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Odontalgia atípica: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Odontalgia atípica: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Autores:

André Hayato Saguchi,
Ângela Toshie Araki Yamamoto,
Cristiane de Almeida Baldini Cardoso,
Adriana de Oliveira Lira Ortega

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.2 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190067

INTRODUÇÃO

A odontalgia atípica (OA) representa um desafio clínico para a maioria dos dentistas1. Geralmente, quando um paciente apresenta uma queixa de dor, sua origem é odontogênica e o profissional pode identificar e tratar a sua causa - por exemplo, uma dor de dente típica devido à pulpite, cárie ou problema periodontal. Mas, em algumas situações, a dor contínua em um ou mais dentes ou no alvéolo após exodontia, sem qualquer causa dentária aparente2, e o cirurgião-dentista se depara com o desafio de determinar a verdadeira origem não odontogênica da dor e diagnosticá-la adequadamente1,3-5.

De acordo com a 3ª edição da International Headache Society (ICHD-3)2, o critério diagnóstico da OA é descrito pelas características: dor contínua em um ou mais dentes ou no alvéolo após extração, sem quaisquer causas dentárias e neurológicas aparentes. A dor tem duração superior a duas horas diárias e persiste por mais de três meses, podendo estar associada ou não a histórico de trauma dental (Tabela 1).

Tabela 1 Critério diagnóstico da "International Headache Society 3" 

A. Dor facial ou oral que está de acordo com o critério B ou C.
B. Dor recorrente diária por período maior que 2h/dia por mais que 3 meses.
C. Dor tem as duas características:
1. Mal localizada, e não segue o trajeto de nervo periférico;
2. Dolorida, "chata", leve.
D. Exame clínico neurológico é normal.
E. Causa dental está excluída após investigação apropriada.
F. As características não se enquadram em nenhum outro critério diagnóstico do ICHD-3.
G. Dor facial ou oral na distribuição/trajeto de um ou ambos ramos do nervo trigêmeo e que está de acordo com o critério I.
H. Histórico de um evento traumático ao nervo trigêmeo identificável, com evidências de sinais clínicos positivos de disfunção do nervo trigeminal (hiperalgesia, alodínia) e/ou negativos (hipoestesia, hipoalgesia).
I. Evidência de causa demonstrada por:
1. A dor é localizada no trajeto do nervo trigeminal afetado pelo evento traumático;
2. A dor se desenvolveu em um período inferior a 6 meses a partir do evento traumático.
J. As características não se enquadram em nenhum outro critério diagnóstico do ICHD-3.

De A a F quando a odontalgia atípica se enquadra num subtipo da dor facial idiopática persistente. De G a J: quando a odontalgia atípica está relacionada a um trauma do nervo trigeminal.

A dificuldade do diagnóstico da OA se deve ao fato do relato da dor apresentado ser idêntico às de origem odontogênica sem alterações clínico-radiográficas4,6. O paciente pode apresentar uma história de tratamento dental extensivo sem alívio da dor, o que torna mais complexo o seu diagnóstico7,8. Tratamento endodôntico, apicectomia e/ou exodontia podem aliviar a dor de maneira transitória, mas a dor aumenta em intensidade em poucos dias ou semanas7,9.

A fisiopatologia não é bem definida, sendo diversos os mecanismos sugeridos nos últimos 50 anos3,10. Há grande controvérsia em relação à OA e fatores psicológicos, com estudos que apontam uma grande porcentagem de indivíduos com depressão11 e outros questionam se poderiam ser fatores secundários à dor12-16. A origem vascular é um distúrbio de vasos sanguíneos da polpa e do ligamento, sendo descrita como “enxaqueca dentária”7,17.

A origem neuropática é a mais estudada, tendo sido descrita em 1971 por Melzack baseado na dor do membro fantasma de Mitchell, em 1871 (Apud9) e descrita por Marbach, em 1978, pela primeira vez como “dor do dente fantasma”. Além disso, outros mecanismos neuropáticos explicariam o processo fisiopatológico: hipersensibilidade por desaferentação12,18 e sensibilização central e/ou periférica3,19-21. E, diante desse panorama, a ICHD-3 classifica-a como um subtipo da dor facial idiopática persistente (ICHD 13.12). Se for baseada em histórico de trauma, será um subtipo da dor neuropática pós-traumática do trigêmeo (ICHD 13.1.2.3).

