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Os Custos das Doenças Cardíacas no Brasil

Os Custos das Doenças Cardíacas no Brasil

Autores:

Bryce Stevens,
Lynne Pezzullo,
Lara Verdian,
Josh Tomlinson,
Alice George,
Fernando Bacal

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.1 São Paulo jul. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180104

Resumo

Fundamento:

As doenças cardíacas impõem limitações à qualidade de vida nos aspectos físicos, sociais, financeiros e de saúde no Brasil.

Objetivos:

Este estudo avaliou o custo de quatro importantes doenças cardíacas no Brasil: hipertensão, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio e fibrilação atrial. Além disso, avaliou a relação de custo-efetividade de telemedicina e suporte telefônico estruturado para o manejo de insuficiência cardíaca.

Métodos:

Um custo padrão da estrutura de enfermidade foi usado para avaliar os custos associados às quatro condições em 2015. Analisou-se a prevalência das quatro doenças e, em caso de infarto do miocárdio, também sua incidência. Avaliaram-se ainda as despesas associadas ao tratamento, a perda de produtividade a partir da redução do emprego, os custos do fornecimento de assistência formal e informal e o bem-estar perdido referentes às condições. A análise teve por base uma revisão de literatura-alvo, varredura de dados e modelagem. Todos os inputs e métodos foram validados por 15 clínicos consultores e outras partes interessadas no Brasil. A análise de custo-efetividade baseou-se em uma meta-análise e uma avaliação econômica de programas após a alta de pacientes com insuficiência cardíaca, considerados a partir da perspectiva do Sistema Único de Saúde do Brasil.

Resultados:

Infarto do miocárdio acarretou o mais alto custo financeiro (R$ 22,4 bilhões/6,9 bilhões de dólares), seguido de insuficiência cardíaca (R$ 22,1 bilhões/6,8 bilhões de dólares), hipertensão (R$ 8 bilhões/2,5 bilhões de dólares) e, finalmente, fibrilação atrial (R$ 3,9 bilhões/1,2 bilhão de dólares). Telemedicina e suporte telefônico estruturado são intervenções custo-efetivas para o aprimoramento do manejo da insuficiência cardíaca.

Conclusões:

As doenças cardíacas determinam substanciais custos financeiros e perda de bem-estar no Brasil e deveriam ser uma prioridade de saúde pública.

Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares/economia; Hipertensão; Insuficiência Cardíaca; Infarto do Miocárdio; Fibrilação Atrial

Abstract

Background:

Heart conditions impose physical, social, financial and health-related quality of life limitations on individuals in Brazil.

Objectives:

This study assessed the economic burden of four main heart conditions in Brazil: hypertension, heart failure, myocardial infarction, and atrial fibrillation. In addition, the cost-effectiveness of telemedicine and structured telephone support for the management of heart failure was assessed.

Methods:

A standard cost of illness framework was used to assess the costs associated with the four conditions in 2015. The analysis assessed the prevalence of the four conditions and, in the case of myocardial infarction, also its incidence. It further assessed the conditions’ associated expenditures on healthcare treatment, productivity losses from reduced employment, costs of providing formal and informal care, and lost wellbeing. The analysis was informed by a targeted literature review, data scan and modelling. All inputs and methods were validated by consulting 15 clinicians and other stakeholders in Brazil. The cost-effectiveness analysis was based on a meta-analysis and economic evaluation of post-discharge programs in patients with heart failure, assessed from the perspective of the Brazilian Unified Healthcare System (Sistema Unico de Saude).

Results:

Myocardial infarction imposes the greatest financial cost (22.4 billion reais/6.9 billion USD), followed by heart failure (22.1 billion reais/6.8 billion USD), hypertension (8 billion reais/2.5 billion USD) and, finally, atrial fibrillation (3.9 billion reais/1.2 billion USD). Telemedicine and structured telephone support are cost-effective interventions for achieving improvements in the management of heart failure.

Conclusions:

Heart conditions impose substantial loss of wellbeing and financial costs in Brazil and should be a public health priority.

