versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.3 São Paulo jul./set. 2018 Epub 21-Jun-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3931
A insuficiência renal crônica (IRC) pode ser definida como uma síndrome causada pela diminuição progressiva da função renal.1 É caracterizada pela deterioração progressiva das funções bioquímicas e fisiológicas dos sistemas do organismo, secundária ao acúmulo de catabólitos, alteração do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico, acidose metabólica, hipovolemia, hipercalemia, hiperfosfatemia, anemia e distúrbio hormonal, hiperparatireoidismo, infertilidade, retardo no crescimento, entre outros.2,3,4
Nos Estados Unidos, mais de 20 milhões de pessoas têm doença renal, das quais 600 mil têm insuficiência renal.5 No Brasil, dados apontam que 10 milhões de pessoas têm alguma disfunção renal, enquanto, ao redor do mundo, a incidência da doença renal cresce em média 10% ao ano.6 Essa doença está atingindo um número cada vez maior de indivíduos, em parte devido ao processo de envelhecimento da população e também ao crescimento de portadores de hipertensão e diabetes mellitus, que são as principais morbidades relacionadas ao desenvolvimento da disfunção dos rins.7,8
Em pacientes com IRC e Estágio Final de Doença Renal Crônica (EFDR), são observadas alterações quantitativas e qualitativas na microbiota intestinal, entre elas o aumento da concentração intestinal de ureia e amônia, redução da integridade da barreira intestinal, aumento da inflamação.9 Das bactérias que habitam o trato gastrintestinal inferior (TGI), calcula-se que há cerca de 100 trilhões de micro-organismos no intestino humano,10 ou seja, 10 vezes mais que o número de células presentes em um organismo, sendo que as constituintes desse microbioma têm papel fundamental no desenvolvimento e função das respostas imunes.11
Os micro-organismos vivos que podem ser introduzidos na preparação de uma vasta gama de produtos são denominados probióticos,12 cuja função é melhorar o equilíbrio microbiano intestinal, causando efeitos benéficos à saúde do indivíduo.13 Dessa forma, devem ser administrados em doses adequadas.14 Para que os probióticos proporcionem benefícios ao organismo, devem estar viáveis quando consumidos, ou seja, precisam estar vivos após contato com o suco gástrico e bile, para assim fixarem-se à mucosa intestinal para concorrer com os microrganismos patogênicos e promover sua ação satisfatória na modulação de inflamação e imunidade.15
Em casos de IRC, em que ocorre elevação da concentração plasmática de resíduos urêmicos, tornando necessários transplante renal ou diálise crônica, apoia-se a abordagem probiótica como uma terapia alternativa para o tratamento da EFDR e para atenuar a condição urêmica.11
Este estudo justifica-se porque os efeitos provocados pelo uso de probióticos na IRC não estão totalmente esclarecidos, além de as pesquisas científicas sobre o tema serem escassas. A presente revisão sistemática da literatura é baseada na seguinte questão norteadora: "Os probióticos proporcionam algum benefício como coadjuvantes no tratamento da IRC?". O presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito do uso de probióticos na IRC por meio de uma revisão sistemática.
O levantamento bibliográfico foi realizado durante o período de dezembro de 2016 a maio de 2017, nas seguintes bases de dados eletrônicas: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), MEDLINE (acessada via PubMed), Clinical Trials e Cochrane Library. A atualização das buscas, para verificar possíveis artigos publicados posteriormente a maio de 2017, foi realizada uma única vez, em junho de 2017. Foi realizada uma pesquisa suplementar no banco de dados Google Acadêmico, para garantir que nenhum estudo importante fosse perdido. A estratégia de busca foi realizada utilizando os seguintes termos no buscador dos bancos de dados científicos: (Chronic renal disease) OR (Chronic kidney disease) OR (Chronic renal failure) OR (Chronic kidney failure) AND (Lactobacillus) OR (Lactobacilli) OR (Probiotic) OR (Probiotics). Todos os termos foram lançados nas buscas sem a inserção de aspas (").
