versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.10 Rio de Janeiro out. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152010.00722015
The effects of the allocation of revenues from oil production on socioeconomic development and the funding of public policies have been questioned in the literature. The main objective of this study was to analyze the importance of financial compensation – in the form of royalties and special participation – for public financing of local health services in the Norte Fluminense region of Rio de Janeiro State, namely the state bordering on the offshore area that accounts for more than 70% of the oil produced in Brazil. The methodology involved secondary data analysis of municipal health revenues and expenditures in the 2000s. The results suggest that the variation in oil-derived budget funds were correlated to the significant difference in total health spending in the region's municipalities. However, the execution and distribution of health spending by specialty did not occur proportionally to the variation in the availability of revenues. The heavy dependence on oil revenues suggests greater municipal autonomy in health spending when compared to other municipalities in Brazil. The conclusion drawn is that other criteria for the distribution and use of funds are needed in order to equalize spending and streamline governmental actions in the regional sphere.
Key words Budget; Healthcare financing; Oil; Regional health planning; Regional development
Os efeitos da aplicação das rendas petrolíferas para o desenvolvimento econômico e social dos países produtores é um dos tópicos relevantes dos debates nacional e internacional sobre o tema1–4. Questionamentos são feitos em relação à ‘benção ou maldição’ do petróleo em função das distintas situações observadas.
No Brasil estudos demonstram que as compensações financeiras pela extração petrolífera não necessariamente geram diversificação produtiva e melhorias na qualidade de vida dos municípios beneficiados por esses recursos5,6. Embora se verifique certa repercussão positiva no crescimento econômico, a distribuição das rendas do petróleo nos orçamentos municipais pode não contribuir para a redução das desigualdades6–8, e, por vezes, agrava a herança histórica de concentração de riqueza e exclusão social nessas localidades9,10.
A especificidade da indústria do petróleo indica, ainda, a possibilidade de reconcentração de renda e população nas regiões litorâneas em função da descoberta de novos campos petrolíferos no país, fenômeno comumente denominado como ‘relitoralização brasileira’11. Tais aspectos sugerem a importância do enfoque territorial na condução de políticas públicas, e a necessidade de formulação de estratégias que possam articular crescimento econômico e bem-estar social.
Particularmente, a área da saúde tem sido valorizada no debate recente sobre as novas abordagens e concepções de desenvolvimento12,13. Entre os desafios elencados, destacam-se a necessidade de expansão, qualificação e regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como a garantia de um financiamento público estável e suficiente para suprir as necessidades de universalização do acesso às ações e serviços de saúde14.
Este estudo tem como objetivo analisar a distribuição das duas principais compensações financeiras do petróleo – royalties e participação especial – nos orçamentos municipais e suas repercussões para o financiamento público da saúde em âmbito regional. Para isso, selecionou-se a região Norte Fluminense, com o recorte geográfico definido para fins de planejamento e gestão da saúde no estado do Rio de Janeiro (RJ)15. Os municípios desta região circunscrevem-se na área de abrangência da Bacia de Campos, situada no litoral norte do Rio de Janeiro, estendendo-se até o sul do estado do Espírito Santo, e é responsável por mais de 70% do petróleo produzido no Brasil.
A justificativa para o estudo fundamenta-se em dois argumentos principais. Um primeiro argumento está relacionado à importância da compreensão dos efeitos da arrecadação de receitas derivadas do petróleo para o financiamento municipal das ações e serviços públicos de saúde.
A Lei n° 141 de 201216 estabelece que os municípios devem aplicar, anualmente, no mínimo 15% das receitas de impostos e transferências constitucionais em despesas relacionadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, que atendam aos princípios do SUS. Além disso, desde 2013, preconiza-se a destinação de 25% dos recursos de royalties e participação especial oriundos da exploração do petróleo e gás natural para a saúde17.
Embora estudos prévios tenham demonstrado a diversidade de regras de vinculação e fontes orçamentárias que condicionam o financiamento descentralizado do SUS18–22, poucos destacam os efeitos das transferências relacionadas ao petróleo na conformação da receita e magnitude da despesa municipal5,23.
