versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.1 São Paulo jul. 2019 Epub 08-Ago-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190127
A infância representa uma janela crítica ao longo da vida para o estabelecimento de padrões alimentares e outros hábitos saudáveis. Nas últimas décadas, esses hábitos vêm mudando significativamente, e a obesidade infantil tornou-se um problema crescente de saúde pública, com muitas consequências clínicas.1-3
Para abordar essas questões, é de suma importância entender os padrões alimentares e sua relação com as medidas corporais, como Rocha et al. propõem no artigo “Associação dos Padrões Alimentares com Excesso de Peso e Adiposidade Corporal em Crianças Brasileiras: Estudo Pase-Brasil”.4 Os autores identificaram cinco padrões diferentes, incluindo o “tradicional brasileiro”, “não saudável”, “fast-food / lanches”, “processados” e “saudáveis”.
O estudo dos padrões alimentares é extremamente complexo como todos os fatores comportamentais que contribuem para a doenças crônicas multifatoriais. Eles podem ser influenciados por e estarem sujeitos a muitos fatores de confusão e interações, especialmente com os padrões de atividade física, padrões culturais, variáveis socioeconômicas, gênero, urbanização, práticas alimentares, estilos parentais e outras variáveis psicológicas.
Os autores controlaram algumas variáveis importantes, como comportamento sedentário e índice de massa corporal materna. É digno de nota que quase 75% das crianças apresentaram comportamento sedentário e quase 60% das mães apresentaram excesso de peso; portanto, as interações de todas essas variáveis devem ser cuidadosamente consideradas. Todas essas complexidades e dificuldades na análise dos padrões alimentares na infância tornam este estudo mais valioso, e a discussão deve avançar ainda mais para incluir outras variáveis importantes.
As cinco categorias propostas no estudo são úteis para fins de estudos epidemiológicos, mas é preciso ter muito cuidado ao transpor essas categorias para recomendações clínicas. É importante ressaltar que há um espectro de hábitos saudáveis a não-saudáveis; portanto, nomear um desses padrões como saudável, e outros como não-saudáveis pode não ser tão útil clinicamente, quando eles são mais complexos e compostos por alimentos saudáveis e não-saudáveis em diferentes proporções.
O padrão tradicional brasileiro, por exemplo, é considerado saudável pelas diretrizes dietéticas brasileiras.5 Embora o padrão tradicional possa não ser o ideal, com um alto consumo de sal e açúcar, os resultados do presente artigo mostram que quanto menos este padrão é consumido, maior é a prevalência de excesso de peso.
Isso é muito interessante e contribui para o conhecimento que já acumulamos sobre padrões alimentares tradicionais brasileiros e outros padrões latino-americanos. Embora por muitas décadas esses padrões tenham sido ignorados e, às vezes, considerados não-saudáveis, mais recentemente foram relacionados a baixos índices de obesidade e doenças crônicas.6 É claro que muitas outras mudanças no estilo de vida aconteceram simultaneamente, mas é muito importante considerar a relação entre a interpretação de achados anteriores e a comercialização de alimentos processados nesses países, com possíveis conflitos de interesse em pesquisas financiadas pela indústria. Há algumas décadas, a amamentação era considerada alimentação insuficiente para recém-nascidos e as fórmulas artificiais eram comercializadas para pediatras e famílias como as opções mais saudáveis.7,8 O mesmo pode ter acontecido com padrões alimentares tradicionais que são culturalmente aceitos ao serem gradualmente substituídos por alternativas processadas “modernas”.
De acordo com as diretrizes brasileiras, o padrão mais deletério é aquele que inclui principalmente alimentos ultraprocessados. Isso parece estar de acordo com os resultados encontrados no presente estudo, onde o grupo com maior prevalência de obesidade foi o “grupo industrializado”.
Para aumentar a complexidade, o padrão “não-saudável” contém alimentos que são saudáveis e recomendados para essa faixa etária, como os autores descrevem muito bem, como o leite, mas em sua maioria em preparações não-saudáveis.
É muito importante começar a discutir esses padrões com mais detalhes para alcançar uma melhor padronização, permitindo comparações internacionais e um maior entendimento das relações entre esses padrões e outros hábitos saudáveis. Uma recente revisão sistemática apontou a dificuldade de padronização e a necessidade de uma ferramenta em comum para avaliar a ingestão alimentar.9
Devido às características multifatoriais da obesidade infantil, intervenções abrangentes que incluam programas de educação nutricional e atividade física são necessárias em abordagens multidisciplinares. As evidências estão em constante evolução e as diretrizes estão mudando em relação às variáveis quantitativas e qualitativas, como certos tipos de alimentos ou intensidade da atividade física. Os melhores resultados são obtidos quando vários atores e cenários estão envolvidos, incluindo a família, a escola, grupos, mídias sociais e profissionais e serviços de saúde.10