versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762
Interface (Botucatu) vol.19 no.52 Botucatu jan./mar. 2015 Epub 26-Set-2014
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0089
This review aimed to analyze the academic literature with a sociocultural approach regarding the relationship between topics of male homosexuality, young men and health. It was based on thematic content analysis on 37 articles published between 2004 and 2013 that were selected from the Medline and Lilacs databases. The scarcity of literature on the sociocultural perspective showed that there were obstacles and challenges relating to health promotion, ranging from the quality of information to unconscious symbolic values and how proposals from healthcare managers are put into effect. It was concluded that heterosexual hegemony is present in the unconscious structures of the construct of homosexuality, thereby contributing towards perpetuation of the heteronormative habitus. Studies valuing the meeting point of technical knowledge with the knowledge that each individual produces, relating to personal and cultural values, may serve as a basis for deepening this discussion.
Key words: Male homosexuality; Sexual behavior; Attitude to health; Attitude of healthcare personnel; Unprotected sex
Con el objetivo de analizar la literatura académica de abordaje sociocultural sobre la relación entre homosexualidad masculina, hombre joven y salud, se realizó una revisión basada en el análisis de contenido temático de 37 artículos seleccionados en Medline y Lilacs, entre 2004 y 2013. La escasez de literatura en la perspectiva sociocultural señaló obstáculos y desafíos relacionados con la promoción de la salud que van desde la calidad de la información, pasando por valores simbólicos inconscientes, hasta la efectuación de propuestas de gestores de salud. Se concluyó que la hegemonía heterosexual se encuentra presente en las estructuras inconscientes de la construcción de la homosexualidad, contribuyendo para la perpetuación del habitus heteronormativo. Estudios que valorizan el encuentro del saber técnico con el conocimiento que cada uno produce, referido a sus valores personales y culturales, pueden servir de subsidio para una mayor profundización de esa discusión.
Palabras-clave: Homosexualidad masculina; Comportamiento sexual; Actitud ante la salud; Actitud del personal de salud; Sexo sin protección
Neste estudo, entende-se a homossexualidade masculina como “ter atração ou relação sexual com outros homens” (http//:decs.bvs.br). Bourdieu1, ao estudar a homossexualidade masculina e feminina, utilizou os termos gay e lésbica. Sua análise focalizou o movimento social que utilizava tais expressões. Assim mesmo, observou que tanto a homossexualidade quanto as denominações do “movimento” traziam dificuldades de definição. Segundo ele, o que levar em conta nas definições? Práticas sexuais, frequência a certos lugares ou estilo de vida?
A presente discussão – por se ancorar nas bases que integram a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) – adotou a definição do descritor mencionado por ser este o que mais se aproximava aos propósitos do estudo. Entretanto, foi apenas um ponto de partida para analisar as questões de saúde de jovens homossexuais masculinos.
Ainda que os estudos acerca da homossexualidade masculina, na área da saúde, tenham se multiplicado após o advento da aids2, permanece a necessidade de se aprofundar a discussão acerca de questões consideradas fundamentais para promoção da saúde dos homens que se identificam como homossexuais. Essas questões relacionam-se, sobretudo, a: demandas desses sujeitos, ausência de cuidado adequado e persistência de preconceito/discriminação na sociedade e nos serviços de saúde2 - 6. A partir dessas considerações, permanece uma questão-síntese: Quais as contribuições da produção do conhecimento sociocultural acerca da homossexualidade masculina para o campo da saúde?
Essa questão, direta ou indiretamente, pode relacionar-se à discussão de Pierre Bourdieu1.
Considerando-se que a sexualidade resulta da trajetória social do sujeito respaldada por sua história de vida carregada e impregnada de sentidos e significados7, torna-se importante a contribuição de Bourdieu acerca da produção social dos agentes e suas lógicas de ação, que articula as dimensões individuais e sociais. Com base nesse autor, discutir a saúde dos jovens homossexuais envolve, necessariamente, a problematização do habitus heteronormativo, entendido como permanências culturais que consideram a heterossexualidade como padrão universal1 .