Keywords: Cardiovascular Diseases/economics; Hypertension; Heart Failure; Myocardial Infarction; Atrial Fibrillation

Introdução

As doenças cardíacas impõem limitações à qualidade de vida relacionadas a aspectos físicos, sociais, financeiros e de saúde dos indivíduos. Tais doenças resultam em um custo e um impacto na sociedade devidos às despesas com tratamento de saúde, perda de produtividade no emprego, custos do fornecimento de assistência formal e informal e perda de bem-estar. Atualmente as doenças circulatórias constituem o maior ônus para a saúde no mundo, sendo responsáveis por mais de 17 milhões de mortes a cada ano, o que representa metade de todas as mortes por doença não transmissível.1

No Congresso Mundial de Cardiologia e Saúde Cardiovascular de 2016, a Declaração do México para Saúde Circulatória foi assinada pelas principais organizações globais comprometidas em melhorar a saúde circulatória e em reduzir as mortes e a incapacidade por doenças cardíacas e acidente vascular encefálico no mundo. Tal iniciativa acha-se alinhada com o objetivo claro estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos países signatários para reduzir as mortes por doenças não transmissíveis em 25% até 2025.1 Nossa análise identifica a carga atual das doenças cardíacas no Brasil e, consequentemente, os potenciais benefícios econômicos que resultariam da sua abordagem.

Este estudo visa avaliar o impacto econômico (sistema de saúde e produtividade) de quatro doenças cardíacas no Brasil, a partir de estimativas do custo anual para 2015: hipertensão (HTN), infarto do miocárdio (IM), fibrilação atrial (FA) e insuficiência cardíaca (IC). Além disso, analisa a relação de custo-efetividade de duas intervenções para IC: telemedicina (TM) e suporte telefônico estruturado (STE).

Método

Esta pesquisa é parte de um estudo maior da América Latina, com identificação de resultados específicos para alguns países, como México, Chile, Peru, Venezuela, Colômbia, Equador, Panamá e El Salvador. Os resultados do Brasil foram apresentados no Congresso Europeu ISPOR em Viena em novembro de 2016 e no Congresso Cardiovascular Mundial em junho de 2016.

Custo da doença

A análise baseou-se em estimar prevalência, incidência, perda de bem-estar, custos do sistema de saúde e perda de produtividade atribuídos às quatro doenças cardíacas. As estimativas de custo total foram ajustadas com base na comorbidade das condições. Subjacente ao estudo, houve uma pesquisa na literatura com termos de busca associados com país, região, epidemiologia e impacto econômico das quatro doenças cardíacas. As fontes incluíram PubMed, websites do governo, do sistema de saúde e de organizações de pacientes, assim como engenhos de busca da Internet em geral.

Prevalência/incidência das doenças

A Tabela 1 apresenta as fontes usadas para estimar a prevalência ou incidência das condições. Sempre que possível, utilizaram-se taxas específicas do Brasil. Todas as estimativas foram checadas com as partes interessadas entrevistadas para o projeto. As taxas identificadas foram aplicadas às projeções dos Prospectos sobre População Mundial das Nações Unidas.2

Tabela 1 Número de pessoas com as quatro condições cardíacas no Brasil, 2015 

Condição Número de pessoas Porcentagem da população adulta*
IC 2.845.722 2,0
IM 334.978 0,2
FA 1.202.151 0,8
HTN 44.526.201 31,2
Total das condições 48.909.052 34,3
Total de pessoas com qualquer condição (i.e., responsável por comorbidades) 45.658.048 32,0

*Porcentagem reflete a evidência de estudos com populações com idade mínima de 20 anos. IC: insuficiência cardíaca; IM: infarto do miocárdio, FA: fibrilação atrial; HTN: hipertensão.

Perda de bem-estar

Os pesos da incapacidade tiveram por base os estudos sobre Carga Global de Doença da OMS3,4 (Tabela 2). Foram então multiplicados pelas estimativas de prevalência para que se identificassem os anos perdidos em virtude de incapacidade em 2015. Os anos de vida perdidos foram baseados na mortalidade relatada para cada condição.

