versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.4 São Paulo out. 2019 Epub 04-Nov-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190210
O fechamento do apêndice atrial esquerdo (AAE) como estratégia de profilaxia de eventos tromboembólicos em pacientes com fibrilação atrial (FA) tem sido realizado há décadas; inicialmente durante as cirurgias de correção de valvopatia mitral1 e, mais recentemente, em pacientes com FA não valvar com alto risco de embolia e que não toleram o uso de anticoagulantes orais.
A ideia da oclusão do AAE como alternativa ao uso crônico da varfarina surgiu de observações de estudos anatomopatológicos e durante a cirurgia cardíaca, os quais revelaram o AAE como o principal local de formação de trombo em pacientes com FA não valvar.2,3
A evolução das técnicas intervencionistas de acesso ao coração, aliada ao desenvolvimento de próteses específicas para oclusão do AAE, possibilitou que o fechamento do apêndice pudesse ser realizado de maneira percutânea, minimamente invasiva, tornando o procedimento mais simples e não restrito aos pacientes que seriam submetidos à cirurgia cardíaca.
A primeira prótese desenvolvida para esse fim, chamada de PLAATO, foi testada no início da década passada por Horst Sievert et al.,4 e consistia em uma estrutura de nitinol coberta por membrana oclusiva de politetrafluoroetileno expandido (ePTFE). O estudo clínico publicado em 2002 demonstrou que o conceito da oclusão percutânea do AAE era factível, mas o uso da prótese foi descontinuado em 2005 devido ao considerável número de complicações, como tamponamento cardíaco, vazamentos residuais, protusão da prótese em direção à cavidade atrial e, em alguns casos, a falta de neo-endotelização da prótese com formação de trombos locais.5 Por outro lado, a experiência obtida com o implante dessa prótese foi importante para o desenvolvimento de dispositivos mais efetivos.
Atualmente, duas próteses com perfis distintos encontram-se em uso clínico: a Watchman, comercializada pela BostonScientific, e a Amplatzer Amulet (evolução da Amplatzer Cardiac Pug), comercializada pela ABBOTT. Destas, apenas a prótese Watchman foi avaliada em dois estudo clínicos prospectivos, multicêntricos e randomizados. O estudo PROTECT-AF (Watchman Left Atrial Appendage Closure Technology for Embolic Protection in Patients With Atrial Fibrillation),6 avaliou a efetividade e a segurança da oclusão percutânea do AAE com a prótese Watchman em comparação com a anticoagulação oral com a varfarina em 707 pacientes (463 no grupo intervenção) com FA não valvar e CHADS2 ≥ 1. A oclusão do AAE (três eventos por paciente ao ano) alcançou uma não inferioridade em relação à varfarina (4,9 eventos por paciente ao ano) no critério eficácia; porém, o implante do oclusor do AAE foi associado a um número maior de eventos adversos, principalmente à ocorrência de hemopericárdio (4,8%), que foi relacionado à curva de aprendizado dos intervencionistas na colocação das próteses.
Devido à preocupação quanto à segurança, o estudo foi repetido (Watchman LAA Closure Device in Patients With Atrial Fibrillation Versus Long Term Warfarin Therapy - PREVAIL trial)7 com as mesmas características do anterior, exceto pela maior experiência dos operadores. Foram incluídos 407 pacientes (269 no grupo intervenção) e, aos 18 meses de seguimento, evidenciaram-se taxas de eventos de eficácia (acidente vascular cerebral [AVC], embolização sistêmica e morte cardiovascular ou inexplicada) de 0,064 no grupo intervenção e de 0,063 no grupo varfarina. Desse modo, não alcançaram os critérios especificados de não inferioridade obtidos anteriormente no estudo PROTEC-AF, devido ao número muito baixo de eventos no grupo-controle, fato não observado nos estudos anteriores e subsequentes com o uso da varfarina.
Entretanto, o critério de não inferioridade foi conseguido na análise do segundo desfecho primário de eficácia relacionado com a taxa de eventos após 7 dias da randomização. Também positiva, foi a menor taxa de complicações no implante da prótese em comparação com o estudo PROTECT-AF.
Um fator complicador para a implementação clínica da estratégia de oclusão do AAE foi o surgimento dos quatro novos anticoagulantes de ação direta (DOAC), respaldados por estudos clínicos potentes, demonstrando não inferioridade ou mesmo superioridade desses novos medicamentos em relação à varfarina nos pacientes com FA não valvar.8,9 Devido à praticidade do uso dos DOAC, a indicação dos dispositivos de oclusão de apêndice passou a ser postergada e considerada apenas nos pacientes com intolerância aos anticoagulantes orais, ou naqueles que apresentaram evento embólico na vigência do uso desses medicamentos, embora a eficácia do dispositivo não tivesse sido estudada nos estudos clínicos randomizados. Assim, devido a essa heterogeneidade de indicações e à falta de estudos controlados e randomizados, os registros passaram a ter importância.
