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Ocorrência de Aedes aegypti e Aedes albopictus em bromélias cultivadas no Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil

Ocorrência de Aedes aegypti e Aedes albopictus em bromélias cultivadas no Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil

Autores:

Viviane Camila de Oliveira,
Luiz Carlos de Almeida Neto

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.33 no.1 Rio de Janeiro 2017 Epub 23-Jan-2017

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00071016

ABSTRACT

The aim of this study was to observe the occurrence of mosquito larvae, especially Aedes aegypti and Aedes albopictus, in the tanks and axillae of bromeliads at the Bauru Municipal Botanical Gardens, São Paulo, Brazil, highlighting the epidemiological implications for the use of these plants. The majority of the larvae belonged to mosquitos from genus Culex, with only occasional findings of A. aegypti and A. albopictus. The use of screens for protection of the plants, exposure to sunlight, and larger amounts of water in the tanks may have influenced the occurrence and grouping of larvae.

Keywords: Aedes; Bromelia; Disease Vectors

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue observar la ocurrencia de larvas de mosquitos, en especial las del Aedes aegypti y Aedes albopictus, en el tanque y axilas de bromelias del Jardín Botánico Municipal de Bauru, Sao Paulo, Brasil, destacando las implicaciones epidemiológicas en el cultivo de esas plantas. La mayoría de larvas encontradas fueron de mosquitos del género Culex, mientras que las de A. aegypti y A. albopictus fueron ocasionales. La utilización de telas para la protección de las plantas, su exposición al sol y la mayor cantidad de agua en el tanque pueden haber influenciado la ocurrencia y agrupamiento de larvas.

Palavras-clave: Aedes; Bromelia; Vectores de Enfermedades

Introdução

Muitas bromélias acumulam água em um reservatório formado pela disposição de suas folhas, chamado de tanque, criando um micro-hábitat propício à sobrevivência de larvas de mosquitos. Desde o primeiro relato da presença de Aedes (Stegomyia) aegypti (Linnaeus, 1762) em bromélias 1, pesquisadores investigam a possibilidade de que essas plantas possam significar um incremento de criadouros para essa e outras espécies de mosquitos 2.

As larvas do A. aegypti, principal vetor do vírus da dengue, podem ser encontradas especialmente em criadouros artificiais como garrafas, pneus e vasos de plantas, mas também em axilas de plantas e tanques de bromélias 3. Já o Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse, 1894), vetor com potencial para a transmissão da dengue e de outras doenças virais como febre chikungunya e zika 4), (5, está melhor adaptado a hábitats preservados, fragmentos florestais e áreas rurais.

O Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil, abriu em 2014 para visitação pública a sua coleção de bromélias e desde então surgiu a preocupação com a possível ocorrência de larvas de A. aegypti e A. albopictus em tanques de suas bromélias. Em vista disso, este trabalho teve como objetivo determinar a relevância de bromélias do Jardim Botânico Municipal de Bauru como criadouros de larvas de A. aegypti e A. albopictus, destacando implicações epidemiológicas da utilização dessas plantas em coleções de jardins botânicos e para fins paisagísticos.

Material e métodos

Este estudo foi desenvolvido no Jardim Botânico Municipal de Bauru. O clima da região é Aw (tropical chuvoso com inverno seco) 6, com temperatura média anual de 23,8°C e precipitação média anual de 142,75mm 7. O Jardim Botânico Municipal de Bauru fica inserido em um fragmento florestal e sua área de visitação, onde estão alocadas as bromélias utilizadas neste estudo, está distante cerca de um quilômetro de áreas residenciais (Figura 1). Sua coleção de bromélias conta com 392 plantas, alocadas dentro de um viveiro de 300m2 coberto no teto e nas laterais com tela de sombreamento, irrigadas quinzenalmente. Os gêneros melhores representados são Aechmea, Neoregelia, Nidularium e Vriesea. Além dessas, existem 93 bromélias alocadas em jardins, das espécies Aechmea blanchetiana (Backer) L.B.Sm. e Alcantarea imperialis (Carrière) Harms, expostas a sol pleno e pluviosidade natural. Todas as bromélias estavam distantes, no máximo, 100m entre si.

Figura 1: Localização do Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil, e entorno. 

Foi verificada mensalmente a presença de larvas no tanque e axila de todas as bromélias do Jardim Botânico Municipal de Bauru, no período de janeiro a dezembro de 2015. Quando a presença era constatada, as larvas eram coletadas, contadas, colocadas em frascos de vidro contendo álcool a 70% e encaminhadas para o Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura Municipal de Bauru, para identificação em nível de gênero ou espécie. Para a coleta de água, utilizou-se uma seringa e um tubo plástico flexível.

Resultados

Foram realizadas 38 coletas de larvas de um total de 5.820 verificações; dessas coletas, uma foi positiva para A. aegypti, cinco para A. albopictus e a grande maioria das coletas positivas para larvas de mosquitos do gênero Culex (Tabela 1). Do total de 152 larvas coletadas, 143 foram de larvas de mosquito do gênero Culex, duas de A. aegypti e sete de A. albopictus (Tabela 2).

Tabela 1: Coletas de larvas em bromélias alocadas dentro e fora do viveiro de coleções do Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil, de janeiro a dezembro de 2015. 

Tabela 2: Número de larvas coletadas em bromélias alocadas dentro e fora do viveiro de coleções do Jardim Botânico Municipal de Bauru, São Paulo, Brasil, de janeiro a dezembro de 2015. 

