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Osteoblastoma agressivo com degeneração secundária para cisto ósseo aneurismático

Osteoblastoma agressivo com degeneração secundária para cisto ósseo aneurismático

Autores:

Marcio Luís Duarte,
José Luiz M. A. Prado,
Carlos Alexandre M. Pereira,
Maria Teresa S. Alves,
Luiz Carlos D. Scoppetta

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial

versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774

J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.4 Rio de Janeiro jul./ago. 2019 Epub 02-Set-2019

http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190039

INTRODUÇÃO

O osteoblastoma é um tumor muito raro que constitui 0,5%-1% de todos os tumores ósseos primários(1-7) e 3% de todos os tumores ósseos benignos, afetando mais o sexo masculino (3-2:1 razão homem:mulher) durante a segunda década de vida(3,5,7). É definido como tumor não fibroblástico osteoblástico vascular - também é considerado um processo predominantemente intramedular(1).

Um cisto ósseo aneurismático é uma lesão expansiva benigna rara(6,8) que tem uma fina parede, contendo cavidades císticas cheias de sangue, mas pode ser bastante destrutivo localmente(2,6,8). Exerce pressão significativa nos tecidos circundantes(8), e sua transformação maligna foi relatada em 3% dos pacientes(6).

Somente três casos descrevendo um cisto ósseo aneurismático em um osteoblastoma do calvário podem ser encontrados na literatura medica. Neste relato, descrevemos um caso de osteoblastoma agressivo com cisto ósseo aneurismático secundário do crânio.

RELATO DE CASO

Um paciente de 4 anos, sexo masculino, apresentou-se com dor de cabeça que começou 18 meses antes, que se tornou progressivamente pior, associada a perda de equilíbrio, dificuldade de locomoção - passos curtos, apetite reduzido, evoluindo com vômitos e desmaios, especialmente durante as atividades escolares. Eletroencefalograma (EEG) normal. O exame de ressonância magnética (RM) demonstrou (Figuras 1 e 2):

FIGURA 1 A) RM na sequência FLAIR no corte axial evidenciando massa extra-axial bem definida na fossa posterior à esquerda, atravessando o osso occipital posteriormente, projetando-se para as partes moles adjacentes com extensa hemorragia interna (ponta da seta), comprimindo os hemisférios cerebelares; B) RM na sequência T2 SPIR no corte coronal demonstrando massa extra-axial bem definida na fossa posterior à esquerda, projetando-se às partes moles adjacentes com extensa hemorragia interna, pressionando os hemisférios cerebelares (seta branca fina) e distorcendo o quarto ventrículo com grave hidrocefalia a montante (seta cinza).RM: ressonância magnética; FLAIR: imagens de recuperação de inversão atenuada por fluidos (fluid attenuated inversion recovery); SPIR: spectral presaturation with inversion recovery. 

FIGURA 2 A) RM no corte axial na sequência ponderada em T1 sem contraste demonstrando massa extra-axial na fossa posterior (seta curva cinza claro), projetando-se para as partes moles adjacentes; B) RM no corte sagital na sequência ponderada em T1 pós-contraste demonstrando massa extra-axial bem definida na fossa posterior atravessando a porção posteroinferior do osso occipital, projetando-se para as partes moles adjacentes, com intenso realce periférico pelo contraste (seta branca fina), rechaçando os hemisférios cerebelares (seta curva) e distorcendo o quarto ventrículo com grave hidrocefalia a montante (seta cinza).RM: ressonância magnética. 

  • lesão extra-axial no aspecto posterior da fossa posterior à esquerda, medindo 7,5 × 5,8 × 5,2 cm, cruzando os aspectos posterior e inferior do osso occipital, com projeção para os tecidos mole adjacentes, bem definida, e extensa hemorragia interna;

  • intenso realce por contraste na periferia da lesão;

  • compressão de hemisférios cerebelares e distorção do quarto ventrículo com hidrocefalia grave a montante.

Quatro meses após a RM, foi realizada a remoção cirúrgica do tumor inteiro - procedimento em que se visualizou uma fratura occipital. A avaliação histológica, realizada após a cirurgia, diagnosticou osteoblastoma agressivo com cisto ósseo aneurismático secundário do crânio (Figura 3).

