versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.5 São Paulo maio 2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160071
A síndrome de Brugada (SBr) é um canalopatia autossômica dominante considerada responsável por 4% a 12% de todas as mortes súbitas cardíacas e até 20% das mortes súbitas cardíacas que ocorrem em corações normais1. É caracterizada por alterações eletrocardiográficas específicas nas derivações precordiais direitas. Embora três padrões tenham sido descritos, a SBr só é diagnosticada em pacientes com elevação do segmento ST com morfologia tipo 1 > 2 mm em pelo menos 1 derivação entre as derivações precordiais direitas (V1, V2) que ocorrem espontaneamente ou após teste provocativo com medicamentos com a administração intravenosa de drogas antiarrítmicas da classe I2.
Os sintomas ocorrem frequentemente durante o descanso ou sono, durante o estado febril, ou em condições vagotônicas, como poderia ser considerado o período de recuperação de um teste de esforço. Na verdade, a atenuação da elevação do segmento ST no pico do teste de esforço, seguida por seu aparecimento durante a fase de recuperação, é considerada não apenas um suporte para o diagnóstico de SBr, mas também como um possível preditor de desfecho adverso3. Esses dados foram obtidos a partir de séries de pacientes previamente diagnosticados devido a um padrão tipo 1 espontâneo ou induzido farmacologicamente, mas os casos sem evidência anterior desse padrão em que o diagnóstico foi desmascarado por testes de esforço são escassos.
Relatamos o caso de um homem 19 anos de idade, sem histórico pessoal ou familiar de doença cardiovascular ou morte súbita cardíaca, que foi atendido por causa de dor torácica atípica durante esforço. Ele nunca tinha sofrido síncope ou palpitações. Seu eletrocardiograma de repouso (ECG) mostrou ligeira elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas, sem evidência de padrão de Brugada tipo 1, e por isso foi classificado como tipo III (Figura 1). O ecocardiograma foi realizado e doença cardíaca estrutural foi descartada. Um teste ergométrico em esteira utilizando o protocolo padrão de Bruce foi realizado devido à persistência dos sintomas. O ECG de repouso antes do esforço era consistente com bloqueio incompleto do ramo direito com uma elevação do segmento ST apenas na derivação V3. Não ocorreram alterações significativas na repolarização nas derivações precordiais direitas durante o esforço. No entanto, durante a fase de recuperação, um ponto J e uma elevação côncava do segmento ST > 2 mm, compatível com o padrão de Brugada tipo 1, se tornaram evidentes na derivação V2 (Figura 2). Além disso, o desafio farmacológico endovenoso com flecainida mostrou o aparecimento de um padrão de Brugada tipo 1. Um estudo eletrofisiológico (EEF) foi realizado. Na linha de base, o padrão de Brugada tipo 1 não estava evidente e intervalos de condução estavam dentro da faixa normal (intervalo HV de 46 ms). O EEF demonstrou o desenvolvimento de fibrilação ventricular durante o protocolo de estimulação elétrica programada padrão (o protocolo de estimulação ventricular foi realizado a partir do ápice do ventrículo direito em dois intervalos básicos de condução com duração de 600 ms e 400 ms, com até três extra-estímulos; em nosso paciente a fibrilação ventricular foi induzida durante a estimulação a 600 ms de duração do intervalo e três extra-estímulos a 210, 200 e 200 ms). Um cardioversor desfibrilador implantável (CDI) foi implantado. Todos os parentes de primeiro grau apresentaram um ECG normal em repouso. O teste de desafio farmacológico com flecainida e o teste ergométrico foram realizados em todos os parentes de primeiro grau, mas nenhum outro padrão de Brugada tipo 1 foi induzido.
Que seja de nosso conhecimento, apenas um caso de indução de padrão de Brugada tipo 1, durante a fase de recuperação de um teste de esforço em um paciente assintomático, sem histórico familiar de síndrome de Brugada, foi relatado previamente4; outros casos relatados foram diagnosticados após a morte súbita de um parente de primeiro grau ou em pacientes com episódios de síncope anteriores5.
Makimoto e cols.3 demonstraram um aumento da elevação do segmento ST durante a fase de recuperação de um teste de esforço em 37% dos pacientes com SBr, e que esse fato foi um preditor de prognóstico ruim, com eventos arrítmicos sendo cada vez mais frequentes nesses pacientes, especialmente entre aqueles com histórico de síncope e em pacientes assintomáticos. Além disso, casos de arritmias ventriculares durante a fase de recuperação inicial do teste de esforço também foram relatados5. No entanto, o teste ergométrico não é considerado um teste de rotina para estratificação de risco nesses pacientes. O papel do teste de esforço no diagnóstico e estratificação de risco de parentes de primeiro grau sem padrão tipo 1 prévio, espontâneo ou induzido, também não foi avaliado.
Embora se saiba que a função autonômica desempenha um papel principal, os mecanismos exatos responsáveis pela elevação do segmento ST após o esforço em pacientes com Brugada não estão bem estabelecidos. Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que a elevação do segmento ST é mitigada pela administração de agonistas beta-adrenérgicos e é reforçada por agonistas parassimpáticos3. Mudanças durante a fase de recuperação de um teste ergométrico parecem ser semelhantes à exacerbação do padrão de Brugada observada com a administração de agentes estimuladores do sistema parassimpático6. Um aumento da atividade basal parassimpática ou um aumento da susceptibilidade à reativação parassimpática após o esforço, com uma redução simultânea da estimulação simpática, são considerados como influenciadores desse fenômeno.
Existe controvérsia sobre o valor prognóstico da indutibilidade da arritmia ventricular durante a estimulação elétrica programada em pacientes assintomáticos com Síndrome de Brugada. Recomendações de consenso de especialistas estabelecem que um cardioversor desfibrilador implantável pode ser considerado em pacientes com diagnóstico de Síndrome de Brugada que desenvolvem fibrilação ventricular durante a estimulação elétrica programada2. Enquanto alguns grandes registros não conseguiram demonstrar que a indutibilidade prevê eventos arrítmicos7,8, outros grupos indicam que a indutibilidade durante o EEF é um preditor independente para eventos arrítmicos, salientando também o seu valor preditivo negativo9,10.