versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.92 no.6 Porto Alegre nov./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.02.012
Os dados disponíveis indicam que recém-nascidos com menos de 23 semanas de gestação são muito imaturos para sobreviver com a tecnologia atual; por outro lado, aqueles nascidos com 25 semanas ou mais apresentam taxas significativas de sobrevida e, em grande proporção, sem sequelas graves.1-4 Dessa forma, a literatura, de maneira geral, usou como guia as taxas de sobrevida dos neonatos pré-termo e estabeleceu como limite de viabilidade o período entre 22 e 25 semanas de idade gestacional (IG), abaixo do qual o grau de imaturidade biológica é um fator limitante da vida e acima do qual não se questiona o benefício do tratamento.5,6
Entretanto, existe grande dificuldade de se traçar a conduta adequada para conceptos nascidos entre esses limites. Nesse período, a incerteza do resultado é a regra, e não a exceção. É, por isso, referida como "zona cinzenta", pois a sobrevida e o prognóstico são incertos e há dúvida sobre qual a melhor conduta a ser adotada e sobre o grau de investimento e intervenção a ser aplicado, já que os dados disponíveis para a tomada de decisão são limitados e, embora ajudem, não anulam a incerteza nem a possibilidade de erro. Para o grupo de nascidos na zona cinzenta, dois cursos de ação são possíveis: 1) restrição de medidas de suporte vital, que tem a possibilidade de morte como desfecho ou de aumento das sequelas, caso o paciente não faleça; ou 2) acesso a toda tecnologia disponível, que tem como possíveis desfechos a morte com dor e sofrimento ou a possibilidade de sobrevida com elevadas taxas de sequelas maiores ou a chance de uma evolução clínica boa, com sobrevida sem sequelas ou com sequelas menores.5,7-10
Assim, diante de múltiplas incertezas, o Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria (PRN-SBP) recomenda agir com cautela e, diante das informações adicionais advindas com o nascimento, a decisão de não reanimar pode ser tomada pela equipe na sala de parto ou, se ainda persistirem dúvidas, a equipe deve reanimar o paciente, levá-lo à unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal e aí reunir as informações necessárias, o que inclui os desejos expressos pela família, para eventualmente limitar as medidas de suporte vital.
Nesse contexto, é fundamental saber o que os médicos brasileiros pensam a respeito do papel dos pais na tomada de decisão sobre o tipo de intervenção que desejam para seus filhos, como são tomadas as decisões de reanimação ou não de um neonato pré-termo extremo e como são abordadas as possíveis sequelas desses conceptos com os pais; ou seja, o que pensam os médicos brasileiros sobre essas questões éticas. Assim, o objetivo desta pesquisa foi descrever as opiniões dos pediatras que ensinam reanimação no Brasil a respeito das decisões de iniciar e limitar a reanimação em sala de parto de recém-nascidos pré-termo extremos, baseada em casos clínicos hipotéticos, e compará-las de acordo com a macrorregião brasileira de atuação do instrutor.
Após aprovação do trabalho pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e pela Diretoria da Sociedade Brasileira de Pediatria, foi feito um estudo transversal, de dezembro de 2011 a setembro de 2013, com pediatras, instrutores ativos do PRN-SBP. Não foi feito cálculo de tamanho de amostra, pois o estudo visava a avaliar todo o universo de instrutores ativos do PRN-SBP.
Desenvolveu-se um questionário eletrônico que se baseou no instrumento validado e usado por Martinez et al. 11 Todos os instrutores ativos do PRN-SBP receberam por e-mail o link do questionário e uma senha pessoal de acesso. Ao entrar com a senha de acesso, o instrutor recebia uma explicação sobre a pesquisa e, ao concordar em participar por meio do aceite do termo de consentimento informado, o acesso ao questionário era liberado.
O questionário continha três eixos. O primeiro se referia à caracterização do entrevistado, com dados demográficos e profissionais. O segundo continha 17 perguntas de múltipla escolha e resposta obrigatória quanto às práticas atuais de reanimação neonatal e sobre questões éticas envolvidas na reanimação de neonatos pré-termo extremos. O último versava sobre os três casos clínicos que são o foco do presente estudo. O controle de resposta por instrutor era de acesso apenas da pesquisadora principal e houve garantia de anonimato no que se refere à tabulação dos resultados.