Apesar de existir um critério de diagnóstico bem definido pela ICHD-3 para a OA, não há um protocolo de como realiza-lo22. São propostos exame clínico detalhado, trabalho entre vários especialistas e ouvir o paciente sobre sua história dental23,24. Alguns estudos têm demonstrado que pacientes com OA apresentam respostas alteradas aos testes somatossensoriais qualitativos e quantitativos3,19.

Atualmente, não há evidências suficientes para se estabelecer um protocolo do tratamento da OA25. Antidepressivos tricíclicos, antiepilépticos, anestésicos e toxina botulínica, embora reduzam a dor do paciente3,22,25, têm sua atividade limitada e não apresentam efetividade comprovada25-27.

Geralmente, o cirurgião-dentista é o primeiro profissional da saúde com quem o paciente com OA se consulta. O desconhecimento desse quadro por parte do cirurgião-dentista pode levar a procedimentos odontológicos desnecessários e mutiladores, como tratamentos endodônticos e cirúrgicos que vão desde a apicectomia à exodontia28. Conhecer a fisiopatologia e o processo diagnóstico permite instituir o tratamento adequado, evitando mais lesões ao paciente29.

Diante de um panorama em que não há um consenso na literatura sobre a fisiopatologia, o processo diagnóstico e seu tratamento, o objetivo deste estudo foi rever esses aspectos, auxiliando o cirurgião-dentista em sua atividade profissional.

CONTEÚDO

Trata de uma revisão de literatura integrativa, de abordagem qualitativa, para identificar aspectos fisiopatológicos, diagnósticos e de tratamento da OA. O processo metodológico foi dividido em 5 etapas, de acordo com Whittemore e Knafl30: 1) identificação do problema; 2) busca na literatura; 3) avaliação das informações; 4) análise crítica das informações; 5) apresentação dos resultados.

Realizou-se uma pesquisa na base de dados Pubmed. Como estratégia de busca, foram utilizados os seguintes termos: “atypical odontalgia” OR “phantom tooth pain” OR “idiopathic tooth pain” OR “odontalgias” OR “odontalgias” OR “atypical toothache”. Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos últimos 10 anos e em língua inglesa, publicações do tipo ensaio clínico, estudo multicêntrico, relato de caso, revisão, revisão integrativa científica e revisão sistemática. Após leitura de título e resumo, foram excluídos aqueles que não tinham relação com o tema. Em caso de incerteza de inclusão, foi feita a leitura do artigo na íntegra.

Foram encontrados 114 artigos e após aplicar os critérios de inclusão estabelecidos, foram escolhidos 48 artigos. Destes, 9 foram excluídos por não terem relação com o tema, totalizando 39 estudos. O material foi agrupado de acordo com a ênfase do artigo: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. As informações relevantes às duas etapas estão sumarizadas na tabela 2.