As larvas foram coletadas durante todo o ano, com exceção apenas do mês de julho, a maioria delas nas axilas e no tanque das bromélias (Tabela 2). Foram coletadas 148 larvas em bromélias localizadas fora do viveiro e apenas quatro larvas em bromélias localizadas dentro do viveiro. A ocorrência de larvas em bromélias localizadas dentro do viveiro foi restrita às do gênero Aechmea, enquanto fora do viveiro foram encontradas larvas em bromélias das duas espécies ocorrentes, Aechmea blanchetiana e Alcantarea imperialis. Foi verificado agrupamento espacial das larvas, fora do viveiro, em duas bromélias da espécie A. imperialis, onde foram coletadas a grande maioria das larvas. Nessas duas bromélias, no momento das coletas, foi encontrada uma maior quantidade de água no tanque e axilas, comparada às demais bromélias, bem como maior quantidade de matéria orgânica.

Discussão

O número de larvas de mosquitos encontrado nas bromélias neste trabalho foi baixo se comparado com estudos realizados em áreas urbanas e periurbanas, que correspondem a maioria dos trabalhos 8), (9), (10), (11. O baixo número de larvas possivelmente está relacionado à localização do Jardim Botânico Municipal de Bauru, distante cerca de um quilômetro de áreas residenciais e inserido em um grande fragmento florestal, reforçando a predileção de diversas espécies de mosquitos por áreas urbanas.

A prevalência de larvas do gênero Culex foi um resultado satisfatório e pode redirecionar trabalhos de vigilância ambiental, já que a maioria das espécies de Culex não tem importância epidemiológica no Brasil atualmente, pois não oferecem riscos à saúde humana 12. Além disso, pode haver competição de tais larvas com as de outras espécies de importância epidemiológica, como as do Aedes. O número de larvas de A. aegypti e A. albopictus em bromélias, neste trabalho, também foi muito pequeno se comparado ao número total de observações feitas, podendo-se dizer que esse encontro foi ocasional. A macrobiota existente nesses reservatórios, que inclui predadores naturais de mosquitos, tem um papel importante no controle natural do Aedes13), (14, além da competição interespecífica entre as larvas do Aedes e de outras espécies de mosquitos mais adaptadas a este hábitat 13), (14), (15. Em bromélias localizadas em ambiente urbano, contudo tais condições podem não estar presentes, permitindo assim a procriação de larvas do Aedes. De acordo com Marques et al. 9, se comparadas a criadouros artificiais encontrados em áreas urbanas, as bromélias são consideradas secundárias, mas merecem atenção por conta de sua crescente utilização para fins ornamentais.

Um dos fatores que determinou a menor ocorrência de larvas nas bromélias localizadas dentro do viveiro, neste trabalho, pode ter sido a tela de sombreamento que cobre o viveiro, que funcionou como uma barreira mecânica à entrada de mosquitos adultos. Isso sugere uma aplicação prática para a gestão de vetores no que se refere ao uso dessas plantas em coleções, sobretudo em ambientes urbanos, seja por jardins botânicos, colecionadores e cultivadores particulares. Já a preferência dos mosquitos na utilização de reservatórios das bromélias do gênero Alcantarea, verificada neste trabalho, possivelmente está associada à maior capacidade de armazenar água apresentada por indivíduos dessa espécie, o que favorece a oviposição e o agrupamento das larvas. Diversos trabalhos propuseram que reservatórios maiores desempenham papel importante no agrupamento de larvas do Aedes9), (16), (17) e, por isso, bromélias de gêneros com capacidade de acumular grandes quantidades de água, particularmente em áreas urbanas, necessitam de maior vigilância epidemiológica. A exposição das bromélias ao sol e as diferenças nas características do conteúdo aquático também podem ter influenciado a distribuição das larvas de mosquito, como proposto por Cardoso et al. 17.

Conclui-se que: (1) neste estudo, as bromélias não constituíram focos do A. aegypti ou A. albopictus, prevalecendo o encontro de larvas de mosquito do gênero Culex; (2) a localização do Jardim Botânico, distante de áreas residenciais, pode ter contribuído para a limitada ocorrência de larvas de mosquito em bromélias; (3) o uso de telas, a exposição das plantas ao sol e a maior capacidade de acumular água de algumas plantas podem ter sido fatores determinantes na distribuição e agrupamento das larvas; (4) em áreas urbanas, com a redução de criadouros artificias, as bromélias podem servir de criadouros alternativos para o A. aegypti ou A. albopictus, por isso a necessidade de manter o monitoramento entomológico de tais plantas.

REFERÊNCIAS

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2. Santos CB, Leite GR, Falqueto A. Does native bromeliads represent importante breeding sites for Aedes aegypti (L.) (Diptera: Culicidae) in urbanized areas? Neotrop Entomol 2011; 40:278-81.
3. Braga IA, Valle D. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16:113-8.
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9. Marques GRAM, Santos RLC, Forattini OP. Aedes albopictus em bromélias de ambiente antrópico no estado de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública 2001; 35:243-8.
10. Gonçalves KS, Messias MC. Ocorrência de Aedes (Stegomyia) aegypti (Linnaeus, 1762) (Insecta, Diptera, Culicidae) em bromélias, no município do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil). Biota Neotrop (Online, Ed. Port.) 2008; 8:235-7.
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