On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.29 no.3 São Paulo mai./June 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600039
Os processos organizativos na Atenção Primária à Saúde (APS) têm-se desenvolvido ao longo dos anos de várias formas, sob a ótica do contexto político, social e cultural de cada país. Diante dos diferentes tipos de abordagens de APS, a Organização Mundial de Saúde apontou, em 2007, elementos essenciais para revitalizar a capacidade dos países em elaborar uma estratégia coordenada, eficaz e sustentável de APS nas Américas. A organização é um desses elementos, cujo objetivo é contribuir para uma implantação mais ampla e profunda do modelo de APS.(1)
Na década de 1990, no Brasil, foram implantados o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família (PSF), com mudanças do foco do modelo tradicional de atenção centrado no aspecto biológico e no indivíduo para outro que olha a coletividade, com ênfase na saúde e seus fatores determinantes.(2)
O PACS, precursor do PSF, buscou melhorar as condições de saúde das comunidades, especialmente dos problemas ligados à saúde materno-infantil.(3) O PSF, reconhecido posteriormente como Estratégia Saúde da Família (ESF), incorporou Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na equipe de trabalho, foi considerada estratégia prioritária para expansão dos serviços e ações de APS no país, voltado para atenção de indivíduos, famílias e comunidade, de forma integral, contínua e organizada.(4)
Na política de APS do Brasil propõe-se um modelo de APS abrangente em que a ESF atue como ordenadora do sistema de saúde em redes de atenção, ou seja, nos arranjos organizativos de serviços e ações de saúde para avançar quanto à coordenação e à integralidade da atenção.(4)
Na ESF todos os possíveis membros da equipe (médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, ACS, dentistas, técnicos e auxiliares em saúde bucal) possuem atribuições comuns e específicas no processo organizativo das ações.(4) Todavia, tem-se evidenciado dificuldade de avanço desses processos devido aos diferentes contextos locais, fato que justifica a necessidade de continuar analisando seu desenvolvimento, pois podem contribuir para melhor desempenho e impacto das ações de APS na saúde da população.(5)
Nos últimos anos, o Estado de Minas Gerais tem-se destacado pelo compromisso com várias mudanças, sobretudo, no processo organizativo das equipes de APS. Uma das iniciativas foi a implantação do Plano Diretor da Atenção Primária à Saúde (PDAPS), ocorrida no período de 2007 a 2010 em 853 municípios, cujo objetivo foi cooperar para a reorganização dos Sistemas Municipais de Saúde, por meio do fortalecimento da APS e da construção de redes integradas de atenção à saúde.(6)
Com o PDAPS, pretendeu-se implantar instrumentos de organização da APS, como prontuário de saúde da família e linhas-guia de atenção à saúde; e de gestão da clínica, como diagnóstico, programação local e municipal, protocolo de Manchester para classificação de risco, contrato de gestão e sistema de monitoramento.(6)
Sua implantação gerou mobilização de cerca de 50.000 profissionais da APS no Estado. Há, contudo, escassez de publicações que analisem a efetividade das alterações propostas. Nesse sentido, buscou-se verificar se o PDAPS correspondeu às expectativas quanto aos processos organizativos esperados, utilizando uma apreciação normativa, ou seja, abordagem avaliativa baseada na comparação de componentes avaliados com critérios e normas estabelecidos.(7)
Assim, este artigo analisou os processos organizativos das equipes da ESF de um município do Estado, após implantação do PDAPS nas seguintes dimensões: princípios da APS, diagnóstico, programação local, acolhimento e classificação de risco, prontuário saúde da família, abordagem familiar, relacionamento com a comunidade, redes de atenção à saúde, apoio diagnóstico, contrato de gestão, sistemas de informação, monitoramento, saúde da mulher e da criança.
Estudo transversal após implantação do PDAPS no ano de 2010, no município de Unaí, situado no noroeste do Estado de Minas Gerais, com população de 77.565 habitantes. Faz divisa com municípios que compõem o entorno do Distrito Federal e o Estado de Goiás, e é importante ponto estratégico para progresso da região.