O modelo da heterossexualidade – que, segundo o autor, é demarcado pelo estigma da diferença e entendido como uma ficção coletiva – constitui-se, em parte, para se opor à homossexualidade, com pretensões de se tornar uma norma. Esse modelo exerce uma dominação simbólica que não se relaciona, necessariamente, a “signos sexuais visíveis”, mas a práticas sexuais que, no caso da homossexualidade masculina, são entendidas como “sacrilégio do masculino”1 (p. 144).
Com base nessas questões, o presente estudo tem por objetivo analisar a literatura acadêmica de abordagem sociocultural acerca da relação entre os temas: homossexualidade masculina, homem jovem e saúde.
A partir dessa revisão da literatura, pretende-se contribuir para o avanço na compreensão e na problematização dos aspectos da homossexualidade masculina que implicam questões de saúde coletiva.
Nesse estudo, optou-se por uma revisão sistemática que pretende captar, reconhecer e sintetizar a grande quantidade de informação científica, no intuito de fundamentar e aprimorar as propostas de práticas qualificadas na saúde e no ensino8.
Com esse propósito, efetuou-se uma revisão das publicações na área de saúde, priorizando a Biblioteca Virtual Bireme, consultando-se os artigos das bases de dados Lilacs e Medline. Somente os artigos foram selecionados, devido a sua maior circulação no meio acadêmico e profissional, de modo que as dissertações e teses não compuseram o acervo.
Em busca pelo estado da arte mais atual sobre o tema, optou-se por um recorte temporal de dez anos, entre 2004 e 2013, uma vez que, com a implementação do Programa Brasil sem Homofobia, em 2004 – que promoveu atenção à saúde do homossexual masculino sob novas dimensões – proporcionou-se maior visibilidade na área de saúde, na sociedade e no meio acadêmico.
Na busca – em termos de critérios de inclusão – optou-se pelos termos dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), considerados fundamentais para o estudo da promoção de saúde de jovens homossexuais masculinos: homossexualidade masculina, adulto jovem, comportamento sexual, sexo inseguro, assistência integral à saúde, atitude frente à saúde, vulnerabilidade em saúde, aceitação pelo paciente dos cuidados de saúde, autocuidado, aids e pessoal de saúde/atitude do pessoal de saúde. As definições e seus sinônimos encontram-se no Quadro 1.
Os descritores utilizados foram aplicados de forma integrada, tomando como base “homossexualidade masculina” e “adulto jovem,” envolvendo as duas bases de dados, com o estabelecimento de limites e critérios de exclusão. Devido à escassez de literatura brasileira, incluíram-se seis artigos, que, por não abordarem exclusivamente jovens, não apareceram na busca 2 (Figura 1). O conteúdo desses foi considerado relevante para analisar os estudos brasileiros sobre o tema em questão.
Como critério de exclusão, não foram incluídos, na revisão, artigos que: (a) tratavam de aspectos epidemiológicos e biomédicos exclusivamente; (b) não contemplavam questões de adulto jovem; (c) discutiam, exclusivamente, bissexualidade, transexualidade e travestis, sem considerar a homossexualidade; (d) tratavam de questões específicas de deficientes físicos; e (e) não abordavam a temática de forma relacionada à saúde.
Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, o acervo estudado foi de 37 artigos.
A análise das publicações foi baseada na proposta de análise de conteúdo temática de Bardin9 envolvendo as seguintes etapas: leitura flutuante de todo o material, sistematização, exploração do material selecionado, identificação de eixos temáticos e, por fim, o tratamento dos resultados e suas interpretações para dialogar com o objetivo do estudo.
Inicialmente, observa-se que nem todos os 37 artigos analisados explicitam relações entre seus achados e questões socioculturais. Para chegar a essas relações, neste estudo, foi preciso levar em conta conteúdos implícitos ou ideias subjacentes aos conteúdos explícitos do corpus analítico.
Outra observação importante diz respeito ao fato de metade dos artigos analisados da base Medline ter sido publicada em um só periódico (Culture, Health & Sexuality), cujo escopo editorial se volta para questões relacionadas à cultura, sexualidade e sociedade, envolvendo, sobretudo, as implicações de crenças, sistemas e estruturas sociais na saúde sexual.
A partir da leitura, os conteúdos dos artigos foram classificados em três eixos temáticos. Esses eixos não são necessariamente excludentes, porquanto existem conteúdos que servem para se discutir em mais de um eixo que ora se diferenciam, ora se superpõem. Assim, há artigos que se situam, simultaneamente, em mais de um eixo (Quadro 2).