Estudos publicados entre 2012 e 2016, em português e em inglês, com delineamento de estudos de ensaio clínico randomizado (ECR) realizados com humanos para avaliar o efeito da suplementação probiótica, ensaio clínico independente das fases I, II, III, IV realizado em pacientes com IRC, com idade acima de 18 anos, independentemente do sexo, podendo ou não estar fazendo hemodiálise. Foram excluídos artigos de revisão, revisões sistemáticas, narrativas e integrativas, editoriais, capítulos de livros, resumos, estudos experimentais em animais, resumos publicados em congressos.
O presente estudo baseou-se na Declaração dos Relatórios Preferenciais para Revisão Sistemática e Meta-análise (PRISMA - Figura 1).16 Um protocolo para a presente revisão foi registado com PROSPERO (CRD42017064068). Baseado no estudo de Carvalho et al.,17 o "risco de viés" foi avaliado para cada ECR incluída neste estudo, por meio de um protocolo construído de acordo com as recomendações da Cochrane Collaboration.18
A busca dos artigos nas bases de dados foi realizada por dois revisores independentes (R.A.B.F. e T.F.S.), e a seleção inicial foi realizada apenas com base nos títulos dos artigos. Os resumos dos estudos selecionados foram lidos e avaliados de acordo com os critérios de elegibilidade. Discordâncias entre as escolhas dos dois revisores eram discutidas até que fosse atingido um consenso.
Após a busca nas bases de dados, foram obtidos 662 artigos, dos quais 580 eram duplicatas. Após a análise de títulos e resumos, 75 registros foram excluídos, por não atenderem aos critérios de inclusão, e 8 foram selecionados para revisão de texto completo (Figura 1). Os 8 artigos selecionados encontravam-se na base de dados PubMed. Todos os estudos incluídos nesta revisão eram do tipo ECR e em inglês. Os estudos foram realizados: no México,19,20 na Itália,21 nos Estados Unidos,22 na Malásia,23 na China,24 no Irã25 e na Austrália.26
O número amostral variou entre 18 a 101 pacientes com IRC, com duração de tratamento oscilando entre 4 a 24 semanas. As doses de probióticos variaram entre 2.0 x 1012 e 16 x 109 UFC e 15g, não apresentando um padrão de dosagem específica. A forma de apresentação dos probióticos era bastante variável, alguns probióticos eram administrados em saquetas/envelopes, para ser dissolvidas(os) em água, outros eram acrescentados a um iogurte e os demais eram em cápsula. Houve orientação para ingestão dos probióticos em todos os estudos, independentemente se em cápsulas ou em saquetas e do tempo em relação às refeições (logo após a refeição ou concomitantemente à refeição).
A avaliação da qualidade metodológica está demonstrada na Tabela 1. O único critério estabelecido pela Cochrane Collaboration para a avaliação da qualidade metodológica foi referente a outras fontes de viés, em que todos os estudos obtiveram baixos riscos. No entanto, todos os estudos foram concebidos para responder a uma pergunta clara e focada. Cinco estudos forneceram descrições detalhadas do método utilizado para a geração de sequências aleatórias, enquanto apenas três estudos descreveram detalhadamente o método utilizado para ocultação da alocação. Os métodos utilizados para definir o cegamento de participantes ou pesquisadores foram relatados em sete estudos. Sete estudos foram descritos como estudos cegos, mas não descreveram todas as medidas utilizadas para o cegamento. Os resultados foram avaliados completamente em sete de oito estudos.
Tabela 1 Avaliação de risco de viés para Ensaio Clínico Randomizado ECRs (Cochrane Collaboration)
Estudo | Geração da randomização | Alocação | Cegamento de participantes ou pesquisadores | Cegamento de desfecho | Desfechos incompletos (perdas) | Relato de desfecho seletivo | Outras fontes de viés |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Alatriste et al., 2014 | ↓ | ↑ | ↑ | ↑ | ↑ | ↓ | ↓ |
Mora et al., 2014 | ? | ? | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ |
Guida et al., 2014 | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ |
Natarajan et al., 2014 | ? | ? | ↓ | ↓ | ↓ | ↑ | ↓ |
Firouzi et al., 2015 | ↓ | ↑ | ↓ | ↓ | ↑ | ↓ | ↓ |
Wang et al., 2015 | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ |
Dehghani et al., 2015 | ? | ? | ↓ | ↓ | ↑ | ↓ | ↓ |
Rossi et al., 2016 | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ |
↑: Alto risco; ↓: Baixo risco; ?: Risco incerto.
