versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.32 no.1 São Paulo 2020 Epub 03-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018229
A terapia trombolítica é um tratamento realizado na fase aguda após acidente vascular cerebral (AVC), reconhecida com nível de evidência no tratamento do AVC isquêmico (AVCi) pela capacidade de restaurar o fluxo sanguíneo por meio da infusão do ativador plasminogênio tecidual recombinante (RT-PA)(1). Como no AVC isquêmico ocorre obstrução de um vaso arterial cerebral, a ideia fundamental da trombólise é a desobstrução da artéria antes que haja lesão tecidual irreversível(1). Se realizada nas primeiras 4,5 horas após o início dos sintomas, permite a restauração do fluxo sanguíneo cerebral na região de penumbra isquêmica e o consequente retorno de sua função, trazendo a recuperação dos déficits neurológicos e redução da incapacidade funcional(2,3).
Nesse protocolo de tratamento com ateplase intravenosa, são incluídos os pacientes com idade superior a 18 anos, com diagnóstico clínico e tomográfico de AVCi, quadro clínico com início há menos de 4,5 horas desde o início dos sintomas, e que, além disso, apresentem avaliação com médico neurologista que confirme o AVCi. Todavia são excluídos os pacientes que apresentem uma das condições - comprometimento funcional discreto, alteração neurológica e cirurgia de grande porte recente, punção lombar ou arterial, presença de hemorragias e uso de heparina, pressão arterial sistólica após tratamento hipertensivo maior que 185 mmHg ou menor que 110mmHg ou convulsões no início do AVC. Determinados fatores interferem no risco e no benefício da terapia trombolítica, como grau de comprometimento neurológico na escala National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) maior que 22, idade superior a 80 anos e combinação de AVC prévio e diabete melitus, contudo, esses fatores não são contraindicações absolutas para o seu uso(1).
No Brasil, entre as principais causas de morte, as doenças cerebrovasculares estão em primeiro lugar, sendo que o AVCi é o mais comum e representa 85% de todos os casos(4) e pode causar distúrbios de deglutição com incidência de 30% a 90%(5). A disfagia está relacionada à alta prevalência de morbidade e mortalidade devido às alterações nutricionais, complicações clínicas como desidratação, desnutrição, risco de aspiração e pneumonia, além de contribuir para a perda da funcionalidade e independência do indivíduo(6,7).
Cerca de 50% dos pacientes acometidos por AVC não apresentam queixas relacionadas à deglutição(5), o que demonstra a importância da identificação precoce e o estabelecimento de um programa terapêutico da disfagia no ambiente hospitalar com o objetivo de diminuir os riscos de complicações pulmonares, nutricionais e de hidratação e reduzir a permanência hospitalar(7). Portanto, a avaliação de deglutição visa identificar a presença de disfagia e propor a via de alimentação mais segura na fase aguda do acidente vascular cerebral(8).
Pesquisas têm demonstrado que indivíduos pós-AVC submetidos à terapia trombolítica apresentam redução no nível de gravidade neurológica e de incapacidades funcionais(9-10), porém, ainda são poucos os estudos capazes de evidenciar sobre a ação da trombólise no desempenho da deglutição(11,12). Sendo assim, o estudo sobre a deglutição em pacientes trombolizados poderá contribuir para uma investigação mais aprofundada sobre os resultados da terapia trombolítica, bem como para a intervenção fonoaudiológica e consequente recuperação da disfagia.
A hipótese levantada é que a terapia trombolítica está associada à redução da frequência e da gravidade de disfagia em pacientes acometidos com AVCi. Assim, os objetivos deste estudo foram verificar a frequência e a gravidade de disfagia em pacientes trombolizados e não trombolizados e analisar a associação entre a disfagia e as características demográficas, comprometimento neurológico e a realização da trombólise.
Trata-se de um estudo retrospectivo de levantamento de prontuário, utilizando o banco de dados do Hospital Risoleta Tolentino Neves (HRTN), aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o parecer nº 1.475.970.
A amostra foi constituída por pacientes acometidos por Acidente Vascular Cerebral do tipo isquêmico (AVCi) internados na Unidade de Acidente Vascular Cerebral (U-AVC) do HRTN e avaliados pelo Serviço de Fonoaudiologia no período de abril de 2013 a novembro de 2016. Os números de registros de prontuário dos pacientes com AVCi nesse período foram obtidos no sistema eletrônico da instituição.
