versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol., ahead of print Epub 20-Jan-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2019-0045
A doença renal crônica (DRC) é um problema de saúde pública em todo o mundo, com uma prevalência crescente e desfechos adversos1-3. Os distúrbios minerais e ósseos (DMO) são importantes complicações da DRC, resultando em várias consequências clínicas, como fraturas, dores ósseas, deformidades esqueléticas, calcificação vascular, doença cardiovascular e óbito3,4.
Progresso notável foi obtido na compreensão da fisiopatologia da DMO-DRC nas últimas décadas 5-10. Por outro lado, as consequências em desfechos clínicos relacionados a padrões histológicos distintos de osteodistrofia renal (OR) são amplamente desconhecidas. Esse problema se torna mais complexo considerando os diagnósticos associados à OR, como baixo volume ósseo trabecular (osteoporose) e acúmulo de metal.
As informações disponíveis sobre OR foram derivadas principalmente de uma série de estudos observacionais que mostram uma maior tendência na prevalência de doença de alta remodelação, diminuição da osteomalácia e estabilização da doença óssea adinâmica nas últimas décadas11-15. Um estudo recente observou uma modificação na proporção da distribuição da OR, sugerindo que a doença óssea de baixa remodelação pode ocorrer com frequência durante os estágios avançados da DRC16. Nenhum desses estudos abordou prospectivamente as relações entre os desfechos clínicos e diferentes tipos de OR, presença de osteoporose ou acúmulo de alumínio.
A iniciativa Europeia de Osteodistrofia Renal foi criada em 2016 para revitalizar a biópsia óssea como uma ferramenta clinicamente útil17,18. Dois anos antes, o Registro Brasileiro de Biópsia Óssea (REBRABO) foi lançado como um registro nacional e prospectivo, servindo como uma plataforma de pesquisa para expandir o conhecimento sobre DMO-DRC.
O REBRABO é um banco de dados eletrônico que contém dados clínicos, laboratoriais, de imagem e histológicos de pacientes com DMO-DRC submetidos a biópsia óssea no Brasil, e poderá contribuir para um melhor conhecimento sobre as consequências clínicas da OR. Além disso, análises de dados baseadas no REBRABO podem fornecer informações clínicas e epidemiológicas atualizadas relacionadas à OR e e ao DMO-DRC no Brasil19,20.
O presente estudo é a primeira análise prospectiva dos dados do REBRABO no período de 30 meses. Nosso objetivo foi descrever o perfil epidemiológico da OR em uma amostra de pacientes brasileiros com DMO-DRC e entender a relação entre a OR, os a OR e diagnósticos associados, e desfechos clínicos.
Esse estudo é nacional, multicêntrico, observacional e prospectivo. Os critérios de seleção foram os seguintes: Pacientes com DMO-DRC nos estágios 3-5D, segundo a diretriz Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO)21 - submetidos a biópsia óssea, de acordo com a indicação de um médico nefrologista, e que tiveram seus dados, laboratoriais e de imagem introduzidos no sistema REBRABO entre agosto de 2015 e março de 2018. A biópsia óssea teve uma das seguintes indicações: dor óssea persistente, hipercalcemia/fosfatemia inexplicadas, fraturas ósseas não traumáticas, terapia pré-bifosfonatos ou pré-paratireoidectomia, suspeita de acúmulo de alumínio (Al) e protocolo de pesquisa. Os critérios de exclusão foram: recusa em assinar o termo de consentimento informado, idade < 18 anos, clearance estimado de creatinina ≥ 60 mL/min, transplante renal atual e biópsia óssea indicada por outra especialidade que não a nefrologia.
A linha de base foi definida como o momento em que o paciente foi submetido à biópsia óssea. A análise prospectiva incluiu dados de pacientes que completaram pelo menos 12 meses de acompanhamento. Pacientes que não puderam ser localizados ou interromperam o tratamento e pacientes cujas biópsias não haviam sido analisadas até março de 2018 foram excluídos da análise prospectiva (Figura 1). O seguimento estendeu-se até 30 meses após o início do estudo.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNICAMP (CAAE: 4131141.6.0000.5404) e realizado de acordo com as diretrizes da Declaração de Helsinque. O consentimento informado foi obtido de todos os pacientes ou de seus cuidadores.
