versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.2 São Paulo abr./jun. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160024
O p-cresol (PC), 4-metilfenol (PM: 108,14 g/mol) é uma toxina urêmica de baixo peso molecular com elevada afinidade para proteínas, originada do catabolismo da tirosina e da fenilalanina por microrganismos intestinais. Estudos anteriores observaram que o p-cresol circula em concentrações muito baixas e é metabolizado em seus conjugados (p-cresil sulfato - PCS e p-cresil glucoronidato - PCG) pela flora intestinal, durante sua passagem pelo cólon e pela mucosa hepática.1,2 Assim, o PCS é considerado uma toxina eficaz, devido a sua significativa concentração circulatória e impacto bioquímico sobre o corpo.3
O acúmulo de PC produz efeitos tóxicos in vitro e in vivo com possíveis impactos clínicos, por se tratar de um grande contribuinte para o desenvolvimento de complicações cardiovasculares urêmicas.4 O tratamento dialítico elimina 70% da ureia e da creatinina e apenas 30% do PC após quatro horas de sessão.5,6 Isso leva a acúmulos progressivos de PC associados a aumento nas lesões vasculares, ativação leucocitária e impactos negativos sobre o desfecho clínico.5 Em indivíduos hígidos, a concentração plasmática de PC é de aproximadamente 0,6 mg/L, mas se eleva significativamente para 20,1 mg/L nos estágios precoces da doença renal crônica (DRC) e para 40,7 mg/L na DRC avançada. O efeito pró-inflamatório do PCS, medido pela formação aumentada de radicais livres produzidos pelos leucócitos, contribui para o aparecimento de lesões vasculares em pacientes com DRC.7 Foi recentemente demonstrado que o PCS induz a liberação de micropartículas endoteliais e que há uma correlação significativa entre os níveis circulantes PCS e a patogênese de lesões cardiovasculares na DRC.8 Além disso, níveis séricos de PCS livre e total estavam elevados em pacientes com DRC avançada; contudo, apenas o PCS livre parece servir de preditor para mortalidade na DRC.2
Sabe-se que as respostas inflamatórias são mediadas pelas citocinas em todos os estágios da doença cardiovascular. Muitas células inflamatórias, quando ativadas, liberam uma variedade de citocinas e quimiocinas que amplificam ainda mais o processo e induzem o recrutamento de uma ampla gama de células, incluindo células do músculo liso vascular (CMLV), acentuando o desenvolvimento de lesões das paredes vasculares através do estímulo da produção excessiva de proteínas da matriz extracelular.9 Uma das principais citocinas produzidas pelas CMLV é a MCP-1, uma quimiocina responsável pelo recrutamento de leucócitos para a parede vascular nos eventos precoces da aterosclerose,10 desempenhando um importante papel na migração, ativação de monócitos e linfócitos T e na regulação da proliferação das CMLV.11-13 Estas células respondem a estímulos mitogênicos tais como proliferação, migração para a íntima e secreção de produtos da matriz como colágeno, fibronectina, elastina e proteoglicanos.10,13,14
O NF-κB é um fator de transcrição que regula os genes imbricados na resposta inflamatória, apoptose, proliferação celular e produção elevada de espécies reativas de oxigênio (ERO), contribuindo expressivamente para a ativação de várias vias e a expressão de MCP-1.15 Este fator de transcrição tem participação principalmente na resposta ao stress, imunidade e inflamação, podendo ser ativado por exposição celular a LPS, radicais livres, infecções virais, ultravioleta (UV), linfócitos B ou T e citocinas inflamatórias como a MCP-1.4 Há vários inibidores do NF-κB, incluindo o JSH-23 (4-metil-N1-(3-fenilpropil) benzeno-1,2-diamina), que atua como bloqueador seletivo da translocação nuclear de p65.16
Estudos conduzidos por nosso grupo demonstraram que com o desenvolvimento da DRC e o acúmulo consequente de toxinas urêmicas, ocorre a ativação da resposta inflamatória (mediada por citocinas pró-inflamatórias), em especial a resposta inflamatória vascular (mediada por quimiocinas e moléculas de adesão).17 Portanto, a interação entre as camadas íntima e média com PC e PCS poderiam, hipoteticamente, via fator de transcrição NF-κB, ser refletida na forma de elevados níveis plasmáticos de marcadores de inflamação vascular como a MCP-1. Assim, de modo a esclarecer os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da doença cardiovascular (DCV) urêmica, decidimos investigar in vitro os papéis de PC e PCS na expressão da MCP-1 via fator de transcrição NF-κB p65 em CMLV.