Um segundo argumento, diz respeito à importância da escala regional como critério para agregação de informações, tendo em vista a comparação e a identificação de desigualdades intermunicipais na configuração de ‘regiões de saúde’, aspecto que assume papel de destaque na política nacional de saúde no contexto dos anos 200024.
A pesquisa foi orientada pelas seguintes questões: como se distribuem as receitas do petróleo nos orçamentos públicos municipais na região? De que forma a disponibilidade desses recursos repercute nas despesas municipais em saúde?
Inicialmente, apresenta-se uma breve síntese das regras de distribuição das rendas do petróleo e a caracterização da economia petrolífera na região em estudo. Em seguida, identificam-se o desenho, as fontes e os métodos empregados no levantamento e processamento das informações empíricas. Por fim, são descritos e discutidos os principais resultados do estudo, em diálogo com a literatura disponível, destacando-se suas possíveis implicações para o financiamento do SUS.
As transferências intergovernamentais de receitas derivadas do petróleo e gás – royalties e participação especial – seguem regulamentação específica25–27. A distribuição da parcela dos royalties correspondente a 5% do valor da produção, quando a extração é realizada em plataforma continental, se dá em função de critérios de localização dos municípios segundo as seguintes áreas geoeconômicas28,29: (a) zona de produção principal – conformada por municípios confrontantes com poços produtores e que possuam três ou mais instalações industriais de apoio à exploração, produção e escoamento de petróleo e gás natural; (b) zona de produção secundária – composta por municípios atravessados por oleodutos ou gasodutos; e (c) zona limítrofe à de produção principal – constituída por municípios contíguos aos da zona de produção principal e que sofram repercussões sociais ou econômicas da indústria petrolífera. Quando a parcela excede 5% do valor da produção, a distribuição contempla apenas os municípios confrontantes com o campo produtor e os afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural.
Adicionalmente aos royalties, no caso de grande volume de produção, ocorre o pagamento de participação especial aos municípios confrontantes com campos produtores. Os municípios que não se enquadram nas áreas de produção também são beneficiados por fundo especial e pelas transferências do estado produtor.
Com as regras vigentes, os recursos de royalties e participação especial possuem menor constrangimento de uso, uma vez que a legislação veda apenas o pagamento de dívidas e pessoal permanente, salvo situações específicas. Entretanto, a atual regulamentação das transferências intergovernamentais do petróleo pode ser alterada por legislação que se encontra sub judice no Superior Tribunal Federal30.
A ‘região de saúde’ Norte Fluminense é composta pelos municípios de Campos dos Goytacazes, Carapebus, Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, São João da Barra, São Fidélis e São Francisco de Itabapoana. Antes do petróleo, a economia da região girou em torno do cultivo e da industrialização da cana-de-açúcar, café e pecuária. A projeção dessa região se reduziu a partir dos fins do século XIX, com a abolição da escravatura, os desmembramentos territoriais, o fim do ciclo cafeeiro e a perda da competitividade da indústria açucareira9,31.
O Programa Nacional do Proálcool, criado pelo governo federal na segunda metade da década de 1970, voltou-se para substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por biocombustíveis, mas não teve efeito duradouro na região31. Na década de 1980, a crise econômica no país implicou no fechamento de inúmeras usinas e, por conseguinte, em elevada taxa de desemprego e precarização do trabalho no plano regional. A descoberta em 1974 de uma vasta reserva de petróleo em águas profundas no Campo de Garoupa possibilitou a geração de um novo ciclo econômico na região e a implantação de inúmeros serviços voltados à cadeia produtiva do petróleo.
De acordo com a definição de áreas geoeconômicas, os municípios de Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã e São João da Barra são classificados como pertencentes à zona de produção principal, enquanto Conceição de Macabu, São Fidélis e São Francisco de Itabapoana situam-se na zona limítrofe. Os municípios da zona principal são os que recebem parcelas mais significativas das rendas do petróleo, "desproporcionais aos impactos negativos da atividade de exploração e produção no território, sendo usualmente denominados de petrorentistas"32. Destaca-se que Macaé é o único município petrorentista que possui elevada concentração de atividades econômicas relacionadas à indústria do petróleo33.
