Compartilhar

Occupational environment and psychoactive substance consumption among nurses

Occupational environment and psychoactive substance consumption among nurses

Autores:

Alessandro Rolim Scholze,
Júlia Trevisan Martins,
Maria José Quina Galdino,
Renata Perfeito Ribeiro

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.30 no.4 São Paulo July/Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700060

Introdução

O consumo das substâncias psicoativas tem aumentado significativamente em todo mundo, principalmente entre os países em desenvolvimento, e tem se tornado um grande problema de saúde pública. Estima-se que um em cada dez usuários de substâncias psicoativas desenvolva algum problema relacionado ao consumo, seja transtorno mental ou dependência química.(1)

Entre os fatores que influenciam as pessoas ao consumo dessas substâncias têm-se as situações de tensão e estresse vivenciadas no ambiente laboral. Assim, elas são utilizadas como estratégia de defesa ou proteção, para facilitar a condução do cotidiano e diminuir o desgaste laboral.(2)

A enfermagem é uma das profissões que está inserida em um ambiente ocupacional que a expõe diariamente a situações desgastantes: convívio com a morte, dor, conflitos, sobrecargas, falta de recursos humanos e materiais, estruturas físicas inadequadas, dentre outras;(3) condições essas que podem propelir o profissional ao consumo de substâncias psicoativas.

O consumo de tais substâncias torna o profissional vulnerável a agravos de saúde física, psicológica e social, deixando-o suscetível a riscos indiretos, entre os quais os acidentes de trânsito e a violência.(4) Além disso, o uso de substâncias psicoativas interfere no ambiente laboral por diminuir a atividade cerebral, fazendo com que ocorra baixo rendimento do profissional, lentidão e falta de raciocínio, o que o predispõe à ocorrência de eventos adversos e acidente de trabalho.(5,6)

Poucos estudos(2,6,7) têm investigado o uso de substâncias psicoativas entre profissionais de saúde, sobretudo por enfermeiros, tampouco relacionaram o consumo ao ambiente laboral. Dada a importância deste tema, torna-se relevante elucidar os aspectos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, o que permite o desenvolvimento de estratégias de prevenção e posvenção pelos gestores hospitalares e os próprios trabalhadores.

Neste estudo objetivou-se analisar a relação entre o ambiente de trabalho e o consumo de substâncias psicoativas entre enfermeiros.

Métodos

Estudo transversal e descritivo, realizado com enfermeiros de três instituições hospitalares públicas localizados em um município da Região Sul do Brasil, sendo duas de média complexidade e uma de alta complexidade.

A população deste estudo foi composta por 221 enfermeiros. Com base nesse número, calculou-se o tamanho amostral por estratos, considerando-se a proporção de 50%, nível de confiança de 95% e erro máximo de 5%, o que resultou no número mínimo de 175 participantes. Mediante a estratificação proporcional por instituição definiu-se o mínimo de 103 enfermeiros da alta complexidade e 36 de cada instituição de média complexidade.

Adotou-se como critérios de inclusão: trabalhar na instituição há pelo menos um ano e não estar afastado por licença.

A coleta de dados foi realizada entre outubro de 2015 e abril de 2016. O convite aos enfermeiros foi realizado após o esclarecimento sobre a pesquisa pelo pesquisador. Em seguida, os profissionais se dirigiam a uma sala reservada no local de trabalho para responder as questões, onde recebiam um envelope lacrado contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o instrumento da pesquisa. Ao término do preenchimento, os enfermeiros depositavam o envelope em uma caixa lacrada, a fim de preservar sua confidencialidade. Todos os enfermeiros que atendiam aos critérios de elegibilidade (n=215) foram convidados a participar do estudo, dos quais, 86,0% (n=185) concordaram e 14,0% (n=30) recusaram.

O instrumento de coleta de dados foi composto de três questionários autoaplicáveis, previamente testados em estudo piloto com 20 enfermeiros de uma instituição hospitalar com características semelhantes às das instituições em pesquisa. O primeiro questionário continha dados de caracterização sociodemográfica e ocupacional (idade, sexo, estado civil, prática de atividade física, nível de formação e renda mensal; tipo/número de vínculos profissionais, jornada de trabalho semanal, período e setor de trabalho).