Os dados clínicos, demográficos e laboratoriais foram coletados no início do estudo e no seguimento, usando formulários eletrônicos padronizados disponíveis no sistema REBRABO da Web. Os dados basais foram inseridos pelo nefrologista que realizou a biópsia óssea, e verificados por um único pesquisador. Os dados de acompanhamento foram obtidos por telefone a partir do nefrologista que realizou a biópsia óssea, da unidade de diálise e dos próprios pacientes. Os dados incluídos foram sempre inseridos pelo mesmo pesquisador e verificados por outro pesquisador. Pacientes com histórico de doença coronariana, acidente vascular cerebral e doença arterial periférica obstrutiva foram considerados como terem sofrido um evento cardiovascular maior (Major adverse cardiovascular event, MACE) anteriormente.
Para reduzir a variação interlaboratorial nos níveis séricos de paratormônio (PTH) e de fosfatase alcalina total, o REBRABO solicita informações sobre faixas de referência desses parâmetros. Com base nas recomendações do KDIGO, foram criadas as três categorias de níveis séricos de PTH listadas a seguir, considerando o limite superior da faixa de referência: “dentro da meta (PTH entre 2-9x)”; “Abaixo da meta (PTH < 2x)”; e “acima da meta (PTH > 9x)”4. Os níveis séricos de fosfatase alcalina total foram classificados como “abaixo”, “dentro” ou “acima” da referência do laboratório local. A hiperfosfatemia foi considerada se os níveis séricos de fosfato fossem ≥ 4,7 mg/dL. Uma escala analógica-visual de dor foi usada para medir a intensidade referida da “dor óssea”. A dor óssea foi classificada como moderada a grave, caso o paciente referisse escore ≥ 3.
Os fragmentos ósseos foram obtidos por biópsias ósseas transilíacas e os fragmentos ósseos não descalcificados foram submetidos ao processamento padrão para estudos histológicos na coloração com azul de toluidina. Utilizamos marcação dupla com tetraciclina, e a análise histológica foi realizada por um único pesquisador. As amostras de pacientes foram classificadas individualmente quanto ao diagnóstico de osteíte fibrosa, osteodistrofia urêmica mista, doença óssea adinâmica ou osteomalácia e também de acordo com a classificação TMV. A presença de baixo volume ósseo trabecular e acúmulo de Al foram considerados indicativos de um diagnóstico associado à OR7,8. Para fins de equivalência e tradução clínica, assumimos o termo “baixo volume ósseo” como diagnóstico de “osteoporose”, com base nas observações de Malluche et al.22 O acúmulo de Al foi considerado positivo se mais de 30% da superfície do osso trabecular estivesse coberta por esse metal sob coloração de solocromo-azurina. Para discriminar o acúmulo de Al a partir do acúmulo de ferro no osso utilizamos a coloração de Perls.
Fraturas ósseas não traumáticas, hospitalização e óbito foram considerados desfechos primários.
As variáveis contínuas foram expressas como médias ± DP ou mediana/intervalo interquartil. Os dados categóricos foram expressos em frequências/porcentagens. As comparações entre as variáveis contínuas, dados não paramétricos e variáveis categóricas foram realizadas usando o teste-t de Student, teste Mann-Whitney e X2, respectivamente. O teste de McNemar, o teste-t de Student e o teste de Wilcoxon foram usados para avaliar as diferenças entre os dados basais e do seguimento. Realizamos uma regressão linear multivariada (método stepwise) e regressão logística para identificar os determinantes independentes de “osteoporose” e “acúmulo de Al”. Variáveis selecionadas da regressão univariada (tempo e modalidade de diálise, PTH sérico, fosfatase alcalina, 25-hidroxivitamina D, remodelação óssea, acúmulo de Al e paratireoidectomia prévia) foram incluídos no modelo multivariado de “osteoporose”. Variáveis selecionadas da regressão univariada (idade, gênero, duração estimada da DRC, tempo e modalidade de diálise, índice de massa corporal, PTH sérico, fosfatase alcalina, paratireoidectomia prévia e função residual renal) foram incluídos no modelo multivariado de “acúmulo de Al”. Foi realizada uma análise de regressão COX dos determinantes de “hospitalização” e “óbito”. As variáveis selecionadas para “hospitalização” incluíram idade, diabetes, MACE, diagnóstico de osteoporose e hemoglobina sérica. As variáveis selecionadas para “óbito” incluíram idade, diabetes, MACE, tempo de diálise, diagnóstico de osteodistrofia urêmica mista e cálcio sérico total. As análises estatísticas foram realizadas usando o software SPSS 22.0 (SPSS Inc., Chicago, IL). Um valor p bilateral < 0,05, foi considerado estatisticamente significativo.