Este município foi escolhido por ser sede de Gerência Regional de Saúde (GRS) e polo no noroeste do Estado. Possui nove equipes da ESF cobrindo 46,20% da população, uma policlínica para atendimento de especialidades médicas, um hospital e uma unidade de pronto atendimento. A policlínica e o hospital municipal ofertam procedimentos para 12 municípios pertencentes ao noroeste do Estado, sendo a GRS responsável por mediar o processo de pactuação. Casos de maior complexidade não atendidos em Unaí são encaminhados para Brasília ou pontos pactuados no Estado de Minas Gerais, como Patos de Minas, Uberlândia, Uberaba e Belo Horizonte.
Tal aspecto exige, portanto, que a APS de Unaí esteja bem estruturada, funcione de forma resolutiva, e sirva de referência para desenvolvimento dos serviços de saúde no noroeste mineiro, de maneira a reduzir a demanda de serviços de maior complexidade.
Para coleta dos dados, foi utilizado questionário tipo Likert elaborado e validado pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) com finalidade de analisar os processos organizativos após implantação do PDAPS. Esse questionário apresentou 129 itens de verificação e abrangeu as dimensões citadas anteriormente. O quadro 1 apresenta temáticas abordadas em cada dimensão.
Quadro 1 Dimensões e temáticas abordadas nas verificações
Dimensões | Temática abordada nas verificações |
---|---|
Princípios da APS | Conhecimento e estruturação na prática profissional. |
Diagnóstico | (Re)cadastramento anual da população, classificação das famílias segundo o risco, uso de mapas de distribuição de enfermidades e situações de risco no território. |
Programação local | Implantação de linhas-guia e protocolos, estratificação segundo o risco (hipertensos, diabéticos, gestantes, crianças, adolescentes, adultos, idosos e saúde bucal) e estruturação e execução das ações programadas. |
Acolhimento e classificação de risco | Utilização de princípios de acolhimento, implantação do Protocolo de Manchester e organização da agenda para atenção à demanda espontânea e programada |
Prontuário saúde da família | Uso do prontuário com classificação segundo o risco, implantação da versão eletrônica, sigilo das informações e avaliação de prontuários |
Abordagem familiar | Aplicação dos instrumentos genograma e ciclo de vida às famílias. |
Relacionamento com a comunidade | Participação da equipe nas reuniões do Conselho Local e Municipal de Saúde; interação, divulgação de ações e de resultados para a comunidade; conhecimento e relação do profissional com pessoas mais conhecidas da comunidade. |
Redes de Atenção à Saúde | Conhecimento dos protocolos de referência para atenção secundária e terciária, acesso aos exames laboratoriais e de imagem, sistema de regulação e de transporte de usuários na rede, e pactuação com outros pontos de atenção. |
Apoio diagnóstico | Implantação de protocolos clínicos laboratoriais, planejamento da quantidade de exames pelas equipes, e organização do fluxo processual antes e após a realização dos exames. |
Contrato de gestão | Conhecimento do profissional sobre metas municipais pactuadas no contrato; pactuação de indicadores e metas locais; acompanhamento da meta relacionada ao pré-natal, à vacinação e aos exames citopatológicos em mulheres de 25 a 59 anos; e contrato das equipes com a coordenação municipal. |
Sistemas de informação | Frequência de alimentação e o uso dos dados no planejamento das ações. |
Monitoramento | Conhecimento das metas pactuadas para a APS do município, elaboração de proposta de monitoramento das metas, organização de processos para o alcance das metas, realização do monitoramento conforme planejado. |
Saúde da mulher | Ações realizadas para garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, pré-natal, puerpério, prevenção e controle do câncer de mama e colo do útero, e climatério |
Saúde da criança | Ações na primeira semana de vida, para o crescimento e desenvolvimento infantil, concernentes à vacinação e à alimentação saudável. |
Os questionários foram autorrespondidos pelos nove enfermeiros da ESF devido à atribuição de gerente da equipe. Cada item de verificação apresentou quatro opções de respostas com escores de 0 a 3, cujo valor possuía um significado que permitiu identificar o estágio de desenvolvimento do processo organizativo da equipe de saúde. Foi esclarecido para os nove participantes que escore 0 significava a não implantação do item analisado; escore 1, implantação incipiente (em estágio inicial); escore 2, avançada (processo em desenvolvimento, mas não no estágio inicial ou ideal); e escore 3, ótima (de forma ideal e consolidada). Por meio desse instrumento foi verificado se os processos organizativos atingiram estágio ótimo, objetivo almejado pela SES/MG após implantação do PDAPS.