Tabela 2 Estudos selecionados e informações relevantes 

Durham et al.5 O uso de um questionário para diagnosticar dor neuropática (S-LANSS) é desejável pois apresenta sensibilidade e especificidade suficientes. No entanto, não pode ser deixado de lado o exame clínico e a investigação.
García-Sáez et al.25 O uso da neurotoxina botulínica tipo A mostrou reduzir a dor do paciente com OA. No entanto, sugere-se a realização de ensaios clínicos randomizados (ECR) para comprovação de sua eficácia.
Miura et al.16 Atenção à comorbidade psiquiátrica, comum nos pacientes com OA. Não há relação de causa-efeito.
Malacarne et al.1 Provável que a dor persistente dentoalveolar seja de origem neuropática, mas mecanismos fisiopatológicos que explicam o início e a manutenção da dor não são entendidos. Um correto diagnóstico deve ser estabelecido antes de quaisquer tratamentos.
Ghurye e McMillan31 A fisiopatologia da dor orofacial é complexa, às vezes associada a comorbidades psicológicas. A dor crônica tem impacto na qualidade de vida. Diagnóstico precoce e encaminhamento. Atenção à abordagem biopsicossocial, que confere uma etiologia multifatorial à dor orofacial crônica. Deve ser tratada como neuropatia.
Tu et al.32 A presença de comorbidades psiquiátricas agravou a qualidade de sono, mas teve pequeno impacto na experiência da dor. A presença da síndrome da ardência bucal em pacientes com OA contribui para dor mais intensa.
Takenoshita et al.33 A OA não é puramente um problema sensorial, mas tem envolvimento psicológico. Ela apresenta resposta variável ao uso de fármacos e é necessária a investigação das diferentes respostas farmacológicas para se avançar no tratamento da OA.
Tait, Ferguson e Herndon34 Consideram OA, dessa forma o diagnóstico ocorre por exclusão. Segundo os autores, não existe um protocolo diagnóstico com evidências. Tratamentos que são considerados efetivos para dores orofaciais são desapontadores para a OA.
Kobayashi et al.35 Os autores não encontraram relação entre o alívio da dor e a concentração plasmática da duloxetina, que é utilizada no tratamento da OA.
Benoliel e Gaul36 Fisiopatologia enigmática. Mecanismos neuropáticos são mais relevantes. Interdisciplinaridade. Atenção à comorbidade psiquiátrica. É necessária cuidadosa avaliação interdisciplinar para instituir o tratamento adequado.
Baad-Hansen e Benoliel28 Não existe padrão ouro de diagnóstico. Precisa-se de um consenso na classificação e taxonomia. Estudos prospectivos são necessários. Educação e treino para os profissionais são importantes para evitar iatrogenias. É necessária cuidadosa avaliação interdisciplinar para instituir o tratamento adequado.
Agbaje et al.37 O QualST pode ser usado como ferramenta clínica de diagnóstico, além de averiguar a função somatossensorial intraoral em pacientes com OA. O QuaIST é um teste simples para verificar alteração da função somatossensorial.
Rafael, Sorin e Eli38 Apresenta características clínicas e fisiopatologia da neuropatia trigeminal traumática dolorosa, e o que fazer para evitá-la.
Toyofuku39 O profissional deve estar atento ao aspecto psicossomático do paciente, que é uma prioridade também.
Cuadrado et al.26 A resposta positiva ao uso da neurotoxina botulínica tipo A sugere que seu uso é efetivo e seguro no tratamento de neuropatias, mas ECR são necessários para comprovação de sua eficácia.
Porporatti et al.40 Os QST podem ajudar no diagnóstico diferencial entre pulpite e OA com forte precisão. Limitações do QST: paciente se cansa, édifícilexecutar o exame em áreas doloridas
Porporatti et al.41 Há envolvimento de sensibilização central, e a diminuição da dor com o anestésico sugere também que há um envolvimento periférico.
Porporatti et al.10 Reforça o papel da sensibilização do sistema nervoso central. O método mais confiável seria o QST bilateral comparando o limiar de dor usando um estímulo alódino mecânico ou testes de limiar de dor com calor.
Baad-Hansen et al.42 Os QST devem ser associados a testes neurofisiológicos ou exames de imagem, quando possível, para aumentar a sensibilidade e a especificidade do teste.
Forssell et al.24 Há uma evidência cada vez maior dos mecanismos neuropáticos para as dores orofaciais- em que está incluída a OA. Os autores sugerem que o diagnóstico seja pautado em exame clínico, história médica, QST, testes neurofisiológicos etc.
Pig et al.43 A RNM pode ser de grande valia por excluir os processos de inflamação na região mandibular e maxilar. Quando o diagnóstico é incerto, a RNM aumenta o argumento de se evitar tratamentos dentários e considerar tratamentos não invasivos.
Yatani et al.27 Os autores apresentam um guia para o tratamento de origem não odontogênica. O uso de antidepressivos tricíclicos são os mais usados, mas não têm eficácia comprovada.
Baad-Hansen et al.44 Os QST apresentaram 87,3% de anormalidade em indivíduos com OA na forma de aumento aos estímulos mecânicos e térmicos e podem ser uma ferramenta apropriada para escanear pacientes com dor neuropática.
Tarce, Barbieri e Sardella23 Diagnóstico e tratamento são desafiadores. Fisiopatologia não é clara. Sugerem mais ECR para comprovar a eficácia dos fármacos utilizados no tratamento da OA.
Baad-Hansen et al.45 Os QualST detectam distúrbios em indivíduo com OA, principalmente sensibilidade ao frio, toque e estímulo com cerdas.
Zakrzewska46 Revisa a literatura sobre a dor presente na parte inferior da face e boca. Aborda classificação, epidemiologia e diagnóstico.
Tınastepe e Oral47 A dor neuropática tem fisiopatologia complexa e pode iniciar após tratamento odontológico, como tratamento endodôntico, cirurgia de implantes e trauma ao anestesiar. Neuralgia trigeminal, síndrome da ardência bucal e neuralgia pós-herpética e OAsãocondições neuropáticas.
Ciaramella et al.15 Alguns fatores psicológicos determinam predisposição ao desenvolvimento de dor crônica após exodontia. Os indivíduos com OA apresentavam altos níveis de ressentimento e depressão.
Nagashima et al.48 A duloxetina aliviou a dor do paciente com síndrome da ardência bucal e OA.
Patel, Boros e Kumar49 Na ausência de um diagnóstico preciso, não realizar tratamento endodôntico e cirúrgico.
Abiko et al.22 Apresentam critérios de diagnóstico e protocolos de tratamento e manuseio. Existe informação insuficiente para se estabelecer um protocolo de diagnóstico e tratamento da OA. Fatores psicológicos não podem ser desconsiderados pois há alta incidência de problemas relacionados.
Thorburn e Polonowita50 O diagnóstico ocorre por exclusão. Exame clínico e história são importantes. Com avanços no entendimento dos mecanismos da dor crônica neuropática haverá mais foco no diagnóstico e tratamento da OA.
Bosch-Aranda et al.20 Édifícil diagnosticar aOA porque os mecanismos fisiopatológicos não são claros. Ainda, faltam evidências para indicar tratamentos com analgésicos e antidepressivos.
Pigg et al.51 Tomografia computorizada de feixe cônico propicia a identificação de pacientes sem destruição óssea periapical, o que facilita a diferenciação entre periodontite apical sintomática e OA.
Zagury et al.52 Alterações sensoriais para sensação pós-aplicação do frio foram identificadas em pacientes, sugerindo envolvimento de mecanismos neuropáticos centrais. Dor se estendendo a uma região maior do local de origem, e dor ocorrendo no lado contralateral, reforça a ideia de sensibilização central. QST extraoral parece não ser capaz de detectar alteração.
Takenoshita et al.14 Pacientes com OA foram mais frequentemente diagnosticados na categoria F4- neurótico, estressado.
Ito et al.53 O milnaciprano foi efetivo na redução de dor em pacientes com OA, independente do grau de depressão.
Ram et al.29 Se o paciente continuar com dor persistente após o tratamento, sem causa clínica e radiográfica evidentes, o profissional deve considerar a OA como diagnóstico diferencial. Os dentistas deveriam ser aptos a identificar esta situação e referenciar a um especialista de dor orofacial ou neurologista.
List, Leijon e Svensson19 A maioria dos pacientes com OA apresentaram alteração somatossensorial comparado com poucos do grupo controle, o que reflete em sensibilização central e periférica.