O segundo questionário foi o Nursing Work Index - Revised (NWI-R), traduzido e validado para o Brasil em 2011, utilizado para avaliar o ambiente de trabalho do enfermeiro.(8) Apresenta 57 itens, no entanto, apenas 15 compõem as quatro subescalas: autonomia, controle sobre o ambiente da prática profissional, relação profissional entre enfermeiro e médico e suporte organizacional. As respostas do NWI-R são fornecidas em escalas do tipo Likert, com uma pontuação que varia de um (concordo totalmente) a quatro (discordo totalmente), assim, quanto maior a pontuação assinalada pelo participante mais favorável será o ambiente de trabalho.

E, por fim, o Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), validado no Brasil em 2004.(9) A escala é composta de oito questões sobre o uso de nove substâncias psicoativas: tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiáceos. O questionário inclui questões sobre a frequência de uso na vida; consumo nos últimos três meses; forte desejo/urgência em consumir nos últimos três meses; deixar de fazer alguma atividade nos últimos três meses devido ao consumo da substância; problemas relacionados ao uso, tais como: saúde, financeiro, social, preocupação a respeito do consumo por parte de pessoas próximas ao usuário; e tentativas de controlar/diminuir/cessar o uso. As respostas são fornecidas em escala tipo Likert, com escores individuais.

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0. Inicialmente, verificou-se a normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Foram realizadas análises descritivas, por frequências absoluta e relativa para as variáveis categóricas; e medianas e medidas de dispersão para as numéricas. Para analisar a relação entre o escore do consumo de cada substância psicoativa com as variáveis sociodemográficas, ocupacionais e relacionadas ao ambiente ocupacional utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Adotou-se nível de significância de p<0,05.

O estudo foi registrado na Plataforma Brasil, sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 49062415.5.0000.5231.

Resultados

Dos 185 participantes do estudo, a mediana de idade foi de 41 anos, variando de 24 a 63 anos. A maioria pertencia ao sexo feminino (82,2%; n=152), com relacionamento conjugal estável (61,1%; n=113), que praticava atividade física (54,6%; n=101) e possuía pós-graduação lato sensu (67,6%; n=125). O salário mensal mediano foi de R$4.200,00 (US$1.346,52), com variação entre R$2.300,00 (US$737,38) e R$17.600,00 (US$5.642,56).

Quanto às características ocupacionais, 56,2% (n=104) dos participantes eram da instituição de alta complexidade e 43,8% (n=81) de média complexidade. Predominou enfermeiros estatutários (70,3%; n=130), com apenas um vínculo empregatício (74,1%; n=137), jornada de trabalho até 40 horas semanais (56,2%; n=104), no período diurno (76,2%; n=141) e que trabalhavam na prática assistencial (73,5%; n=136).

Embora as medianas de percepção dos enfermeiros sobre o ambiente ocupacional dos hospitais de média e alta complexidade fossem semelhantes, todas as medianas obtidas na instituição de alta complexidade foram levemente superiores (Tabela 1).

Tabela 1 Medidas descritivas das subescalas do Nursing Work Index - Revised 

Subescalas Média complexidade Alta complexidade
Mediana(IIQ)* Mínimo/Máximo Mediana(IIQ)* Mínimo/Máximo
Autonomia 11,0(8,0-12,0) 5,0-17,0 9,0(8,0-11,0) 5,0-19,0
Controle sobre ambiente 19,0(16,0-23,0) 7,0-27,0 16,0(13,0-19,0) 7,0-27,0
Relação médico-enfermeiro 7,0(6,0-8,0) 4,0-11,0 6,0(5,0-7,0) 3,0-12,0
Suporte organizacional 26,0(21,0-29,0) 12,0-35,0 22,0(18,0-25,0) 10,0-37,0

*Intervalo interquartílico (P25-P75)

Sobre o uso de substâncias psicoativas, constatouse que as maiores frequências de consumo foram de álcool, tabaco e sedativos (Tabela 2). Entre as substâncias que os profissionais indicaram necessidade de reduzir o uso, o tabaco foi a mais prevalente.