Utilizou-se a média e a mediana dos escores para análise dos dados de cada dimensão e item averiguado. Como a média e a mediana foram diferentes, demonstrando que não havia distribuição normal dos dados, escolheu-se a mediana como parâmetro mais fiel para a análise.
O teste de Kruskal-Wallis foi empregado para comparar a implantação dos processos organizativos pelas equipes, com significância de 5%. Não se aplicou o teste para as dimensões diagnóstico local, apoio diagnóstico, sistemas de informação, abordagem familiar e relacionamento com a comunidade, pois possuíam menos de cinco itens de verificação, o que diminuiria o poder do teste estatístico. A análise estatística dos dados foi realizada no programa Statistical Package for the Social Science.
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa(CEP), da Universidade de Brasília , com protocolo nº 158/10. Assinatura dos termos de consentimento livre e esclarecido não era necessário, quando os dados foram fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Para efeito de classificação, as dimensões saúde da mulher e da criança foram definidas como processos organizativos ligados à atenção à saúde, e as demais, como pertencentes à área de gestão, ou seja, relacionadas às ações necessárias para organização da APS e gestão da clínica na ESF.
As tabelas 1 e 2 apresentam, respectivamente, resultados das dimensões ligadas à gestão e à atenção à saúde. Diferença estatística foi identificada entre as equipes para as dimensões princípios da APS, programação local, monitoramento, saúde da mulher e da criança (p<0,05).
Tabela 1 Resultado das dimensões ligadas à gestão dos processos organizativos na Estratégia Saúde da Família
Dimensões | Nº de itens analisados | Escores | p-value* | |
---|---|---|---|---|
Mediana | Média | |||
Princípios da APS | 5 | 1 | 1,4666 | 0,015 |
Diagnóstico Local | 4 | 1,5 | 1,6111 | Não calculado |
Programação Local | 12 | 1 | 1,4722 | 0,000 |
Acolhimento e Classificação de Risco | 5 | 1 | 1,5333 | 0,375 |
Prontuário Saúde da Família | 5 | 0 | 0,8 | 0,165 |
Abordagem Familiar | 2 | 1 | 1 | Não calculado |
Relacionamento com a Comunidade | 3 | 1 | 1,1111 | Não calculado |
Redes de Atenção | 7 | 1 | 0, 8730 | 0,107 |
Apoio Diagnóstico | 3 | 0 | 0,3333 | Não calculado |
Contrato de Gestão | 6 | 2 | 2 | 0,107 |
Sistemas de Informação | 2 | 2 | 2,0555 | Não calculado |
Monitoramento | 5 | 1 | 1,1777 | 0,000 |
Total | 59 | 1 | 1,31 | 0,000 |
*Teste de Kruskal-Wallis p<0,05
Tabela 2 Resultado das dimensões ligadas à atenção à saúde nos processos organizativos na Estratégia Saúde da Família
Dimensões | Nº de itens analisados | Escores | p-value* | |
---|---|---|---|---|
Mediana | Média | |||
Saúde da Mulher | 40 | 2 | 2,025 | 0,000 |
Saúde da Criança | 30 | 3 | 2,4111 | 0,000 |
Total | 70 | 2 | 2,19 | 0,000 |
*Teste de Kruskal-Wallis p<0,05
Além disso, salienta-se que na dimensão diagnóstico foi verificada a existência de processo em estágio avançado para (re)cadastramento anual e classificação segundo o risco das famílias do território de atuação das equipes.
