versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.11 Rio de Janeiro nov. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.24722016
As condições de saúde bucal dos pré-escolares brasileiros são preocupantes, pois embora tenham sido observadas discretas melhorias nos dois últimos levantamentos epidemiológicos realizados na população brasileira1,2, como o aumento em cerca de 6% de crianças de 5 anos livres de cárie, tal contingente populacional ainda é acometido por história de doença não tratada, responsável por mais de 80% na composição do índice, apresenta diferentes necessidades de tratamento odontológico além da presença de problemas oclusais2. A atenção odontológica nos primeiros anos de vida permite a identificação de fatores de risco para agravos e doenças bucais possibilitando o planejamento e a execução de procedimentos preventivos e curativos3, reduzindo assim o impacto desses problemas na vida diária desses indivíduos4.
Os problemas relacionados à oclusão são caracterizados por alterações no desenvolvimento dos maxilares podendo resultar em alterações funcionais, estéticas e psicossociais nos indivíduos5,6, sendo resultado de uma interação de fatores genéticos e ambientais7-9. Entre pré-escolares, os problemas relacionados à oclusão têm sido associados a diferentes fatores, tais como: déficit antropométrico10, hábitos deletérios, tais como o hábito de sucção de chupeta ou digital11, distúrbios da erupção dentária12 e a outros agravos bucais, como o traumatismo dentário13 e cárie dentária14. Além disso, a presença da má oclusão nessa faixa etária tem sido associada ao impacto negativo na qualidade de vida das crianças e de seus familiares15. Estes achados têm sido oriundos de estudos de base populacional, contribuindo para o entendimento deste problema em pré-escolares.
Em geral, observa-se uma elevada prevalência de problemas oclusais entre pré-escolares, variando em diferentes países, com taxas próximas de 20% na Espanha16 e de 70% na Lituânia17, como identificado em estudos populacionais prévios. No Brasil, a prevalência dos problemas oclusais em pré-escolares tem variado de 28% a 80%, de acordo com a localidade da realização dos estudos11,13,15,18, o que ressalta a possibilidade da associação das características regionais na ocorrência deste agravo, atentando-se ao fato de que são diferentes os critérios de avaliação da má oclusão utilizados nestes estudos. Segundo dados dos dois últimos inquéritos nacionais de saúde bucal da população brasileira1,2, a presença de algum problema oclusal nas crianças de 5 anos aumentou em 28,2% entre os dois levantamentos12.
No entanto, não foram identificados na literatura estudos que tenham caracterizado o padrão epidemiológico de acometimento dos problemas oclusais entre pré-escolares, considerando uma amostra representativa desse contingente populacional no Brasil. Além disso, devido à variada prevalência desse agravo nos diferentes municípios brasileiros, apontadas por estudos prévios11,13,15,18, a associação da má oclusão com a região geográfica de residência desses indivíduos necessita ser avaliada, assim como demais fatores associados. Nesta linha de raciocínio, diferenças regionais no padrão de acometimento podem nortear o planejamento de ações preventivas e corretivas direcionadas ao agravo. Portanto, o presente estudo, objetivou caracterizar o padrão de acometimento da má oclusão entre pré-escolares brasileiros, assim como identificar os fatores associados à sua presença, considerando como base os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal realizada em 2010 (SB Brasil).
Estudo transversal, analítico conduzido a partir da base de dados do levantamento epidemiológico das condições de Saúde Bucal da população brasileira realizado em 20102.
O levantamento em questão foi conduzido seguindo os critérios propostos pela OMS, no qual uma amostra representativa da população brasileira nas faixas etárias índices foi entrevistada e examinada por meio de exames clínico-epidemiológicos realizados por cirurgiões-dentistas sob luz natural, em seus domicílios quanto às condições de saúde bucal, demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos e questões subjetivas de saúde bucal.
A amostra foi composta a partir de residentes em 177 municípios brasileiros, das cinco macrorregiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), incluindo as 27 capitais, selecionados por amostragem probabilística por conglomerados, em múltiplos estágios, com probabilidade proporcional ao tamanho da população e considerando um efeito de desenho (deff) igual a 2,0. Os exames e entrevistas foram realizados por cirurgiões-dentistas previamente treinados e calibrados pela técnica do consenso, sendo o valor mínimo aceitável de Kappa para cada examinador, grupo etário e agravo estudado igual a 0,6519.