A economia petrolífera impulsionou o crescimento demográfico desordenado na região nos anos 200033. Em comparação aos demais municípios, Macaé foi o que apresentou maior taxa de crescimento populacional, seguido por Carapebus e Quissamã34. Em Macaé, a explosão demográfica trouxe como consequências a piora das condições de vida, a degradação ambiental e o déficit de infraestrutura em relação ao esgotamento sanitário, gerando novas demandas para as políticas públicas33,35. Mas impactos positivos também são frequentemente sinalizados como, por exemplo, a ampliação do emprego e o aumento da arrecadação de tributos33,36.
Trata-se de um estudo de natureza quantitativa e exploratória. Para levantamento das receitas orçamentárias, rateio das participações governamentais e despesas em saúde dos municípios foram utilizadas as bases de dados de domínio público relativas ao Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e ao Info Royalties.
O SIOPS, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, disponibiliza informações sobre receitas e despesas com ações e serviços públicos de saúde. É considerada a principal fonte de dados com detalhamento sobre gastos públicos em saúde das três esferas governamentais. Estudos apontam para a confiabilidade do sistema, regularidade e qualidade crescente das informações37,38.
Já o Info Royalties é um sistema desenvolvido pela Universidade Cândido Mendes, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que disponibiliza informações sobre a distribuição e a aplicação das rendas petrolíferas no Brasil. Esse sistema tem a vantagem de fornecer de forma ágil uma série histórica dos royalties e participações especiais pagos aos beneficiários, a partir de 1999.
Do SIOPS foram extraídos dados sobre receitas arrecadadas e despesas realizadas (liquidadas), da administração direta e indireta, enquanto do Info Royalties, dados referentes às participações governamentais em valores correntes. Esses valores foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2011 a fim de possibilitar a análise comparativa das informações ao longo dos anos.
As receitas tributárias referidas são aquelas diretamente arrecadas pelos municípios (impostos, taxas e contribuições de melhoria). Quanto às transferências da União e do governo do estado, estas incluem as parcelas distribuídas para os municípios (cota-parte) das seguintes fontes de receitas: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI exportação), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), Desoneração de Exportações (LC 87/96) e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). As transferências do ICMS, do IPVA e do IPI têm origem no orçamento estadual (transferências estaduais), enquanto o FPM, o ITR, a LC 87/96 e o FNDE no orçamento federal (transferências federais). As ‘demais receitas’ disponíveis foram agregadas para fins de comparação.
Destaca-se que as transferências relacionadas ao SUS (nomeadas de forma genérica nas figuras como ‘SUS’) e às compensações financeiras derivadas da exploração do petróleo (denominados como ‘royalties’) foram tratadas separadamente para possibilitar a análise do peso dessas fontes nos orçamentos municipais. Ambas são transferidas da União e estado para os municípios.
O recorte temporal abrange a década de 2000, embora tenham sido priorizados os anos de 2007 a 2011 para análise do orçamento da saúde devido à redefinição do cálculo de indicadores no SIOPS em 2007.
Utilizou-se o tratamento estatístico descritivo para análise dos dados. A natureza do estudo tem como limitação a impossibilidade de detectar aspectos qualitativos nos gastos em saúde. Pesquisou-se o orçamento dos municípios que compõem a região Norte Fluminense, priorizando-se a comparação intermunicipal dos valores observados. Ressalta-se que o município de Cardoso Moreira não foi incluído na pesquisa uma vez que, em 2009, este situava-se na região Noroeste Fluminense no Plano Diretor de Regionalização da Saúde no estado15.
O Rio de Janeiro foi o principal beneficiário das receitas derivadas da exploração de petróleo, se comparado a outros estados produtores no Brasil, no período de 2000 a 2011 (Gráfico 1). O estado deteve, em média, 83% das compensações financeiras repassadas, enquanto o conjunto dos demais estados (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe) recebeu 17% do total.
Fonte: Info Royalties
Gráfico 1 Evolução das receitas derivadas da exploração do petróleo transferidas para os estados produtores e municípios do Rio de Janeiro, Brasil, 2000 a 2011. Nota: Receitas ajustadas para valores de Dezembro de 2011 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE.