Na programação local identificou-se estruturação incipiente do plano de trabalho, porém com execução avançada. A estratificação segundo o risco para gestantes, crianças, adultos, idosos, hipertensos e diabéticos foi considerada avançada; incipiente para adolescentes; e não implantada para a saúde bucal.
Nas dimensões acolhimento e classificação de risco e prontuário saúde da família, respectivamente, o protocolo de Manchester e a versão eletrônica do prontuário não foram implantados.
Quanto às redes de atenção à saúde, destaca-se incipiência no acesso aos exames laboratoriais; e na dimensão contrato de gestão, o estabelecimento de ações para cumprimento de metas de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 59 anos em estágio ótimo de implantação.
Apesar do resultado avançado para a saúde da mulher, ressalta-se incipiência na implantação de ações para climatério, direito de escolha do método contraceptivo, atenção à gestante HIV positiva, acompanhamento da saúde bucal das gestantes, e utilização dos sistemas de informação para controle do câncer de mama. Na dimensão saúde da criança não houve implantação de estratégias para acompanhamento da saúde bucal.
Esta pesquisa limitou-se a analisar processos organizativos na ESF conforme instrumento elaborado pela SES/MG, e não contemplou processos de atenção à saúde em todos os ciclos de vida. O método adotado não respondeu por que alguns elementos do PDAPS tiveram menos sucesso na implantação. Recomenda-se ampliação do instrumento avaliativo para esclarecer pontos não abordados.
Verificaram-se desafios a serem enfrentados para desenvolvimento dos processos organizativos na APS, principalmente relacionados à gestão da atenção. Os resultados assemelham-se a algumas situações identificadas na estruturação da APS na América Latina.(8-10)
Nem todos os processos analisados atingiram estágio ótimo, mas o PDAPS apresentou-se como estratégia para sua implantação, sobretudo auxiliando os enfermeiros, que mormente, assumem a função de gerente das equipes da ESF.
Quanto aos princípios da APS, pode-se dizer que são utilizados na fundamentação da ESF.(4) Resultados favoráveis são evidenciados para sua implantação em unidades com a ESF, todavia, nota-se objeção no estabelecimento de alguns princípios, como longitudinalidade, orientação comunitária, entre outros.(11)
A incipiência nessa dimensão concorda com estudo que identificou um nível inadequado de apreensão e conhecimento dos princípios e diretrizes da ESF, evidenciando dificuldade de progresso na implantação desses na prática de saúde.(12)
Esses dados salientam necessidade contínua de educação permanente para equipes da ESF, cursos de especialização e residência em saúde da família, para otimizar a abordagem do processo saúde-doença. Porém, é fundamental que atores e instituições responsáveis pela formação em nível médio e superior atuem insistentemente para fortalecer os princípios da APS na prática dos futuros profissionais.(11)
A respeito do diagnóstico local, o resultado detectado acerca do (re)cadastramento da população do território e para estratificação das famílias segundo o risco, reforça a importância do ACS como membro da equipe de saúde, conforme recomenda a Política Nacional de Atenção Básica do Brasil.(4)
O resultado incipiente dessa dimensão deixa claro que os momentos do processo de trabalho podem ser mais explorados para coleta e atualização dos dados do território/famílias. Este dado coaduna com pesquisa que identificou pouco conhecimento do histórico de saúde e das condições de vida dos usuários e famílias pelos profissionais da ESF.(13) Tais situações implicam resgatar sua significação para a prática em saúde, a fim de estabelecer planejamentos coerentes com a realidade social, econômica e sanitária.