Ao analisar o acervo, observou-se que muitos autores debruçam-se sobre as questões de direitos, apontando para o preconceito como o grande impasse nas relações dos homossexuais nos países ocidentais10 - 19. Esse preconceito, às vezes, se expressa de forma mais sutil que flagrante19.
Ainda com base nos artigos estudados, ficou claro que os discursos homofóbicos – que, ao longo do pensamento ocidental, produziram o silêncio dos sentimentos afetivo-sexuais dos homossexuais – remetem-se, historicamente, a uma identidade estigmatizante que compreendia: a proliferação de doenças, pecado, sodomia, comportamentos perversos, aberrações da natureza, promovendo discursos heterossexistas.
Como somos subjetivados pelas linguagens criadas na/e pela cultura, esses discursos foram formando e transformando a construção social da homossexualidade até os dias atuais, influenciados pelos cenários históricos e culturais7 , 11 , 16 , 19.
Willis10, que centrou seu ensaio na construção da identidade LGBQ (lésbicas, gays, bissexuais e Queer) de jovens na Austrália, observou que esses encontram-se presos a discursos homofóbicos e restritivos, associados a marcos de identidade, que orientam suas atitudes. Estudos demonstram que, para lidar com esse estigma, esses jovens tentam construir sua identidade de forma individual, muitas vezes em segredo, tentando minimizar a vergonha que sentem de sua orientação sexual18. São invadidos por sentimentos de angústia mais pelo medo de exclusão e desprezo social do que pela sua identidade homossexual7.
Esses sentimentos são reconhecidos desde a iniciação sexual, que se dá a partir de algumas normas de comportamento baseadas em papéis de gênero, homossociabilidade e escolha de objeto. Carillo e Fontdevila12 e Bustos et al.14 mostraram que os adolescentes que possuem uma tendência sexual diferente sofrem discriminação de seus pares, especialmente nas escolas, por meio de intimidações e exclusões dos grupos, causando comportamentos de riscos sociais, psicológicos e físicos.
Além das escolas e do meio social, estudo feito no Brasil16 aponta para a relação desses jovens com sua família. Esses, por não se sentirem aceitos, não se encontram em simetria com os ideais propostos por seus familiares. Com isso, entram em conflito com seus sentimentos afetivo-sexuais, de amor romântico, vivenciando suas relações amorosas com sentimentos de culpa e medo por quebrarem mitos e ritos familiares, vivendo, muitas vezes, numa dinâmica de segredo familiar.
Essa forma de se relacionar com a família foi encontrada, também, nos países desenvolvidos. Uma revisão sistemática, feita na Holanda15, mostrou que essa posição de não-aceitação exerce influências negativas na saúde dos filhos, provocando adoecimentos.
Considerando que os discursos homofóbicos da sociedade continuam a orientar as atitudes dos jovens, propiciando conflitos e adoecimentos, Willis10 salienta o importante papel dos profissionais de saúde e de atenção social na transformação dessas construções e no apoio que podem proporcionar mediante um processo de coautoria das biografias desses jovens, procurando dar outro significado às suas narrativas.
A literatura ainda destaca a escassez de pesquisas que possam dar subsídios para apoiar os pais na promoção de saúde dos jovens homossexuais15.
O segundo tema encontrado na literatura pesquisada aponta para a preocupação com os comportamentos de risco dos jovens homossexuais12 , 20 - 32.
Esses estudos, ao indicarem a dificuldade da relação desses jovens com suas famílias, escolas e meio social em que vivem, ressaltam a dicotomia entre o público e o privado, interferindo no comportamento sexual dessa população. Esse duplo rechaço, difundido nesses dois ambientes, reforça a necessidade de espaços onde a liberdade de ser homossexual pode ser expressa e assumida. Em sua maioria, são locais reservados, destinados especificamente para homossexuais, onde é possível haver manifestações de afeto entre iguais (como “guetos”), e/ou semiprivados (como a internet).
A literatura destaca a cybercultura e o barebraking no que se refere aos comportamentos sexuais de risco dos homossexuais22 , 23 , 26. O sentido do barebacking – sexo anal desprotegido entre homens que fazem sexo com homens de forma intencional – foi descrito em uma pesquisa através da internet23.