No presente estudo considerou-se um recorte do banco de dados de crianças de 5 anos que foram examinadas quanto à maloclusão (7.045) excluindo-se aqueles de raça amarela (138) ou indígena (52), devido a baixa representatividade20, totalizando uma amostra de 6855 pré-escolares de 5 anos de idade.
A má oclusão foi diagnosticada segundo o Índice de Foster e Hamilton21 que é composto por quatro medidas: chave de caninos, sobressalência, sobremordida e mordida cruzada posterior. A medição (em milímetros) foi realizada com os dentes em oclusão e a sonda paralelamente ao plano oclusal. A criança que apresentou pelo menos uma dessas anormalidades foi caracterizada com “má oclusão”, caso contrário, com “oclusão normal”. No presente estudo adotou-se como variável dependente (desfecho) a presença de má oclusão.
As variáveis independentes consideradas foram: macroregião (Norte, Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste, Sul) localização geográfica (capital, interior), sexo (masculino, feminino) e raça autodeclarada (branca, negra/parda). Tais informações foram adquiridas por meio de questionários aplicados aos responsáveis pelos pré-escolares.
Inicialmente as variáveis foram descritas por meio de suas distribuições de frequências. Para as variáveis que compõem o Índice de Foster e Hamilton, bem como para o desfecho (má oclusão) foram estimados intervalo de 95% de confiança para suas respectivas prevalências. Na análise bivariada, utilizou-se teste do Qui-quadrado para avaliar a existência de associação entre o desfecho e as variáveis independentes. As variáveis que apresentaram nível descritivo (valor-p) menor ou igual a 0,20 foram selecionadas para o modelo múltiplo. Na análise múltipla adotou-se o modelo de regressão de Poisson, com variância robusta, utilizando a razão de prevalência (RP) como medida de associação. As análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS. 18.0.
O levantamento epidemiológico foi conduzindo respeitando os princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n°196/96, sendo aprovado e registrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Foram incluídas no presente estudo 6855 pré-escolares de 5 anos de idade, sendo a maioria do sexo masculino, residentes nas regiões Nordeste e Norte do país e de cor de pele negra ou parda (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição das crianças de 5 anos segundo região, localização geográfica, sexo e cor de pele. Brasil, 2010.
Variável | n | % |
---|---|---|
Região | ||
Norte | 1687 | 24,6 |
Centro-Oeste | 1091 | 15,9 |
Nordeste | 1913 | 27,9 |
Sudeste | 1248 | 18,2 |
Sul | 916 | 13,4 |
Localização | ||
Capital | 5232 | 76,3 |
Interior | 1623 | 23,7 |
Sexo | ||
Masculino | 3456 | 50,4 |
Feminino | 3399 | 49,6 |
Cor de pele | ||
Branca | 3186 | 46,5 |
Negra/Parda | 3669 | 53,5 |
Em relação a avaliação da má oclusão identificou-se que 4332 (63,2%) dos pré-escolares possuíam pelo menos um dos problemas oclusais avaliados e, portanto, foram considerados com má oclusão. Os pré-escolares foram caracterizados quanto à presença de chave de caninos, sobressalência, sobremordida e mordida cruzada posterior (Tabela 2).
Tabela 2 Condição de oclusão dentária avaliada pelo índice de Foster e Hamilton na idade de 5 anos. Brasil, 2010.
Condição de Oclusão | n* | % | IC95% |
---|---|---|---|
Chave de Caninos | |||
Classe I | 5255 | 77,1 | 76,1-78,1 |
Classe II | 1110 | 16,3 | 15,4-17,2 |
Classe III | 451 | 6,6 | 6,0-7,2 |
Sobressalência | |||
Normal | 4214 | 67,1 | 65,9-68,3 |
Aumentado | 1432 | 22,8 | 21,8-23,8 |
Topo a topo | 438 | 7,0 | 6,3-7,6 |
Cruzada Anterior | 196 | 3,1 | 2,7-3,6 |
Sobremordida | |||
Normal | 4085 | 65,4 | 64,2-66,6 |
Reduzida | 795 | 12,7 | 11,9-13,6 |
Aberta | 696 | 11,1 | 10,4-11,9 |
Profunda | 673 | 10,8 | 10,0-11,5 |
Mordida Cruzada Posterior | |||
Ausência | 5532 | 81,3 | 80,3-82,2 |
Presença | 1276 | 18,7 | 17,8-19,7 |
Má Oclusão | |||
Ausente | 2523 | 36,8 | 35,7-38,0 |
Presente | 4332 | 63,2 | 62,1-64,3 |
*Os totais variam devido à falta de informações. IC95%:intervalo de 95% de confiança.