Tabela 2 Medidas descritivas do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test 

Variáveis* Uso na vida Uso nos últimos três meses Desejo ou urgência em consumir Problemas associados Negligência de atividade Preocupação de outros Tentativa de reduzir
n(%) n(%) n(%) n(%) n(%) n(%) n(%)
Média complexidade
Tabaco 36(44,4) 11(13,6) 11(13,6) 3(3,7) - 5(6,2) 12(14,8)
Álcool 63(77,8) 48(59,3) 24(29,6) 2(2,5) 1(1,2) 4(5,0) 7(8,6)
Sedativos 15(18,5) 3(3,7) 2(2,5) - - 1(1,2) 3(3,7)
Maconha 12(14,8) 1(1,2) - - - - 1(1,2)
Opioides 5(6,2) 2(2,5) - - - - -(-)
Anfetaminas 5(6,2) 3(3,7) - - - - 2(2,5)
Inalantes 6(7,4) 1(1,2) - - - - 1(1,2)
Cocaína 3(3,7) 1(1,2) - - - - 3(3,7)
Outros 4(4,9) 1(1,2) 1(1,2) -(-) -(-) -(-) 1(1,2)
Alta complexidade
Tabaco 33(31,7) 12(11,5) 11(10,6) 2(1,9) 1(1,0) 5(4,8) 8(7,7)
Álcool 73(70,2) 65(62,5) 31(29,8) 2(1,9) 2(1,9) 5(4,8) 3(2,9)
Sedativos 13(12,5) 4(3,8) 3(2,9) 2(1,9) 2(1,9) 3(2,9) 1(1,0)
Maconha 6(5,8) 3(2,9) -(-) -(-) -(-) 1(1,0) -(-)
Opioides 3(2,9) 1(1,0) -(-) -(-) -(-) -(-) -(-)
Anfetaminas 2(1,9) 2(1,9) -(-) -(-) -(-) -(-) -(-)
Inalantes 1(1,0) -(-) -(-) -(-) -(-) -(-) 1(1,0)
Cocaína 1(1,0) -(-) -(-) -(-) -(-) 1(1,0) -(-)
Outros 4(3,8) -(-) -(-) -(-) -(-) -(-) -(-)

*Alguns participantes referiram o uso de duas ou mais substâncias. Não houve indicação de consumo dos alucinógenos

Na tabela 3, identificou-se que entre os enfermeiros das instituições de média complexidade, houve correlação negativa para o uso de álcool e a renda mensal. Entre aqueles que atuavam nos hospitais de alta complexidade, o consumo de álcool relacionou-se negativamente à relação médico-enfermeiro. O tabagismo apresentou relação positiva com os participantes de idade mais avançada. A autonomia, relação médico-enfermeiro e suporte organizacional estiveram correlacionados negativamente ao uso de sedativos.

Tabela 3 Correlações das características sociodemográficas e ocupacionais, subescalas do Nursing Work Index - Revised com as substâncias psicoativas mais utilizadas pelos enfermeiros 

Variáveis Álcool Tabaco Sedativo
ro* p-value ro* p-value ro* p-value
Média complexidade
Idade -0,13 0,31 -0,07 0,56 0,07 0,59
Atividade física 0,25 0,05 0,09 0,45 -0,15 0,24
Renda mensal -0,31 0,01 0,05 0,68 0,01 0,89
Autonomia -0,23 0,07 0,04 0,71 0,08 0,50
Controle sobre o ambiente -0,12 0,33 0,07 0,57 0,11 0,37
Relação médico-enfermeiro -0,09 0,46 0,11 0,39 0,18 0,15
Suporte organizacional -0,17 0,89 0,12 0,33 0,08 0,52
Alta complexidade
Idade -0,09 0,48 0,29 0,02 -0,16 0,20
Atividade física 0,04 0,74 0,08 0,52 0,07 0,56
Renda mensal 0,05 0,66 0,19 0,14 0,07 0,56
Autonomia -0,13 0,29 -0,07 0,58 -0,39 0,00
Relação médico-enfermeiro -0,27 0,03 -0,14 0,28 -0,41 0,00
Controle sobre o ambiente 0,03 0,77 -0,02 0,86 -0,13 0,31
Suporte organizacional -0,09 0,47 -0,09 0,47 -0,28 0,02

*coeficiente de correlação de Spearman

Discussão

As limitações deste estudo foram o delineamento transversal, que restringe a identificação de relações causais entre as variáveis estudadas, limitando o espectro da análise e a generalização dos resultados. Deve-se ainda ponderar que se trata de uma avaliação autorreferida, portanto, podem ter ocorrido respostas que correspondam aos padrões considerados aceitáveis pela sociedade.