Tabela 2 Custo financeiro das condições cardíacas no Brasil, 2015 (milhões de reais) 

Categoria IC IM FA HTN Total (não ajustado) Total (ajustado para comorbidades)^
Custos do sistema de saúde 14.469 16.119 3.697 1.098 35.382 35.382
65% 72% 94% 14% 63% 63%
Perda de produtividade 7.663 6.257 225 6.927 21.071 20.858
35% 28% 6% 86% 37% 37%
Renda perdida por indivíduo* 3.528 4.540 156 2.063 10.287 10.196
16% 20% 4% 26% 18% 18%
Renda perdida por negócio* 333 403 31 4.378 5.145 5.050
2% 2% 1% 55% 9% 9%
Custo de oportunidade da assistência informal por família/amigos 2.404 196 2.600 2.596
11% 1% 5% 5%
Receitas fiscais perdidas pelo governo** 1.399 1.117 37 486 3.039 3.016
6% 5% 1% 6% 5% 5%
Custo total 22.132 22.375 3.921 8.025 56.454 56.241

Resultados em milhões de reais.

*Resultado de absenteísmo, participação reduzida no emprego e mortalidade prematura.

**Devido à redução da renda de indivíduos com doenças cardíacas e seus cuidadores.

^O total de comorbidades não chega ao total de condições individuais, pois uma pessoa pode ter mais de uma condição e a interação entre as condições causa a variação na estimativa total das quatro condições juntas. IC: insuficiência cardíaca; IM: infarto do miocárdio; FA: fibrilação atrial; HTN: hipertensão.

Custos do sistema de saúde

As altas e a permanência média de cada uma das quatro condições5 foram combinadas às estimativas de custo para cada uma delas5 para estimar seu peso individual no sistema de saúde como parte de todas as doenças tratadas. Isso foi então combinado com uma estimativa do total relevante de gasto com saúde no Brasil6 para resultar no custo de tratamento de cada uma das quatro condições. Os custos de saúde foram estimados a partir da perspectiva dos pagadores da assistência à saúde, tanto públicos quanto privados. A decomposição dos custos teve por base aqueles relatados para o Brasil.7 Este método reflete mais adequadamente os impactos com base no número, na permanência e na intensidade do custo de cada condição especificamente para o Brasil. Entretanto, dados sobre as despesas de saúde específicas de cada condição não estão disponíveis para outros componentes do sistema de saúde (e.g., cuidado primário). Assim, admitiu-se que a parte de cada condição na despesa total do sistema de saúde fosse a mesma que a sua cota no total da despesa hospitalar.

Perda de produtividade

Consistente com o critério de ‘emprego pleno ou quase pleno’,a adotou-se uma abordagem de capital humano para estimar as perdas de produtividade. Cálculos envolvendo perda de produtividade foram baseados em taxas de emprego por faixa etária e sexo. Admitiu-se que portadores de doenças cardíacas, na ausência da condição, apresentavam a mesma probabilidade de estarem empregados que os outros de mesmo sexo e faixa etária. A renda salarial não recebida foi baseada em dados salariais para o Brasil.7

Absenteísmo associou-se com todas as condições. Para IC, foi estimado em 12,66 dias por ano para aqueles com IC NYHA III/IV, e em 3,04 dias por ano para aqueles com IC NYHA I/II.8 O absenteísmo foi estimado em 3,03 dias por ano9 para HTN, 75 dias por ano para pacientes hospitalizados9 com IM, e 2,1 dias por ano10 para FA. Identificou-se redução de participação no emprego, com indivíduos impossibilitados de continuar empregados devido à sua condição, para IC e IM, mas não para FA ou HTN. A taxa de participação no emprego para IC foi 13% mais baixa (tendo por base indivíduos com doença arterial coronariana).11 Além disso, o estudo mostrou aumento da saída de indivíduos desempregados da força de trabalho, em especial aqueles com menos de 60 anos e aqueles engajados em trabalho manual. Quanto ao IM, a participação no emprego foi 21% mais baixa, tendo por base indivíduos com síndrome coronariana aguda (SCA) cinco anos após um evento.12 Como as taxas de participação no emprego mais baixas tanto para doença arterial coronariana quanto SCA foram obtidas em estudos conduzidos com populações de países desenvolvidos, tais taxas foram ajustadas pelas taxas observadas de redução de participação no emprego para aqueles com incapacidade na Europa e América Latina, segundo relato da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).13

Renda não recebida devido a morte prematura foi baseada em estatística de mortalidade para cada condição e expectativa de vida segundo as tabelas de vida da OMS.14 O número esperado de anos de vida que um indivíduo falecido deixou de viver foi multiplicado primeiro pelas taxas de emprego e depois pela média do salário semanal para homens e mulheres. A taxa de desconto de produtividade para ganhos futuros foi de 5,25% com base na diferença entre o crescimento do salário e a inflação, usando a média anualizada para ambos nos últimos cinco anos. O valor presente dos salários futuros foi baseado na taxa de crescimento real média de cinco anos.15