Quanto aos três casos clínicos, o primeiro versava sobre a decisão de iniciar ou não a reanimação na sala de parto: "Você é chamado com urgência na sala de parto para prestar assistência a um parto normal de gestação gemelar. O primeiro gemelar nasceu com respiração irregular e o segundo nasceu em más condições, em apneia e bradicardia. Não houve tempo para conversar com os pais sobre a reanimação. Aponte, para cada idade gestacional (23, 24, 25 e 26 semanas), a alternativa correspondente a sua conduta: 1) Reanima os dois recém-nascidos; 2) Não reanima o segundo, mas reanima o primeiro; 3) Não reanima os dois; 4) Verifica se a fenda palpebral está aberta para cada recém-nascido e toma a decisão de reanimar; 5) Verifica o peso ao nascer de cada paciente e toma a decisão de reanimar".
O segundo caso se referia à limitação ou não dos cuidados intensivos neonatais após a reanimação na sala de parto: "Supondo que os dois recém-nascidos do Caso 1 foram reanimados na sala de parto pelo pediatra de plantão, que os enviou à UTI neonatal em que você está de plantão. No momento, os pacientes estão na incubadora de transporte, recebendo oxigênio inalatório e apresentam esforço respiratório intenso. Aponte, para cada idade gestacional (23, 24, 25 e 26 semanas), a alternativa correspondente a sua conduta: 1) Cuidados de conforto (aquecimento, hidratação e oxigênio inalatório); 2) Pressão de distensão contínua de vias aéreas (CPAP) por via nasal e 3) Ventilação mecânica e surfactante".
O terceiro caso versava sobre a limitação ou não da reanimação avançada em sala de parto: "Você é chamado à sala de parto para recepcionar um neonato pré-termo extremo que nascerá devido a descolamento de placenta. Rapidamente você conversa com a mãe e explica sobre a possibilidade de a criança nascer grave e vir a falecer na sala de parto. A mãe pede para que seja feito tudo para salvar a vida do recém-nascido. O paciente nasce em apneia e com bradicardia intensa, é rapidamente intubado após falha da ventilação com máscara e permanece com frequência cardíaca (FC) < 60, apesar de ventilação adequada. Aponte, para cada idade gestacional (23, 24, 25 e 26 semanas), a alternativa correspondente a sua conduta: 1) Indica massagem cardíaca e adrenalina e considera cateterismo umbilical para expansão de volume; 2) Mantém apenas ventilação, transfere o paciente para a UTI-neonatal e aguarda o óbito; 3) Suspende a ventilação e aguarda o óbito na sala de parto".
A análise estatística foi descritiva, procurou-se traçar o retrato do que pensam os instrutores do PRN-SBP. As variáveis qualitativas foram descritas por frequência de eventos e as variáveis quantitativas, por medidas de tendência central. Todas as respostas foram analisadas para o grupo como um todo e segundo a região de atuação dos instrutores (Norte, Nordeste e Centro-Oeste versus Sul e Sudeste). A comparação das respostas de acordo com as cinco macrorregiões brasileiras de atuação dos instrutores entrevistados foi feita pelo teste do qui-quadrado e foi significante p < 0,05.
No período do estudo, existiam 829 instrutores, dos quais 130 estavam inativos e 14 se recusaram a participar da pesquisa. Assim, a população final alvo do estudo foi de 685 instrutores ativos do PRN-SBP. Desses, 560 (82%) responderam ao questionário. A distribuição dos instrutores que responderam ao questionário por unidade da federação variou de 76% (São Paulo) a 100% (Amazonas, Rondônia, Roraima e Espírito Santo).
As características gerais dos entrevistados se encontram na tabela 1. Observou-se média de idade dos instrutores entrevistados de 45 ± 9 anos (variação: 27-67). Quanto à religião, dos 517 que professavam a fé cristã, 68% eram católicos, 15% espíritas, 7% evangélicos e 2% protestantes. Em termos do local de residência, os instrutores eram assim distribuídos: 68 (12%) na Região Norte, 179 (32%) na Nordeste, 36 (6%) na Centro-Oeste, 208 (37%) na Sudeste e 69 (12%) na Sul e 363 (65%) residiam nas capitais de estado e 197 (35%) no interior. Em relação à formação e atuação profissional, o tempo de graduação em medicina era, em média, 22 ± 9 anos (variação: 4-45) e de atuação em neonatologia era de 16 ± 8 anos (variação: 1-40).