O PC foi adquirido da Sigma-Aldrich Co. (St Louis, MO, EUA). O PCS foi sintetizado conforme procedimento descrito por Feigenbaum e Neuberg18 utilizando ácido clorossulfônico, resultando no sal de potássio do composto (Figura 1). As soluções estoque de PC e PCS a 5000 mg/L foram preparadas por diluição direta com metanol, e as alíquotas armazenadas a -20°C (1 mL). As concentrações finais das duas toxinas (47,20 a 0,60 mg/L) foram obtidas com o descongelamento e diluição da solução estoque em PBS imediatamente antes da realização dos experimentos.
Os espectros foram obtidos por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em equipamento ProStar Gradient Varian, bomba ProStar 230, detector de arranjo de fotodiodos 335, loop de 50 µL. Foi utilizada coluna LiChrosorb RP-18 na fase estacionária e 50 mM de formiato de amônio e metanol HPLC na fase móvel, com gradiente de concentração de 65-25% A (0-15 min), 25-65% B (15-20 min), com balanço entre tempo e gradientes de concentração de dois minutos. A vazão foi ajustada em 1,0 mL/min e o comprimento de onda de excitação/emissão em 214/306 nm. As análises de RMN ((1H e 13C) foram executadas em espectrômetro Bruker Avance III 400 MHz. As amostras (50 mg) foram dissolvidas em D2O e os deslocamentos químicos de 1H e 13C foram expressos em ppm (d) em relação a TMSP-d 4 (2,2,3,3-tetradeutério-3-trimetilsililpropionato; d = 0 para 13C e 1H).
Para as concentrações utilizadas em nossos experimentos, consultamos a lista de toxinas urêmicas produzida pela European Uremic Toxin Work Group (EuTox- http://eutoxdb.odeesoft.com/index.php). Assim, estudamos PC e PCS nas concentrações normal (0,60 mg/L e 2,87 mg/L), urêmica (15,60 mg/L e 20,10 mg/L) e urêmica máxima (40,20 mg/L e 47,70 mg/L).
Todos os experimentos foram realizados com a aprovação da Comissão de Ética e Saúde da Universidade Federal do Paraná (protocolo 1140.065.11.06, CEP/SD) e após a obtenção do consentimento informado das mães para a utilização dos cordões umbilicais. Células de músculo liso vascular (CMLV) humanas foram isoladas como descrito por Martín de Llano et al.19 Basicamente, a veia umbilical foi canulada e submetida a digestão enzimática com colagenase (C6885, Sigma, St. Louis, EUA). Depois, as CMLV foram colocadas em cultura em frascos revestidos com gelatina a 1% (Sigma, St. Louis, USA) com DMEM-199 (Gibco, Carlsbad, EUA) suplementado com 15% de soro fetal bovino (Gibco, Carlsbad, EUA), 100 U/mL de penicilina e 50 mg/mL de estreptomicina (Gibco, Carlsbad, EUA) e incubadas a 37°C e 5% de CO2. As CMLV foram então caracterizadas por coloração com anticorpo monoclonal anti-α-actina (Dako Cytomation, clone JC70A) e em função de suas características morfológicas avaliadas por microscopia óptica (Nikon, Melville, EUA). Foram utilizadas células da terceira e quarta passagens em todos os experimentos.
A viabilidade celular foi avaliada por ensaio com brometo de 3-(4,5-dimetiliazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio (MTT) como descrito anteriormente.20 As CMLV (104 células/poço) foram dispostas em placas de 96 poços. Após 24 horas de incubação, o meio foi trocado e as células tratadas com PC e PCS. Então, o meio foi substituído por meio fresco (100 µL/poço) e 10 µL de solução MTT (Sigma, St. Louis, EUA) (5 mg/mL em D-PBS) foram acrescentados em cada poço. A placa foi incubada por mais quatro horas a 37°C. Em seguida o meio foi removido e substituído por dimetilsulfóxido (DMSO) (Sigma, St. Louis, EUA) para dissolver os cristais reduzidos de formazan. A absorvância foi medida em 570 nm (Tecan, Männedorf, Suíça).