Os custos de assistência informal foram identificados para IC e IM. Para IC, atribuiu-se a cada indivíduo uma estimativa de 6,7 horas de assistência informal por semana.16 Embora haja uma variedade de fontes para tal parâmetro, o estudo escolhido foi o mais robusto do ponto de vista metodológico, fornecendo uma estimativa similar àquela que poderia ser obtida de um estudo na América Latina.17 Quanto ao IM, com base em um estudo de pacientes com doença arterial coronariana, as horas de assistência informal foram estimadas em 279 por ano por paciente.18

A receita de tributação não recebida teve por base a média da taxa de imposto de renda para um único indivíduo e a média da taxa de imposto indireto segundo a OCDE.19,20 A responsabilidade fiscal estimada foi aplicada ao valor total estimado de ganhos perdidos para determinar o valor da tributação perdida. Aplicou-se ainda um ajuste para o número de indivíduos trabalhando na ‘economia informal’, que pode reduzir as receitas fiscais arrecadadas. As taxas de câmbio entre o dólar americano e a moeda local foram baseadas na média das taxas de câmbio diárias do Fundo Monetário Internacional de janeiro a novembro de 2015.

Comorbidades

Como múltiplas condições podem afetar uma pessoa simultaneamente, o custo total das quatro condições foi estimado ao revisar a literatura,21-23 que identificou o número de indivíduos com duas, três ou quatro condições concomitantes como mostra a Figura 1. Onde a literatura não delineou as taxas concomitantes para as quatro condições, as fontes foram extrapoladas até que todas as combinações fossem derivadas.

Figura 1 Potenciais combinações de comorbidades.IC: insuficiência cardíaca; IM: infarto do miocárdio; FA: fibrilação atrial; HTN: hipertensão. 

Análise de custo-efetividade para IC

Para a análise, a literatura-alvo foi revisada para identificar estudos de custo-efetividade que pudessem ser adaptados ao contexto mexicano, ou que pudessem informar o desenho do modelo de custo-efetividade e seus inputs. A revisão identificou uma meta-análise de rede relativamente recente e análise de custo-efetividade de programas de TM e STE após a alta de pacientes com IC, conduzidas pelo Instituto Nacional para Pesquisa em Saúde em 2013.24 Esse estudo foi usado como base para a análise de custo-efetividade de STE e TM a partir da perspectiva do Sistema Único de Saúde.

Estrutura do modelo

Construiu-se um modelo de Markov em TreeAge Pro©2015 para avaliar a relação de custo-efetividade de STE e TM em comparação ao cuidado padrão (CP) para uma hipotética coorte de pacientes que receberam alta nos 28 dias que se seguiram à hospitalização relacionada a IC. O modelo mostrado na Figura 2 considerou dois diferentes estados de saúde permanentes, ‘vivo em casa’ e ‘falecido’, além de dois estados de saúde temporários, ‘hospitalização por IC’ e ‘hospitalização por todas as outras causas’. O modelo foi baseado em ciclos mensais com correções na metade do ciclo.

Figura 2 Modelo de Markov para pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com alta recente. 

Horizonte de tempo, duração e taxa de desconto

Como a IC é uma condição para toda a vida após sua instalação, o modelo capturou um horizonte de tempo de vida de 30 anos com os pacientes progredindo no modelo até que morressem ou chegassem ao final do horizonte de tempo de 30 anos. Admitiu-se que as intervenções de STE, TM e CP fossem oferecidas durante toda a duração do horizonte de tempo, fora da hospitalização. Tanto os custos do sistema de saúde quanto os anos de vida ajustados por qualidade (QALY) foram descontados a uma taxa anual de 5%.