A análise bivariada demonstrou que apenas a macrorregião brasileira e o sexo se mantiveram associados à presença de má oclusão (Tabela 3).
Tabela 3 Padrão de oclusão dentária segundo região, localização, sexo e cor de pele em crianças de 5 anos de idade. Brasil, 2010.
Variável | Oclusão normal | Má oclusão | Valor-p* | ||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Região | <0,001 | ||||
Norte | 772 | 45,8 | 915 | 54,2 | |
Centro-Oeste | 452 | 41,4 | 639 | 58,6 | |
Nordeste | 660 | 34,5 | 1253 | 65,5 | |
Sudeste | 391 | 31,3 | 857 | 68,7 | |
Sul | 248 | 27,1 | 668 | 72,9 | |
Localização | 0,247 | ||||
Interior | 617 | 38,0 | 1006 | 62,0 | |
Capital | 1906 | 36,4 | 3326 | 63,6 | |
Sexo | 0,003 | ||||
Masculino | 1332 | 38,5 | 2124 | 61,5 | |
Feminino | 1191 | 35,0 | 2208 | 65,0 | |
Cor de pele | 0,896 | ||||
Preta/Parda | 1353 | 36,9 | 2316 | 63,1 | |
Branca | 1170 | 36,7 | 2016 | 63,3 | |
Total | 2523 | 36,8 | 4332 | 63,2 |
* teste do Qui-quadrado.
Na análise múltipla de regressão de Poisson, identificou-se associações significativas da presença de má oclusão com a macrorregião brasileira (p = 0,000 a 0,026) e com o sexo (p = 0,003) (Tabela 4).
Tabela 4 Análise da associação entre prevalência de má oclusão dentária segundo região, localização, sexo e cor de pele em crianças de 5 anos. Brasil, 2010.
Variável | Análise bruta | Análise ajustada | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
RP (IC95%) | Valor-p | RP (IC95%) | Valor-p | |
Região | ||||
Norte | 1,00 | 1,00 | ||
Centro-Oeste | 1,08 (1,01-1,20) | 0,023 | 1,08 (1,01-1,15) | 0,026 |
Nordeste | 1,21 (1,14-1,28) | <0,001 | 1,21 (1,14-1,28) | <0,001 |
Sudeste | 1,27 (1,20-1,34) | <0,001 | 1,27 (1,20-1,34) | <0,001 |
Sul | 1,35 (1,27-1,43) | <0,001 | 1,34 (1,26-1,42) | <0,001 |
Localização | ||||
Interior | 1,00 | |||
Capital | 1,03 (0,98-1,07) | 0,247 | n.s | n.s |
Sexo | ||||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||
Feminino | 1,06 (1,02-1,10) | 0,003 | 1,06 (1,02-1,09) | 0,003 |
Cor de pele | ||||
Preta/Parda | 1,00 | |||
Branca | 1,00 (0,97-1,04) | 0,896 | n.s | n.s |
Análise por Regressão de Poisson. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de 95% de confiança; n.s: não significante.
O entendimento do padrão de acometimento da maloclusão nos pré-escolares brasileiros permite estimar a característica da demanda regional por tratamento ortodôntico além do conhecimento do perfil destes indivíduos. Do ponto de vista da saúde pública, a identificação das diferenças sociodemográficas valoriza a necessidade de descentralização das políticas públicas de saúde bucal, o que possibilita a compreensão de que características regionais interferem na prevalência e severidade das doenças e agravos bucais. A prevalência da má oclusão entre os pré-escolares brasileiros, associada às macrorregiões brasileira e ao sexo dos pré-escolares, foi de 63,2%, ou seja, esses indivíduos apresentaram pelos menos um dos problemas oclusais avaliados (chave de caninos, sobressaliência, sobremordida e/ou mordida cruzada anterior). Não tem sido bem esclarecido na literatura a caracterização do acometimento da má oclusão em crianças de 5 anos de idade considerando uma amostra representativa do Brasil, dificultando possíveis comparações. Resultados semelhantes de prevalência de má oclusão foi identificada entre crianças da Alemanha (72%)12 e Lituânia (71%)17.