FIGURA 3 A) fotomicrografia HE 400×: presença de ninhos de osteoblastos epitelioides, nucléolos e atipia celular (seta preta); B) fotomicrografia HE 400×: microcistificação com hemorragia (seta preta)HE: hematoxilina e eosina. 

Um mês depois da operação, o paciente apresentou melhora nos sintomas, inclusive de alimentação e marcha. Ele ainda se encontra em tratamento, referindo somente cefaleia ocasional.

DISCUSSÃO

Osteoblastoma

Os osteoblastomas tendem a afetar os ossos longos e a coluna vertebral(1, 4,5) - um terço dos osteoblastomas desenvolvem-se na coluna(3). Devido à sua relativa raridade, sua incidência e distribuição são atualmente desconhecidas(5). Relatos de osteoblastoma agressivo de base do crânio são excepcionalmente raros e tendem a afetar indivíduos na terceira ou quarta década de vida(5).

A aparência radiográfica do osteoblastoma agressivo consiste em um defeito lítico circunscrito às vezes cercado por uma borda esclerótica, às vezes com uma aparência mais agressiva, incluindo destruição e erosão cortical significante(1, 5).

A tomografia computadorizada (TC) pode exibir uma lesão intraóssea lítica esclerótica mista, de borda bem circunscrita e destruição óssea com realce por contraste variável(1). A forma agressiva mostra evidência de destruição óssea, invasão de tecidos vizinhos e calcificações desorganizadas(7).

Os sinais característicos da RM são altamente variáveis, abrangendo desde a hipointensidade das imagens ponderadas em T1 com hiperintensidade das imagens ponderadas em T2 até hipointensidade de imagens ponderadas tanto em T1 quanto em T2(1). Os papéis da RM são determinar e descrever a extensão do tumor e o envolvimento dos tecidos moles ao redor(1). O realce pelo contraste gadolíneo é variável(1).

O suprimento vascular e o envolvimento de tecidos moles adjacentes são fatores importantes no tratamento do osteoblastoma(1). Esses tumores são altamente vasculares, assim mudanças parecidas com cistos ósseos aneurismáticos secundários podem ocorrer e causar dilema diagnóstico(5).

Osteoblastomas agressivos têm os seguintes marcadores histopatológicos(5,7):

  • presença de grandes osteoblastos epitelioides envolvendo as trabéculas ósseas;

  • presença de um número moderado de figuras mitóticas;

  • invasão óssea e das partes moles adjacentes.

A excisão completa reduz as chances de recorrência e a probabilidade de conversão maligna(1, 2,5). Tumores irressecáveis, excisões incompletas, tumor com histologias agressivas e tumores recorrentes podem receber terapia adjuvante(5). A taxa de recorrência no osteoblastoma, em geral, é cerca de 10% após o tratamento(2,5). Com osteoblastomas agressivos, é de 50%(2,5).

Cisto ósseo aneurismático

O cisto ósseo aneurismático tem alta propensão a recorrência, desenvolvendo fraturas, com etiologia e patofisiologia ainda não esclarecidas(2, 6). É um cisto fibroso com aparência de tumor, repleto de sangue, que pode aparecer em qualquer osso, expandindo-o, sendo vértebras e joelhos os lugares de ocorrência mais comuns(9,10).

A localização no osso occipital é muito rara - só 16 casos de cistos ósseos aneurismáticos occipitais foram descritos na literatura(6). Geralmente se apresenta como uma massa no couro cabeludo, mas pode se apresentar como uma lesão, ocupando um espaço intracraniano ou hemorragia cerebral(8).

Em somente um terço dos casos, a lesão original é identificada(8). O tumor de células gigantes é a lesão precursora mais comum (19%-39%), seguida do blastoma, do angioma e do condroblastoma(8, 9).

Características radiográficas do cisto ósseo aneurismático(8,9):

  • o córtex é erodido a uma margem fina;

  • a natureza expansiva da lesão geralmente se reflete em aparência expansiva ou “bolha de sabão”;

  • localizado excentricamente na metáfise;

  • aparência osteolítica;

  • o periósteo é elevado.

A TC e a RM mostram cisto multilocular(8) - o conteúdo é parcialmente cístico e parcialmente sólido (o que fica mais claro com o contraste) com a presença de níveis de fluido - na maioria dos casos(8,9). A não homogeneidade da lesão pode ser confirmada pela RM, já que essa técnica evidencia os septos e a variabilidade do desarranjo dos produtos sanguíneos(8,9). O nível dos fluidos sanguíneos é a marca do cisto ósseo aneurismático; embora este não seja um achado específico, já que tem sido relatado em outros tumores(10).