Fontes de dados

Estimativas de eficácia

A probabilidade mensal de morte com CP seguinte a uma hospitalização não fatal baseou-se em dados do estudo CHARM,25 que acompanhou 7.572 pacientes por um período de 38 meses, tendo mostrado o mais alto risco de mortalidade após a alta hospitalar, com redução ao longo do tempo. O número médio de hospitalizações relacionadas a IC e a todas as outras causas baseou-se em uma meta-análise,26 tendo sido estimado pelo Instituto Nacional para Pesquisa em Saúde.24

Os parâmetros de efetividade relacionados aos riscos de morte e hospitalização para as intervenções de STE e TM basearam-se em razões de risco para mortalidade por todas as causas, hospitalizações por todas as causas e hospitalizações relacionadas a IC durante o período de tratamento. As razões de risco foram estimadas a partir da meta-análise de rede do Instituto Nacional para Pesquisa em Saúde.24

Estados de saúde

Os valores de estado de saúde para abordagens de tratamento com CP, STE e TM basearam-se no modelo econômico prévio de estratégias de TM conduzidas em uma meta-análise publicada,26 que usou os índices de estado de saúde de 0,612 e 0,662 para os grupos CP e STE/TM, respectivamente. Como em análises econômicas prévias, um ajuste negativo de 0,1 foi aplicado para dar conta da ‘desutilidade’ associada com hospitalizações relacionadas à IC.24

Utilização de recursos e custos

O STE e a TM consistem de três principais unidades de recursos de assistência à saúde:

  • dispositivos e equipamento dentro da casa do paciente, que incluem o ponto central do dispositivo, periféricos e custos de comunicação;

  • manutenção/monitoramento no centro de STE ou TM; e

  • unidades de assistência médica para lidar com eventos ou alertas, como consultas de clínicos gerais ou enfermeiros, ou consultas ambulatoriais em hospitais.

As unidades de recursos que compõem o CP, o STE e a TM foram baseadas na literatura e seus custos foram obtidos no DATASUS, do departamento de informática do Ministério da Saúde brasileiro.

Resultados

Custo da enfermidade por insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, fibrilação atrial e hipertensão

Estima-se que as quatro doenças cardíacas afetem aproximadamente 45,7 milhões de pessoas no Brasil, 32% da população adulta.b Após ajustar para comorbidades, estimou-se, de maneira conservativa, que as doenças cardíacas resultaram em um custo financeiro de R$ 56,2 bilhões (17,3 bilhões de dólares) em 2015 no Brasil. Desses, cerca de 62,9% devem-se a custo do sistema de saúde. Em 2015, a carga dessas quatro condições correspondeu a aproximadamente 5,5% do total nacional da despesa com assistência à saúde.

Prevalência/incidência

Das quatro condições, a HTN apresenta a maior prevalência, seguida pela IC. A Tabela 1 mostra 48,9 milhões de condições afetando 45,7 milhões de pessoas, algumas das quais tinham mais de uma condição.

Impacto econômico

O IM impõe o maior custo financeiro, seguindo pela IC, HTN e finalmente FA. A Tabela 2 mostra o custo por condição por componente de custo, demonstrando que cada condição impacta indivíduos, governos e sociedade de maneira diferente. Os custos de saúde constituem a maior parte da despesa por IC, IM e FA, refletindo a natureza do sistema de saúde do Brasil.

A Tabela 3 mostra que a HTN tem o menor custo por caso, e o IM, o maior. Embora os custos por caso pareçam pequenos para HTN, refletem o custo total da condição dividido pelo número total de pessoas com a condição, estejam ou não recebendo tratamento. Esse custo por pessoa deve ser considerado nesse contexto ‘médio’, em lugar de refletir os verdadeiros custos de saúde a que fica sujeito um indivíduo em tratamento.

Tabela 3 Custo financeiro das condições cardíacas no Brasil por caso, 2015 (reais). 

IC IM FA HTN
Custo do sistema de saúde por caso 5.085 (65%) 48.118 (72%) 3.075 (94%) 25 (14%)
Custo da produtividade por caso 2.693 (35%) 18.678 (28%) 187 (6%) 156 (86%)
Custo financeiro total por caso 7.777 66.797 3.262 180

IC: insuficiência cardíaca; IM: infarto do miocárdio; FA: fibrilação atrial; HTN: hipertensão.

Perda de bem-estar

Além disso, as doenças cardíacas analisadas impõem uma substancial perda de bem-estar, como mostra a Tabela 4. Dos 3,2 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY), ajustados para comorbidades, há 1,9 milhão de anos de vida saudável perdidos em virtude de incapacidade (YLD) e mais de 1,3 milhão de anos de vida perdidos em decorrência de morte prematura (YLL).