As CMLV foram acomodadas em placas de 96 poços (104 células/poço), revestidas com gelatina a 1% e incubadas a 37°C e 5% CO2 por 8 horas com DMEM-199. Então as células foram submetidas a 12 horas de privação com DMEM-199 e 0,3% SFB. Para o tratamento, PC e PCS foram diluídos em solução tampão Krebs-Ringer fosfato (KRP) pH 7,4, nas concentrações normal, urêmica e urêmica máxima de PC e PCS com ou sem 30 µM de inibidor da via NF-κB p65 JSH-23 (Sigma, St. Louis, EUA) por 3 horas.21-23 As CMLV também foram incubadas apenas com KRP. Por fim, o sobrenadante foi colhido e armazenado a -20°C para quantificação subsequente de MCP-1.
A MCP-1 foi medida por ensaio imunoenzimático (ELISA) com anticorpos comerciais (R&D Systems, Minneapolis, EUA). As concentrações (pg/mL) foram calculadas por referência às curvas padrão executadas com a molécula recombinante correspondente. O intervalo de medição do sistema ELISA foi de 31,25 - 2000 pg/mL. O coeficiente de variação (CV) intra-ensaio e inter-ensaios foi de 6,0 e 6,2% respectivamente. O protocolo e as concentrações utilizadas seguiram as recomendações do fabricante. A absorvância foi lida a 450 nm com filtro de referência a 570 nm em leitora de microplaca (Tecan, Männedorf, Suíça). Cinco experimentos foram realizados em triplicata.
As análises estatísticas foram conduzidas com os programas JMP versão 8.0 (SAS Institute Inc., Cary, N.C., EUA) e SigmaStat versão 3.5 (Systat software Inc., Erkrath, Alemanha). Diferenças significativas foram identificadas através do teste t de Student ou ANOVA para dados pareados e o teste de Mann-Whitney e ANOVA por postos para dados não pareados. Os valores foram expressos na forma de média ± erro padrão da média (EPM) dos cinco experimentos em triplicata. Os resultados foram considerados significativos quando p < 0,05.
A análise por CLAE identificou a presença de principalmente quatro compostos com tempos de retenção de 4,23 (14,05%), 7,08 (6,90%), 8,19 (74,00%) e 13,54 (5,05%). O pico em 8,19 min foi identificado como pertencente ao p-cresil sulfato (Figura 2A). Sob as mesmas condições cromatográficas, o composto p-cresol teve tempo de retenção de 13,99 min (98,08%) (Figura 2B).
1H RMN (D2O, 400 MHz): d 2,31 (s , 3H, H8), 7,18 (d , 2H, J 8,80,H2-6), 7,24 (d , 2H, J 8,40, H3-5),13C NMR (D2O, 400 MHz): d 20,0 (C8), 121,41 (C2-6), 130,24 (C3-5), 136,5 (C4),148,99 (C1).
As células cultivadas foram visualizadas por microscopia óptica (Optiphase, Van Nuys, CA), exibindo as seguintes características morfológicas: células fusiformes longas sem sulcos transversais, com núcleo único, sugerindo CMLV. Após extração e cultivo, as células foram caracterizadas por detecção de filamento de α-actina, proteína citoesquelética típica de células musculares lisas responsável por contração e migração. Foram utilizados anticorpo primário monoclonal anti-α-actina (Sigma-Aldrich, St. Louis, EUA) e anticorpo secundário anti-FITC (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA) na caracterização. As células também foram marcadas com DAPI-4',6-diamidino-2-fenilindol (Sigma-Aldrich, St. Louis, EUA) de modo a possibilitar a localização do núcleo e, consequentemente, a presença de células. As células cultivadas foram visualizadas por microscopia de fluorescência (Nikon Instruments Inc.).