As características sociodemográficas foram semelhantes às de outras pesquisas realizadas com enfermeiros,(2,10) pois, neste estudo, houve predomínio do sexo feminino, o que tem relação com a característica sócio-histórica da profissão e a representatividade da mulher no mercado de trabalho.

A maioria dos enfermeiros relatou possuir apenas um vínculo empregatício, o que é considerado fator positivo, pois exercer longas jornadas laborais constitui-se risco para acidentes de trabalho, comorbidades físicas e mentais, qualidade de vida insatisfatória e hábitos de vida pouco saudáveis, entre os quais o consumo de álcool, tabaco, sedentarismo e um padrão de sono inadequado.(11)

Quanto à percepção do enfermeiro sobre o ambiente ocupacional, as medianas foram baixas, o que indica um ambiente desfavorável, sobretudo ao se analisar a autonomia. Quando o enfermeiro atua em um ambiente motivador, em que desenvolve suas competências e habilidades com autonomia, exercerá suas atividades com maior prazer e satisfação e, por sua vez, contribuirá para promover melhor assistência aos pacientes e familiares, e melhorará seu relacionamento com a equipe de saúde.(12)

Para que haja um ambiente ocupacional de apoio é preciso que o processo de trabalho esteja organizado de modo a permitir o planejamento e o desenvolvimento da assistência de enfermagem, com recursos físicos e humanos suficientes, com boas relações interpessoais entre enfermeiros e outros profissionais, e participação nas decisões administrativas do ambiente de trabalho.(12) Um ambiente em que médicos e enfermeiros possuam uma comunicação eficaz, e que o trabalho em equipe favoreça os resultados positivos da assistência prestada ao paciente e familiares, reduz as tensões e insatisfações advindas do ambiente laboral e diminui o adoecimento do mental do trabalhador.(1314)

Quando o enfermeiro não possui autonomia no seu ambiente de trabalho apresenta sentimentos de sofrimento, angústia, insatisfação, estresse e agravos de saúde mental. Assim, tende ao uso de álcool, sedativos e outras drogas para resistir à essas situações. Desse modo, ratifica-se a importância de um ambiente laboral que incentive a autonomia do profissional e o estimule a permanecer no trabalho.(1417)

Neste sentido, o consumo de substâncias psicoativas é utilizado como estratégia de defesa, seja ela relacionada ao meio ocupacional ou pessoal. Destarte, estar em um ambiente com características insatisfatórias, com falta de autonomia, suporte organizacional e relacionamento médico-enfermeiro insatisfatórios são fatores que podem contribuir para o consumo de álcool, tabaco e sedativos.(18)

O consumo de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas leva à diversos danos individuais e sociais, além de elevada morbimortalidade em nível mundial,(19) o que repercute negativamente na vida do trabalhador, desencadeando presenteísmo, absenteísmo e licenças de saúde.

A prevalência do consumo na vida de álcool, tabaco, maconha e sedativos deste estudo foi maior do que a obtida em pesquisas com auxiliares de enfermagem, médicos e enfermeiros hospitalares de países da América Latina.(2022) Sobre o álcool, pondera-se que o consumo não tem relação exclusiva com o trabalho devido ao fator histórico-cultural que o atrela fortemente à socialização e recreação, somado ao livre comércio e disponibilidade. Entretanto, o vínculo estabelecido entre o trabalhador e o trabalho pode intensificar o consumo, pelo álcool ser concebido como uma forma rápida e eficaz de diminuir o estresse e produzir relaxamento físico e mental.(21)

Em pesquisa realizada na Austrália com profissionais da enfermagem constatou-se que 60% necessitavam de algum tipo de substância para dormir, sobretudo o álcool e medicamentos. Também verificou-se o uso de cigarros, bebidas energéticas, benzodiazepínicos, barbitúricos, antidepressivos, anfetaminas e opiáceos.(23)

Os subsalários, isto é, os valores recebidos muito abaixo da qualificação e merecimento do trabalhador pelas funções desempenhadas são comumente vinculados a insatisfação, pouco reconhecimento e invisibilidade da enfermagem(24) e, neste estudo, foi correlacionado ao consumo de álcool.

