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Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo

Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo

Autores:

Jessica de Souza Alves,
Maria Inês Couto de Oliveira,
Rosane Valéria Viana Fonseca Rito

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.4 Rio de Janeiro abr. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018234.10752016

Abstract

This article aims to analyze the association between guidance on breastfeeding in primary health care and exclusive breastfeeding. It involved a cross-sectional study conducted in 2013 in the city of Rio de Janeiro, Brazil, by means of interviews with 429 mothers of infants below six months of age in primary care units. We estimated adjusted prevalence ratios by Poisson regression. In the final model, the variables associated with the outcome (p ≤ 0.05) were retained. The prevalence of exclusive breastfeeding was 50.1%. In multivariate analysis, guidance on exclusive breastfeeding in primary care was directly associated with the outcome (PR = 1.32). Maternal income < 1 minimum wage (PR = 0.77), previous breastfeeding experience for less than 6 months (PR = 0.73), not living with a partner (PR = 0.76), non-exclusive breastfeeding at discharge (PR = 0.78), alcohol consumption (OR = 0.57), guidance on pumping breast milk (PR = 0.53), pacifier use (PR = 0, 74) and baby's age in months (PR = 0.78) were associated inversely with the outcome. Guidance on exclusive breastfeeding favored it, while inadequate guidance and practices were associated with a lower prevalence of the outcome.

Key words Breastfeeding guidance; Primary health care; Cross-sectional studies

Introdução

Estudos evidenciam que o aleitamento materno confere inúmeros benefícios tanto para o bebê1,2, como para a mãe3. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, pois o leite materno reúne as características nutricionais ideais para a criança nesta fase da vida4.

No Brasil, a mediana de aleitamento materno exclusivo aumentou de 1,1 meses em 1996 para 1,4 meses em 20065. Segundo pesquisa realizada nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, constatou-se aumento de 1 mês na duração mediana do aleitamento materno exclusivo, que passou de 23,4 dias, em 1999, para 54,1 dias, em 20086. Portanto, esta prática tem avançado, mas ainda está distante do preconizado4.

Os avanços na prática do aleitamento materno podem ser atribuídos às ações de promoção iniciadas no Brasil em 19817. Na década de 1990, estratégias de promoção do aleitamento materno nos serviços de saúde foram lançadas, como a Iniciativa Hospital Amigo da Criança pela OMS e UNICEF8 e a Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM), pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Esta iniciativa preconiza “Dez Passos para o Sucesso da Amamentação”, criados com base em revisão sistemática sobre ações desenvolvidas na atenção primária, com efetividade na extensão da duração do aleitamento materno exclusivo, como orientações prestadas às gestantes no pré-natal e às mães no acompanhamento do binômio mãefilho9.

Os índices e a duração do aleitamento materno exclusivo podem ser influenciados por intervenções de orientação e apoio ao aleitamento materno por profissionais de saúde10,11. Contudo, poucos estudos têm investigado as orientações prestadas às gestantes e mães na atenção básica, bem como sua associação com o aleitamento materno exclusivo.

O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre o recebimento de orientações sobre amamentação em unidades básicas de saúde e o aleitamento materno exclusivo. Espera-se que as orientações prestadas às mães gerem um aumento na prevalência do desfecho estudado.

Métodos

Trata-se de estudo transversal conduzido em unidades básicas de saúde do Município do Rio de Janeiro nos meses de novembro e dezembro de 2013, como parte da pesquisa “Avaliação dos fatores associados à doação de leite materno por usuárias de unidades básicas de saúde da cidade do Rio de Janeiro”12. A população do estudo original foi composta por mães de crianças menores de um ano acompanhadas pelas nove unidades básicas do município com “Posto de Recebimento de Leite Humano Ordenhado”, que estimulam as nutrizes a doar o leite materno excedente e encaminham-no a Bancos de Leite Humano13.