Carballo-Diéguez et al.26 destacam a necessidade de reconceituar essa prática e distinguir, nesses comportamentos – que podem resultar na transmissão de DSTs/HIV –, aqueles que são intencionais daqueles que não são intencionais e que, por isso, necessitam de apoio. Concluem que isso contribuiria para maior compreensão desse comportamento, facilitando a operacionalização do termo no meio acadêmico, dando apoio às ações de saúde pública.
No Brasil, nenhum artigo sobre essas práticas enfoca, especificamente, a população jovem, referindo-se, sempre, aos homens em geral. Entretanto, nos estudos internacionais, foram encontradas algumas referências ao comportamento da população jovem, em festas e ambientes exclusivos de homossexuais, abrangendo diferentes etnias e grupos sociais. Esses comportamentos incluem sexo com múltiplos parceiros, com parceiros casuais e aumento do uso de drogas20 , 21 , 22 , 24 , 25 , 33.
Ainda nesse campo, produções internacionais, que analisam o não-uso de preservativos por homens que fazem sexo com homens (HSH), demonstram que o sentimento de perda de prazer associada ao preservativo pode ser um impedimento fundamental para a sua utilização30. Muitos acreditam que o uso do preservativo não é necessário quando se tem um parceiro confiável e fixo30. Algumas referências afirmam que, para os HSH, o preservativo causa dificuldade de ereção, causando angústia e depressão20 , 21. Tanto na literatura nacional quanto na internacional, ficou evidente que a preocupação de intensificar sensações de prazer físico e emocional é muito maior do que a de adquirir o HIV. Eaton et al.31 acrescentaram que esse comportamento é incentivado pela mídia pornográfica que exibe, com frequência, atos sexuais desprotegidos, geralmente representados por orgasmos espetaculares.
Ainda com relação à vulnerabilidade para HIV, pesquisa realizada com jovens norte-americanos32 demonstrou que esses apresentam, com frequência, a prática de sexo oral e anal tanto receptivo quanto insertivo com homens mais velhos sem uso de preservativos. Essa atividade pode envolver não só um contexto biológico distinto, com heterossexuais, mas, também, um contexto social rigidamente relacionado a poder, idade e gênero.
Para maior aprofundamento do tema, Valentenova et al.34 destacam a necessidade de se estudarem os significados dos comportamentos de risco nas diferentes culturas. Os autores observaram que o senso comum julga a orientação sexual de uma pessoa com base nas observações de comportamentos mais ou menos masculinos/femininos (gaydar), e que esses conceitos diferem nos diversos grupos, de acordo com seu significado em cada cultura.
Os estudos etnográficos12 , 27 , 29 demonstraram a importância de se compreender a diversidade de experiências e identidades sexuais dentro e entre diferentes grupos étnicos.
Uma pesquisa feita com homens negros homossexuais, numa comunidade rural na África do Sul27, mostrou que esses constroem sua sexualidade utilizando as noções de feminilidade, ou seja, “sentindo-se como uma mulher”. Essa visão reproduz as ideias tradicionais de gênero ocidentais e, ao mesmo tempo, funciona como ato de subversão.
A análise temática de outro estudo etnográfico29 numa comunidade chinesa mostrou que existem crenças que se tornaram barreiras consideráveis para o não-uso do preservativo entre esses homens. Dentre elas, a ideia erótica do “rouyu” (desejo físico da carne) aliada à metáfora do uso do preservativo, visto como algo que inferioriza e que propicia um sentido de desvalorização para aqueles que fazem sexo protegido.
Assim conclui-se que os significados dos comportamentos sexuais devem ser melhor compreendidos considerando que as interpretações sobre os corpos e a diferenciação dos sexos são produções discursivas, e só se tornam inteligíveis a partir da compreensão dos contextos culturais de cada organização social, que lhes servem de ancoragem.
Nesse sentido, o desenvolvimento de pesquisas, na área da saúde, que utilizem jovens homossexuais como sujeitos, numa perspectiva sociocultural, podem contribuir para ampliar a compreensão de como seus comportamentos sexuais, especificamente os que envolvem riscos, são formados, como podem ser mudados e quais determinantes os influenciam.