No que tange às regiões do RJ, o Norte Fluminense concentrou 55% das receitas derivadas do petróleo e gás ao longo desse período. Embora Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã e São João da Barra tenham recebido o maior volume de rendas petrolíferas, todos os municípios da região se beneficiaram desse tipo de receita por serem territorialmente contíguos e pertencerem à mesma mesorregião definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para efeito de distribuição dos royalties.
Os maiores beneficiários foram Campos dos Goytacazes e Macaé que, receberam, respectivamente, em onze anos, o equivalente a 57,1% e 26,5% do volume total da receita regional.
No entanto, em relação aos valores per capita (Tabela 1), Quissamã foi o município com a maior proporção da receita até 2008. A partir de então, observa-se um decréscimo na participação de recursos derivados do petróleo, situação diferente daquela apresentada por outros municípios, principalmente São João da Barra.
Tabela 1 Receitas derivadas da exploração do petróleo transferidas para os municípios da região Norte Fluminense (valores em Reais per capita). Rio de Janeiro, Brasil, 2000 a 2011.
Municípios | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Zona de Produção Principal | |||||||
Campos dos Goytacazes | 787,42 | 927,53 | 1.475,73 | 1.742,63 | 1.877,37 | 2.133,90 | |
Carapebus | 2.504,63 | 2.862,52 | 3.936,52 | 3.875,20 | 3.512,98 | 3.685,93 | |
Macaé | 1.384,63 | 1.579,69 | 2.419,30 | 2.712,56 | 2.845,56 | 2.968,12 | |
Quissamã | 4.790,77 | 4.539,59 | 5.926,01 | 6.569,80 | 6.321,53 | 6.238,64 | |
São João da Barra | 899,26 | 1.067,58 | 320,77 | 1.665,82 | 1.947,85 | 2.090,31 | |
Zona Limítrofe | |||||||
Conceição de Macabu | 178,91 | 207,08 | 263,78 | 301,09 | 237,51 | 255,79 | |
São Fidélis | 109,61 | 126,91 | 162,84 | 184,18 | 145,76 | 158,22 | |
São Francisco de Itabapoana | 94,74 | 110,19 | 146,53 | 163,78 | 128,13 | 135,60 | |
Região Norte Fluminense | 914,15 | 1.047,02 | 1.557,22 | 1.846,65 | 1.951,32 | 2.140,72 | |
Municípios | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | |
Zona de Produção Principal | |||||||
Campos dos Goytacazes | 2.553,26 | 2.236,33 | 3.179,37 | 2.563,18 | 2.336,38 | 2.631,22 | |
Carapebus | 4.097,25 | 3.330,80 | 3.556,12 | 2.134,61 | 2.338,41 | 2.540,90 | |
Macaé | 3.269,80 | 2.662,12 | 3.122,03 | 2.232,80 | 2.117,57 | 2.270,06 | |
Quissamã | 7.342,88 | 9.415,69 | 8.920,06 | 5.127,30 | 4.768,08 | 4.466,25 | |
São João da Barra | 2.457,80 | 1.970,99 | 6.249,27 | 6.160,38 | 6.611,35 | 7.590,32 | |
Zona Limítrofe | |||||||
Conceição de Macabu | 269,54 | 206,39 | 271,74 | 203,67 | 222,86 | 260,85 | |
São Fidélis | 167,31 | 128,61 | 171,20 | 128,77 | 151,09 | 173,41 | |
São Francisco de Itabapoana | 141,64 | 107,57 | 146,24 | 109,20 | 141,74 | 162,86 | |
Região Norte Fluminense | 2.493,52 | 2.194,24 | 3.023,68 | 2.350,28 | 2.248,41 | 2.488,77 |
Fontes: Info Royalties e Informações de Saúde/DATASUS/MS.
Nota: Receitas ajustadas para valores de Dezembro de 2011 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE.
Na região Norte Fluminense, no período de 2007 a 2011, a arrecadação tributária dos municípios foi menor que as transferências da União e do governo do estado (Gráfico 2). Os dados mostram que as compensações financeiras oriundas da exploração do petróleo e gás são a principal fonte de receita da região. Neste período, elas representaram, em média, 46% dos orçamentos municipais.