Tabela 1 Características gerais dos 560 instrutores do Programa de Reanimação Neonatal da sociedade Brasileira de pediatria que participaram do estudo
Variável | Número | Percentual |
---|---|---|
Idade ≥ 45 anos | 296 | 53 |
Sexo feminino | 440 | 79 |
União estável | 435 | 78 |
Com filhos | 443 | 80 |
Cristãos | 517 | 92 |
Religião é muito importante | 349 | 62 |
Título de especialista em pediatria | 467 | 83 |
Título de especialista em neonatologia | 306 | 55 |
Prática de neonatologia ≥ 10 anos | 403 | 73 |
Atua em sala de parto | 490 | 88 |
Atua em hospital público | 419 | 75 |
Atua em hospital universitário | 243 | 43 |
Exerce atividades em UTI Neonatal | 452 | 81 |
Experiência pessoal com decisões de fim de vida | 226 | 40 |
UTI, unidade de terapia intensiva.
Apenas 50 (9%) instrutores entrevistados afirmaram existir em seu hospital uma norma escrita sobre quando não iniciar a reanimação em sala de parto e quando estão indicados cuidados intensivos diante da prematuridade extrema. Entretanto, mesmo sem ter uma norma institucional estabelecida, 445 (80%) pediatras afirmaram usar algum critério para limitar a reanimação: a idade gestacional foi citada por 426 (96%) e o peso ao nascer por 299 (67%); 33% relataram considerar exclusivamente a idade gestacional como critério para a decisão, 5% referiram valorizar apenas o peso e 62% consideravam ambos os critérios. Para 355 (80%) entrevistados, a idade gestacional citada para limitar a reanimação foi abaixo de 24 semanas e para 263 (59%) pediatras, o limite de peso relatado foi de 500 g.
Na tabela 2 observa-se o percentual de respostas para as alternativas relativas ao Caso Clínico 1, de acordo com a idade gestacional (IG) de cada paciente. Observa-se que quanto mais elevada a IG, maior a chance de o entrevistado referir reanimar os dois gemelares. Entretanto, mesmo com 23 semanas, 50% dos instrutores de reanimação pesquisados fariam a reanimação dos dois neonatos com 26 semanas e 2% baseariam a sua decisão no peso ao nascer e/ou na presença de fenda palpebral aberta ou fechada. Esse comportamento foi observado para os instrutores como um todo e também segundo sua região de trabalho (qui-quadrado; p = 0,694).
Tabela 2 Decisão quanto à iniciar a reanimação em gemelares, quando o primeiro gemelar apresentava, logo após o nascimento, respiração irregular e o segundo estava em apneia, de acordo com idade gestacional e região brasileira de atuação do pediatra
22 semanas | 23 semanas | 24 semanas | 25 semanas | 26 semanas | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|
Reanima os dois gemelares | 0,694 | |||||
Brasil | 191 (35%) | 276 (50%) | 431 (78%) | 504 (91%) | 528 (95%) | |
Sul e SE | 96 (36%) | 151(56%) | 218 (81%) | 254 (94%) | 262 (96%) | |
Norte, NE e CO | 95 (34%) | 125 (46%) | 213 (77%) | 250 (91%) | 266 (97%) | |
Reanima só o 1° gemelar | 0,621 | |||||
Brasil | 66 (12%) | 72 (13%) | 45 (8%) | 20 (4%) | 10 (2%) | |
Sul e SE | 28 (10%) | 24 (9%) | 19 (7%) | 7 (2%) | 3 (1%) | |
Norte, NE e CO | 38 (13%) | 48 (16%) | 26 (9%) | 13 (4%) | 7 (2%) | |
Não reanima os 2 gemelares | 0,443 | |||||
Brasil | 195 (35%) | 104 (19%) | 19 (3%) | 4 (0,7%) | 3 (0,5%) | |
Sul e SE | 102 (38%) | 51 (18%) | 8 (2%) | 1 (0,2%) | 1 (0,2%) | |
Norte, NE e CO | 93 (34%) | 53 (18%) | 11 (3%) | 3 (1%) | 2 (0,4%) | |
Verifica fenda palpebral para decidir | 0,567 | |||||
Brasil | 52 (9%) | 55 (10%) | 31 (6%) | 12 (2%) | 1 (0,2%) | |
Sul e SE | 22 (7%) | 24 (7%) | 19 (6%) | 6 (2%) | 1 (0,2%) | |
Norte, NE e CO | 30 (10%) | 31 (12%) | 12 (5%) | 6 (2%) | zero | |
Verifica peso ao nascer para decidir | 0,167 | |||||
Brasil | 50 (9%) | 47 (9%) | 27 (5%) | 15 (3%) | 12 (2%) | |
Sul e SE | 25 (9%) | 23 (9%) | 8 (3%) | 5 (2%) | 6 (2%) | |
Norte, NE e CO | 25 (9%) | 24 (8%) | 19 (6%) | 10 (3%) | 6 (1%) |
CO, Região Centro-Oeste; NE, Região Nordeste; SE, Região Sudeste; valor de p, nível de significância de acordo com o teste do qui-quadrado.