Ao considerar estudos realizados em diferentes regiões do Brasil apontando características locais de acometimento, observa-se uma prevalência bastante variável. Prevalência semelhante a registrada no presente estudo foi identificada em estudo prévio realizado em Bauru (SP)11, com acometimento em 50 e 60% entre crianças de 3 a 5 anos, utilizando critério diagnóstico diferente. Em contrapartida, estudo prévio, realizado em outro estado (MG), identificou uma prevalência inferior, com taxa de 28,4%, utilizando o critério de Foster e Hamilton em crianças de 3 a 5 anos de idade15. Já prevalência superior foi identificada em município da região Sul (Canoas- RS), com taxa de 69,9%4, considerando diferente critério de diagnóstico. As diferenças regionais, assim como os diferentes critérios de diagnostico utilizados nos estudos podem explicar a alta variabilidade na prevalência entre os diferentes locais no Brasil. Apesar disto, considerando o impacto negativo desse agravo na qualidade de vida de pré-escolares e de seus familiares15, assim como a possibilidade da presença desses problemas na dentição decídua acarretar em uma maior necessidade de tratamento ortodôntico na dentição permanente22, a taxa de prevalência encontrada é preocupante.
Em adição, identificou-se a associação entre a presença da má oclusão com a região geográfica e o sexo dos pré-escolares, partir da análise ajustada. Maior prevalência foi identificada entre os pré-escolares residentes nas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul, em ordem crescente da chance de acometimento, quando comparados à região Norte do país. Diferenças semelhantes entre as regiões brasileiras no acometimento da má oclusão foram também identificadas em escolares (12 anos)23 e adolescentes brasileiros (15 a 19 anos)24. Outras doenças bucais em pré-escolares, como a cárie dentária, também têm demonstrado diferenças de acometimento de acordo com a região geográfica do Brasil25. Considerando a dimensão do Brasil em termos territoriais e a existência de diferenças regionais e culturais, é possível que comportamentos em saúde sejam influenciados por estas diferenças e, consequentemente, impactem nos desfechos em saúde, tal como a má oclusão. Entre estas diferenças regionais e culturais existentes, destacam-se: o nível socioeconômico das famílias e dos municípios, que pode influenciar no acesso a serviços odontológicos; o nível educacional dos residentes das regiões, podendo influenciar nos comportamentos; diferenças comportamentais devido à questões culturais que podem levar à ocorrência de problemas oclusais.
Diferenças comportamentais entre residentes das diferentes regiões do Brasil podem ser exemplificadas pelo padrão de uso de serviços de saúde pelo país2,26. Além disso, alguns comportamentos têm sido indicados como fatores de risco para a ocorrência de problemas oclusais11 e estes podem variar de acordo com diferenças culturais, ou seja, diferentes regiões podem levar a diferentes comportamentos que podem impactar na ocorrência de má oclusão. Em adição, o perfil de acometimento dos problemas bucais2, assim como o acesso e o processo de atenção à saúde podem apresentar diferenças entre as regiões brasileiras27, o que pode impactar em uma maior ocorrência de agravos bucais. Dessa forma, as ações de saúde devem considerar tais diferenças, com intuito de atender apropriadamente a população.