O tabagismo associou-se à enfermeiros com idade avançada e esse achado indica que essa prevalência é menor entre os enfermeiros mais jovens. No passado havia forte influência da mídia no incentivo aos hábitos tabagistas, contudo o tabaco constituise como fator de risco para diversas patologias, o que resultou na implementação de políticas públicas, como a de redução de danos.(25)

Os resultados deste estudo foram semelhantes aos da pesquisa desenvolvida na Suleimânia no Iraque com profissionais da saúde que atuam em hospitais de ensino, na qual o consumo de tabaco esteve presente em 26,5% dos pesquisados, com predominância entre aqueles com maior tempo de trabalho na instituição, correspondendo aos indivíduos com idade mais avançada.(26)

Pressupõe-se que, devido às condições estressantes, o ambiente hospitalar também possa influenciar o tabagismo. Estudo constatou que quando o enfermeiro é tabagista há maior predisposição para o aumento do consumo de tabaco, e entre os ex-tabagistas ocorre o retorno a esse hábito.(6) Compreende-se também que o tabagismo pode ser influenciado por características do ambiente de trabalho hospitalar, como trabalho noturno, outros vínculos laborais, convívio com outros tabagistas e um ambiente com medidas restritivas.(27,28)

Em relação ao uso de sedativos, identificou-se uma relação negativa para o relacionamento médico-enfermeiro, suporte organizacional e autonomia. Os profissionais da enfermagem estão entre os trabalhadores da saúde mais propensos a desenvolver transtornos mentais devido às peculiaridades do seu processo de trabalho e à falta de reconhecimento profissional,(3) o que os leva, como estratégia, ao uso de sedativos para aliviar as tensões.

Em um estudo desenvolvido com profissionais da saúde de Marrocos na África, identificou-se que 20% dos participantes utilizaram hipnóticos/sedativos mais de uma vez durante a última semana da coleta de dados, e que o uso dessas substâncias teve relação com trabalho noturno, estresse, carga de trabalho e fadiga.(30)

Assim, o consumo de substâncias psicoativas relaciona-se a um mecanismo de enfrentamento dos problemas advindos do ambiente ocupacional, pois, nesse ambiente deve acontecer uma assistência de enfermagem contínua ao paciente, que também é desgastante e provoca a exaustão; e, dessa forma, o consumo dessas substâncias torna-se uma estratégia para minimizar o sofrimento.(2)

Investigação demonstrou que entre os motivos que levam os profissionais da enfermagem ao uso de medicações psicotrópicas está a ansiedade e o estresse ocupacional.(6) Quando ocorre o uso de substâncias psicoativas prescritas ou não, a chance de ocorrer um acidente de trabalho aumenta cinco vezes, e também aumentam o absenteísmo e as licenças de saúde.(2)

Os profissionais da enfermagem, muitas vezes, possuem acesso irrestrito às medicações psicotrópicas e possuem habilidade para a autoadministração. Tal fato deixa-os vulneráveis ao uso abusivo e uma possível dependência das substâncias consumidas sem prescrição médica. Entre os anestésicos com alto potencial de abuso em profissionais de saúde encontra-se o propofol e a cetamina. Estudos transversais e coortes com trabalhadores de saúde dependentes destas substâncias indicaram que o curso de dependência é rápido, atividades sociais e ocupacionais são abandonadas ou reduzidas devido ao uso dessas substâncias, presença lesões físicas significativas devido à intoxicação e elevada mortalidade por intoxicação aguda e depressão respiratória.(3132)

Outra característica evidenciada no presente estudo foi o consumo de substâncias ilícitas entre os enfermeiros, sendo a maconha e a cocaína as mais autorrelatadas. Tal resultado é corroborado pela literatura, que indica a maconha como a droga ilícita mais consumida no mundo entre jovens e adultos. (33) Ainda que sejam escassas as pesquisas que relacionem os riscos ocupacionais ao uso da maconha, recomenda-se que os trabalhadores usuários desta substância com sintomatologia que indique o uso recente e frequente, devem ser removidos do local de trabalho, visto que quando os níveis sanguíneos de tetrahidrocanabinol excedem à 5 ng/mL, há comprometimento cerebral e do desempenho das funções físicas, psíquicas e cognitivas. Esses trabalhadores devem ser submetidos à uma avaliação médica ocupacional para avaliar sua saúde mental, podendo indicar mudança na função ou afastamento do trabalho para tratamento.(5)

Portanto, se faz necessário incluir medidas de prevenção em nível organizacional contra o consumo de substâncias psicoativas entre enfermeiros de instituições hospitalares. Também é preciso que os gestores encaminhem para tratamento aqueles que fazem uso, juntamente com uma avaliação clínica multidisciplinar para verificar se o trabalhador necessita de afastamento ou readaptação de função, pois medidas punitivas isoladas, apesar de justificadas, como a demissão por parte do serviço de saúde não soluciona o problema e impede que o trabalhador busque ajuda com receio da punição. Tais ações valorizam aquele que dedica-se a cuidar dos outros, diminui os danos à saúde do trabalhador e possíveis acidentes e eventos adversos que possam vir a ocorrer decorrentes dessa prática.