Para seleção da amostra, foram identificados nos registros dos prontuários os seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico de AVCi confirmado por meio de avaliação neurológica e tomografia computadorizada, ter avaliação fonoaudiológica realizada em até 72 horas após a internação. Foram excluídos os pacientes com AVC prévio, diagnóstico de outras alterações neurológicas e danos associados; os que apresentaram nível de consciência pela Escala de Glasgow inferior a nove, instabilidade clínica com necessidade de intubação orotraqueal (IOT) ou traqueostomia (TQT); AVCi com transformação hemorrágica e presença de queixa de disfagia prévia à internação, registros sobre os dados fonoaudiológicos incompletos nos prontuários eletrônicos.
A partir dos critérios de seleção, foram identificados e selecionados para o estudo 94 indivíduos, sendo eles divididos em dois grupos de acordo com o tratamento neurológico recebido na fase aguda do AVC. O grupo 1 (G1) foi constituído por 52 pacientes submetidos à terapia trombolítica em até 4,5 horas pós-ictus e o grupo 2 (G2) por 42 pacientes que não receberam reperfusão cerebral.
Os dados clínicos e demográficos dos participantes foram coletados nos prontuários por meio dos registros médico e fonoaudiológico. Foram obtidos os dados referentes à idade, sexo, comorbidades, janela terapêutica para realização da trombólise, nível de consciência classificada pela Escala de Coma de Glasgow, gravidade do déficit neurológico por meio da escala National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS)(13) e o nível de dependência funcional do paciente após o evento isquêmico por meio da escala de Medida da Independência Funcional (MIF)(14).
Neste hospital, a avaliação clínica fonoaudiológica é realizada em todos os pacientes com diagnóstico de AVC, no período entre 48 e 72 horas após a admissão. Sendo assim, os dados referentes aos resultados da avaliação da deglutição foram obtidos nos registros de prontuário por meio da Escala Funcional de Ingestão Oral (Functional Oral Intake Scale- FOIS)(15), a gravidade da disfagia pela Gugging Swallowing Screen – GUSS(16) e as fases da deglutição alteradas (preparatória/oral e faríngea).
A escala FOIS foi desenvolvida para quantificar e acompanhar a mudança de ingestão oral em pacientes com disfagia e apresenta sete níveis de classificação, sendo assim definidos desde nada por via oral (FOIS 1) até via oral sem restrição (FOIS 7)(15).
Para avaliar a gravidade da disfagia, utilizou-se a escala GUSS, um instrumento padronizado e validado para pacientes acometidos por AVC(16). A escala apresenta duas etapas, sendo a primeira denominada avaliação indireta da deglutição e a segunda avaliação direta da deglutição com as consistências pastosa, líquida e sólida. Por meio da pontuação obtida, foi possível classificar a deglutição em normal/sem disfagia (20), disfagia leve com baixo risco de aspiração (15 a 19), disfagia moderada com risco de aspiração (10 a 14) e disfagia grave com alto risco de aspiração (0 a 9)(16).
A presença e o grau de disfagia foram as variáveis respostas. As variáveis explicativas foram idade, sexo, hemisfério acometido, grau de comprometimento neurológico e de dependência funcional. Para tanto, foram realizadas análises descritiva e de associação dos dados por meio de distribuição de frequência de todas as variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. Para as análises de associação, foi utilizado o teste Quiquadrado de Pearson, sendo consideradas como associações estatisticamente significantes as que apresentaram valor de p ≤ 0,05. Para entrada, processamento e análise dos dados foi utilizado o software SPSS, versão 20.0.