Fonte: SIOPS/DATASUS/MS.
Gráfico 2 Principais fontes de receitas orçamentárias dos municípios da região Norte Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil, 2007 a 2011. Nota: Receitas arrecadadas, ajustadas para valores de Dezembro de 2011 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE.
Entre 2007 e 2011 deu-se um crescimento da receita tributária na região, de R$ 345 milhões para R$ 636 milhões. No entanto, houve queda na arrecadação em alguns anos nos municípios de Carapebus, Conceição de Macabu, Quissamã e São Francisco de Itabapoana. Na região, observaram-se, ainda, oscilações no volume das transferências da União e do governo do estado.
Macaé apresentou a maior participação de receita tributária (Gráfico 2), o que pode estar relacionado à sua condição de sede das operações da Petrobras e das empresas fornecedoras e prestadoras de serviços à indústria de petróleo na Bacia de Campos. Proporcionalmente ao total de receitas, as parcelas relacionadas às transferências do SUS eram pouco expressivas para os municípios petrorentistas, exceto para Campos dos Goytacazes. Para os demais municípios situados na zona limítrofe estas transferências tiveram relevância relativamente maior como fonte orçamentária.
Os municípios de Campos dos Goytacazes e Quissamã tiveram um aumento percentual de recursos federais pela ampliação de suas prerrogativas de gestão na política de saúde, respectivamente, a partir de 2010 e 2011. Entretanto, o volume de receitas per capita relativo às transferências do SUS em Campos dos Goytacazes foi menor se comparado a outros municípios da região.
Apesar das diferenças observadas nas receitas correntes municipais, com exceção de Quissamã (em 2008) e Campos dos Goytacazes (em 2007), no período de 2007 a 2011 todos os municípios aplicaram no mínimo 15% de receita vinculável em saúde. Em alguns anos, os municípios com menor percentual de royalties aplicaram mais no setor saúde do que os municípios petrorentistas, embora a despesa total com saúde por habitante tenha sido significativamente mais alta nos municípios com maior receita disponível. Tal fato se justifica em função dos royalties e as participações especiais não terem sido contabilizados no cálculo desse indicador.
Os municípios petrorentistas apresentaram maior oscilação nas despesas totais com saúde por habitante/ano (Gráfico 3). Quissamã foi o município que mais gastou com saúde, seguido por Carapebus e São João da Barra. Os municípios com despesas relativamente menores foram os que possuíam baixo percentual de royalties em seus orçamentos. O aumento da despesa de Campos dos Goytacazes, a partir de 2010, pode ser atribuído ao maior repasse SUS do governo federal tendo em vista que as demais fontes de receitas mantiveram-se estáveis.
Fonte: SIOPS/DATASUS/MS
Gráfico 3 Despesa total com saúde sob responsabilidade dos municípios da região Norte Fluminense (em valores reais per capita). Rio de Janeiro, Brasil, 2007 a 2011. Nota: Despesas realizadas, ajustadas para valores de Dezembro de 2011 pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE.
Destaca-se que a proporção das transferências do SUS na despesa total com saúde nos municípios petrorentistas foi menor que 8,5%, de 2007 a 2011. A única exceção foi Campos dos Goytacazes, cuja participação das transferências do SUS correspondeu, em média, cerca de 17% da despesa total nesse período. No caso dos municípios situados na zona limítrofe, a dependência das transferências do SUS é relativamente maior: em média 30% em Conceição de Macabu e São Francisco de Itabapoana, e 28% em São Fidélis. Se consideradas as fontes de receitas municipais (tributos, royalties e outras transferências constitucionais), estas foram responsáveis por cerca de 90% das despesas totais em saúde nos municípios petrorentistas e por 70% nos municípios situados na zona limítrofe.
No detalhamento das despesas com saúde (Tabela 2) percebe-se que Campos dos Goytacazes e São Francisco de Itabapoana apresentaram maior proporção de despesa com investimentos no período de 2007 a 2011. Observa-se, ainda, significativa variação da despesa com pessoal entre os municípios: ora a redução foi acompanhada por aumento da despesa com serviços de terceiros – pessoa jurídica, ora o aumento se deu de modo concomitante à redução de serviços de terceiros, ora ambas aumentaram simultaneamente.