Após trinta anos da epidemia de Aids, estudos em diversos países apontam que jovens homossexuais continuam a ser o maior grupo de risco para a infecção de HIV: nos Estados Unidos35, na Austrália36 e no Brasil37. Entretanto, constatou-se que poucos artigos abordam o homossexual masculino jovem no que se refere à visão subjetiva e intersubjetiva da prevenção e promoção de saúde.
Dentre os estudos com abordagem qualitativa, encontrou-se o de Flores, Blake e Sowell35, que objetivaram explorar os fatores que podem ter contribuído para diagnósticos recentes de HIV em jovens, e compreender suas perspectivas sobre a concepção e a eficácia dos programas existentes de prevenção de HIV e DSts. Esses autores encontraram quatro temas principais recorrentes: riscos pessoais, falta de educação e informação qualificada, grande acesso à Internet e a necessidade de profissionais capacitados.
Com relação aos riscos pessoais, Holt et al.36 observaram que, apesar de mais da metade dos homens homossexuais já terem sido diagnosticados com uma DST36, esse diagnóstico não recebe tanta atenção quanto o do HIV. Segundo os autores, essa relativa falta de preocupação pode estar relacionada a sentimentos de vergonha e constrangimento que esse diagnóstico provoca ao colocar um refletor sob suas práticas e comportamentos sexuais.
Esses estudos concluem que, para aumentar a adesão aos exames de DSTs entre homens homossexuais, é necessário dar continuidade aos esforços de educação da comunidade a fim de reduzir o estigma associado a doenças sexualmente transmissíveis e proporcionar maior apoio a esses homens ao receberem esse diagnóstico. Recomendam a formulação de ações específicas de educação e o desenvolvimento de intervenções de prevenção que contemplem o elevado nível de sofisticação e as necessidades dos jovens homossexuais de hoje.
Um dos importantes meios de intervenção na comunicação é a Internet, considerando que é amplamente utilizado pelos jovens para obterem informações e conhecimento39 , 40. Isso demonstra a relevância da utilização desse instrumento para pesquisadores, bem como para servir de apoio à promoção de saúde sexual. Outro importante fator de apoio para a promoção de vida desses jovens é poder compreender e apoiar suas expectativas para o futuro. Bauermeinster41 afirma que poucos pesquisadores examinaram a relação entre a idealização de futuro e comportamentos sexuais desses jovens.
Além das DSTs e aids, os estudos internacionais na área de saúde demonstraram que a vulnerabilidade dos jovens homossexuais masculinos também está associada às doenças mentais. Granado-Cosme e Delgado-Sanchez42 observaram que os problemas de identidade e orientação sexual podem ser fatores de risco para conduta suicida, considerando que grupos marginalizados são mais vulneráveis à depressão. Os homossexuais têm de duas a seis vezes mais probabilidade de cometerem suicídio do que os heterossexuais10.
Ainda nessa área, estudos internacionais relacionados à imagem corporal dos jovens homossexuais43 - 45 demonstraram uma preocupação com a estética, incentivada pela mídia. A figura musculosa e de baixo percentual de gordura corporal demonstrou ter um índice significativo de atração entre os homens homossexuais, tornando-a objeto de desejo, podendo gerar insatisfação com o próprio corpo, causando depressão e outros sintomas mentais45.
Esses estudos demonstram a necessidade de os profissionais de saúde estarem atentos ao conjunto de problemas de saúde mental que são vivenciados por esses homens, que envolvem: comportamentos de abuso de álcool, imagem corporal ligada a baixa autoestima, transtornos alimentares e depressão. Tais referências só foram encontradas em pesquisas realizadas em outros países, o que demonstra a necessidade de se ampliar o conhecimento acerca dos jovens brasileiros para subsidiar discussões sobre o cuidado de saúde dessa população no Brasil.
Buscando a compreensão da relação dos jovens homossexuais masculinos com os serviços de saúde, um estudo na Guatemala46 revelou que os homossexuais que procuraram os serviços públicos experimentaram discriminações, violação de sigilo e desconfiança, dando preferência para locais onde puderam vivenciar um sentimento de pertencimento. Entre as barreiras que dificultaram a procura dos serviços de saúde, as mais importantes foram: medo da discriminação, medo de ter o HIV e falta de apoio social. Por outro lado, uma pesquisa no Canadá,demonstrou uma preocupação dos enfermeiros em não ofender os homossexuais durante as consultas, evitando falar de “algumas questões” ligadas à sexualidade, o que propiciou sentimentos de desconforto para ambos47. Os resultados obtidos destacam a necessidade de reforçar a rede pública, capacitando profissionais para que possam lidar com os vários níveis de estigma e discriminação experienciados por esses homens.