Entre agosto de 2015 e março de 2018, dados de 313 pacientes estavam disponíveis no sistema REBRABO; 260 pacientes foram incluídos segundo os critérios do estudo. A Tabela 1 descreve os achados clínicos e bioquímicos. Os pacientes apresentaram alta prevalência de sintomas e sinais relacionados à qualidade de vida e anormalidades na bioquímica sérica.
Tabela 1 Achados clínicos e bioquímicos séricos no início do estudo
Parâmetro | N = 260 |
---|---|
Idade (anos) | 51 ± 12 |
Gênero (masculino; N, %) | 133 (51) |
Etnia (Caucasiano; N, %) | 105 (40) |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 24 (22 - 27) |
Causa da DRC (N, %) | |
Hipertensão | 79 (30) |
Glomerulonefrite crônica | 48 (19) |
Diabetes mellitus | 30 (12) |
Duração estimada da DRC (meses) | 115 (39 - 202) |
Tratamento conservador (N, %) | 24 (9) |
Modalidade da diálise (hemodiálise; N, %) | 211 (89) |
Tempo em diálise (meses) | 86 (39 - 168) |
Paratireoidectomia previa (N, %) | 56 (22) |
Fraturas ósseas (não traumáticas) | 40 (15) |
Sinais e sintomas (N, %) | |
Dor óssea/moderada ou grave | 135 (54) / 84 (33) |
Fraqueza | 110 (42) |
Mialgia | 78 (30) |
Deformidade óssea | 45 (17) |
Prurido | 38 (15) |
Ruptura de tendão | 10 (4) |
Bioquímica sérica* | |
Albumina (g/dL) | 3,9 (3,5 - 4,2) |
Creatinina (mg/dL) | 8,9 (6,6 - 10,6) |
Hemoglobina (g/dL) | 11,5 (10,3 - 13) |
Cálcio total (mg/dL) | 9,3 (8,6 - 9,8) |
Fosfato (mg/dL) | 5 (4 - 6,2) |
Fosfatase alcalina (UI/L) | 110 (75 - 204) |
Paratormônio (pg/mL) | 217 (47 - 636) |
25-OH vitamina D (ng/dL) | 28 (21 - 36) |
Alumínio (µg/L) | 9,35 (4,75 - 19,25) |
DRC, doença renal crônica;
*Nº de amostras = 46 para níveis séricos de alumínio, 107 para níveis de 25-OH vitamina D, e 155 para níveis de albumina.
Os níveis séricos de PTH estavam dentro da faixa recomendada pelo KDIGO em 88 (34%) pacientes. Os níveis séricos de fosfatase alcalina e 25-OH vitamina D estavam dentro da faixa recomendada em 162 (62%) e 48 (45%) pacientes, respectivamente; hiperfosfatemia foi observada em 142 (55%) pacientes, enquanto hipercalcemia foi observada em 32 (13%) pacientes.
As principais indicações para biópsia óssea foram: protocolo de pesquisa em 107 (41%), suspeita de acúmulo de alumínio em 80 (31%), dor óssea persistente em 34 (13%), hipercalcemia/fosfatemia inexplicável em 14 (5,4%) pacientes, fraturas ósseas não traumáticas em 11 (4,2%) pacientes, terapia pré-bisfosfonato em 8 (3,1%) pacientes e pré-paratireoidectomia em 6 (2,3%) pacientes.
Dos 260 pacientes incluídos no início do estudo, 171 (66%) pacientes tinham relatos de diagnóstico de OR em março de 2018. Osteíte fibrosa e osteodistrofia urêmica mista foram as formas mais prevalentes de OR e foram detectadas em 85 (50%) e 43 (25%) pacientes, respectivamente. O padrão de distribuição da OR e a classificação de TMV são mostrados na Figura 2. Não houve alterações significativas na distribuição dos padrões de OR ou na classificação de TMV ao considerar dados de pacientes cuja indicação da biópsia óssea foi baseada em um protocolo de pesquisa.
Figura 2 Padrão de distribuição da Osteodistrofia renal e classificação da remodelação-mineralização-volume (RMV) (N = 171).
A relação entre a classificação de TMV e os sintomas/sinais foi inespecífica, exceto entre os pacientes diagnosticados com osteoporose, que apresentaram maior prevalência de dor óssea moderada a grave do que os pacientes com volume trabecular ósseo normal [41 (54%) vs. 20 (27%); p = 0,001)] e pacientes com diagnóstico de mineralização anormal, que apresentaram maior prevalência de mialgia do que pacientes com mineralização normal [37 (39%) vs. 17 (22%); p = 0,03)].