A lesão primária identificada determina que o plano de tratamento mais comum seja a curetagem/enxerto ósseo, com 20%-40% de taxa de recorrência - as taxas de recorrência relatadas variam de 20%-70% com a ressecção incompleta(6).

Osteoblastoma com cisto ósseo aneurismático secundário

A associação do osteoblastoma com cisto ósseo aneurismático é bastante rara na população em geral(6). Alterações secundárias consistentes com cisto ósseo aneurismático ocorrem em 10% de todos os osteoblastomas(7). Existem vários casos relatados dessa associação em locais incomuns, como: fossa craniana posterior, crânio, seio etmoidal, ramo mandibular, côndilo e sacro(3,6).

A ressecção incompleta tem alta taxa de recorrência. A melhor chance de cura e baixa taxa de recorrência é a completa excisão do tumor, sendo o seguimento de longo prazo uma precaução necessária contra sua recorrência(6). A TC é mais eficaz em identificar a localização da lesão, extensão da destruição óssea e envolvimento da complexa anatomia circundante, mas a RM permite a visualização do impacto nos tecidos moles adjacentes(7).

Somente três casos descrevendo cisto ósseo aneurismático secundário em um osteoblastoma de crânio podem ser encontrados na literatura médica(4).

CONCLUSÃO

Relatamos o caso de um osteoblastoma agressivo do crânio cuja lesão na RM mimetiza tumor cerebral ou tumor intracraniano primário em vez de tumor ósseo primário. Nesse tipo de achado, embora muito raro, o radiologista deve alertar sobre a necessidade de ressecção do tumor, porque essa lesão pode afetar estruturas ao seu redor, piorando até se tornar irresecável. Nessa lesão, o radiologista deve orientar a ressecção devido ao envolvimento das estruturas adjacentes.

REFERÊNCIAS

1 Alli A, Johnson P, Reeves A. Imaging characteristics of occipital bone osteoblastoma. Case Rep Radiol. 2013; 2013: 930623.
2 Han X, Dong Y, Sun K, Lu Y. A huge occipital osteoblastoma accompanied with aneurysmal bone cyst in the posterior cranial fossa. Clin Neurol Neurosurg. 2008; 110(3): 282-5.
3 Tarantino R, Piccirilli M, Anichini G, Delfini R. Benign osteoblastoma of the odontoid process of the axis with secondary aneurysmal bone cyst component: a case report. Neurosurg Rev. 2008; 31: 111-5.
4 Kubota Y, Mitsukawa N, Arikawa R, Akita S, Satoh K. Fronto-parietal osteoblastoma with secondary aneurysmal bone cyst: a case report. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2013; 66: 270e273.
5 Singh DK, Das KK, Mehrotra A, et al. Aggressive osteoblastoma involving the craniovertebral junction: a case report and review of literature. J Craniovertebr Junction Spine. 2013 Jul-Dec; 4(2): 69-72.
6 Hu H, Wu J, Ren L, Sun X, Li F, Ye X. Destructive osteoblastoma with secondary aneurysmal bone cyst of cervical vertebra in an 11-year-old boy: case report. Int J Clin Exp Med 2014; 7(1): 290-5.
7 Ramme AJ, Smucker JD. Balancing spinal stability and future mobility in the cervical spine: surgical treatment of a case of osteoblastoma with secondary aneurysmal bone cyst. Spine J. 2011; 11(5) e5-12.
8 Mehboob J, Aleem U, Asghar AG. Aneurysmal bone cyst of the occipital bone. J Coll Physic Surg Pakistan, 2011; 21(10): 628-30.
9 Genizi J, Srugo I, Attias D, et al. Giant pediatric aneurysmal bone cysts of the occipital bone: case report and review of the literature. Pediatr Neurol. 2011 Jul; 45(1): 42-4.
10 Modkovski R, Elliott R, Rubin B, Zagzag D, Jafar J, Mikolaenko I. Giant cell tumor of the occipital bone and secondary aneurysmal bone cyst: case report and review of literature. Internet J Neurosurg. 2009; 7(2).