Reddy et al.,10 com base em dados do Medicare, avaliaram 3.822 casos consecutivos de implante de oclusor de AAE, sendo evidenciada uma taxa de tamponamento cardíaco de 1,02%, a maior parte tratada adequadamente com pericardiocentese; entretanto, em três casos esse tamponamento resultou em morte. Essas taxas foram menores que as observadas nos estudos clínicos, apesar de grande parte dos dispositivos ter sido implantada por operadores menos experientes. Outro registro europeu (EWOLUTION)11 demonstrou também baixa taxa de complicações, sendo evidenciado 34 (3,3%) eventos adversos em 1.021 pacientes incluídos.
Dois registros brasileiros foram publicados recentemente e sugerem a segurança do implante de dispositivos oclusores de apêndice. Guerios et al.,12 realizaram um estudo multicêntrico e avaliaram os resultados de 91 pacientes com FA não valvar (62% inelegíveis à anticoagulação) e alto risco de AVC (CHA2DS2VASc 4,5 ± 1,5) submetidos a implante de 96 próteses, a Amplatzer Cardiac Plug (ACP) em 94,6%. A taxa de sucesso do implante foi de 97,8%, com 7,2% de complicações, sendo cinco derrames pericárdicos. Assim, foi necessário realizar pericardiocentese, uma embolização de dispositivo não dedicado e um embolismo gasoso sem sequelas. Nessa série, com seguimento mediano de 346 dias (128,6 pacientes ao ano), foram observadas três mortes não relacionadas ao procedimento, vazamento periprótese em cinco, com formação de trombo junto à prótese em dois, resolvidos com retorno da anticoagulação. Apenas dois pacientes apresentaram AVC no seguimento.
No segundo registro, Marcio Costa et al.,13 avaliaram 15 pacientes com FA não valvar e alto risco de sangramento submetidos a implante da prótese ACP. Nessa pequena casuística, o procedimento foi realizado com sucesso em todos os casos, sem relato de hemopericárdio ou deslocamento da prótese.
Na edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Sahiner et al.,14 apresentam dados retrospectivos de um centro da Turquia, onde foram incluídos 60 pacientes submetidos a implante da prótese Amplatzer Amulet. A principal indicação do procedimento foi a ocorrência de sangramento (geralmente gastrintestinal) em vigência de anticoagulação oral. Os autores demonstraram que o implante foi bem-sucedido e seguro na maioria dos pacientes, exceto em um no qual foi observada ruptura da artéria pulmonar por provável lesão direta das hastes da prótese. Na maioria dos pacientes a terapia antiplaquetária consistiu em ácido acetilsalicílico (AAS) (100 mg) e clopidogrel (75 mg) por 6 meses após o procedimento, sendo mantidos com terapia única após o ecocardiograma transesofágico demonstrar ausência de vazamentos ou trombos periprótese. Durante o seguimento médio de 21 ± 15 meses, nenhum paciente apresentou AVC e dois apresentaram sintomas clínicos de ataque isquêmico transitório.
Assim, devido à falta de evidências robustas, a diretriz mais recente de FA recomenda o implante de oclusores de apêndice como indicação IIb, nível de evidência B-NR, em pacientes com FA não valvar e com alto risco de AVC e contraindicação para anticoagulação oral de longo prazo.8
Um estudo randomizado em andamento (ASAP-TOO)15 busca demonstrar a eficácia da prótese Watchman nessa condição clínica; porém, o término do estudo está estimado para 2023.
Aparentemente, estamos chegando em uma fase do conhecimento e da experiência clínica na otimização do uso da varfarina e dos anticoagulantes de ação direta em pacientes com FA não valvar com alto risco de AVC e embolização sistêmica, reconhecendo e estabelecendo os limites de segurança para seu uso. Esse fato abre uma nova fase para a consideração dos dispositivos de oclusão do AAE. Portanto, estudos clínicos prospectivos, multicêntricos e controlados adicionais são necessários para esclarecer a efetividade e segurança do implante desses dispositivos nessas novas situações da prática clínica, como em: pacientes com contraindicação absoluta para uso de ACO e antiplaquetário, mesmo por período curto; pessoas que sofreram AVC sob aparente anticoagulação oral efetiva; casos de oclusão do AAE como alternativa ao uso crônico dos DOAC e implante do oclusor simultaneamente a ablação da FA. Além disso, ele estabelece a necessidade e o manuseio seguro da terapia anticoagulante de curta duração e da terapia antiplaquetária mínima que deve ser mantida após o implante das diferentes próteses.