Osteoporose foi diagnosticada em 77 (44%) pacientes. Não houve diferença significativa na prevalência de osteoporose entre os pacientes com diferentes tipos de OR [37 (46%) casos de osteíte fibrosa, 19 (51%) casos de osteodistrofia urêmica mista, 4 (50%) casos de osteomalácia e 16 (67%) casos de doença óssea adinâmica (p = 0,35)]. A regressão logística mostrou que o tempo em diálise foi um preditor independente de osteoporose (OR: 1.005; IC: 1.001-1.010; p = 0,01).
O acúmulo de Al na superfície óssea trabecular foi detectado em 65 (38%) pacientes. Não houve diferença significativa na prevalência de acúmulo de Al entre os pacientes com diferentes tipos de OR [32 (38%) casos de osteíte fibrosa, 16 (37%) casos de osteodistrofia urêmica mista, 4 (40%) casos de osteomalácia, e 10 (38%) casos de doença óssea adinâmica (p = 0,9)]. Os mesmos achados foram observados segundo a classificação de TMV [14 (39%) casos de baixa remodelação óssea vs. 48 (37%) casos de alta remodelação óssea (p = 0,4); 24 (33%) casos de mineralização normal vs. 38 (40%) casos de mineralização anormal (p = 0,31); e 30 (39%) casos de volume ósseo trabecular normal vs. 26 (34%) casos de volume ósseo trabecular baixo (p = 0,54)]. A regressão logística multivariada revelou os seguintes preditores independentes de acúmulo de Al ósseo: tratamento hemodialítico (OR: 11,24; IC: 1,227-100; p = 0,03), paratireoidectomia prévia (OR: 4,97; IC: 1,422-17,241; p = 0,01), e sexo feminino (OR: 2,88; IC: 1,080-7,679; p = 0,03).
O diagnóstico de acúmulo de Al foi um achado inesperado pelo nefrologista em 33 (51%) pacientes. Mesmo em pacientes submetidos à biópsia óssea indicada com base em um protocolo de pesquisa, a prevalência de acúmulo de Al atingiu taxas semelhantes [65 (38%) vs. 58 (47%), p = 0,1]. No geral, a suspeita de acúmulo de Al em tecido ósseo pelo nefrologista representou um teste clínico com baixa sensibilidade (54%; valor preditivo positivo de 46%) e baixa especificidade (65%; valor preditivo negativo de 32%).
O tempo médio de seguimento foi de 21 ± 5 meses, e 115 (44%) pacientes foram incluídos na análise prospectiva. Nenhuma mudança significativa na prevalência de sinais/sintomas foi detectada durante o período de seguimento. Houve uma tendência de redução nos níveis séricos de fosfato [5,0 (3,9 - 6,5) para 4,5 (3,5 - 5,4) mg/dL (p = 0,07)] e uma mudança significativa nos níveis séricos de fosfatase alcalina [116 (71 - 210) para 108 (67 - 278) (p = 0,01)].
Sete (7%) pacientes tiveram um episódio de fratura não traumática no seguimento: 2 (29%) fraturas do fêmur, 2 (29%) fraturas nos dedos dos pés, 1 (14%) fratura nas costelas, 1 (14% ) fratura na clavícula e 1 (14%) fratura em local indeterminado. Esses pacientes apresentavam maior prevalência de diagnóstico de diabetes mellitus [2 (40%) vs. 5 (5%), p = 0,04] e tinham histórico de MACE [3 (30%) vs. 4 (5%), p = 0,023].
Houve 56 internações, incluindo 15 (27%) por doenças cardiovasculares. Esses pacientes eram propensos a apresentar baixos níveis séricos de hemoglobina (11,1 ± 2 vs. 12,1 ± 2 g / dL, p = 0,01) e diagnóstico de osteoporose [29 (69%) vs. 24 (46%), p = 0,03] . A análise da curva de Kaplan-Meier mostrou uma tendência para “hospitalização” entre pacientes com (N = 42) e sem (N = 52) osteoporose [29 (69%) vs. 24 (46%) eventos; p (log-rank) = 0,08]. No entanto, a análise por regressão COX revelou que nenhuma das variáveis foi preditora independente para “hospitalização” (p = 0,152) (Figura 3).