Tabela 4 Perda de bem-estar das condições cardíacas no Brasil, 2015. 

Condição YLD YLL DALY
IC 270.806 (14%) 251.136 (18%) 521.941 (16%)
IM 2.128 (0,1%) 1.112.469 (80%) 1.114.597 (34%)
FA 269.014 (14%) 28.237 (2%) 297.251 (9%)
HTN 1.380.312 (72%) 1.380.312 (42%)
Total (não ajustado) 1.922.260 1.391.842 3.314.102
Total (ajustado por comorbidades)^ 1.901.386 1.340.453 3.241.838

IC: insuficiência cardíaca, IM: infarto do miocárdio, FA: fibrilação atrial, HTN: hipertensão.

^O total de comorbidades não chega ao total de condições individuais, pois uma pessoa pode ter mais de uma condição e a interação entre as condições causa a variação na estimativa total das quatro condições juntas. YLD: anos de vida saudável perdidos em virtude de incapacidade; YLL: anos de vida perdidos em decorrência de morte prematura; DALY: anos de vida perdidos ajustados por incapacidade.

Análise de custo-efetividade para insuficiência cardíaca

Resultado de caso-base

Considerando o horizonte de tempo de 30 anos, a estimativa dos custos acumulados descontados para as intervenções de TM e STE excedeu o de CP em R$ 50.098 e R$ 44.038, respectivamente, mas gerou QALY adicional de 1,91 e 1,63, respectivamente. Isso resultou em uma razão custo-efetividade incremental (RCEI) estimada de R$ 26.437–81.984/QALY e R$ 27.281/QALY para TM e STE, respectivamente, em comparação a CP, salientando-se um limiar de vontade de pagar (WTP) de R$ 27.328/QALY. O limiar foi baseado em uma a três vezes o PIB per capita do Brasil.6c O benefício monetário líquido incremental foi de R$1.688 para TM vs CP e de R$ 77 para STE vs CP (Tabela 5).

Tabela 5 Resultado de caso-base. 

CP TM STE
Custo total (R$) 5.832 55.930 49.870
QALY total 3,99 5,89 5,61
Benefício monetário líquido 103.306 104.994 103.382
Custos incrementais (R$) 50.098 44.038
QALY incremental 1,89 1,61
Custo incremental (R$) por QALY 26.437 27.281
Benefício monetário líquido incremental 1.688 77

QALY: anos de vida ajustados por qualidade; CP: cuidado padrão; TM: telemedicina; STE: suporte telefônico estruturado.

Análise multivariada de sensibilidade

Conduziu-se uma análise multivariada de cenário alternativo em que os custos de TM e de STE eram variados, assim como os estados de saúde. Nesse cenário, os custos das intervenções foram aumentados em 20% e assumiu-se que os valores dos estados de saúde para as estratégias eram os mesmos que aqueles para CP. Os resultados da análise desse cenário são apresentados na Tabela 6, que mostra que a RCEI aumenta de R$ 26.437/QALY para R$ 41.123/QALY para TM vs CP, e de R$ 27.281/QALY para R$ 40.309/QALY para STE vs CP.

Tabela 6 Análise multivariada de sensibilidade 

CP TM STE
Custo total (R$) 5.832 68.891 58.538
QALY total 3,99 5,45 5,30
Custos incrementais (R$) 60.059 52.706
QALY incremental 1,46 1,31
Custo incremental (R$) por QALY 41.123 40.309

QALY: anos de vida ajustados por qualidade; CP: cuidado padrão; TM: telemedicina; STE: suporte telefônico estruturado.

Admitindo um limiar de WTP de R$ 27.328-81.984/QALY, a análise de custo-efetividade sugere que TM e STE possam ser opções de tratamento custo-efetivo para o manejo de pacientes com IC.