Na tabela 3 encontra-se o percentual de respostas para as alternativas relativas ao Caso Clínico 2, de acordo com a IG de cada paciente. Nota-se que quanto mais elevada a IG, maior a chance de o entrevistado referir que ofereceria cuidados intensivos plenos, isto é, ventilação mecânica e reposição de surfactante exógeno. Parte dos entrevistados considerou a possibilidade de, uma vez reanimados em sala de parto, reavaliar tal decisão e proporcionar cuidados de conforto na UTI neonatal, pois 38% dos pediatras analisados limitariam o cuidado na UTI a medidas de conforto para nascidos com 23 semanas efetivamente reanimados na sala de parto. O mesmo foi referido por 3% dos entrevistados para neonatos com 26 semanas. Tal comportamento é observado para os instrutores como um todo e também segundo sua região de trabalho (qui-quadrado; p = 0,141).
Tabela 3 Tipo de cuidado proporcionado aos gemelares do Caso 1 na UTI neonatal, caso esses pacientes tivessem sido reanimados, de acordo com idade gestacional e região brasileira de atuação do pediatra entrevistado
22 semanas | 23 semanas | 24 semanas | 25 semanas | 26 semanas | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|
Oferece cuidados de conforto | 0,141 | |||||
Brasil | 323 (58%) | 212 (38%) | 46 (8%) | 15 (3%) | 15 (3%) | |
Sul e SE | 160 (60%) | 94 (36%) | 15 (6%) | 6 (3%) | 6 (3%) | |
Norte, NE e CO | 163 (58%) | 118 (40%) | 31 (10%) | 9 (3%) | 9 (3%) | |
Oferece CPAP nasal | 0,491 | |||||
Brasil | 40 (7%) | 51 (9%) | 73 (13%) | 58 (10%) | 49 (9%) | |
Sul e SE | 17 (5%) | 22 (7%) | 37 (12%) | 32 (13%) | 25 (11%) | |
Norte, NE e CO | 23 (7%) | 29 (9%) | 36 (14%) | 26 (8%) | 24 (8%) | |
Provê ventilação mecânica e surfactante | 0,566 | |||||
Brasil | 191 (35%) | 291 (53%) | 435 (79%) | 481 (87%) | 490 (88%) | |
Sul e SE | 96 (35%) | 157 (57%) | 221 (81%) | 235 (84%) | 242 (86%) | |
Norte, NE e CO | 95 (35%) | 134 (50%) | 214 (79%) | 246 (89%) | 248 (90%) |
CO, Região Centro-Oeste; NE, Região Nordeste; SE, Região Sudeste; valor de p, nível de significância de acordo com o teste do qui-quadrado.
Na tabela 4, observa-se o percentual de respostas para as alternativas relativas ao Caso Clínico 3, de acordo com a IG de cada paciente. Observa-se novamente que quanto mais elevada a IG, maior a chance de o entrevistado referir que ofereceria reanimação avançada e iniciaria massagem e medicações para reanimar o recém-nascido. Com 23 semanas, 55% dos instrutores pesquisados ofereceriam cuidados intensivos plenos ao paciente e com 26 semanas 4% interromperiam os esforços de reanimação nessa situação. Tal comportamento é observado para os instrutores como um todo e também segundo sua região de atuação (qui-quadrado; p = 0,738).