O projeto de pesquisa foi desenhado para a investigação de vários desfechos relativos à amamentação e à doação de leite humano. O tamanho da amostra original foi definido com base em uma prevalência de 50% do desfecho, pois garante o maior tamanho de amostra possível para nível de erro e confiança controlados14. Considerando um alfa de 5% e um poder de 80%, para detectar uma razão de chances de 1,5, foi obtida uma amostra de 697 mães, a partir de uma demanda média mensal de 1321 bebês menores de um ano assistidos pelas nove unidades. A amostra de mães entrevistadas em cada unidade foi proporcional à média do número de crianças menores de um ano consultadas em cada unidade nos meses de setembro e outubro de 2013. Eram elegíveis mães com filho menor de um ano consultado pelo menos uma vez na unidade12.

No presente estudo foi investigada a associação entre as orientações recebidas sobre amamentação e o aleitamento materno exclusivo. Para tal, foram selecionadas apenas as mães de bebês menores de seis meses, em número de 429. Com base em uma variável de exposição principal, o recebimento de orientações sobre as vantagens do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, o poder do estudo foi calculado em 69%.

Os instrumentos foram questionários estruturados, previamente testados em estudo piloto realizado em duas unidades primárias da cidade do Rio de Janeiro, nos meses de setembro e outubro de 2013. Foram aplicados por seis entrevistadoras, enfermeiras ou nutricionistas, previamente capacitadas em treinamento com carga horária de 20 horas, e no estudo piloto. Sob supervisão, as entrevistadoras coletaram dados em todos os turnos de atendimento da unidade de saúde até que o tamanho amostral fosse atingido. O período de coleta de dados em cada unidade variou de 25 dias a um mês e meio.

As entrevistas foram conduzidas mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, as mães sendo informadas sobre a não obrigatoriedade da participação no estudo, sendo garantido o sigilo das informações. O estudo foi submetido ao comitê de ética e pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e aprovado segundo o parecer n° 228ᵃ, de 18/08/2013.

A alimentação do bebê foi verificada por meio de questões fechadas sobre o consumo nas últimas 24 horas (current status) de leite materno, água, chás, outros líquidos, outros tipos de leite e outros alimentos. Foi possível, dessa forma, tipificar se a criança recebeu ou não leite materno de forma exclusiva nas 24 horas que antecederam a pesquisa, segundo as definições da OMS4.

Foi construído um modelo teórico hierarquizado15 para a prática de aleitamento materno exclusivo, com base em revisão sistemática que identificou fatores que influenciam esta prática no cenário nacional16. No nível distal, foram contempladas características maternas e domiciliares; no nível intermediário, características da assistência pré-natal, ao parto, do bebê ao nascer e da assistência no hospital; e no nível proximal, as características de estilo de vida materno, as orientações em aleitamento materno recebidas na unidade básica de saúde e as características do bebê (Figura 1).

Figura 1 Modelo teórico hierarquizado da prática de aleitamento materno exclusivo entre mães usuárias de unidades básicas de saúde no município do Rio de Janeiro, 2013. 

As variáveis de exposição principal foram as orientações em aleitamento materno. As orientações avaliadas tiveram como base procedimentos preconizados pela IUBAAM9: orientar gestantes e mães sobre as vantagens do aleitamento materno exclusivo até os seis meses (relativa ao Passo 3); mostrar às gestantes e mães como amamentar e como manter a lactação, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos (Passo 6); encorajar a amamentação sob livre demanda (Passo 8); orientar gestantes e mães sobre os riscos do uso de mamadeiras (relativa ao Passo 9); implementar grupos de apoio à amamentação acessíveis a gestantes e mães (relativa ao Passo 10).

O banco de dados com as informações, obtidas por meio das entrevistas com as mães, foi elaborado por meio do programa Epi-Info 2000 e a análise dos dados foi conduzida pelo programa SPSS17.

Como a prevalência do desfecho foi elevada, optou-se por analisar os dados por modelo de regressão de Poisson com variância robusta17, sendo obtidas as razões de prevalência (RP) brutas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. As variáveis de exposição que obtiveram p-valor menor ou igual a 0,20 foram selecionadas para análise múltipla. O modelo final foi composto pelas variáveis de exposição que se mostraram associadas ao desfecho com nível de significância observado menor ou igual a 5% (p ≤ 0,05).