A viabilidade das CMLV foi avaliada por MTT. As CMLV foram cultivadas com PC e PCS nas concentrações normal, urêmica e urêmica máxima. Nenhuma das concentrações das duas toxinas testadas surtiu efeito significativo sobre a viabilidade das CMLV.
Os dados da Figura 3 mostram as CMLV tratadas com PC nas concentrações normal (PCn), urêmica (PCu) e urêmica máxima (PCm). PCu e PCm apresentaram aumento significativo de MCP-1 após três horas (137,10 ± 18 pg/mL e 155,5 ± 15,0 pg/mL, p < 0,001) em comparação às amostras de controle (34,0 ± 3,5 pg/mL). Quando as CMLV foram trtadas com inibidor de NF-κB p65, houve uma redução significativa na produção de MCP-1 após três horas de tratamento em PCu e PCm (p < 0,005) (137,1 ± 18,3 x 36,4 ± 10,5 e 155,5 ± 15,0 x 63,4 ± 15,5 pg/mL, respectivamente).
Figura 3 Efeito de PC sobre produção de MCP-1 em CMLV. As CLMV foram incubadas com PC nas concentrações normal (PCn), urêmica (PCu) e urêmica máxima (PCm) com ou sem inibidor da via do NF-κB p65 (i) por 3 horas. Dados expressos em média ± EPM de cinco experimentos independentes em triplicata. *p < 0,001 - Controle x PCu e PCm; **p < 0,005 - PCu x PCui e PCm x PCmi
Para todas as concentrações de PCS testadas - normal (PCSn), urêmica (PCSu) e urêmica máxima (PCSm), a produção de MCP-1 foi semelhante (156,5 ± 19,5; 155,6 ± 4,2 e 151,2 ± 14,2 pg/mL respectivamente) como mostrado na Figura 4. Curiosamente, o inibidor da via do NF-κB p65 não teve efeito significativo sobre a produção de MCP-1 após o tratamento com PCS.
Figura 4 Efeito de PCS sobre produção de MCP-1 em CMLV. As CLMV foram incubadas com PCS nas concentrações normal (PCSn), urêmica (PCSu) e urêmica máxima (PCSm) com ou sem inibidor da via do NF-κB p65 (i) por 3 horas. Dados expressos em média ± EPM de cinco experimentos independentes em triplicata. *p < 0,001 - Controle x PCSn, PCSu e PCSm.
Também foi observado (Figura 5) que a expressão de MCP-1 pelas CMLV tratadas com PCm e PCSm foram semelhantes após três horas (155,5 ± 15,0 e 151,2 ± 14,2 pg/mL, respectivamente). Além disso, na presença de inibidor de NF-κB p65, houve redução significativa na produção de MCP-1 após três horas de tratamento com PCu e PCm (p < 0,005) (137,1 ± 18,3 x 36,4 ± 10,5 e 155,5 ± 15,0 x 63,4 ± 15,5 pg/mL respectivamente) (Figura 3). Tal efeito não foi observado para PCS (Figura 4).
PC e PCS são toxinas urêmicas bem conhecidas, primeiramente absorvidas pelos rins, vasos sanguíneos, ossos e através da barreira hematoencefálica via transportadores de ânions orgânicos (OATs). Ambas as toxinas induzem a produção de vários radicais livres de oxigênio e moléculas inflamatórias tais como a quimiocina MCP-1, que desempenha importante papel nos eventos precoces do processo cardiovascular urêmico.24 Recentemente demonstramos que a MCP-1 está elevada na DRC, e que suas concentrações plasmáticas são inversamente correlacionadas com taxa de filtração glomerular (TFG) e estágio da DRC.17 Além disso, quando as células endoteliais estão em contato com o soro urêmico, há um aumento na produção de MCP-1 em relação ao tempo e a concentração urêmica. O principal achado do presente estudo foi identificar que PC e PCS eram capazes de induzir a produção de MCP-1 em CMLV humanas. Tal expressão ocorre de forma dose dependente e principalmente via NF-κB p65, após exposição a PC. Por outro lado, o PCS, mesmo em concentrações normais, foi capaz de estimular a produção de MCP-1, que parece ocorrer por outra via, uma vez que a produção de MCP-1 não foi reduzida após o tratamento das CMLV com inibidor de NF-κB p65.