Na dimensão programação local, a elaboração incipiente do plano de ação, mas com execução avançada, indica tendência em valorizar mais a realização das ações do que propriamente seu planejamento. Os resultados obtidos na implantação das linhas-guia e dos protocolos clínicos validados reforçam a tônica de descompasso na utilização desses instrumentos teóricos na prática profissional, desfavorecendo a resolutividade das ações de saúde.
Relata-se que a existência da linha-guia não garante sua adoção pelos profissionais, sendo mais influenciada pelas características individuais e crenças da instituição do que do treinamento recebido.(14,15) No Brasil há registro de dificuldade para sua adesão na ESF.(15) A implantação de estratégias pode contribuir para sua adoção na APS, melhorando a qualidade do serviço e a segurança do paciente.(16)
O avanço quanto à estratificação de risco para crianças, adultos, idosos e doentes crônicos demonstra que é possível classificar o risco e programar as ações, aspecto relevante para enfrentar as tendências de envelhecimento populacional e de mudanças no perfil epidemiológico das comunidades. Quanto aos adolescentes, o resultado incipiente sugere maior envolvimento da escola e pais para otimização dos cuidados.(17)
O resultado incipiente quanto ao acolhimento e a não implantação do protocolo de Manchester sinalizam necessidade de avançar quanto à humanização do atendimento. No Brasil, a produção científica é incipiente sobre acolhimento com classificação de risco, contudo, ressalta-se sua colaboração ao priorizar pacientes que precisam de tratamento imediato ou em condições agudas, reforçando o princípio da equidade na ESF.(18-20)
Concernente ao prontuário saúde da família destaca-se inexistência da versão eletrônica, a qual facilitaria o conhecimento do paciente, prestação do cuidado longitudinal, fluxo da informação clínica, coordenação e integração à rede de atenção à saúde.(21) Ademais, reduziria erros no tratamento medicamentoso e no diagnóstico, incidentes frequentes que afetam a segurança dos pacientes na APS.(22)
Apesar da instituição da portaria ministerial nº 529/2013, reconhece-se a necessidade de ampliação da cultura de segurança do paciente e de processos que garantam segurança das informações nos sistemas eletrônicos, evitando erros médicos e posteriores problemas judiciais.(22-24)
Acerca da abordagem familiar, a incipiência encontrada demonstra uma atenção sem profundidade adequada para conhecimento de problemas das famílias e suas possíveis causas. Isso pode ser reflexo de processos de trabalho centrados na doença e no indivíduo; problema comum na APS da América Latina, pois apesar do avanço do modelo de medicina familiar, exige-se maior comprometimento para implantar as mudanças requeridas.(10,25)
O resultado incipiente no relacionamento com a comunidade mostra que é preciso maior mobilização para estimular o desenvolvimento da autonomia dos cidadãos no cuidado à saúde individual e coletiva. Essa ação pode repercutir no enfrentamento dos determinantes e condicionantes de saúde, na organização dos serviços e no exercício do controle social, objetivos recomendados pela política brasileira de atenção básica.(4)
O frágil relacionamento com a comunidade pode ser reflexo de atuação pautada no modelo de saúde predominantemente focado na doença. Para avançar, admite-se a necessidade de criar espaços na rotina diária dos profissionais para se relacionar com as pessoas, tal como se automotivarem para conceber ações que favoreçam a comunicação.(26)
No Brasil, a ESF contribui para efetivação das redes devido à sua potencialidade para coordenar a atenção do usuário e integrar os serviços, desde que os pontos de referenciamento secundário e terciário sejam previamente estabelecidos e suficientes para a demanda.(27) Em Minas Gerais verifica-se progresso na construção das redes, como ocorrido na macrorregião norte e em Belo Horizonte, denotando possibilidade de superar desafios para sua implantação.(28,29) Em Unaí, o resultado incipiente indica fraca conexão da APS com os pontos de atenção, mostrando premência de maiores esforços para assegurar atendimento integral ao usuário.