Resultados

Das 697 mães de crianças menores de um ano amostradas, quatro se recusaram a ser entrevistadas e foram repostas por mães subsequentes, e duas foram duplamente entrevistadas, sendo a segunda entrevista descartada. Restaram 695 mães para análise, das quais 266 foram excluídas por terem filhos com seis meses ou mais. Para fins do presente estudo, foram analisadas 429 mães. A prevalência de aleitamento materno exclusivo entre as crianças menores de seis meses foi de 50,1%.

Quanto às características maternas, 22,8% das mães eram adolescentes, mais da metade tinha escolaridade inferior ao ensino médio completo, 28,0% recebiam menos de um salário mínimo, 38,2% não possuíam renda própria, e 13,5% das mães amamentaram o último filho por menos de seis meses. Quanto às características domiciliares, 21,2% das mães não viviam com o companheiro e 62,2% residiam em comunidade de baixa renda. Uma menor prevalência de aleitamento materno exclusivo (p ≤ 0,20) foi observada entre mães adolescentes, não brancas, com escolaridade inferior ao ensino médio, com renda inferior a um salário mínimo, entre primíparas e entre multíparas que amamentaram o último filho por menos de seis meses, que não viviam com o companheiro e cujo chefe da família não era o companheiro (Tabela 1).

Tabela 1 Prevalência e razão de prevalência bruta de aleitamento materno exclusivo em menores de 6 meses segundo características maternas e domiciliares. Município do Rio de Janeiro, 2013. 

Características N % AME (%) RPb AME
Idade da mãe
13-19 anos 98 22,8 39,8 0,748*
20-45 anos 331 77,2 53,2 1
Cor da pele
Não branca 328 76,5 47,3 0,795*
Branca 101 23,5 59,4 1
Escolaridade materna
Até 10 anos completos 267 62,2 46,4 0,827*
11 anos completos ou mais 162 37,8 56,2 1
Renda materna
Sem renda 164 38,2 53,7 1
1 salário mínimo ou mais 144 33,6 52,8 0,984
< 1 salário mínimo 120 28,0 42,5 0,792*
Experiência prévia em AM
AM por < 6 meses 58 13,5 43,1 0,771*
Primíparas 219 51,0 47,9 0,857*
AM por ≥ 6 meses 152 35,4 55,9 1
Vive com companheiro
Sim 338 78,8 53,6 1
Não 91 21,2 37,4 0,698*
Chefe da família
Companheiro 282 65,9 54,6 1
Outra pessoa 146 34,1 41,8 0,765*
N° de moradores
Até 4 moradores 270 62,9 49,3 1
De 5 a 11 moradores 159 37,1 51,6 1,047
Local de moradia
Bairro 162 37,8 51,2 1
Comunidade 267 62,2 49,4 0,965

RPb = razão de prevalência bruta; AME = aleitamento materno exclusivo; AM = aleitamento materno;

*p < 0,20.

Em relação à assistência pré-natal, 10,7% foram acompanhadas por menos de seis consultas. Mais de três quartos das mulheres foi orientada sobre aleitamento materno, tendo 59,0% recebido orientações na consulta, 39,2% em grupos educativos e 4,4% durante visita domiciliar. Quanto às características do parto, pouco mais de um quarto das mães tiveram seus filhos em Hospitais Amigos da Criança e 42,4% tiveram parto cesáreo. Em relação às características do bebê e de sua assistência hospitalar, 6,1% nasceram com baixo peso, 17,2% ficaram internados em unidade neonatal e 21,7% não tiveram alta hospitalar em aleitamento materno exclusivo. Uma menor prevalência de aleitamento materno exclusivo foi observada entre mães acompanhadas por menos de seis consultas pré-natais, com parto em hospitais não credenciados na Iniciativa Hospital Amigo da Criança e que não amamentavam exclusivamente na alta hospitalar (Tabela 2).

Tabela 2 Prevalência e razão de prevalência bruta de aleitamento materno exclusivo em menores de 6 meses segundo características da assistência pré-natal e ao parto, características do bebê e da assistência no hospital. Município do Rio de Janeiro, 2013. 

