versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 no.9 Rio de Janeiro 2019 Epub 16-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00103319
O artigo Atenção Primária à Saúde e Organizações Sociais nas Capitais da Região Sudeste do Brasil: 2009 e 2014, publicado em CSP 1, aborda um assunto de grande relevância para o Brasil contemporâneo. Ao realizar este estudo, os autores trazem luzes às diferentes formas de administração de unidades básicas de saúde (UBS), usando como base as capitais da região mais rica do país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; https://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm, acessado em 15/Mai/2019). Por meio da Administração Direta (AD) ou de Organizações Sociais (OS), as prefeituras buscaram expandir a rede de atenção primária sem que, para isto, grandes gastos orçamentários fossem usados, em uma ótica das políticas neoliberais que emergiram em nosso país no final do século passado.
De modo ímpar, os dados apresentados evidenciam que as capitais com uso de AD, Belo Horizonte (Minas Gerais) e Vitória (Espírito Santo), apresentaram avanços mais significativos nos indicadores de saúde quando comparadas com as capitais que têm, em sua maioria, UBS de OS. O fato de o Rio de Janeiro ter expandido o seu número de UBS em tão pouco tempo revela uma das poucas atrações do modelo de OS: menos burocracia de criação e instalação, e maior facilidade em fazer contratos de serviço e atuação do que a atuação direta do Estado em toda a sua estrutura administrativa/orçamentária. Por outro lado, infelizmente, tal cobertura por equipes de atenção básica carioca não andou em compasso com a expansão nas outras capitais que não usaram este modelo 1.
Entretanto, tal estudo analisou as capitais de modo generalizado, demonstrando uma falta de dados direcionados a cada região das cidades observadas. De acordo com o IBGE (https://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm, acessado em 15/Mai/2019), a cidade de São Paulo apresenta uma população maior do que a soma das outras três capitais da Região Sudeste. Com mais de 11 milhões de habitantes, não analisar a cidade de modo direcionado aos seus diversos setores faz com que a análise generalizada esconda peculiaridades da atenção básica na periferia, bem como no centro e bairros nobres paulistanos, fatos também aplicáveis às demais capitais, que estão entre as mais populosas do país. Tais estudos regionalizados poderiam clarear questionamentos como a evolução dos dados de saúde para as populações mais carentes no período analisado.
Além disso, podemos fazer uma análise mais crítica sobre o uso de OS pelas prefeituras analisadas e o peso orçamentário por elas representado. As OS são definidas como instituições do “terceiro setor” que, segundo Violin 2 nos informa, são instituições privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária. Todavia, ao analisarmos as dez maiores OS do país, podemos comprovar que estas estão presentes em diversas cidades, inclusive em diferentes regiões geográficas, colocando em xeque a finalidade filantrópica das mesmas, já que podem direcionar verbas recebidas para o pagamento de diretores da instituição. Além disso, de acordo com Moraes et al. 3, cabe uma indagação do por que, em uma sociedade de mercado, essas entidades estariam motivadas tão-somente pelos valores da filantropia, da solidariedade social ou do interesse público 3.
De maneira geral, ao observarmos de modo crítico, da forma em que o artigo nos apresenta, podemos entender as vantagens que a AD apresenta sobre as OS na atenção básica em saúde, embora peculiaridades de cada cidade tenham sido ignoradas. Além disso, questionar a atuação das OS e seus crescimentos por intermédio do financiamento público ora direcionado ao Sistema Único de Saúde (SUS) é de suma importância para validarmos sua necessidade de aplicação, ou mesmo extinguir tal modalidade, para que o SUS seja fortalecido e, acima de tudo, a população tenha seu acesso constitucional à saúde garantido.