Para promover acesso às ações e serviços de saúde, a portaria nº 4.279/2010 do Ministério da Saúde introduziu diretrizes para construção das redes de atenção, e o decreto presidencial nº 7.508/2011 reforçou a relevância das redes regionalizadas e hierarquizadas.(4)
Os processos organizativos para apoio diagnóstico laboratorial não foram implantados segundo critérios de análise deste estudo. Entretanto, o município utilizou outro meio para oportunizar acesso dos usuários aos exames laboratoriais, afirmação justificada pelo resultado incipiente encontrado nesse quesito na dimensão rede de atenção. Assim, para garantir acesso aos serviços e progresso na estruturação da rede de atenção, a organização do apoio diagnóstico depende da oferta suficiente de exames.
Considera-se o contrato de gestão uma das principais inovações na reforma da gestão pública voltada para resultados com contribuições para mudança na qualidade dos serviços públicos.(30) Apesar de resultado avançado nesta pesquisa, seu uso é pouco estudado na saúde pública.(30)
Baseado nos resultados apresentados, notou-se que a pactuação de metas nesse contrato pode ter colaborado para melhor desempenho da dimensão sistemas de informação. Isso foi observado para a prevenção do câncer de colo do útero (meta pactuada pelo contrato de gestão - mediana 3) quando comparada com o controle do câncer de mama (meta não pactuada pelo contrato - mediana 1). Assim se reconhece que a implantação do contrato de gestão pode beneficiar a qualificação dos sistemas de informação e, por conseguinte, do processo de monitoramento, dimensão incipiente nesta pesquisa. Sugere-se incluir outras metas no contrato de gestão para ampliar a responsabilização dos profissionais sobre os resultados desejados e aprimorar o monitoramento.
Para a saúde da mulher e da criança (área de atenção à saúde), os resultados avançado e ótimo, respectivamente, indicam uma conquista histórica de melhor organização desses segmentos, principalmente devido à implantação do PACS no país na década de 1990.(3) Entretanto, verificou-se no município estudado a necessidade de avançar em alguns processos organizativos relacionados à saúde da mulher, conforme os resultados apresentados, para não afetar a adesão ao tratamento.
Quanto à saúde bucal evidenciou-se dificuldade para a estratificação segundo o risco e de execução de ações de acompanhamento para gestantes e crianças. A não incorporação dessas ações à ESF não condiz com a Política de Saúde Bucal do Brasil, que assumiu novos contornos na APS, principalmente no período de 2003 a 2010.(2) Tal achado demonstra urgência em estabelecer ações nessa área na rotina das equipes, o que poderá fortalecer o trabalho interdisciplinar dos profissionais da ESF.
Quando se comparou a implantação dos processos organizativos com a aplicação do teste estatístico, foram encontrados diferentes graus de mobilização e engajamento das equipes nas dimensões princípios da APS, programação local, monitoramento, saúde da mulher e da criança. Esse dado mostra que, apesar de as equipes trabalharem em unidades de saúde sujeitas à mesma coordenação de APS, é possível não seguirem um mesmo padrão para desenvolvimento das ações, podendo gerar resultados piores para a saúde da população em determinados territórios. Portanto, o envolvimento dos profissionais de saúde é fundamental para a qualidade da atenção e a renovação do modelo de APS vigente.
Este estudo teve como limitação o fato de possuir uma amostra pequena e representar a realidade de certo local em determinado momento de sua história. Porém, contribuiu no sentido de apontar dimensões mais estruturadas, bem como aquelas carentes de investimento relacionadas aos processos organizativos na APS. Espera-se que os resultados e reflexões apresentados possam estimular o aperfeiçoamento de estratégias políticas e administrativas ligadas aos processos organizativos na APS, de forma a otimizar o desempenho e o impacto das ações na saúde da população.
Na análise o PDAPS permitiu melhorar os processos organizativos atinentes à área da atenção à saúde, todavia, os processos relacionados à gestão foram incipientes, o que revela a necessidade de maiores investimentos na organização do sistema local da Estratégia Saúde da Família.