Características N % AME (%) RPb AME
N° de consultas de pré-natal
6 ou mais consultas 379 88,3 52,5 1
0 a 5 consultas 46 10,7 32,6 0,609*
Recebeu orientação no PN sobre AM
Sim 338 78,8 50,3 1,017
Não 91 21,2 49,5 1
Forma de orientação no PN Consulta
Sim 253 59,0 49,8 0,954
Não 176 41,0 50,6 1
Grupo de apoio
Sim 168 39,2 53,6 1,130
Não 261 60,8 47,9 1
Visita domiciliar
Sim 19 4,4 47,4 0,936
Não 410 95,6 50,2 1
Hospital de nascimento
Hospital Amigo da Criança 118 27,6 55,1 1
Não credenciado 309 72,4 48,2 0,875*
Tipo de parto
Cesariana 182 42,4 52,7 1,095
Normal 247 57,6 48,2 1
Idade gestacional
Pré-termo 41 9,6 41,5 0,813
A termo 388 90,4 51,0 1
Peso ao nascer
< 2500g 26 6,1 46,2 0,916
2500 g ou mais 403 93,9 50,4 1
Primeira mamada
Após a primeira hora 182 42,4 47,3 0,905
Na primeira hora 247 57,6 52,2 1
Internação em unidade neonatal
Sim 74 17,2 50,0 0,997
Não 355 82,8 50,1 1
AME na alta hospitalar
Sim 336 78,3 53,0 1
Não 93 21,7 39,8 0,751*

PN = pré-natal; RPb = razão de prevalência bruta; AME = aleitamento materno exclusivo; AM = aleitamento materno;

*p ≤ 0,20.

Quanto às varáveis proximais, 40,3% das mães exerciam trabalho remunerado, 12,4% fumavam, 11,7% consumiam bebida alcoólica e 15,4% tinham auto percepção desfavorável da saúde. A grande maioria das mães (82,9%) foi orientada na unidade básica sobre a importância do aleitamento materno exclusivo por 6 meses, mais da metade (63,4%) foi orientada sobre como colocar o bebê no peito para mamar, 56,4% sobre ordenha manual das mamas, 76,5% sobre livre demanda, e 76,9% quanto ao não uso de mamadeira. Mais da metade dos bebês (55,1%) usava chupeta, e 41,0% estavam no segundo bimestre de vida. Uma menor prevalência de aleitamento materno exclusivo foi observada entre as mães que fumavam, que consumiam bebida alcoólica, que percebiam a própria saúde como ruim ou regular, que foram orientadas sobre ordenha das mamas com uso de bomba, cujos bebês usavam chupeta e não estavam no primeiro bimestre de vida. Uma maior prevalência de aleitamento materno exclusivo foi observada entre as mães que receberam orientações sobre a importância da amamentação exclusiva por 6 meses, sobre pega e posição do bebê no peito, sobre livre demanda e sobre o não uso de mamadeira (Tabela 3).

Tabela 3 Prevalência e razão de prevalência bruta de aleitamento materno exclusivo em menores de 6 meses segundo o estilo de vida materno, as orientações sobre aleitamento materno recebidas na unidade básica e características do bebê. Município do Rio de Janeiro, 2013. 