Por meio da análise dos prontuários, os 94 indivíduos pós-AVC na fase aguda apresentaram idade mínima de 30 anos e máxima de 89 anos, com média de 63,2 anos, sendo a média de idade semelhante nos dois grupos, trombolizados (G1) e não trombolizados (G2). Em ambos os grupos, o sexo masculino prevaleceu (G1 = 55,8% e G2 = 61,9%), a maioria possuía comorbidades como hipertensão arterial, diabetes, doenças cardíacas e insuficiência renal crônica (G1 = 76,9% e G2 = 85,4%). Os pacientes trombolizados apresentaram comprometimento neurológico (NIHSS) mais grave do que os pacientes não trombolizados (p=0,044), além de maior dependência funcional (p=0001). As demais associações não apresentaram valor com significância estatística (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização demográfica e comprometimento neurológico de pacientes na fase aguda pós-AVC trombolizados e não trombolizados
Variáveis | Pacientes trombolizados | Pacientes não trombolizados | Valor-p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||||
Sexo | |||||||
Masculino | 29 | 55,8 | 26 | 61,9 | 0,5481 | ||
Feminino | 23 | 44,2 | 16 | 38,1 | |||
Total | 52 | 100,0 | 42 | 100,0 | |||
Idade (anos) | |||||||
Mínima | 30,0 | 37,0 | 0,9642 | ||||
Máxima | 84,0 | 89,0 | |||||
Média | 62,7 | 63,8 | |||||
Mediana | 65,0 | 63,0 | |||||
Desvio padrão | 12,89 | 10,02 | |||||
Comorbidades | |||||||
Não | 12 | 23,1 | 6 | 14,6 | 0,4291 | ||
Sim | 40 | 76,9 | 35 | 85,4 | |||
Total | 52 | 100,0 | 41 | 100,0 | |||
Comprometimento neurológico NIHSS | |||||||
Normal | 4 | 7,7 | 4 | 9,8 | 0,044*1 | ||
Leve | 6 | 11,5 | 11 | 26,8 | |||
Moderado | 30 | 57,7 | 24 | 58,5 | |||
Grave | 12 | 23,1 | 2 | 4,9 | |||
Total | 52 | 100,0 | 41 | 100,0 | |||
Medida de Independência Funcional MIF | |||||||
Dependência completa | 2 | 4,2 | 1 | 2,7 | 0,001*1 | ||
Dependência modificada (50%) | 23 | 47,9 | 9 | 24,3 | |||
Dependência modificada (25%) | 13 | 27,1 | 14 | 37,8 | |||
Independência completa | 10 | 20,8 | 13 | 35,2 | |||
Total | 48 | 100,0 | 37 | 100,0 |
1Teste Quiquadrado de Pearson;
2Teste Mann-Whitney;
*valor de probabilidade de significância (p≤0,05)
Legenda: N = número de indivíduos, varia devido às características da variável e a dados faltantes; NIHSS = National Institute of Health Stroke Scale
A disfagia estava presente em 67,3% dos pacientes trombolizados e em 30,9% dos pacientes não trombolizados, sendo os níveis de gravidade leve e moderado os mais frequentes nos dois grupos. Em relação ao nível de ingesta por via oral, ambos os grupos apresentaram alguma restrição alimentar ou necessidade de estratégia facilitadora (FOIS 1 a 6), todavia 40,5% do grupo não trombolizado teve a via oral liberada sem qualquer restrição e apenas 17,3% do grupo trombolizado. Os comprometimentos da deglutição nas fases preparatória-oral, oral e faríngea foram mais frequentes no grupo de pacientes trombolizados. O prontuário não continha informação sobre as fases da deglutição alterada em dois sujeitos do grupo não trombolizado (Tabela 2).
Tabela 2 Caracterização da deglutição em pacientes na fase aguda pós-AVC trombolizados e não trombolizados
Variáveis | Pacientes trombolizados | Pacientes não trombolizados | ||
---|---|---|---|---|
N | % | N | % | |
Gravidade da disfagia – GUSS (n=94) | ||||
Sem disfagia | 17 | 32,7 | 29 | 69,1 |
Disfagia leve | 12 | 23,1 | 5 | 11,9 |
Disfagia moderada | 13 | 25 | 5 | 11,9 |
Disfagia grave | 10 | 19,2 | 3 | 7,1 |
FOIS (n=94) | ||||
FOIS 1 | 8 | 15,4 | 2 | 4,8 |
FOIS 2 | 0 | 0,0 | 1 | 2,4 |
FOIS 3 | 1 | 1,9 | 1 | 2,4 |
FOIS 4 | 5 | 9,6 | 3 | 7,1 |
FOIS 5 | 20 | 38,5 | 8 | 19 |
FOIS 6 | 9 | 17,3 | 10 | 23,8 |
FOIS 7 | 9 | 17,3 | 17 | 40,5 |
Total | 52 | 100 | 42 | 100 |
Alteração da deglutição nas Fases (n = 48) | ||||
Preparatória-oral e oral | 17 | 32,7 | 9 | 22,5 |
Faríngea | 19 | 36,5 | 7 | 17,5 |
Legenda: N = número de indivíduos, varia devido a dados faltantes; FOIS = Functional Oral Intake Scale; GUSS = Gugging Swallowing Test
Ao analisar a ocorrência ou não de disfagia entre pacientes trombolizados e não trombolizados observa-se que há associação com significância estatística (p=0,001). Os pacientes trombolizados apresentaram maior tendência de apresentarem disfagia do que os não trombolizados em 4,6 vezes (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre a presença de disfagia em pacientes com e sem trombólise
Variável |
Com disfagia N (%) |
Sem disfagia N (%) |
Valor-p | Odds Ratio (IC 95%) |
---|---|---|---|---|
Trombolizado | 35 (72,9) | 17 (37,0) | 0,001 | 4,59 (1,92-11,01) |
Não trombolizado | 13 (27,1) | 29 (63,0) | ||
Total | 48 (100,0) | 46 (100,0) |
Teste Quiquadrado de Pearson;
valor de probabilidade de significância (p≤0,05)
Legenda: N = número de indivíduos; IC = Intervalo de confiança
A disfagia não está associada ao sexo, idade e gravidade do comprometimento neurológico, mas houve associação com comprometimento funcional (p=0,002), sendo os pacientes com disfagia mais dependentes funcionalmente do que o grupo sem disfagia (Tabela 4).