Figura 3 Análises de Kaplan-Meier e regressão de Cox da sobrevida no desfecho “hospitalização” segundo o diagnóstico de osteoporose. (A) Curva de Kaplan-Meier não ajustada para o desfecho de “hospitalização” segundo o diagnóstico de osteoporose [p (log-rank) = 0,08]; (B) Curva de sobrevida de Cox ajustada para idade, diabetes, MACE, nível sérico de hemoglobina e osteoporose. Não houve diferença significativa no modelo (p = 0,152) (N = 93; “hospitalização ”-censurada foi reportado em 40 pacientes).
Quatorze (12,5%) óbitos foram detectados durante o seguimento, 6 (38%) por doença cardiovascular. Esses pacientes tinham propensão a serem mais velhos (58 ± 10 vs. 51 ± 11, p = 0,03) e terem mais tempo em diálise (163 ± 108 vs. 99 ± 84, p = 0,014), diagnóstico de osteodistrofia urêmica mista [7 (28 %) vs. 7 (8%), p = 0,009], baixos níveis séricos de cálcio total (8,7 ± 0,8 vs. 9,3 ± 0,9, p = 0,038), uso de carbonato de cálcio [6 (26%) vs. 8 (9% ), p = 0,027] e uso de sevelamer [4 (40%) vs. 10 (10%), p = 0,006]. Embora tenham ocorrido mais óbitos entre os pacientes com intoxicação por Al (7 em 35 pacientes) em comparação com aqueles sem (7 em 77 pacientes), nenhuma significância estatística foi observada (p = 0,1). A regressão COX revelou que nenhuma das variáveis foi preditora independente de óbito (p = 0,34) (Figura 4).
Figura 4 As análises de sobrevida por regressão de Cox e Kaplan-Meier para o desfecho “óbito” segundo o diagnóstico de Osteodistrofia urêmica mista. (A) Curva de Kaplan-Meier não ajustada para o desfecho “óbito” segundo um diagnóstico de Osteodistrofia urêmica mista [p (log-rank) = 0,4]; (B) curva de sobrevida de Cox ajustada para idade, diabetes, MACE, tempo em diálise, diagnóstico de Osteodistrofia urêmica mista, e níveis séricos de cálcio total. Não houve diferença significativa no modelo (p = 0,34) (N = 97; “óbito ”-censurado foi reportado para 13 pacientes) OUM, osteodistrofia urêmica mista.
Este estudo apresenta a primeira análise prospectiva dos dados do REBRABO no período de 30 meses e revela os seguintes resultados principais: primeiro, os pacientes apresentaram alta prevalência de sintomas clínicos, e a relação entre os sintomas e o tipo de OR foi inespecífica; segundo, doenças de alta taxa de remodelação óssea foram mais prevalentes; terceiro, houve uma alta prevalência de osteoporose e acúmulo de Al, mas não foi preditora de desfechos clínicos; e, finalmente, a classificação do tipo de OR ou TMV não foi relacionada aos desfechos de hospitalização e óbito.
Os sintomas clínicos relacionados à DMO-DRC são difíceis de interpretar porque são inespecíficos, subjetivos e frequentes em pacientes com DRC23,24. Além de destacar a alta prevalência de diagnósticos inesperados revelados apenas pelas biópsias ósseas, nossos resultados destacam a dificuldade enfrentada pelos nefrologistas em prever o diagnóstico e orientar o tratamento da OR com base nas manifestações clínicas.
A alta prevalência de dor óssea moderada a grave em pacientes com osteoporose é aparentemente conflitante. No entanto, devemos ter em mente que a dor em pacientes com DRC é multifatorial, e pode ser influenciada por fatores como neuropatia urêmica, neuropatia diabética, insuficiência arterial periférica, amiloidose, entre outros fatores25. Alguns pacientes com diagnóstico de osteoporose também apresentavam osteíte fibrosa, com níveis séricos elevados de PTH, o que pode explicar pelo menos parcialmente a ocorrência de dor óssea em pacientes com diagnóstico de osteoporose.
Não fazia parte do escopo do estudo avaliar de maneira controlada a influência dos achados da biópsia óssea nas decisões terapêuticas ou na qualidade de vida. No entanto, acreditamos que para grupos específicos de pacientes, os resultados da biópsia óssea foram capazes de melhorar seus sintomas ou condição clínica, como nos casos de acúmulo de Al ou corroborar a indicação de paratireoidectomia cirúrgica.
