. Cavalcante T, Carvalho AM, Rangel EC. El argumento de responsabilidad social de la industria tabacalera en Brasil. Salud Pública Méx 2006; 48 Suppl 1:s173-82.
7. World Health Organization. Establisment of tobacco industry monitoring centers, 2016. (acessado em 20/Abr/2015).
8. Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde, Escola Nacional De Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Observatório das estratégias da indústria do tabaco, 2015. (acessado em 10/Mai/2015).
9. World Health Organization. Framework Convention on Tobacco Control FCTC/WHO. Guidelines Tobacco Industries Interference 2012. (acessado em 10/Mai/2015).
10. Costa e Silva VL, Pantani D, Andreis M, Sparks R, Pinsky I. Bridging the gap between science and public health: taking advantage of tobacco control experience in Brazil to inform policies to counter risk factors for non-communicable diseases. Addiction 2013; 108:1360-6.
11. World Health Organization. Framework Convention on Tobacco Control FCTC/WHO. Tobacco Industries Interference with Tobacco Control, 2008. (acessado em 10/Mai/2015).