OA = odontalgia atípica; QST = testes quantitativos somatossensoriais; RNM = ressonância nuclear magnética; ECR = estudos clínicos randomizados; QualST = testes qualitativos somatossensoriais.

FISIOPATOLOGIA

Evidências atuais sugerem mecanismos neuropáticos para explicar a fisiopatologia da OA1,24,41,44,45,50 e através dos testes somatossensoriais sugere-se a sua descrição em centrais e periféricos19,23,38,47,52.

Um dos testes realizados é a anestesia local, em que ao se observar a redução da dor, sugere-se o mecanismo neuropático de origem periférica (sensibilização periférica)41. Os testes somatossensoriais quantitativos (QST) utilizados se baseiam no limiar de dor usando um estímulo mecânico e testes de limiar de dor com calor, por exemplo40. Alterações sensoriais após aplicação do frio foram identificadas em pacientes com OA, sugerindo também o envolvimento de mecanismos neuropáticos centrais52. Os testes somatossensoriais qualitativos (QualST) também foram utilizados para confirmar o envolvimento neuropático45.

Além desses mecanismos, outros eventos fisiopatológicos neuropáticos podem estar envolvidos: lesão no nervo e atividade ectópica por formação de neuromas, mudanças fenotípicas e aumento da atividade simpática em momentos de estresse ou ansiedade38.