Estilo de vida e orientações N % AME (%) RPb AME
Estuda
Sim 44 10,3 52,3 1,045
Não 384 89,7 50,0 1
Trabalho remunerado
Sim 173 40,3 51,4 1,045
Não 256 59,7 49,2 1
Fuma
Sim 53 12,4 34,0 0,648*
Não 376 87,6 52,4 1
Consome bebida alcoólica
Sim 50 11,7 28,0 0,528*
Não 379 88,3 53,0 1
Percepção da sua saúde
Ruim ou regular 66 15,4 36,4 0,691*
Boa 363 84,6 52,6 1
Orientação sobre AME
Sim 355 82,9 52,7 1,424*
Não 73 17,1 37,0 1
Orientação sobre pega/posição
Sim 272 63,4 53,3 1,196*
Não 157 36,6 44,6 1
Orientação sobre ordenha
Não 168 39,2 49,4 1
Sim, com as mãos 242 56,4 52,5 1,062
Sim, com a bomba 19 4,4 26,3 0,533*
Orientação sobre livre demanda
Sim 238 76,5 52,1 1,197*
Não 101 23,5 43,6 1
Orientação sobre o não uso de mamadeira
Sim 329 76,9 52,6 1,239*
Não 99 23,1 42,4 1
Uso de chupeta
Sim 192 55,1 40,1 0,686*
Não 236 44,9 58,5 1
Sexo do bebê
Masculino 232 54,1 49,6 0,977
Feminino 197 45,9 50,8 1
Idade do bebê
< 2 meses 110 25,6 75,5 1
2-3 meses e 29 dias 176 41,0 48,9 0,648*
4-5 meses e 29 dias 143 33,3 32,2 0,426*

RPb = razão de prevalência bruta; AME = aleitamento materno exclusivo;

*p < 0,20.

Na análise múltipla, ter recebido orientação sobre a importância da amamentação exclusiva por 6 meses associou-se positivamente ao aleitamento materno exclusivo. Já a renda materna inferior a um salário mínimo, a experiência prévia de amamentar o último filho por menos de seis meses, não viver com companheiro, não ter tido alta hospitalar em aleitamento materno exclusivo, consumo de bebida alcoólica, ter sido orientada sobre ordenha das mamas com uso de bomba, uso de chupeta pelo bebê e sua idade crescente em meses foram fatores associados negativamente ao aleitamento materno exclusivo (p ≤ 0,05) (Tabela 4).

Tabela 4 Análise múltipla hierarquizada dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo entre mães de crianças menores de 6 meses assistidas em unidades básicas. Município do Rio de Janeiro, 2013. 

Características distais RP ajustada de AME IC95% p-valor
Renda materna
Sem renda 1
1 salário mínimo ou mais 1,033 0,856-1,248 0,732
< 1 salário mínimo 0,771 0,609-0,975 0,030
Experiência prévia de AM
AM por < 6 meses 0,728 0,540-0,981 0,037
Primíparas 0,840 0,699-1,010 0,064
AM por ≥ 6 meses 1
Vive com companheiro
Sim 1
Não 0,761 0,585-0,991 0,042
Características intermediárias
AME na alta hospitalar
Sim 1
Não 0,775 0,614-0,979 0,032
Características proximais
Consumo de bebida alcoólica
Sim 0,567 0,380-0,845 0,005
Não 1
Orientação sobre AME
Sim 1,320 1,001-1,741 0,049
Não 1
Orientação sobre ordenha
Não 1
Sim, com as mãos 1,028 0,814-1,162 0,760
Sim, com a bomba 0,527 0,263-1,000 0,050
Uso de chupeta
Sim 0,739 0,616-0,887 0,001
Não 1
Idade do bebê em meses 0,781 0,739-0,825 <0,001

RP = razão de prevalência; AME = aleitamento materno exclusivo; AM = aleitamento materno.

Discussão

A metade das crianças no primeiro semestre de vida, assistidas por unidades básicas que dispunham de Posto de Recebimento de Leite Humano Ordenhado, na cidade do Rio de Janeiro, estava em aleitamento materno exclusivo. Esta proporção foi superior à encontrada pela Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde no Brasil, em 2006 (38,6%)5, e pela Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal no Rio de Janeiro, em 2008 (40,7%)18. A prevalência de aleitamento materno exclusivo encontrada foi um pouco superior à verificada entre 2007 e 2008 na mesma clientela da rede básica da cidade do Rio de Janeiro (47,6%)19, podendo tanto representar um avanço decorrente das políticas desenvolvidas, ou refletir um maior envolvimento das unidades básicas que dispõem de Posto de Recebimento de Leite Humano Ordenhado na promoção do aleitamento materno exclusivo.