Tabela 4 Associação entre a presença ou não de disfagia e dados demográficos e comprometimento neurológico
Variáveis | Com disfagia N (%) |
Sem disfagia N (%) |
Valor-p |
---|---|---|---|
Idade | |||
Média | 62,69 | 63,76 | 0,8832 |
Mediana | 64,50 | 64,00 | |
Desvio padrão | 12,58 | 10,70 | |
Mínimo | 30,00 | 36,00 | |
Máximo | 82,00 | 89,00 | |
Sexo | |||
Masculino | 27 (56,3) | 28 (60,9) | 0,6501 |
Feminino | 21 (43,7) | 18 (39,1) | |
Total | 48 (100,0) | 46 (100,0) | |
Comprometimento neurológico (NIHSS) | |||
Normal | 3 (6,2) | 5 (11,1) | 0,1321 |
Leve | 5 (10,4) | 12 (26,7) | |
Moderado | 31 (64,6) | 23 (51,1) | |
Grave | 9 (18,8) | 5 (11,1) | |
Total | 48 (100,0) | 45 (100,0) | |
Independência Funcional (MIF) | |||
Dependência completa | 3 (6,7) | 0 (0,0) | 0,002* 1 |
Dependência modificada (50%) | 24 (53,3) | 8 (20,0) | |
Dependência modificada (25%) | 9 (20,0) | 18 (45,0) | |
Independência completa | 9 (20,0) | 14 (35,0) | |
Total | 45 (100,0) | 40 (100,0) |
1Teste Quiquadrado de Pearson;
2Teste Mann-Whitney;
*valor de probabilidade de significância (p≤0,05)
Legenda: N = número de indivíduos, varia devido às características da variável e a dados faltantes; NIHSS = National Institute of Health Stroke Scale
A disfagia foi mais frequente nos pacientes trombolizados, porém a gravidade da disfagia não apresentou associação com a realização da trombólise (Tabela 5).
Tabela 5 Associação entre a gravidade da disfagia (GUSS) e a realização da trombólise
Variáveis | Gravidade da Disfagia - GUSS | |||
---|---|---|---|---|
Leve | Moderado | Grave | p-valor | |
N (%) | N (%) | N (%) | ||
Realizou trombólise | ||||
Não | 5 (29,4) | 5 (27,8) | 3 (23,1) | |
Sim | 12 (70,6) | 13 (72,2) | 10 (76,9) | 0,925 |
Total | 17 (100,0) | 18 (100,0) | 13 (100,0) |
Teste Quiquadrado de Pearson;
valor de probabilidade de significância (p≤0,05)
Legenda: N = número de indivíduos; GUSS = Gugging Swallowing Test
Neste estudo, a presença da disfagia foi associada à realização da trombólise, sendo que os pacientes trombolizados apresentaram maior tendência de desenvolver disfagia do que os não trombolizados.
A implantação do protocolo alteplase rt-PA de trombólise em AVCi propõe a quebra de coágulo alocado na artéria cerebral pelo processo de fibrinólise (processo através do qual um coágulo de fibrina no sangue é destruído), melhorando o fluxo sanguíneo na área afetada(1). A rt-PA é a única droga que, administrada em até quatro horas e trinta minutos após a ocorrência do episódio de AVCi, demonstrou importante diminuição da incapacidade funcional dos pacientes afetados, diminuindo consideravelmente o tempo de internação e a ocorrência de sequelas(3). No presente estudo, essa resposta terapêutica não foi verificada, pois os pacientes do grupo trombolizado apresentaram comprometimento neurológico e dependência funcional piores do que o grupo sem trombólise, além da disfagia.
A disfagia orofaríngea é descrita como uma complicação frequente do AVC(17,18) e o efeito da trombólise na dinâmica da deglutição tem sido discutido, levantando o questionamento de que as possíveis mudanças na dinâmica da deglutição são decorrentes do restabelecimento do fluxo cerebral. Estudos demonstraram menor gravidade da disfagia orofaríngea, maior evolução no nível de ingestão oral e redução do tempo de internação hospitalar no grupo de pacientes trombolizados(12,19). Já neste estudo, o grau de comprometimento da disfagia foi semelhante nos dois grupos. No entanto, ainda são poucos os estudos capazes de levantar evidências sobre a ação da terapia de reperfusão cerebral no desempenho da deglutição e consequente recuperação da disfagia.