Apenas um estudo testou o efeito de um iogurte enriquecido com probióticos,19 outro testou uma cápsula diária de gel simbiótica.20 Outra forma de apresentar o simbiótico foi por meio de envelopes dissolvidos em água e ingeridos 3 vezes ao dia, longe das refeições.21 Natarajan et al.22 indicaram a utilização de 2 cápsulas três vezes ao dia, juntamente com as refeições. Além disso, observou-se a utilização de saquetas de suplementação probiótica, que eram dissolvidas em um copo de água para serem ingeridas em seguida, duas vezes por dia (de manhã e à noite) com ou sem refeição.23 No estudo de Wang et al.,24 os participantes tomavam uma cápsula por dia, antes de se deitar. Já na pesquisa realizada por Dehghani et al.,25 foram utilizadas 2 cápsulas diárias de formulação probiótica após as refeições, enquanto Rossi et al.26 ofertaram uma dose diária de 15g de formulação simbiótica.
Os micro-organismos utilizados nas investigações foram predominantemente do gênero Lactobacillus (100% = 8 estudos) e Bifidobacterium (87,5% = 7 estudos). A Tabela 2 apresenta os dados extraídos dos estudos selecionados.
Tabela 2 Características dos estudos selecionados incluídos na revisão
Estudo | N | Duração do tratamento | Cepa do Probiótico | Dosagens | Efeitos Benéficos | Efeitos Colaterais | Aconselhamento nutricional | Desfecho |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Alatriste et al. (2014) | 30 | 8 semanas | Lactobacillus casei Shirota (LcS) | Grupo A recebeu uma bebida láctea fermentada em uma garrafa de 80 mL com 8 x 109 UFC de LcS e o grupo B recebeu duas garrafas de 80 mL da bebida de leite fermentado para um total de 16 x 109 UFC de LcS. | Sim, diminuição dos níveis de amônio (precursor de ureia, para o qual as bactérias estão envolvidas) nesses pacientes. | Não | Sim | Verificou-se uma diminuição superior a 10% nas concentrações séricas de ureia após um tratamento dietético convencional com LcS em doentes com estádio 3 e 4 IRC. |
Mora et al. (2014) | 18 | 8 semanas | Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium bifidum, fibra prebiótica inulina, ácidos graxos ômega-3 e vitaminas (complexo B, ácido fólico, ácido ascórbico e vitamina E). | Nutrihealth: 1 cápsula/dia – 2.0 x 1012 UFC | Sim, aumenta a contagem de bifidobactérias | Não | Sim | O uso de gel simbiótico por 2 meses teve potencial para ser terapias aceitáveis para pacientes com insuficiência renal e pode facilitar o aumento da população de Bifidobactérias. |
Guida et al. (2014) | 30 | 4 semanas | Lactobacillus plantarum, Lactobacillus casei subsp. Rhamnosus, Lactobacillus gasseri, Bifidobacterium infantis, Bifidobacterium longum, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus salivarius, Lactobacillus sporogenes, Streptococcus thermophilus, Inulina prebiótica (VB Beneo Synergy 1) e amido de tapioca resistente. | Probinul neutro® (pacotes de pó de 5g a serem dissolvidos em água, três vezes ao dia, longe das refeições). | Sim, o uso do simbiótico diminuiu significativamente a concentração plasmática de p-cresol em pacientes com IRC não em diálise. | Não | Não | O simbiótico pode diminuir significativamente as concentrações de p-cresol plasmático total em doentes com IRC no estágio 3-4. |