Estudos recentes não apontam a comorbidade psiquiátrica como causa determinante para o desencadeamento da OA15, mas o profissional deve ficar atento a essa condição36 e não pode desconsiderá-la22. Uma alta incidência de pacientes com OA apresentam essas comorbidades22,33, chegando a 50% em outro estudo16. “Neurótico e estressado”16 e “ressentido e deprimido”15 foram características marcantes descritas em indivíduos com OA. Ainda, tais comorbidades podem determinar uma predisposição ao desenvolvimento da dor crônica após a exodontia15. Tu et al.32, entretanto, concluíram que a comorbidade psiquiátrica em pacientes com OA e síndrome da ardência bucal teve pequeno impacto na experiência de dor.

A causa vascular apresentada por Rees e Harris7 e Kreisberg17 foi mencionada em apenas dois estudos20,22, não sendo, dessa forma, o principal mecanismo fisiopatológico da OA.

DIAGNÓSTICO

Não existe um padrão ouro de protocolo diagnóstico da OA28,34 e os existentes não são totalmente confiáveis para o diagnóstico1. Uma vez que a fisiopatologia não é bem definida20,23, muitas vezes o seu diagnóstico ocorre por exclusão34,50.

Mesmo diante de informações insuficientes para a elaboração de um protocolo diagnóstico22, após a análise dos dados extraídos deste estudo, foi possível sintetizar as principais informações para o profissional que pode estar diante de um diagnóstico de OA:

  • 1) Importância da história médica: a avaliação do paciente deve se iniciar com a sua história médica, principalmente no que diz respeito às características da dor23;

  • 2) Importância do exame clínico: é necessário que as causas odontogênicas da odontalgia sejam totalmente descartadas. Para isso, um exame clínico minucioso se faz necessário5,10,24,40. Não se pode deixar de mencionar as observações de Rees e Harris7 esclareceram que se deve excluir todas as possibilidades de cárie, doença pulpar e trinca/fratura da coroa ou raiz;

  • 3) Exames complementares de imagem: apesar das limitações das radiografias periapicais54,55 devem ser utilizadas para avaliar a região periapical. A tomografia computadorizada volumétrica deve ser realizada para descartar quaisquer possibilidades de alteração periapical de cunho endodôntico10,51. O uso da ressonância nuclear magnética (RNM), nos casos de suspeita de dor dental de origem não inflamatória, pode ser de grande valia por excluir os processos de inflamação na região mandibular e maxilar. Quando o diagnóstico é incerto, a RNM reforça a importância de condutas não invasivas43;

  • 4) A fim de facilitar e auxiliar o processo diagnóstico, duas ferramentas merecem destaque:

    • a) Escala analógica visual: instrumento de diagnóstico na mensuração da dor41,45:

    • b) QST e QualST: são importantes aliados no diagnóstico da OA24,27,40,44,45,52. O QST é realizado através de diversos estímulos, sendo que apenas os estímulos mecânico e térmico apresentam relação com a OA. Dos pacientes com OA submetidos a esses estímulos, 83,7% apresentaram alguma anormalidade no QST44. Realizar o QST bilateral (lado com dor versus lado sem dor) também ajuda a detectar alteração neuropática10. Apesar das indicações, o QST, quando utilizado fora de hospitais e clínicas universitárias, é oneroso e muitas vezes inviável, com necessidade de se calibrar e treinar os examinadores45. O QualST detecta distúrbios de hipersensibilidade ao toque, frio e estímulo com cerdas46.

  • 5) Excluir todas as hipóteses de odontalgia de origem não odontogênica. Conforme Yatani et al.27 e a ICHD-3, após descartada a hipótese de dor de origem dental, há inúmeras outras condições de origem não odontogênica que devem ser descartadas;

  • 6) Encaminhar o paciente a outros especialistas: diante da dificuldade de se diagnosticar de maneira adequada e frente aos diversos mecanismos fisiopatológicos que poderiam estar envolvidos, é recomendado encaminhar o paciente a outros especialistas23,24,36,57. Interessante observar que em 1982, Kreisberg17 já sugeria encaminhamento ao neurologista;

  • 7) Considerar aspectos psicológicos: embora os fatores psicogênicos e psiquiátricos não tenham relação determinante no desenvolvimento da OA16, observou-se alta incidência desses pacientes com comorbidades psiquiátricas14-16,22,32,36. O profissional deve se atentar a essas comorbidades conferindo à OA uma etiologia multifatorial31,33. Dessa forma, faz-se necessária uma abordagem biopsicossocial31 e interdisciplinar36 e não menos prioritária39;

  • 8) Uma abordagem mais holística, psicossocial e não puramente mecânica é importante. Recomenda-se escutar com atenção a queixa do paciente e sua história de tratamentos realizados56;

  • 9) Conhecimento e treino por parte dos profissionais são importantes para se evitar procedimentos desnecessários e iatrogênicos28.