Tabela 4 Conduta para neonato que nasce em más condições por descolamento prematuro de placenta e mantém a frequência cardíaca < 60 batimentos/minuto, mesmo após a intubação. A mãe havia solicitado que fosse feito tudo para salvar a vida do bebê, de acordo com idade gestacional e região brasileira de atuação do pediatra entrevistado
22 semanas | 23 semanas | 24 semanas | 25 semanas | 26 semanas | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|
Oferece reanimação avançada | 0,738 | |||||
Brasil | 230 (41%) | 307 (55%) | 455 (82%) | 522 (94%) | 534 (96%) | |
Sul e SE | 106 (37%) | 157 (57%) | 226 (81%) | 261 (96%) | 266 (98%) | |
Norte, NE e CO | 124 (44%) | 150 (55%) | 229 (81%) | 261 (95%) | 268 (96%) | |
Suspende VPP, transfere para UTI e aguarda óbito | 0,576 | |||||
Brasil | 170 (31%) | 158 (29%) | 74 (13%) | 20 (4%) | 4 (1%) | |
Sul e SE | 88 (34%) | 76 (28%) | 35 (15%) | 8 (3%) | 0 (0%) | |
Norte, NE e CO | 82 (26%) | 82 (26%) | 39 (16%) | 12 (3%) | 4 (2%) | |
Suspende VPP e aguarda óbito na sala de parto | 0,811 | |||||
Brasil | 155 (28%) | 90 (16%) | 26 (5%) | 13 (2%) | 17 (3%) | |
Sul e SE | 80 (30%) | 41(15%) | 13 (4%) | 5 (2%) | 8 (2%) | |
Norte, NE e CO | 75 (30%) | 49 (19%) | 13 (4%) | 8 (2%) | 9 (2%) |
CO, Região Centro-Oeste; NE, Região Nordeste; SE, Região Sudeste; UTI, unidade de terapia intensiva; valor de p, nível de significância de acordo com o teste do qui-quadrado; VPP, ventilação com pressão positiva.
Os achados mais importantes deste estudo e que merecem destaque são: a taxa de resposta expressiva (82%), o que permite conhecer e retratar as práticas de quem ensina reanimação em sala de parto no Brasil; a dificuldade na opção de não reanimar crianças no limite inferior da zona cinzenta, com 23 semanas de gestação; a presença de um pequeno percentual de pediatras que não reanima na sala de parto neonatos cuja viabilidade não é questionada (26 semanas de gestação); a extrema dificuldade de adotar uma conduta na sala de parto em crianças com 24-25 semanas de gestação, as condutas são heterogêneas e não necessariamente coerentes; e, finalmente, o fato de que as práticas de reanimação neonatal relatadas são relativamente uniformes do ponto de vista regional no país.
Em um questionário semelhante sobre decisão em sala de parto enviado a neonatologistas do Estado de Illinois (EUA), a taxa de resposta foi de 66%. Entre os neonatologistas que responderam ao questionário, 55% disseram que não reanimariam um neonato com IG de 22 semanas. Já o limite superior para a reanimação, para 85% desses profissionais, seria 23-25 semanas.12 Esses autores concluem que os médicos, para decidir sobre a reanimação na sala de parto, sofrem influência tanto da opinião dos pais como se baseiam na sua própria experiência e opinião. Além disso, o medo de um processo ético profissional e os ensinamentos éticos durante a formação médica também desempenham papel importante nessa decisão. Já Peerzada et al.,13 em 2006, relataram que 94% dos neonatologistas suecos que responderam a um questionário consideravam fútil o tratamento abaixo de 23 semanas de IG e que a reanimação daqueles com 23 semanas tinha benefícios incertos, afirmaram que não seguiriam o desejo dos pais, caso esses quisessem a reanimação. Os achados desta pesquisa mostram um perfil bastante diferente dos pediatras analisados. Os médicos brasileiros têm dificuldade de tomar a decisão de não iniciar a reanimação, já que 50% dos instrutores de reanimação fariam a reanimação de um paciente com 23 semanas, fato esse que se opõe à opinião dos próprios instrutores (88%), que consideram que o limite de IG para a reanimação deveria ser ao redor de 24 semanas. Esse descompasso entre o que os pediatras dizem praticar e pensam ser o ideal envolve várias questões. Destacando-se, entre elas, a falta de guias de conduta e de critérios claros para a limitação dos esforços terapêuticos, além da confusão que permeia respostas que dependem de conceitos relativos ao que é ético, ao que é moral e ao que é legal. Tal comportamento parece ser também a realidade da América do Sul, pois Fajardo et al.14 mostraram, em 2012, que, nos países latino-americanos, a prática habitual é oferecer cuidados intensivos, e não limitar o suporte de vida, diferentemente do que acontece na América do Norte e na Europa.