Tabela 2 Evolução das despesas com saúde sob responsabilidade municipal (em percentual e R$ per capita) segundo os principais tipos de despesa, região Norte Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil, 2007 a 2011.
Municípios | Ano | Participação da despesa com serviços de terceiros/pessoa jurídica na despesa total com Saúde | Participação da despesa com pessoal na despesa total com Saúde | Participação da despesa com medicamentos na despesa total com Saúde | Participação da despesa com investimentos na despesa total com Saúde | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
% | R$ per capita | % | R$ per capita | % | R$ per capita | % | R$ per capita | |||
Zona de Produção Principal | ||||||||||
Campos dos Goytacazes | 2007 | 1,6 | 5,28 | 0,7 | 2,32 | 22,0 | 70,65 | 6,3 | 20,41 | |
2008 | 58,0 | 457,88 | 1,8 | 14,14 | 8,2 | 65,01 | 4,0 | 31,28 | ||
2009 | 58,5 | 458,69 | 7,3 | 9,9 | 29,1 | 77,75 | 1,4 | 11,29 | ||
2010 | 40,5 | 453,38 | 5,3 | 56,83 | 32,1 | 326,09 | 5,8 | 64,37 | ||
2011 | 44,0 | 461,14 | 4,1 | 59,44 | 23,3 | 336,21 | 2,8 | 29,35 | ||
Carapebus | 2007 | 56,6 | 931,29 | 6,8 | 42,97 | 23,0 | 384,31 | 0,4 | 6,09 | |
2008 | 57,2 | 928,61 | 4,2 | 111,97 | 19,0 | 373,20 | 2,7 | 43,81 | ||
2009 | 66,7 | 862,50 | 2,8 | 68,15 | 15,6 | 245,49 | 0,0 | 0,13 | ||
2010 | 69,5 | 886,17 | 7,3 | 36,71 | 24,2 | 199,35 | 1,8 | 22,32 | ||
2011 | 57,9 | 787,30 | 12,3 | 93,49 | 9,6 | 328,60 | 0,4 | 5,98 | ||
Macaé | 2007 | 62,4 | 545,88 | 1,2 | 167,22 | 12,2 | 84,16 | 2,2 | 19,60 | |
2008 | 53,5 | 376,44 | 1,9 | 10,06 | 12,2 | 85,73 | 2,7 | 18,99 | ||
2009 | 57,1 | 603,50 | 11,6 | 13,22 | 17,1 | 129,19 | 1,1 | 11,83 | ||
2010 | 66,0 | 704,09 | 6,5 | 122,33 | 14,1 | 182,42 | 1,1 | 11,51 | ||
2011 | 70,5 | 845,27 | 5,5 | 69,73 | 43,0 | 168,65 | 0,2 | 2,64 | ||
Quissamã | 2007 | 45,4 | 1.078,34 | 3,6 | 65,92 | 44,7 | 1.021,27 | 1,8 | 42,56 | |
2008 | 42,3 | 1.082,28 | 3,6 | 86,55 | 45,3 | 1.143,64 | 1,2 | 31,45 | ||
2009 | 41,6 | 851,24 | 3,5 | 91,79 | 46,5 | 927,77 | 1,2 | 24,35 | ||
2010 | 40,5 | 835,77 | 3,6 | 70,80 | 45,0 | 959,35 | 0,9 | 18,57 | ||
2011 | 40,5 | 857,32 | 4,7 | 75,10 | 4,3 | 951,26 | 2,7 | 56,92 | ||
São João da Barra | 2007 | 29,8 | 241,15 | 6,9 | 100,29 | 3,5 | 34,84 | 1,1 | 8,81 | |
2008 | 24,4 | 255,15 | 5,6 | 55,62 | 14,1 | 36,43 | 10,0 | 104,08 | ||
2009 | 39,6 | 403,16 | 8,6 | 58,67 | 21,5 | 143,11 | 3,3 | 33,18 | ||
2010 | 57,7 | 684,79 | 9,8 | 87,43 | 29,7 | 254,98 | 0,7 | 7,72 | ||
2011 | 60,3 | 744,54 | 7,6 | 116,15 | 366,46 | 0,0 | 0,00 | |||