Conclusão

Houve relação significativa entre o ambiente ocupacional do enfermeiro e o consumo de álcool, tabaco e sedativos, evidenciando-se que quanto mais desfavorável esse ambiente, sobretudo na relação médico-enfermeiro, suporte organizacional e autonomia, maior foi o consumo de substâncias psicoativas entre esses profissionais.

REFERÊNCIAS

1. Zarrouq B, Bendaou B, El Asri A, Achour S, Rammouz I, Aalouane R, et al. Psychoactive substances use and associated factors among middle and high school students in the North Center of Morocco: a cross-sectional questionnaire survey. BMC Public Health. 2016; 16: 468. doi: 10.1186/s12889-016-3143-5.
2. Strobbe S, Crowley M. Substance use among nurses and nursing students: a joint position statement of the Emergency Nurses Association and the International Nurses Society on Addictions. J Addict Nurs. 2017; 28(2):104-6.
3. Silva Ddos S, Tavares NV, Alexandre AR, Freitas DA, Brêda MZ, Albuquerque MC, et al. [Depression and suicide risk among nursing professionals: an integrative review]. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(6):1023-31. Portuguese.
4. Zerhouni O, Bègue L, Brousse G, Carpentier F, Dematteis M, Pennel L, et al. Alcohol and violence in the emergency room: a review and perspectives from psychological and social sciences. Int J Environ Res Public Health. 2013; 10(10):4584-606.
5. Goldsmith RS, Targino MC, Fanciullo GJ, Martin DW, Hartenbaum NP, White JM, et al. Medical marijuana in the workplace: challenges and management options for occupational physicians. J Occup Environ Med. 2015; 57(5):518-525.
6. Dias JR, Araújo CS, Clos MA, Francisco MT, Sampaio CE. [Factors favoring the use of psychotropics by nursing professionals]. Rev Enferm UERJ. 2011; 19(3):445-51. Portuguese.
7. Perdikaris P, Kletsiou P, Gymnopoulou E, Matziou. The relationship between workplace, job stress and nurses’ tobacco use: a review of the literature. Int J Environ Res Public Health. 2010; 7(5):2362-75.
8. Gasparino RC, Guirardello EB, Aiken LH. Validation of the Brazilian version of the Nursing Work Index-Revised. J Clin Nurs. 2011; 20(23-24):3494-501.
9. Henrique IF, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni ML. [Validation of the Brazilian version of Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST)]. Rev Assoc Med Bras. 2004; 50(2):199-206. Portuguese.
10. Dall’Ora C, Griffiths P, Ball J, Simon M, Aiken LH. Association of 12h shifts and nurses’ job satisfaction, burnout and intention to leave: findings from a cross-sectional study of 12 European countries. BMJ Open. 2015; 5(9):1-7.
11. Fernandes JC, Portela LF, Rotenberg L, Griep RH. Working hours and health behaviour among nurses at public hospitals. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(5):1104-11.
12. Choi J, Flynn L, Aiken LH. Nursing practice environment and registered nurses’ job satisfaction in nursing homes. Gerontologist. 2012; 52(4):484-92.
13. Amsalu E, Boru B, Getahun F, Tulu B. Attitudes of nurses and physicians towards nurse-physician collaboration in northwest ethiopia: a hospital based cross-sectional study. BMC Nurs. 2014; 13(1):37. doi: 10.1186/s12912-014-0037-7.
14. Khamisa N, Peltzer K, Oldenburg B. Burnout in relation to specific contributing factors and health outcomes among nurses: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2013; 10(6):2214-40.
15. Kerzman H, Dijk DV, Eizenberg L, Khaikin R, Phridman S, Siman-Tov M, et al. Attitudes toward expanding nurses’ authority. Isr J Health Policy Res. 2015; 4:19. doi: 10.1186/s13584-015-0005-z.