Com relação à reanimação avançada, parece haver uma divisão grande entre os instrutores que participaram do estudo quanto a proporcionar ou não massagem cardíaca e medicações para neonatos pré-termo extremos, uma vez que 45% dos entrevistados não fariam reanimação avançada em neonatos de 23 semanas, enquanto 55% fariam os procedimentos avançados. O fato de recém-nascidos com prematuridade extrema receberem massagem cardíaca em sala de parto está associado a um risco 2,9-3,7 vezes maior de morte e 1,5-2,3 vezes maior de lesão neurológica grave em relação ao grupo de pacientes que não necessitam dessa intervenção na sala de parto.15,16
Também é importante destacar que, apesar de não haver qualquer recomendação nesse sentido, a fenda palpebral e o peso ao nascer ainda norteiam a decisão de reanimação na sala de parto para vários entrevistados. Talvez isso se deva ao fato de, na prática, a IG não ser conhecida de maneira precisa em uma parcela significativa dos casos, o que faz com que os pediatras tentem estimá-la por meio de parâmetros que, apesar de imprecisos, refletem de maneira grosseira a prematuridade extrema. Pálpebras fundidas estão presentes em cerca de 20% dos nascidos vivos com IG entre 24 e 27 semanas, não são um bom parâmetro para a tomada de decisões na sala de parto.17 O peso ao nascer também deve ser considerado com cautela, uma vez que não há associação direta entre peso e maturidade do recém-nascido, a estimativa obstétrica do peso fetal é acurada em somente 15-20% dos casos.18,19
Outro ponto interessante notado na presente pesquisa foi a dúvida quanto ao local para aguardar o óbito de recém-nascidos nos quais foi feita a decisão pela não reanimação. Há uma dificuldade do pediatra brasileiro de manter o recém-nascido junto aos pais, na própria sala de parto, o que é uma orientação da Academia Americana de Pediatria.20 Tal conduta pode se dever, em parte, às próprias diretrizes do PRN-SBP que recomendam, diante da dúvida ou de poucos dados para decisão e especialmente quando a IG não é conhecida, que é melhor reanimar na sala de parto e postergar a decisão de limitar a terapia para outro momento, quando mais dados possam ser agregados para melhor fundamentar a decisão.
Apesar da riqueza de informações obtidas, o estudo conta com limitações. Destaca-se o fato de se basear nas respostas a um questionário e em casos clínicos hipotéticos, o que pode diferir bastante da atuação no cenário real. Outra questão refere-se à opção por um questionário com respostas fechadas em um tema no qual a sutileza do discurso pode refletir grandes variações na atuação prática. A despeito dessas limitações, trata-se do primeiro estudo que evidencia as opiniões de pediatras brasileiros no tocante a intervenções no início da vida. Além disso, mesmo no cenário internacional, o elevadíssimo percentual de respostas ao questionário e o fato de os entrevistados representarem a população toda de formadores de opinião no que concerne à reanimação neonatal são pontos a serem ressaltados e que podem servir de base para a elaboração de diretrizes mais claras quanto aos dilemas éticos com os quais o pediatra se depara ao atender recém-nascidos no limite da viabilidade.
O presente estudo representa um passo inicial para conhecer o que pensam e como atuam os pediatras na sala de parto. O painel desenhado indica que a conduta quanto à reanimação de neonatos pré-termo extremos é permeada por ambivalências e contradições. Um franco e abrangente debate do assunto na formação médica, pediátrica e neonatal é fundamental para fornecer bases mais amplas para a discussão e fundamentação das condutas relativas ao início da vida diante de condições limítrofes de maturidade para a sobrevida extrauterina.