Embora tenha havido associação entre a presença de disfagia e a realização da terapia trombolítica, não houve com a gravidade da disfagia. Um estudo com acompanhamento longitudinal verificou que indivíduos submetidos à terapia de reperfusão cerebral apresentaram menor grau de comprometimento da disfagia quando comparados com aqueles que não receberam o tratamento trombolítico(12). No presente estudo, segundo análise dos dados do prontuário, a avaliação da disfagia foi realizada recente ao procedimento. Embora seja reconhecida a capacidade de restaurar o fluxo sanguíneo com a terapia de reperfusão cerebral(1), recuperando os déficits neurológicos e reduzindo a incapacidade funcional(2,3), parece que é necessário mais tempo para recuperar a deglutição alterada. Assim, estudos longitudinais que investiguem os efeitos da terapêutica no sistema nervoso por meio de neuroimagem funcional ou de análises moleculares são importantes para melhor compreensão das repercussões na deglutição.
Por meio da avaliação da MIF, os resultados evidenciaram que a maioria dos pacientes apresentou algum grau de dependência funcional. Estudos demostram índices elevados de pacientes com dependência grave e total em fase subaguda de AVC com variação de 78% a 100%, o que predispõe a algumas limitações, principalmente para o desenvolvimento das atividades básicas de vida diária(20,21). Neste estudo, a dependência funcional foi pior e mais frequente no grupo que realizou trombólise, embora haja evidência de que a terapia trombolítica restaure o fluxo sanguíneo e minimize os déficits neurológicos e a incapacidade funcional(2,3).
A gravidade da disfagia foi associada ao MIF, corroborando os resultados de um estudo(22). Esse resultado mostra que o nível de dependência funcional está relacionado com a gravidade do transtorno da deglutição, evidenciando que a diminuição da funcionalidade representa um fator de risco na incidência e exacerbação da disfagia orofaríngea.
Quanto ao nível de ingesta oral, o grupo de pacientes trombolizados apresentou-se pior quando comparado aos não trombolizados. Em um estudo, o nível de ingestão oral foi maior nos pacientes que receberam reperfusão cerebral (p=0,002)(19) e em outro a evolução foi semelhante entre os grupos, sem relevância estatística(12). A via de alimentação encontrada neste estudo está em consonância com os resultados encontrados quanto à gravidade da disfagia e à dependência funcional. Os pacientes trombolizados apresentaram maior frequência de disfagia do que os não trombolizados, além de apresentarem maior dependência funcional, restringindo a via oral de alimentação.
Os pacientes trombolizados tinham comprometimentos neurológicos e funcionais piores que os não trombolizados, o que pode ter interferido na dinâmica da deglutição. Por se tratar de estudo retrospectivo, o pareamento dos comprometimentos neurológicos e funcionais não foi possível, assim, o resultado de que a disfagia está associada à terapia trombolítica deve ser mais bem investigada. Além disso, por se tratar de um estudo na fase aguda e com investigação da deglutição poucas horas após a terapia de reperfusão cerebral, o restabelecimento do fluxo sanguíneo pode não ter influenciado para uma deglutição segura e eficiente. Um estudo mostrou que ocorreu melhora significativa da incapacidade neurológica em avaliações prospectivas feitas três meses após o AVC(23). É possível que, em acompanhamento longitudinal, haja maiores benefícios da terapia de reperfusão cerebral na disfagia.
Estudos que descrevam os efeitos do tratamento trombolítico nos distúrbios da deglutição são poucos até o momento. Desta forma, tornam-se necessários estudos adicionais, longitudinais, com amostras representativas e controladas, além da utilização de exames objetivos para compreensão do real impacto funcional da trombólise na deglutição em pacientes pós-AVC. Este estudo contribuiu para compreender a ação da terapia trombolítica na deglutição na fase aguda do AVCi e, desta forma, despertar para uma investigação mais criteriosa nesses casos, além de favorecer a implementação e mobilização de novas práticas clínicas direcionadas na identificação da disfagia em ambiente hospitalar.
A disfagia após AVCi foi mais frequente em pacientes submetidos à trombólise em relação aos que não foram submetidos ao procedimento, com tendência de ocorrência maior em 4,6 vezes. A disfagia está associada à dependência funcional, já as características demográficas e o comprometimento neurológico não apresentaram associação com o transtorno de deglutição.