As mulheres com renda inferior a um salário mínimo apresentaram uma prevalência de amamentação exclusiva 23% inferior às mães que não tinham renda própria, que provavelmente eram sustentadas pelo companheiro ou pela família. Esse resultado se assemelha aos achados de Martins et al.20 e de Mascarenhas et al.21, que ao acompanharem coortes de nascimento observaram que a baixa renda familiar foi um fator associado à interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo. Achado preocupante, na medida em que crianças de famílias de baixa renda são mais vulneráveis à morbimortalidade infantil, e a introdução precoce de outros alimentos pode potencializar este risco22.

Ter amamentado o último filho por período inferior a 6 meses se associou a uma menor prevalência de aleitamento materno exclusivo, de forma similar ao estudo de Pereira et al.23, realizado em 27 unidades básicas da cidade do Rio de Janeiro, onde a prevalência de amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida foi 27% superior entre mulheres que haviam amamentado previamente por mais de seis meses. Experiências anteriores de amamentação bemsucedida podem não garantir, mas possivelmente interferem positivamente na decisão e na prática dos moldes preconizados de aleitamento materno com filhos posteriores24.

Não viver com o companheiro se associou a uma prevalência de aleitamento materno exclusivo 24% inferior. É importante que a mulher nutriz seja apoiada na prática da amamentação exclusiva por pessoas próximas, principalmente o companheiro, pois seu estímulo é o mais significativo para que a mulher possa amamentar25. De forma convergente ao presente estudo, Pereira et al.23 observaram que mulheres que viviam com o companheiro apresentaram aleitamento materno exclusivo 72% superior.

As orientações sobre aleitamento materno em grupos educativos e durante visitas domiciliares no pré-natal foram pouco frequentes e não se associaram ao aleitamento materno exclusivo, possivelmente porque estes espaços não vêm sendo aproveitados em seu potencial. Esses resultados diferem dos encontrados no Rio de Janeiro23, e em Pernambuco26, onde orientações em grupo e visitas domiciliares, respectivamente, se associaram a prevalências superiores de aleitamento materno exclusivo e mostraram-se fontes importantes de apoio à amamentação. Mães que recebem orientações em grupo se sentem mais assistidas pela diversidade de experiências compartilhadas e pela segurança proporcionada por este espaço, possibilitando-as a tomar decisões relativas ao aleitamento materno27.

A prevalência de amamentação exclusiva foi 22% menor entre as mães que não tiveram alta hospitalar em aleitamento materno exclusivo. Associação ainda de maior intensidade foi observada em outro estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro23, onde o aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar dobrou a prevalência de amamentação exclusiva no primeiro semestre de vida. O oferecimento de complementos no hospital pode prejudicar o estabelecimento da lactação e a produção de leite adequada, dificultando o aleitamento materno exclusivo28.

A prevalência de aleitamento materno exclusivo entre as mães que consumiam bebida alcoólica foi 43% inferior. Chaves et al.29 observaram em Minas Gerais que mulheres que relataram fazer uso de álcool e tabaco amamentaram seus filhos por menos tempo do que aquelas que não faziam uso destas substâncias. O Ministério da Saúde contraindica o uso de álcool durante o período de amamentação, pois a ingestão de doses iguais ou superiores a 0,3g/kg de peso pode reduzir a produção láctea, dificultando o aleitamento materno exclusivo. O consumo de álcool pela nutriz pode também modificar o aroma e o sabor do leite materno, levando à redução da sua ingestão pelo lactente30. O consumo elevado de álcool pela mãe pode inclusive gerar sonolência, atraso no crescimento e diminuição do ganho de peso no bebê31.

A única orientação que se associou positivamente a este desfecho foi sobre a importância do aleitamento materno exclusivo por seis meses, que correspondeu a uma prevalência 32% superior de amamentação exclusiva, diferentemente do encontrado por Pereira et al.23. Este é um achado importante, pois o reflexo das orientações em aleitamento materno prestadas na atenção básica é tema pouco estudado, e o presente estudo foi o primeiro a encontrar uma associação positiva entre a orientação sobre o aleitamento materno exclusivo e a sua prática.