Reafirma-se, assim, a necessidade de programas especificamente dirigidos à saúde dos homossexuais e a capacitação de profissionais de saúde com uma perspectiva de respeito à diversidade sexual, até mesmo para orientar os pais e os próprios jovens no manejo da sua sexualidade.
As temáticas constituídas a partir da análise dos artigos, de certa forma, talvez se configurem como tal por causa das expressões que foram utilizadas na busca. Essas expressões, a exemplo de comportamento de risco, que foram utilizadas para a problematização das relações entre homossexualidade e saúde, constituem um limite do estudo, uma vez que pode ter deixado de fora outros estudos sobre o assunto central, que apontariam para outras temáticas.
Destaca-se, nas pesquisas analisadas, que as instituições, como família e escola, ainda atuam sobre as estruturas inconscientes, influenciando para que o habitus heteronormativo permaneça na sociedade ocidental. Dessa forma, a dominação simbólica, estigmatizante, leva o “dominado” a viver sua experiência sexual envergonhadamente, equilibrando-se entre o medo de ser visto desmascarado e o desejo de ser reconhecido pelos demais homossexuais. Essa relação social, invisível e insensível, dá-se por meio da comunicação e do conhecimento – ou, mais precisamente, do desconhecimento – constituído socialmente, propiciando uma maneira de falar, de pensar e de agir, utilizando, muitas vezes, noções de feminilização.1 Essas noções, que se referem a comportamentos mais ou menos femininos ou masculinos, podem diferir de uma cultura para outra.
Entretanto, observou-se, na produção do conhecimento acerca da autorrepresentação dos homossexuais masculinos, que essa, em geral, é vivenciada de forma polarizada, entre a masculinidade e a feminilidade, com sentimentos de culpa e vergonha por medo de exclusão e desprezo social. Isso propicia um espaço de vida privada, isolada, promovendo vulnerabilidade social e psicológica, podendo causar adoecimentos.
Na literatura estudada observou-se que, nos ambientes exclusivos de homossexuais, práticas sexuais consideradas de risco para HIV/DSTs são mais desenvolvidas, tais como: o não-uso de preservativos, sexo com múltiplos parceiros e com parceiros casuais. Ainda segundo as referências estudadas, o isolamento social desse grupo não constitui a única causa dos comportamentos de risco. O medo da perda de prazer e da virilidade – significado dado ao preservativo nas culturas ocidentais – e a crença na fidelidade do parceiro fixo fazem com que esses jovens tornem-se mais vulneráveis ao HIV e às DSTs em geral. Destaca-se, ainda, a importância do estudo dos significados atribuídos ao preservativo nas diferentes culturas. Observou-se que, numa comunidade chinesa, o uso deste pode ser visto como algo que inferioriza o homem.
Além disso, a literatura mostra que a preocupação excessiva com a estética de corpos musculosos e com a intensificação de prazer, ambos incentivados pela mídia, é maior do que a preocupação com os cuidados de saúde.
Reconhece-se que essa busca por prazer imediato e as relações descartáveis encontram-se associadas à fragilidade dos vínculos no século XXI e são retratadas através da relação com o prazer físico e emocional48.
Ainda, a virilidade masculina – não exclusivamente nas relações homossexuais – é permanentemente submetida à prova de julgamento coletivo e impõe-se a cada homem com o dever de afirmá-la em todas as circunstâncias1.
Assim, o modelo hegemônico de masculinidade e o contexto histórico também devem ser levados em consideração nas negociações de medidas preventivas, mesmo nos homens que fazem sexo com outros homens49.
Além das doenças sexuais, os estudos mostram uma preocupação com as doenças mentais. Comportamentos que envolvem abuso de álcool, imagem corporal ligada à baixa autoestima, transtornos alimentares e depressão com alto índice de suicídio estão ligados aos conflitos internos, bem como aos atos de conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira entre dominantes e dominados. Esses conflitos – que se estabelecem com as censuras inerentes às estruturas sociais – são assumidos por meio de formas de emoções corporais, tais como: vergonha, humilhação, timidez, ansiedade e culpa1.