Natarajan et al. (2014) | 22 | 24 semanas | S. thermophilus KB 19, L. acidophilus KB 27, B. longum KB 31. | 2 cápsulas, três vezes ao dia, com as refeições. Cada cápsula continha a formulação probiótica - 30 bilhões de UFC | Não | Sim | Não | A eficácia não pode ser confirmada definitivamente, principalmente devido ao pequeno tamanho da amostra e baixo poder estatístico - outros estudos são justificados. |
Firouzi et al. (2015) | 10 1 | 12 semanas | Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus casei, Lactobacillus lactis, Bifidobacterium bifidum, Bifidobacterium longum e Bifidobacterium infantis. | Dose diária de 6 × 1010 (Hexbio B-Crobes). Despejar o conteúdo das saquetas em um copo de água (aproximadamente 250 ml) e beber duas vezes por dia (de manhã e à noite), com ou sem refeição. | Sim, os níveis de ureia melhoraram significativamente após a suplementação de probióticos. | Sim | Sim | Os resultados deste estudo mostraram que os probióticos têm potencial para melhorar os níveis de ureia, especialmente entre os indivíduos OW / OB e aqueles com níveis elevados de ureia. No entanto, outros parâmetros do perfil renal, bem como testes de função hepática não foram afetados por probióticos. |
Wang et al. (2015) | 39 | 24 semanas | B. bifidum A218, B. catenulatum A302, B. longum A101, e L. plantarum A87. | Dose diária: 1 cápsula 4 × 109 UFC/dia, antes de deitar. | Sim, diminuíram significativamente os níveis de TNF-α, IL-5, E IL-6, e endotoxina, aumentaram os níveis séricos de IL-10, e função renal residual preservada após seis meses de tratamento de probióticos orais, nos pacientes em DP. | Não | Não | Os probióticos podem reduzir significativamente os níveis séricos de endotoxina, citocinas pró-inflamatórias (TNF-α e IL-6), IL-5, aumentam os níveis séricos de anti-inflamatórios citoquina (IL-10) e ainda preservar a função renal residual em pacientes que fazem DP. |
Dehghani et al. (2016) | 66 | 6 semanas | Lactobacillus casei, Lactobacillus cidophilus, Lactobacillus bulgarigus, Lactobacillus rhamnosus, Bifidobacterium breve, Bifidobacterium longum, Streptococcus thermophilus e prebiótico fruto-oligossacarídeos. | Familact 500mg - 2 cápsulas ao dia após as refeições. | Sim, reduziu o nitrogênio ureico no sangue em pacientes com IRC. | Não | Não | O tratamento com simbióticos por 6 semanas resultou em uma redução significativa na uréia média de sangue nos pacientes com IRC nos estágios 3 e 4 em comparação com placebo, entretanto, não teve nenhum efeito nos outros indicadores da função renal. |
Rossi et al. (2016) | 31 | 18 semanas | Nove estirpes diferentes ao longo do Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus genera. Inulina de elevado peso molecular, fruto-oligossacarídeos e galacto-oligossacarideos e o componente. | Nas primeiras 3 semanas, foi utilizado 7,5g do pó prebiótico e uma cápsula probiótica contendo 45 bilhões de UFC tomado de manhã, com alimentos. Nas últimas 3 semanas, os participantes tomaram uma dose adicional (7,5 g de pó e uma cápsula) com a refeição da noite, o que equivale a uma dose diária de 15g. | Sim, a terapia simbiótica reduziu eficazmente as concentrações séricas de PCS e, em menor grau, o IS em doentes com IRC moderada a grave. | Não | Sim | A terapia simbiótica resultou em reduções estatisticamente significativas e potencialmente clinicamente importantes nas concentrações séricas de IS e PCS. |
UFC: Unidade Formadora de Colônias; LcS: Lactobacillus casei Shirota; PCS: sulfato de p-cresil; IS: sulfato de indoxil; WO: sobrepeso; OB: obesos; DP: diálise peritoneal. IRC: insuficiência renal crônica.