Identificou-se ainda que a presença da má oclusão foi maior entre pré-escolares do sexo feminino, o que também foi identificado em estudo prévio conduzido em município da região Sudeste (Bauru - SP)11. Associação entre má oclusão e sexo, com maior chance de ocorrência entre meninas, foi identificada também entre adolescentes brasileiros24 e indianos28. Resultado contrário foi identificado para crianças brasileiras aos 12 anos de idade, com uma maior prevalência da má oclusão no sexo masculino29. Assim como para as diferenças entre as regiões brasileiras, sabe-se que questões sociodemográficas podem influenciar na ocorrência dos desfechos em saúde bucal, tal como a má oclusão. Ressalta-se que, apesar da associação identificada, no campo da saúde o sexo feminino tem sido considerado um fator protetor, com menor ocorrência de agravos23. Uma possível explicação para a diferença na associação com sexo entre as idades de 5 e 12 anos é o período da vida em que estas crianças se encontram. Aos 5 anos as condições de saúde, assim como comportamentos, são, em sua maioria, moduladas pelas ações dos responsáveis, ou seja, é um reflexo do cuidado ou da importância que o responsável tem sobre a criança, já que é uma idade bastante precoce, não tendo independência em relação a saúde. Portanto, essa maior ocorrência no sexo feminino não necessariamente representa um perfil de risco. Já aos 12 anos a condição de saúde se torna mais reflexo dos comportamentos e personalidade da própria criança. Outro fator a ser considerado é o valor da razão de prevalência identificada para o sexo feminino no presente estudo (1,06), sendo próximo a 1, demonstrando que apesar da diferença entre os sexos existir, a chance de ocorrência da má oclusão é bastante próxima entre meninos e meninas, ou sejam, as meninas têm somente 6% maior probabilidade de ter o desfecho em comparação aos meninos.
A caracterização do padrão epidemiológico de acometimento e possíveis fatores associados a má oclusão entre pré-escolares brasileiros pode subsidiar ações de saúde e melhoria nas políticas públicas de saúde bucal que visem a redução desse agravo. Além disso, considerando que as crianças em fase pré-escolar se configuram como um contingente populacional mais propenso a aceitar novos hábitos, a educação em saúde nessa fase, assim como de seus familiares, pode ser uma alternativa eficaz para impactar positivamente nos desfechos em saúde bucal30. Portanto, salienta-se a necessidade de criação e ou otimização das atividades educativas de caráter permanente30, a fim de reduzir fatores de risco a má oclusão.
Os problemas oclusais podem se desenvolver cedo, em idades precoces, e dificilmente podem ser autocorrigidos, o que torna a fase da dentição decídua um período adequado para a inserção de medidas preventivas ou de tratamento. Além disso, considerando o impacto negativo da má oclusão na qualidade de vida da criança, o que pode impactar no contexto familiar, torna-se necessário a resolução deste problema o mais precoce possível. Dentre as condições oclusais avaliadas, observou-se um relevante acometimento de classe II de caninos, sobressaliência aumentada e mordida cruzada posterior. Estudos clínicos têm abordado diferentes modalidades terapêuticas para o tratamento de problemas oclusais em crianças na idade pré-escolar, assim como medidas intervencionais para controle de possíveis fatores de risco31,32. Tem-se como exemplo estudo de Lippold et al.32 que indicou expansão maxilar inicial seguida de terapia ativadora com arco de U, para tratamento de mordida cruzada posterior em crianças com dentição decídua ou mista, a partir de estudo clínico32 Em adição, o uso de intervenções psicológicas e uso de aparelhos ortodônticos, como o arco palatino, têm demonstrado serem efetivos na cessação de hábitos de sucção não-nutritivos que poderiam acarretar em má oclusão entre crianças, como demonstrado por revisão sistemática da literatura31.
Nesta linha, no Brasil, os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) podem incluir no rol de especialidades, desde 2011, o tratamento ortodôntico corretivo, no entanto, os aparelhos ortopédicos e ortodônticos removíveis podem ser realizados tanto na atenção básica quanto nos CEOs33, procedimentos estes que seriam de grande valia para a correção precoce das maloclusões contribuindo assim para melhoria da saúde bucal de parcela significante dos pré-escolares brasileiros.
O presente estudo não permite estabelecer relações de causa e efeito entre os fatores estudados. Portanto, estudos futuros, principalmente de caráter longitudinal, podem esclarecer a possível influência dos fatores associados na ocorrência dos problemas oclusais em pré-escolares brasileiros. Em adição, considerando as relevantes desigualdades sociais presentes no Brasil, torna-se necessário a avaliação da possível influência de aspectos socioeconômicos na ocorrência deste agravo. Apesar disso, os resultados apresentados são válidos e representativos da população de uma amostra representativa de pré-escolares de 5 anos de idade do Brasil, permitindo mais esclarecimentos sobre a prevalência e fatores sociodemográficos associados a má oclusão. A partir dos dados, identificou-se uma alta prevalência da má oclusão entre os pré-escolares brasileiros investigados, sendo esta prevalência maior entre aqueles do sexo feminino e diferenciando de acordo com as macrorregiões brasileiras.