Esse estigma da homossexualidade pode fazer com que poucos jovens busquem os serviços de saúde. Uns por medo de discriminação e outros por medo de saber que possuem doenças que reforçam a vergonha de ser homossexual, o que dificulta os cuidados de saúde em geral.
Por outro lado, como observa Bourdieu1, os movimentos sociais – ao fazerem oposição ao estigma, reivindicando passar da invisibilidade para a visibilidade – devem encontrar outras estratégias de luta para que não se autoanulem, perdendo a razão de sua existência. Assim, segundo o autor, não basta se limitar à ruptura simbólica. Faz-se necessária, dentre outros aspectos, uma transformação duradoura de esquemas de pensamento incorporados por meio da educação.
Diante dos resultados mencionados, fica nítida a escassez de literatura latino-americana, no âmbito da saúde, na perspectiva sociocultural, relacionada a homossexuais masculinos, especialmente, quando se refere a jovens.
Entretanto, deve-se considerar que as bases consultadas englobam, predominantemente, revistas de abordagens biomédicas, fazendo surgir um interesse maior para discussões no campo da epidemiologia e da biomedicina.
Considerando que as palavras, gestos e características podem ter significados diferentes em contextos diferentes, devendo ser compreendidos em seus “sítios” históricos50, faz-se necessário o aumento de estudos qualitativos, que possam alavancar essa discussão no que se refere à prevenção e promoção de saúde desses jovens dentro da realidade brasileira.
Ainda sobre o acervo estudado, observou-se que um grande número de produções articulam-se em torno da ideia de discriminação, não só no Brasil como em outros países. Isso demonstra que o tema possui um papel representativo na forma como os jovens homossexuais se inserem e são inseridos na sociedade, influenciando seus comportamentos, moldando sua identidade e interferindo no modo de viver e nos cuidados de saúde em geral. Embora sejam inegáveis os avanços na área de direitos humanos hoje, quando comparada a outras épocas – ressaltando as importantes conquistas nas lutas dos movimentos sociais – percebe-se que ainda se reivindicam espaços e cidadania, uma vez que esses interferem na construção social da sexualidade dos jovens em geral.
Nessa revisão observaram-se alguns obstáculos e desafios relacionados à dificuldade de implementação de políticas de saúde que realmente respondam às necessidades e a promoção de saúde de homens jovens homossexuais, que vão desde a qualidade da informação, passando por desconhecimento dos valores simbólicos, até a efetivação de propostas de gestores de saúde.
Dentro dessa lógica, propõe-se que, para planejar iniciativas no campo da prevenção e da promoção de saúde voltadas para essa população, deve-se interferir tanto nas diretrizes e no desenho das políticas públicas no campo da educação e saúde quanto nas iniciativas de proteção e promoção de direitos. Embora a visibilidade pública de novos modelos de sexualidade contribua para quebrar a doxa e ampliar o espaço de possibilidades, observa-se que a discriminação, o modelo de masculinidade, a falta de informação qualificada e a necessidade de profissionais capacitados na área de saúde e educação, para lidar com esses jovens e suas famílias, são as principais barreiras encontradas nas pesquisas analisadas.
Assim, entende-se que os estudos interdisciplinares que valorizem o encontro entre o saber técnico sobre como se cuidar e se prevenir e o saber que cada um produz ao longo de sua vida sexual, referido a seus valores pessoais e culturais, podem servir de subsídio para o maior aprofundamento dessa discussão.