Os biomarcadores de função renal, como creatinina, ureia, amônia e ácido úrico, foram analisados em 6 estudos.23,19,22,24,25,26 Um efeito positivo foi encontrado em alguns marcadores de função renal, em que houve diminuição do nitrogênio ureico.19,25 Em contrapartida, nos demais marcadores não houve redução significativa (creatinina, depuração da creatinina, ácido úrico, taxa de filtração glomerular, sódio, potássio) antes ou após a intervenção.22,23,24,25,26
Os biomarcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PCR) e as interleucinas, foram avaliados em 3 estudos.22,24,26 Comparado ao grupo controle, foi observada diminuição de endotoxinas e de citocinas pró-inflamatórias TNF-α IL-5, IL-6, bem como aumento no soro de IL-10.24 No estudo de Narajan,22 o suplemento probiótico não alterou as concentrações dos marcadores inflamatórios. Rossi et al.26 também observaram que a terapia trouxe um efeito benéfico nas concentrações séricas livres e totais de sulfato de p-cresol e sulfato de indoxyl.
A presente revisão sistemática da literatura possibilitou conhecer os principais micro-organismos estudados para auxiliar no tratamento da IRC, entre os quais se destacam os do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium, que proporcionam efeitos benéficos principalmente na redução da ureia, do nitrogênio ureico e do amônio, bem como nas concentrações plasmáticas de p-cresol plasmático e sulfato de indoxyl. Outro benefício apresentado é que tais cepas probióticas podem ajudar a aumentar no organismo humano as populações de bifidobactérias, essenciais para o apropriado funcionamento da barreira da mucosa intestinal,26 além de reduzir as concentrações de citocinas e endotoxinas e elevar os níveis séricos de IL-10. Já outras cepas, como as do gênero S. thermophilus KB 19, L. acidophilus KB 27, B. longum KB 31, não trouxeram nenhum benefício à saúde do indivíduo.
Alatriste et al.19 observaram que a uso de doses probióticas de LcS em concentrações maiores traz melhores resultados. A dose de probiótico na proporção de 16 x 109 UFC, utilizada durante 8 semanas, teve influência direta na redução da concentração de ureia sanguínea, associada à dieta e ao consumo de proteínas. Entre os benefícios da utilização em pacientes com IRC, pode-se indicar efeito protetor devido à tendência de reduzir os marcadores de inflamação. Natarajan et al.22 demostram que a administração de Renadyl em pacientes com IRC, na dose de 180 bilhões de UFC/dia, apresentava-se segura e bem tolerada pelos pacientes. As tendências foram observadas nas contagens de leucócitos, PCR e indoxil glicuronídeo total, toxinas urêmicas, marcadores de estresse oxidativo e medidas de qualidade de vida, entretanto, todas sem valor estatístico significativo.
Ao investigarem o efeito de uma preparação de células microbianas multiestirpes no perfil renal e na função hepática entre indivíduos diabéticos tipo 2, durante 12 semanas, foi demonstrado que os probióticos tinham potencial para melhorar as concentrações de ureia, principalmente em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e com concentrações elevadas de ureia. As concentrações de sódio e potássio no sangue, bem como resultados de testes de função hepática, não mudaram após a suplementação probiótica, já as concentrações de creatinina aumentaram dentro de cada grupo (caso e controle), o que pode ser relacionado à ingestão de inibidor de enzimas conversoras de angiotensina. Por outro lado, observou-se uma diminuição nas concentrações de ureia no grupo probiótico. Foram observados alguns efeitos adversos, tais como distúrbios gástricos menores esperados, além de impotência sexual e carbúnculo em um dos indivíduos.23
A suplementação de probiótico parece estar associada também à diminuição significativa das concentrações séricas de citocinas pró-inflamatórias de TNF-α, IL-5 e IL-6 e de endotoxinas em pacientes em DP, e aumento de citocina anti-inflamatória IL-10, além da função renal residual preservada após os seis meses de suplementação oral, porém as concentrações de ureia, creatinina e ácido úrico não tiveram alterações após o tratamento.24