Informações sobre a prevalência atual de diferentes tipos de OR são conflitantes14-16. Essas discrepâncias podem ser atribuídas a muitos fatores, como diferenças nas características epidemiológicas e clínicas dos pacientes com DRC (como idade ou etnia), disponibilidade de medicamentos utilizados no tratamento da DMO-DRC e modalidades de tratamento entre as populações estudadas11-16,26,27. No entanto, não sabemos se um tipo histológico específico de OR poderia resultar em desfechos clínicos desfavoráveis, ou se apenas marcaria a gravidade de uma doença mais ampla, dissociada dos desfechos.
Algumas evidências sugerem que existe uma relação entre doença óssea adinâmica ou níveis séricos muito baixos de PTH e alta mortalidade, mas a interpretação dessas informações é influenciada por muitos outros fatores, como calcificação vascular, fraturas e alterações hormonais28,29. Por outro lado, níveis séricos extremamente altos de PTH, como marcador de doença óssea de alta taxa de remodelação, também estão associados a alta mortalidade30. Até onde sabemos, nosso estudo é o primeiro a mostrar que nem os padrões distintos de OR, nem as características de TMV afetam os desfechos clínicos pelo menos nesse período de tempo relativamente curto.
Detectamos uma alta prevalência de acúmulo de Al no tecido ósseo. Esses resultados contradizem achados anteriores na literatura científica que sustentam que o acúmulo de Al em tecido ósseo não tem relevância epidemiológica31-33. No entanto, alguns desses estudos são considerados antigos e principalmente baseados em observações de concentrações não tóxicas de Al no sangue de pacientes com DRC e na água da hemodiálise32,33. Com base em nossos achados, especulamos se esse problema é regional ou ocorre em muitos outros países de maneira silenciosa ou subdiagnosticada.
Curiosamente, a presença de deposição óssea de Al não esteve relacionada ao tipo de classificação de OR ou TMV. Outros fatores, como o gênero feminino, foram associados a um risco três vezes maior de acúmulo de Al; e a paratireoidectomia prévia aumentou o risco em 5 vezes. As razões subjacentes a essas associações são desconhecidas e provavelmente envolvem cinética do Al, depuração difusional e fatores hormonais (estrogênio e PTH)34. A água usada para hemodiálise, absorção intestinal, medicamentos e soluções parenterais e concentrados polieletrolíticos continuam sendo possíveis fontes de Al35-38.
Estima-se que pacientes com DRC apresentem um risco 4 vezes maior de fratura do fêmur do que a população em geral devido a vários fatores, incluindo alta prevalência de osteoporose, alterações nos parâmetros bioquímicos e endócrinos e toxinas urêmicas39-41. Uma vez que detectamos um baixo número de casos de fraturas ósseas em nosso estudo, não foi possível avaliar em profundidade as eventuais relações com os parâmetros clínicos, bioquímicos e histológicos.
Nosso estudo tem limitações. Os exames laboratoriais não foram padronizados e uma proporção considerável de pacientes não possuía dados disponíveis no período de seguimento. O período de seguimento de trinta meses foi possivelmente muito curto para avaliar os resultados, como fraturas ósseas e óbito; 13 (5%) pacientes foram retirados durante o período de acompanhamento devido à impossibilidade de contatá-los ou óbito não registrado. Outra limitação foi a falta de estudos histomorfométricos completos, o que torna impossível esclarecer, por exemplo, por que alguns pacientes com diagnóstico de osteomalácia (que deveriam apresentar alto volume ósseo) tinham o diagnóstico associado de osteoporose. No entanto, a característica intrínseca de ser um estudo da vida real, a inclusão de muitos pacientes e a análise prospectiva dos resultados configuram importantes pontos fortes deste estudo. Embora os diagnósticos de baixo volume ósseo trabecular, osteodistrofia urêmica mista, tempo em diálise, hemoglobina sérica e cálcio total apresentem algumas relações com hospitalização ou óbito, nenhum desses parâmetros pôde ser identificado como fator independente associado aos desfechos.
Em conclusão, essa análise prospectiva dos dados do REBRABO no período de 30 meses revelou que a hospitalização e o óbito não foram influenciados pelos diferentes padrões histológicos de OR ou pela classificação de TMV. Houve uma elevada prevalência de doenças de alta taxa de remodelação óssea, osteoporose e acúmulo de Al em nossa população. Uma vez que o diagnóstico de acúmulo de Al foi realizado no nível subclínico na maioria dos pacientes, sugerimos que novos estudos, incluindo biópsia óssea, sejam realizados para detectar a real prevalência dessa doença em diferentes regiões do mundo.