TRATAMENTO

Assim como o diagnóstico, o tratamento da OA é desafiador23,50. Atualmente, não há evidências suficientes para se estabelecer um protocolo de tratamento25.

Os antidepressivos tricíclicos são os fármacos mais citados nos relatos de casos e estudos de caso controle e para muitos autores são considerados de primeira escolha no tratamento27,35. No entanto, esses fármacos causam efeitos adversos. A amitriptilina, por exemplo, causa xerostomia, constipação, retenção urinária e ganho de peso20 e de acordo com a dose e o paciente, apresentam respostas variadas quanto à eficácia na remissão da dor33. Os inibidores de recaptura de serotonina e noradrenalina, como milnaciprano e duloxetina, também têm sido utilizados no manuseio dos sintomas dolorosos35,48,53 e, embora apresentem redução da dor, existe a necessidade da realização de estudos clínicos randomizados (ECR) para se comprovar a sua real eficácia20,21,23.

Conforme já descrito, as evidências atuais sugerem mecanismos neuropáticos para explicar a fisiopatologia da OA1,24,41,44,45,50. Dessa forma, tratá-la como neuropatia soa coerente31. No entanto, os resultados com as terapias empregadas para as dores orofaciais neuropáticas têm sido desapontadores nos estudos da OA34.

Estudos mais recentes têm avaliado a ação da neurotoxina botulínica tipo A (Onabotulinum toxin A) no controle da dor. Os bons resultados referentes à remissão da dor apontam-na como um fármaco promissor no tratamento da OA. Entretanto, da mesma forma que com os antidepressivos tricíclicos e inibidores de recaptura de serotonina e noradrenalina, o uso da neurotoxina botulínica tipo A deve ter sua eficácia comprovada através de mais ECR20,25,26.

Pode-se, assim, sumarizar as informações obtidas nos artigos encontrados:

  • 1) Em casos de dúvida, não realizar tratamentos endodônticos e cirúrgicos pois se tratando de OA seriam desnecessários e piorariam a dor do paciente49;

  • 2) Conhecimento e treino por parte dos profissionais no processo diagnóstico são importantes para se evitar procedimentos desnecessários e iatrogênicos28;

  • 3) O trabalho interdisciplinar é importante não só no diagnóstico, mas também na instituição do correto tratamento36,50;

  • 4) Os ECR são necessários para avaliar a eficácia dos antidepressivos tricíclicos, inibidores de recaptura de serotonina e noradrenalina e neurotoxina botulínica tipo A21,23;

  • 5) Minimizar a dor do paciente com a menor dose de fármaco é o principal objetivo e deve ser evitado o uso inadvertido e sem necessidade de diversos fármacos20;

  • 6) E, novamente, uma abordagem holística, psicossocial e não puramente mecânica são importantes. Recomenda-se escutar com atenção a queixa do paciente e sua história de tratamentos realizados56.

Após essas reflexões é importante ressaltar que este estudo apresentou limitação em relação à escolha da base de dados para a seleção dos estudos. No entanto, o Pubmed é considerado a base de dados universal na língua inglesa, com revistas de alto impacto indexadas.

CONCLUSÃO

Estudos recentes utilizam a 3ª edição da classificação da ICHD, na qual a OA se insere na categoria “dor facial idiopática persistente” (ICHD-13.12). Uma vez que o processo fisiopatológico não é definido, o estabelecimento de um protocolo para se realizar o seu diagnóstico é fundamental. Sugere-se conhecimento sobre as outras doenças existentes para se realizar um diagnóstico diferencial, e o emprego de exames complementares como tomografia computadorizada volumétrica, RNM, e realização do QualST. Os antidepressivos tricíclicos e inibidores de recaptura de serotonina e noradrenalina são os fármacos de primeira escolha no tratamento da OA. Porém, atualmente, tem sido avaliado o uso da neurotoxina botulínica tipo A no manuseio da dor do paciente.

Todos estes fármacos carecem de ECR para terem sua real eficácia comprovada. Diante da possibilidade de OA, orienta-se abordagem interdisciplinar no processo diagnóstico e definição do seu tratamento.

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