Na DRC, o início do processo aterosclerótico ocorre com a agressão ao endotélio por parte das toxinas urêmicas, deflagrando um processo inflamatório sistêmico que envolve várias células inflamatórias que são ativadas e liberam uma variedade de moléculas, uma delas a MCP-1, uma das mais importantes moléculas na fisiopatologia da aterosclerose. Enquanto células endoteliais, as CMLV podem expressar várias citocinas e moléculas de adesão, contribuindo assim para o início e propagação da resposta inflamatória no processo aterogênico para atrair e ativar leucócitos, induzir a proliferação celular e a disfunção endotelial, promovendo e estimulando, assim, a produção de componentes da matriz extracelular.9,10
A MCP-1 é uma quimiocina produzida por vários tipos celulares, seja constitutivamente ou após indução por stress oxidativo, citocinas ou fator de crescimento, associada a doenças inflamatórias crônicas, imunidade anti-tumoral, aterosclerose e câncer do colo do útero.25 Em pacientes com DRC foi identificado que os níveis séricos de MCP-1 estavam significativamente mais elevados do que nos indivíduos de controle, independentemente da associação com DCV.26In vitro foi descrito que PC estimula a produção de MCP-1 em CMLV também tratadas com lipoproteínas pró-aterogênicas.
Além disso, Chang et al .27 identificaram que PC pode possivelmente prevenir contra a formação de coágulos, gerando distúrbios hemorrágicos através da inibição da agregação plaquetária. Meijers et al.28 sugeriram que os níveis de PC medidos no plasma de pacientes com DRC podem ser úteis na predição do risco cardiovascular e como marcador tradicional da filtração glomerular. PCS foi descrito como um efetor de leucócitos pró-inflamatórios com consequente elevação da produção de radicais livres. Este efeito pode contribuir para o desenvolvimento de DCV na população urêmica.7,27 O PCS também foi correlacionado com desequilíbrio da função endotelial em pacientes submetidos a tratamento dialítico.29 Além disso, níveis elevados de PCS foram associados a patogênese da DCV, particularmente aterosclerose em pacientes com insuficiência renal.8 Meijers et al.29 sugeriram que PCS e indoxil sulfato (outra importante toxina urêmica ligada a proteína) podem ser utilizados na monitorização do comportamento de solutos ligados a proteínas durante diálise. Contudo, ambos são inibidores que concorrem pelo mesmo sítio de ligação da albumina, o que a torna uma técnica útil, porém não específica.
O presente estudo é o primeiro a demonstrar o efeito in vitro de PC e PCS sobre a produção de MCP-1 em CMLV humanas. Nossos achados sugerem que esta expressão ocorre pela via do NF-κB p65 para o PC, mas por uma subunidade diferente do NF-κB, uma vez que o bloqueio do NF-κB p65 não conseguiu reduzir a produção de MCP-1 após a estimulação das CMLV com PCS. Uma das principais rotas de ativação da via de produção de MCP-1 é o NF-κB, cuja modulação deflagra uma cascata de eventos de sinalização que controlam a expressão gênica. Já foi demonstrado que PCS e indoxil sulfato regulam a expressão de MCP-1 e moléculas de adesão pela ativação de espécies reativas de oxigênio (ERO) através da ativação do NF-κB em células endoteliais vasculares.30 O fator de transcrição NF-κB p65/p53 é um heterodímero originalmente identificado como fator nuclear, com associações relatadas à expressão de vários genes em diferentes tipos de células, com a subunidade p65 intimamente ligada à promoção de infiltração de monócitos.31 Além disso, a subunidade p65 do NF-κB está diretamente imbricada na regulação da expressão de MCP-1.25 Dwarakanath et al.32 descreveram em CMLV humanas que a via do NF-κB p65 está diretamente envolvida na regulação de vários genes, e que a inibição dessa via poderia resultar em redução da expressão de MCP-1.