Zona Limítrofe | ||||||||||
Conceição de Macabu | 2007 | 80,1 | 287,70 | 3,4 | 12,31 | 3,2 | 11,45 | 0,6 | 2,26 | |
2008 | 79,9 | 281,25 | 3,2 | 11,16 | 3,0 | 10,56 | 1,7 | 5,91 | ||
2009 | 78,2 | 317,04 | 4,3 | 17,46 | 4,4 | 17,63 | 0,9 | 3,73 | ||
2010 | 79,2 | 341,69 | 1,3 | 5,48 | 3,6 | 15,36 | 0,8 | 3,41 | ||
2011 | 75,8 | 372,03 | 0,5 | 2,45 | 5,0 | 24,69 | 3,2 | 15,71 | ||
São Fidélis | 2007 | 43,6 | 78,31 | 0,0 | 0,00 | 27,1 | 48,60 | 1,5 | 2,75 | |
2008 | 48,7 | 91,77 | 13,2 | 24,94 | 26,7 | 50,26 | 0,1 | 0,26 | ||
2009 | 44,2 | 94,40 | 3,0 | 6,37 | 27,0 | 57,79 | 1,9 | 3,98 | ||
2010 | 52,7 | 122,73 | 5,9 | 13,82 | 23,2 | 54,16 | 1,2 | 2,70 | ||
2011 | 53,6 | 143,06 | 0,0 | 0,00 | 23,1 | 61,70 | 1,4 | 3,69 | ||
São Francisco de Itabapoana | 2007 | 58,8 | 149,52 | 5,1 | 12,95 | 6,9 | 17,63 | 6,5 | 16,41 | |
2008 | 63,3 | 168,09 | 5,6 | 14,97 | 8,7 | 23,06 | 3,3 | 8,63 | ||
2009 | 59,6 | 171,45 | 5,2 | 15,08 | 17,5 | 50,42 | 3,9 | 11,14 | ||
2010 | 67,8 | 223,02 | 7,7 | 25,18 | 10,9 | 35,78 | 2,8 | 9,05 | ||
2011 | 68,6 | 259,41 | 2,0 | 7,52 | 10,3 | 39,08 | 2,8 | 10,66 | ||
Região Norte Fluminense | 2007 | 29,2 | 187,82 | 1,6 | 10,18 | 14,2 | 91,08 | 2,9 | 18,44 | |
2008 | 46,0 | 412,77 | 2,1 | 18,84 | 10,6 | 95,18 | 3,1 | 27,78 | ||
2009 | 50,0 | 468,84 | 7,3 | 67,99 | 12,0 | 112,27 | 1,3 | 11,85 | ||
2010 | 49,0 | 511,47 | 5,8 | 60,02 | 25,6 | 266,70 | 3,9 | 40,27 | ||
2011 | 53,4 | 557,15 | 4,7 | 49,47 | 26,5 | 275,84 | 1,9 | 19,42 |
Fonte: SIOPS /DATASUS/MS.
As despesas com medicamentos também apresentaram oscilações importantes, tendo sido proporcionalmente mais altas, em alguns anos, nos municípios com menor receita disponível e, em valores per capita, mais significativas entre os petrorentistas.
A variação do montante de royalties distribuído para os entes subnacionais no Brasil ocorre em função da ‘sorte’ de sua posição geográfica em relação à plataforma continental33,36. Neste estudo, verificou-se que o pacto federativo adotado na distribuição dos royalties tende a acentuar as diferenças intrarregionais nas condições de financiamento e gasto municipal de saúde.
No entanto, Gobetti39 chama atenção que os desequilíbrios federativos entre as distintas esferas de governo (verticais) e entre entes de uma mesma esfera de governo (horizontais) não se restringem aos royalties, devendo ser analisados no contexto do conjunto de receitas próprias e transferências intergovernamentais que caracteriza nosso regime fiscal.