Discussão

Nosso estudo fornece uma estimativa inicial do custo de quatro doenças no Brasil. Ao analisá-las ao mesmo tempo em uma estrutura comum, fomos capazes de identificar o impacto total e os impactos de cada doença em relação às demais. Observamos que, enquanto o IM apresenta significativos custos de cuidados agudos, não tem significativos custos de cuidados informais como a IC ou a HTN. Ao contrário, embora a IC não tenha significativos custos de cuidados agudos como o IM, apresenta significativa perda de produtividade. Enquanto a HTN apresenta baixo custo de saúde por pessoa, tem um significativo custo total devido ao grande número de pessoas com a condição. Nossa análise demonstra que essas condições podem apresentar um grande impacto na produtividade e no bem-estar, além de seus custos no sistema de saúde, o que é um importante achado a partir da perspectiva societária. Se os legisladores focarem apenas nos custos de saúde de uma condição, ou no custo relativo do cuidado por pessoa, podem deixar passar o impacto maior que tal condição exerce na economia, bem como seu verdadeiro custo ao serem considerados outros impactos fiscais.

Embora o estudo tenha focado o uso de conjuntos de dados administrativos para custos de saúde, pois há maior probabilidade de refletirem a alocação de custo por pagador, os próprios conjuntos de dados podem não refletir os reais custos para cada condição. Por exemplo, a codificação e o relato das condições acham-se sujeitos ao julgamento individual dos clínicos para a indicação da causa de base, da condição ativa ou da condição crônica como a condição primária, e tal escolha pode mudar o relato dos impactos atribuíveis. Uma revisão sistemática e meta-análise de banco de dados administrativos para IC identificou que os conjuntos de dados não capturam um quarto dos casos,27 enquanto uma revisão sistemática de dados médicos eletrônicos para FA mostrou a existência de foco desproporcional em dados de pacientes hospitalizados, sendo necessária pesquisa adicional incorporando códigos de pacientes externos e achados eletrocardiográficos para identificar corretamente as apresentações de FA.28 Logo, enquanto os custos relatados refletem o atual julgamento clínico e o relato administrativo, a alocação de custo atribuída a cada condição pode continuar a ser melhorada.

Ao atribuir gravidade relativa às condições, seu tratamento e impacto nas condições relacionadas devem ser considerados. O tratamento de uma dessas condições poderia aliviar o desenvolvimento futuro de outra, e detalhes das relações entre as condições ainda estão sendo estabelecidos. Por exemplo, enquanto a HTN é considerada um fator de risco comum para doenças cardíacas, há evidência cada vez maior sugerindo a associação entre FA e IM.29 Logo, abordar a FA poderia aliviar futuros casos de IM e o custo correspondente a ele atribuído.

A maior limitação deste estudo foi a ampla disponibilidade de dados. Três pressupostos principais na metodologia tiveram que ser estabelecidos, o que pode ter tido um impacto nos resultados. Primeiro, nossas estimativas de custos de saúde foram guiadas por estatísticas hospitalares relatadas para cada uma das condições. Isso deve ser mais apropriado para condições que requeiram significativo manejo de cuidado agudo (e.g. IM), mas pode sub-representar o verdadeiro custo das condições com maior ênfase no cuidado primário ou manejo farmacológico, como a HTN. Segundo, comum a todas as estimativas de produtividade que usam uma abordagem de capital humano, a taxa de desemprego no Brasil pode ou não ser suficientemente baixa para ficar sujeita a uma perda permanente de produtividade. A partir da perspectiva societária, uma perda de produtividade por doença cardíaca só equivale a uma perda de produtividade para a economia se a taxa de desemprego não aumenta de forma acelerada, de modo que qualquer redução em horas trabalhadas devido a enfermidade não possa ser reposta em longo prazo com a admissão ou o aumento de horas de outros trabalhadores substitutos. Terceiro, embora TM e STE tenham mostrado efeitos benéficos na redução da mortalidade por todas as causas para pacientes de IC que receberam alta recentemente no estudo original,24 tais resultados foram estatisticamente inconclusivos. Embora tal incerteza quanto às estimativas tenha sido avaliada na análise de sensibilidade, essas estratégias terão que ser reexaminadas à medida que surjam novas evidências.

Conclusão

Este estudo mostrou que, no Brasil, as doenças cardíacas exercem significativo impacto financeiro e no bem-estar, com um custo de R$ 56,2 bilhões apenas em 2015 para as quatro condições. Prevenção ou melhor manejo das doenças cardíacas poderia resultar em significativos benefícios para melhorar o bem-estar e preservar a economia. A TM e o STE são mecanismos custo-efetivos para aprimorar o manejo da IC.

Este estudo foi financiado pelo Grupo Novartis. Os autores são os únicos responsáveis pelo seu conteúdo.

REFERÊNCIAS

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