16. Cheung T, Yip PS. Lifestyle and depression among Hong Kong nurses. Int J Environ Res Public Health. 2016; 13(1). pii: E135. doi: 10.3390/ijerph13010135.
17. Van Bogaert P, Kowalski C, Weeks SM, Van Heusden D, Clarke SP. The relationship between nurse practice environment, nurse work characteristics, burnout and job outcome and quality of nursing care: a cross-sectional survey. Int J Nurs Stud. 2013; 50(12):1667-77.
18. Aggarwal SK, Carter GT, Zumbrunnen C, Morrill R, Sullivan M, Mayer JD. Psychoactive substances and the political ecology of mental distress. Harm Reduct J. 2012; 9: 4. doi: 10.1186/1477-7517-9-4.
19. Korcha RA, Cherpitel CJ, Wibrodt J, Borges G, Hejazi-Bazargan S, Bond S, et al. Violence-related injury and gender: the role of alcohol and alcohol combined with illicit drugs. Drug Alcohol Rev. 2014; 33(1):43-50.
20. Londoño Restrepo J, Álvarez Gómez ML. Consumo de sustancias psicoactivas en auxiliares de enfermería. Rev Cuid. 2017; 8(2):1591-8.
21. Londoño Restrepo J, Chica Álvarez OP, Marín Agudelo IC. Riesgo de depresión, alcoholismo, tabaquismo y consumo de sustancias psicoactivas en personal de enfermería, de dos instituciones hospitalarias del área metropolitana de la ciudad de Medellín. Med UPB. 2017; 36(1):34-43.
22. Hidalgo Lara C, Casas Vargas GM, Salcedo Monsalve A. Drugs of abuse consumption in health professionals (physicians and nurses) from two outpatient services of first level attention in Bogota. Rev Cienc Salud. 2012; (Esp): 87-100.
23. Dorrian J, Paterson J, Dawson D, Pincombe J, Grech C, Rogers AE. Sleep, stress and compensatory behaviors in Australian nurses and midwives. Rev Saúde Pública. 2011;45(5):922-30.
24. Bacha AM, Grassiotto OR, Gonçalves SP, Higa R, Fonsechi-Carvasan GA, Machado HC, et al. Job satisfaction of nursing staff in a university hospital. Rev Bras Enferm. 2015; 68(6):1130-8.
25. Levy D, de Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012; 9(11) :e1001336.
26. Abdulateef DS, Ali AJ, Adbulateef DS, Mohesh MIG. Smoking knowledge, attitude, and practices among healthcare professionals from Sulaymaniyah City/Iraq. Tob Use Insights. 2016; 9:1-6.
27. Mahfouz AA, Shatoor AS, Al-Ghamdi BR, Hassanein MA, Nahar S, Farheen A, et al. Tobacco use among health care workers in southwestern Saudi Arabia. Biomed Res Int. 2013; 2013:960292. doi: 10.1155/2013/960292.
28. Zinonos S, Zachariadou T, Zannetos S, Panayiotou AG, Georgiou A. Smoking prevalence and associated risk factors among healthcare professionals in Nicosia general hospital, Cyprus: a cross-sectional study. Tob Induc Dis. 2016; 14:14. doi: 10.1186/s12971-016-0079-6.
29. Phiri LP, Draper CE, Lambert EV, Kolbe-Alexander TL. Nurses’ lifestyle behaviours, health priorities and barriers to living a healthy lifestyle: a qualitative descriptive study. BMC Nurs. 2014; 13(1):38.
30. Giurgiu DI, Jeoffrion C, Grasset B, Dessomme BK, Moret L, Roquelaure Y, et al. Psychosocial and occupational risk perception among health care workers: a Moroccan multicenter study. BMC Res Notes. 2015; 8:408. doi: 10.1186/s13104-015-1326-2.
31. Earley PH, Finver T. Addiction to propofol: a study of 22 treatment cases. J Addict Med. 2013; 7(3):169-76.
32. Zuleta-Alarcón A, Coffman JC, Soghomonyan S, Papadimos TJ, Bergese SD, Moran KR. Non-opioid anesthetic drug abuse among anesthesia care providers: a narrative review. Can J Anaesth. 2017; 64(2):169-84.
33. Lynskey MT, Agrawal A, Henders A, Nelson EC, Madden PA, Martin NG. Australian twin study of cannabis and other illicit drug use and misuse, and other psychopathology. Twin Res Hum Genet. 2012; 15(5):631-41.