A via do NF-κB foi associada a quase todas as doenças crônicas, e várias publicações discutem o bloqueio seletivo desta via como estratégia terapêutica a partir de diferentes modelos celulares. Em doenças imunes como a artrite reumatoide, o bloqueio seletivo do NF-κB poderia controlar o extravasamento de células inflamatórias. Em células ósseas, a inibição seletiva da ativação do NF-κB reduz acentuadamente a produção de citocinas pró-inflamatórias e a perda óssea.33 Em células dendríticas, a inibição seletiva do NF-κB pode servir de meio para reduzir as respostas imunes celulares após transplante.34 Em células endoteliais, a inibição do NF-κB prejudica a capacidade dos agentes angiostáticos fazer brotar células endoteliais e sobrepujar a anergia das células endoteliais. Este é um achado de especial interesse, uma vez que nas células tumorais a ativação do NF-κB está associada à inibição da apoptose.35
Por fim, agentes capazes de inibir proteínas quinases, proteínas fosfatases, proteassomos, ubiquitinação, acetilação, metilação e etapas de ligação do DNA foram identificados como inibidores de NF-κB, destinados ao tratamento de diferentes patologias.36 Além do NF-κB, outros fatores de transcrição como os receptores ativados por proliferadores de peroxissoma (PPAR) e receptores X hepáticos (LXR), que regulam a expressão de genes que controlam o metabolismo de lipídios e lipoproteínas e a homeostase da glicose, também atuam na predisposição a aterosclerose e inflamação.37 Também foi descrito que a MCP-1 induz a ativação das proteínas quinases ativadas por mitógenos (MAPK) ERK, JNK e p38 MAPK em células endoteliais humanas38 e que a via JAK/STAT induzia a ativação de citocinas em CMLV.39
Um estudo recente de Vanholder et al.40 discute o valor das pesquisas com PC, uma vez que na circulação de pacientes com DRC as concentrações de PC são mínimas, com o composto sendo rapidamente convertido em seu conjugado PCS. Ainda assim, os autores reforçam a relevância dos estudos com PC, as comparações entre PC e PCS e a análise dos efeitos in vitro dessas duas importantes toxinas. De fato, observamos no presente estudo que o PCS é mais agressivo em relação às CMLV mesmo na concentração mais baixa utilizada, o que confirma que o PCS é a toxina efetiva. Com efeito, muito se especula sobre se a adição de um grupo sulfato na molécula de PC seria responsável pelos efeitos danosos desta toxina sobre o corpo, a até agora são poucos os estudos in vitro que tentaram elucidar os mecanismos subjacentes a tal efeito. Quando em contato com CMLV, o grupo sulfato sozinho e mesmo o BSA isoladamente (a 4%) não conseguiram induzir a expressão de MCP-1 (dados não exibidos), o que nos faz pensar como o PCS interage com as células. Para nós, esta e outras observações sobre a absorção celular do PCS ainda permanecem obscuras e exigem mais estudos para esclarecer como o PCS interage com uma ampla gama de células, incluindo as CMLV.
Reconhecemos que o presente estudo apresenta algumas limitações e que mais trabalhos se fazem necessários. Em primeiro lugar, há outras vias de ativação e subunidades do NF-κB imbricadas na expressão de MCP-1. Além disso, devemos utilizar outros métodos para investigar a expressão de MCP-1 após a estimulação das CMLV com PC e PCS. Devemos nos lembrar que a análise da expressão do receptor para MCP -1 (CCR2) nas CMLV pode ser de grande importância para a compreensão destes mecanismos celulares.
Em conclusão, o presente estudo mostra que as CMLV estão envolvidas na formação de lesões ateroscleróticas e na produção de citocinas como a MCP-1, que contribui para o início da resposta inflamatória e para a propagação para os lipídios. Nossos resultados sugerem pela primeira vez que o PC medeia a produção de MCP-1 nas CMLV, provavelmente através da via do NF-κB p65, apesar de sugerirmos que o PCS atua através de uma via de subunidade diferente, uma vez que o inibidor do NF-κB p65 não conseguiu bloquear a produção de MCP-1. Acreditamos que estratégias para bloquear as vias relacionadas à expressão de MCP-1 podem ser alvos úteis para os eventos precoces da aterosclerose e, desta forma, reduzir os efeitos danosos da toxicidade urêmica para os pacientes com DRC.