Outro benefício da utilização de probiótico (Familact 500, duas vezes por dia, após as refeições, durante 6 semanas) indicou redução da ureia no sangue em pacientes com IRC nos estágios 3 e 4; porém não teve qualquer efeito em outros indicadores da função renal.25
A suplementação simbiótica também demonstra resultados positivos para a microbiota intestinal em pacientes com IRC. O consumo de uma cápsula simbiótica durante 8 semanas promoveu o aumento da população de Bifidobacterium e a preservação do número de Lactobacillus;20 já a suplementação durante 4 semanas, feita 3 vezes ao dia, longe das refeições, levou à diminuição considerável das concentrações plasmáticas de p-cresol em pacientes com IRC em estágios 3 e 4,21 enquanto a suplementação de 15g ao dia de simbióticos resultou na redução eficiente das concentrações séricas de p-cresol, e em menor grau do sulfato de indoxyl em doentes com IRC moderada a grave, nos quais foi realizado tratamento por 18 semanas.27
A escolha de uma cepa adequada pode ajudar a manter o equilíbrio populacional ou entre as diferentes formas de micro-organismos, reduzindo assim seu potencial de supercrescimento e patogenicidade.28 Assim sendo, quando há aumento de bactérias patogênicas, os pacientes com alguma disfunção renal acabam tendo disbiose, a qual pode contribuir para o aumento dos níveis de toxina urêmica, muitas vezes responsáveis pela progressão da IRC.29 A colonização intestinal é altamente influenciada pelos hábitos alimentares, fenótipos do hospedeiro, saúde mental e hábitos de vida do hospedeiro.30
Com o aumento do número de doenças relacionadas ao estilo de vida, melhorar hábitos alimentares e praticar atividades físicas tornaram-se mais importantes do que a terapia medicamentosa.8 A dieta está entre os fatores de estilo de vida mais reconhecidos e é uma importante reguladora da microbiota intestinal.31,32 As intervenções dietéticas são uma coestratégia para restituir o equilíbrio microbiano e suprimir os níveis circulantes de p-cresol e sulfato de indoxyl,33 como pode ser observado no estudo desenvolvido por Rossi et al.27
Entretanto, estudos evidenciam que a dieta tem um forte impacto no metabolismo bacteriano do cólon e no risco da progressão da IRC. Quando associada a uma fibra dietética no tratamento de tal patologia, pode-se assumir um benefício com relação à integridade da parede gastrointestinal, na qual pode reduzir as concentrações sistêmicas de toxinas urêmicas perigosas.34 Dietas isocalóricas (30 kcal/kg de peso ideal) e isoprotéicas (0,8 g/kg de peso ideal) também trazem benefícios aos pacientes com disfunção renal, pois podem influenciar os resultados, incluindo principalmente a concentração sérica de ureia, que é significativamente afetada pelo consumo de proteína.19
Intervenções adequadamente apresentadas em fatores dietéticos são precisas para entender as possíveis relações causais entre dieta e doenças, intercedidas pela microbiota intestinal. O uso de probióticos e prebióticos na alimentação pode ser uma medida preventiva ou terapêutica porque favorece uma composição saudável e maior funcionalidade da microbiota.30
As limitações desta revisão incluem o curto período de seguimento de alguns estudos incluídos e os tamanhos geralmente pequenos das amostras. Outra limitação foi a grande heterogeneidade metodológica dos estudos, o que impossibilitou a realização de meta-análise. Portanto, limitamos nossa revisão a uma apresentação descritiva dos dados.
A presente revisão sistemática destaca a importância dos probióticos na redução das concentrações de ureia, nitrogênio ureico, amônio, p-cresol plasmático, IS e PCS na IRC. As principais espécies de cepas utilizadas no tratamento da IRC são as do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium, com doses variando entre 2.0 x 1012 a 16 x 109 e 15g, não apresentando um padrão de dosagem específica. Algumas dosagens eram administradas em saquetas/envelopes, para serem dissolvidas(os) em água, outras em cápsulas e apenas uma apresentou forma combinada de probióticos mais iogurte. Para todas as administrações havia orientações específicas de como deveria ser a ingestão, para que assim não se perdesse a propriedade de cada formulação. O número limitado de artigos dificultou a generalização dos resultados obtidos, portanto, futuros estudos em longo prazo devem ser conduzidos para melhor elucidar essa relação.