Um aspecto preocupante é que as orientações sobre pega e posição, relevantes para o manejo da amamentação, mas que requerem tempo e habilidade dos profissionais de saúde, foram menos abordadas do que informações sobre a importância do aleitamento materno exclusivo, sobre a amamentação em livre demanda e sobre o não uso de mamadeira. No entanto, a associação entre as orientações sobre pega e posição e o aleitamento materno exclusivo, observada por Pereira et al.23, não se confirmou no presente estudo.

A prevalência de aleitamento materno exclusivo entre as mães que receberam orientação sobre ordenha das mamas com uso de bomba foi quase a metade em relação às mães não orientadas. O uso de bombas de extração de leite pode acarretar problemas como traumas mamilares e monilíase, gerando dor, uma importante causa de desmame32. Esta variável precisa ser melhor investigada, pois foi identificado apenas um estudo que explorou a orientação sobre ordenha das mamas, sem distinguir o tipo, não tendo sido verificada associação com o aleitamento materno exclusivo23.

O uso de chupeta se mostrou inversamente associado ao aleitamento materno exclusivo. Crianças que usavam chupeta foram amamentadas exclusivamente 26% menos do que as que não usavam. A repercussão do uso da chupeta sobre o aleitamento materno exclusivo tem sido mostrada por diversos estudos16. O uso de chupeta é prejudicial à amamentação pois pode acarretar confusão de bicos, reduzir a frequência das mamadas e diminuir a produção do leite materno. No entanto, a relação causal entre o uso de chupeta e o desfecho não é clara, pois não se sabe se o uso de chupeta é um marcador da interrupção do aleitamento materno exclusivo, ou se é uma causa da mesma. O uso de chupeta pode ainda estar relacionado à insegurança da mãe em amamentar, assim como a dificuldades e problemas vivenciados ao longo do processo da amamentação33.

A prevalência de aleitamento materno exclusivo diminuiu em 22% a cada mês de vida do bebê. À medida que aumenta a idade da criança a probabilidade da introdução de outros líquidos e alimentos também aumenta. Em estudo realizado em Barra Mansa, no Estado do Rio de Janeiro, o aleitamento materno exclusivo se reduziu em 1% a cada dia de vida da criança34 e na cidade do Rio de Janeiro a amamentação exclusiva foi reduzida em 17% a cada mês da criança23.

Limitações do presente estudo devem ser apontadas. As mães podem não ter se recordado de informações prestadas há mais tempo, como as relativas ao período da gravidez, portanto a falta de associação do desfecho com a assistência pré-natal poderia também ser atribuída a viés de memória. Outra questão a ser ressalvada é a população do estudo. Unidades de saúde com Posto de Recebimento de Leite Humano Ordenhado provavelmente estão mais engajadas na promoção do aleitamento materno, portanto as orientações prestadas nestas unidades podem não refletir a prática do conjunto das unidades primárias da cidade do Rio de Janeiro.

Conclui-se que a orientação sobre a importância do aleitamento materno exclusivo por seis meses se associou a uma maior prevalência desta prática. Entretanto, orientações sobre o manejo da amamentação não mostraram influência sobre o aleitamento materno exclusivo no contexto estudado, sinalizando que a frequência e a qualidade destas orientações precisam ser aprimoradas. As crianças de mães de baixa renda, sem companheiro e que consumiam bebidas alcoólicas, conhecidos fatores de risco para desfechos infantis31,35, apresentaram uma menor prevalência de aleitamento materno exclusivo, contribuindo assim para a perpetuação das desigualdades em saúde nos grupos de maior vulnerabilidade.

Recomenda-se que a rede primária de saúde preste orientações às gestantes e mães sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno. Os profissionais de saúde devem possuir habilidades de aconselhamento às mães36 e capacitação em estratégias de promoção e apoio ao aleitamento materno na atenção primária9, para que suas orientações sejam efetivas e as mães possam se sentir seguras e superar possíveis dificuldades que surjam no processo da amamentação, contribuindo, assim, para a prática do aleitamento materno exclusivo, cuja mediana em nosso país ainda é baixa. Recomenda-se também que mais estudos sejam conduzidos sobre o tema, para que se conheça melhor as orientações em aleitamento materno e a forma como vêm sendo prestadas na atenção primária.

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