Quadro 1 Descritores segundo Decs e MeSH e sinônimos
Descritores | Descrições | Sinônimos |
---|---|---|
Homossexualidade Masculina | Ter atração ou relação sexual com outros homens | Gays e homossexuais |
Adulto Jovem | Uma pessoa entre 19 e 24 anos de idade | Sexo anal, sexo oral, orientação sexual, atividade sexual |
Comportamento sexual | Atividades sexuais dos humanos | Sexo de risco, sexo de alto risco |
Sexo inseguro | Comportamentos sexuais que são de alto risco para contrair DSTS ou produzir gravidez | não foi encontrado |
Assistência integral à saúde | Provisão de todo tipo de assistência individualizada de saúde para diagnóstico, tratamento, acompanhamento e reabilitação de pacientes | Assistência Integral à Saúde da mulher, da criança e do adolescente, e cuidados integrais à saúde |
Atitude frente à saúde | Atitudes do público em relação a saúde, doença e sistema de atendimento médico | não foi encontrado |
Vulnerabilidade em saúde | não foi encontrado | não foi encontrado |
Aceitação pelo paciente de cuidados de saúde | Busca e aceitação por pacientes de serviços de saúde | Predisposição em aceitar cuidados de saúde, comportamento de procura de cuidados de saúde |
Autocuidado | Realização, pelo paciente, das atividades normalmente executadas por profissionais de saúde. Inclui cuidados consigo mesmo, família ou amigos | não foi encontrado |
Aids | não foi encontrado | Sida |
Pessoal de saúde/ atitude do pessoal de saúde | Indivíduos que trabalham na provisão de serviços de saúde, quer como médicos individuais ou empregados de instituições programas de saúde, profissionais de saúde treinados ou não, sujeitos ou não a regulamento público. | Profissionais de saúde |
Quadro 2 Eixos temáticos, autores, ano e país de publicação
Temas | Autor/ano/país |
---|---|
O preconceito e a discriminação frente à homossexualidade | Bouris A et al., 2010, Holanda |
Boyce S et al,2012, Inglaterra | |
Bustos F et al, 2011, Chile | |
Carrara S, 2012, Brasil | |
Carrillo H e Fontdevila J, 2011, EUA | |
Chromalli F, 2010, Chile | |
Fleury ARD e Torres ARR, 2007, Brasil | |
Gurgel JJR e Bucher-maluschke JSNF, 2010, Brasil | |
Holt M, 2010, Austrália | |
Kern FA e Silva AL, 2009, Brasil | |
Mc Dermott et al., 2008, Inglaterra | |
Silva FR e Nardi HC, 2011, Brasil | |
Willis P, 2012, Austrália | |
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Comportamento sexual de risco | Adam BD et al., 2005, |
EUA Balan IC et al., 2009, EUA | |
Bruce D et al., 2012, EUA | |
Calabrese SK et al., 2012, EUA | |
Carballo-Dieguez A et al., 2009, Inglaterra | |
Carillo H e Fontevilla, 2011, EUA | |
Eaton LA et al., 2012, Austrália | |
Grov C, 2012, EUA | |
Halkitis PN et al., 2008, EUA | |
Hurley M e Prestage G, 2009, Inglaterra | |
Kern FA e Silva AL, 2009, Brasil | |
Knox J et al., 2010, Inglaterra | |
Li H et al., 2010, Inglaterra | |
Rabie F, Lesch H, 2009, Inglaterra | |
Silva LAV 2009, Brasil | |
Strong DA et al., 2005, EUA | |
Valentenova J et al., 2011, EUA | |
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Cuidados de Saúde em jovens homossexuais masculinos | Adam BD et al., 2005, EUA |
Bauermeister JA, 2012, EUA | |
Beagan, Fredericks, Goldberg, 2012, Canadá | |
Bouris A et al., 2010, Holanda | |
Boyce S et al., 2012, Inglaterra | |
Bruce D et al., 2012, EUA | |
Calabrese SK et al., 2012, EUA | |
Carballo-Dieguez A et al., 2009, Inglaterra | |
Flores DD et al., 2011, EUA | |
Fonte DA et al., 2005, EUA | |
Grov C, 2012, EUA | |
Halkitis PN et al., 2008, EUA | |
Holt M, 2010, Austrália | |
Hurley M e Prestage G, 2009, Inglaterra | |
Kern FA e Silva AL, 2009, Brasil | |
Knox J et al., 2010, Inglaterra | |
Kubicek K et al., 2011, EUA | |
Magee JC et al., 2012, EUA | |
Beagan BC et al., 2012, Canadá | |
Boyce S et al., 2012, Inglaterra | |
Brennan DJ et al., 2012, Inglaterra | |
Granado-Cosme JA e Delgado Sanchez G, 2008, México | |
Jorm AF et al., 2002, EUA | |
Morgan JF e Arcelus J, 2009, Inglaterra | |
Varangis E et al., 2012, Países Baixos | |
Willis P, 2012, Austrália |