A arrecadação direta de impostos municipais apresentou menor expressão orçamentária se comparada às transferências da União e do estado como fonte orçamentária. Esse comportamento se assemelha ao observado no estudo realizado por Guedes e Gasparini40 sobre a distribuição das receitas municipais nos anos de 2000 e 2002. Os autores identificaram que as transferências correntes aos municípios brasileiros representavam, em média, 66% das receitas municipais, passando para 68,4% no ano de 2002, enquanto que a receita tributária significava apenas 17,8% da receita total passando para 17,1% em 2002.
Entretanto, a dependência das rendas petrolíferas nos municípios da região foi bem superior ao conjunto de municípios do estado, como evidenciado em outro trabalho sobre as receitas fiscais no RJ em 201141. Segundo Queiroz e Postali42, a dependência de recursos do petróleo pode gerar ineficiências no esforço tributário dos municípios beneficiados.
Observou-se que a parcela de receitas relativa às transferências do SUS nas despesas com saúde foi pouco expressiva, principalmente, para os petrorentistas, se comparadas às demais fontes de recursos. No caso de Campos dos Goytacazes, o baixo volume dessas receitas tende a comprometer a própria organização regional de serviços de saúde. Tal como corroborado pelo estudo de Siqueira43, o orçamento insuficiente não garante o redimensionamento da capacidade instalada de serviços ou o atendimento às migrações intermunicipais nesse município que concentrava, no final dos anos 2000, cerca de 87% dos serviços especializados na região.
O aumento de repasse SUS para alguns municípios expressa a estratégia do governo federal em descentralizar a gestão conforme preconizado na Constituição Federal de 1988. No entanto, esses recursos possuem baixo poder redistributivo na região, na medida em que sua transferência para os municípios se baseia em normativas estabelecidas pelo Ministério da Saúde que privilegiam, principalmente, os critérios populacionais, a adesão às políticas nacionais de saúde, a série histórica de produção e a prestação de serviços de saúde20.
Segundo Lima20, as dificuldades de redistribuição desses recursos devem-se a problemas estruturais do financiamento e dos mecanismos de transferência em vigor: os mecanismos utilizados desconsideram as possibilidades reais de aporte de recursos e ampliação de gasto a partir das receitas próprias das esferas subnacionais e o volume de recurso transferido é insuficiente para superar as limitações orçamentárias das jurisdições menos desenvolvidas. Destaca-se que os critérios para o estabelecimento dos valores a serem transferidos a estados, Distrito Federal e municípios na Lei n° 141 de 2012 (art.17)16 são mais amplos do que os adotados pelo Ministério da Saúde.
A variação na participação de recursos financeiros associados ao petróleo resultou em diferenças significativas nas despesas totais com saúde. Em geral, despesas mais elevadas foram observadas nos municípios com maior arrecadação de receitas de royalties.
Os diferentes tipos de despesas também variaram de forma importante, sendo que os municípios petrorentistas tenderam a apresentar despesas per capita mais elevadas. A multiplicação de contratação de pessoas físicas e jurídicas, de forma terceirizada, verificada nos municípios beneficiados por royalties, já havia sido sinalizada por alguns autores32,33,36, tendo como propósito sanar o desequilíbrio gerado pela ampliação dos equipamentos e serviços públicos e os limites de despesas com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em síntese os resultados demonstram que a abundância de recursos financeiros associado ao petróleo em alguns municípios implicou em diferenças significativas na despesa total com saúde sob responsabilidade municipal na região. A forte dependência das rendas do petróleo sugere maior autonomia no gasto em saúde se comparado a outros municípios do país com maior proporção de transferências SUS como fonte de despesa21. No entanto, a execução e a distribuição das despesas por tipo (pessoal, medicamentos, serviços de terceiros e investimentos) não variaram de forma proporcional a maior disponibilidade de receitas correntes e sugerem outros fatores condicionantes das escolhas feitas no momento da execução orçamentária.
Conclui-se que é preciso estabelecer novos critérios de distribuição e uso de receitas para favorecer a equalização dos gastos em saúde e a articulação entre as ações dos governos no ambiente regional.