versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.11 Rio de Janeiro nov. 2019 Epub 28-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.32652017
The scope of this study was to analyze the pattern of alcohol consumption among elderly Brazilians (60 years and over) and their association with sociodemographic factors, lifestyle habits and health conditions. This is a cross-sectional study of 10,537 elderly (90.1%) participants from the National Health Survey of 2013. The consumption of alcoholic beverages was classified as non-use, mild / moderate use and risk use. The multinomial regression model was used to study the associated factors. The prevalence for mild / moderate and risk use was 9.4% (95% CI: 8.4- 10.6%) and 4.6% (95%CI: 4.0-5.3%), respectively. The two consumption patterns were inversely associated with age and more frequent among men, better schooling, smokers and physical activity practitioners. Mild / moderate consumption was less frequent among non-whites and those with a history of stroke and diabetes, whereas risk use was less frequent among the elderly diagnosed for heart disease and more frequent among those suffering from depression. This result identifies profiles of greater vulnerability, with small differences between two patterns of consumption. This information should be considered in the preparation of proposals to promote healthy habits and control of alcohol use among the elderly.
Key words Health of the elderly; Alcoholic beverages; Epidemiological factors; Surveys and questionnaires
A associação entre consumo de álcool e saúde tem sido um tema de grande debate nas últimas décadas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), na perspectiva da Saúde Pública, o álcool está entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)1. Essas doenças vêm ganhando relevância nas faixas etárias mais velhas em função do acelerado processo de envelhecimento da população, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil2. Nesse sentido, o uso de álcool por idosos é ainda mais preocupante devido a alterações fisiológicas relacionadas à idade, que podem aumentar a sensibilidade e reduzir a tolerância ao álcool, favorecendo o desenvolvimento de eventos adversos à saúde nessa parcela da população3.
No Brasil, dados do primeiro levantamento sobre os padrões de consumo de álcool em idosos demonstraram que 12,0% dos idosos bebiam pesado (mais de 7 doses por semana), 10,4% bebiam em excesso (mais de 3 doses em uma ocasião) e 2,9% dependiam do álcool4. Estudos posteriores registraram uma variação entre 1,1% e 12,4%, considerando outros padrões de consumo (moderado, excessivo, pesado, binge, abusivo e dependência)5,6. Acredita-se que diferenças metodológicas e particularidades sociais, culturais e econômicas das populações estudadas podem explicar as variações nas prevalências apresentadas.
A ingestão excessiva de álcool é considerada uma epidemia, sendo a terceira causa de mortes no mundo, atrás somente do câncer e das doenças cardiovasculares1. Além disso, o consumo alcoólico de risco é caracterizado pela progressão de doenças agudas e por afetar negativamente as relações pessoais, sociais e a qualidade de vida7. Por outro lado, a literatura também registra possíveis benefícios de um padrão de consumo leve/moderado de álcool entre homens e mulheres idosas8,9. A maior parte dos resultados desses estudos está relacionada a condições de saúde, como a diminuição do risco de doença cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC)10 e menor prevalência de sintomas depressivos11.
Portanto, diante do cenário de rápido crescimento da população idosa, pesquisas que avaliem os hábitos de vida desse segmento podem contribuir para o planejamento de ações em saúde voltado à promoção de comportamentos saudáveis. O controle do uso abusivo de álcool exige dos serviços e programas de saúde novas abordagens e olhares voltados a essa problemática, com adoção de técnicas de identificação e tratamento apropriados à população idosa. Deste modo, este estudo tem como objetivo investigar o padrão do consumo de álcool entre idosos brasileiros e os fatores sóciodemográficos, hábitos de vida e condições de saúde associados a esse comportamento.
Estudo transversal, com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. A pesquisa emprega um amplo processo de amostragem e tem como principal objetivo produzir dados, sobre a situação de saúde, estilos de vida e atenção à saúde da população brasileira12.
As informações foram coletadas por meio de entrevista e o questionário aplicado foi composto por 16 módulos, subdivididos em três partes: I) domiciliar, II) relativo a todos os moradores do domicílio e III) individual (aplicada para um morador de 18 anos ou mais, selecionado com a mesma probabilidade entre todos os residentes adultos do domicílio)12. Para o presente estudo, foram incluídos todos os indivíduos participantes da pesquisa com idade igual ou superior a 60 anos, que responderam à terceira etapa do plano amostral (morador selecionado) e que apresentaram resposta para todas as variáveis analisadas, totalizando 10.537 participantes (90,1% dos respondentes dessa etapa). A resposta era dada pelo próprio indivíduo, exceto nos casos do entrevistado não estar em condições de participar por motivo de saúde, em que outra pessoa do domicílio poderia responder à entrevista.
A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os indivíduos foram consultados, esclarecidos e aceitaram participar da pesquisa de acordo com a Resolução do CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, assegurando aos sujeitos sua voluntariedade, anonimato e possibilidade de desistência a qualquer momento do estudo, mediante a assinatura ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
No presente estudo, o desfecho de interesse foi o uso de álcool, avaliado segundo três padrões de consumo: (I) não uso (abstinência), (II) uso leve/moderado; e (III) uso de risco, estimados com base na quantidade ingerida em doses por semana. Para classificação destes padrões de consumo, foram seguidos os valores de referência propostos pelo National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA):consumo leve/moderado (entre 1 a 7 doses/semana para mulheres e 1 a 14 doses/semana para homens) e o consumo de risco (mais de 7 doses/semana para mulheres e mais de 14 doses/semana para homens).
A classificação para a quantidade de álcool contida em uma dose de bebida seguiu a referência da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Nesse caso, uma dose de bebida alcoólica contém o correspondente entre 10 a 15 gramas de álcool, e equipara-se a uma lata de cerveja (350 ml), uma taça de vinho (150 ml) ou uma dose de cachaça, uísque e/ou outra bebida alcoólica destilada (45 ml)13.
As questões que investigam o consumo de álcool estão inseridas no módulo P do questionário que aborda o estilo de vida dos participantes. A primeira pergunta relacionada ao consumo foi “Com que frequência o(a) sr(a) costuma consumir alguma bebida alcoólica?”, os participantes que responderam “nunca ter bebido” ou “menos de uma vez por mês” foram alocados na categoria “não uso” (abstêmicos). Os idosos que responderam “Nunca ou menos de uma vez por semana” à seguinte questão “Quantos dias por semana o(a) sr(a) costuma tomar alguma bebida alcoólica?” também foram considerados abstêmicos. Todos os outros participantes seguiram para a questão “Em geral, no dia que o(a) sr(a) bebe, quantas doses de bebida alcoólica o(a) sr(a) consome?”. A partir dessas duas últimas questões, foi calculada a frequência do consumo, em doses por semana, e os participantes agrupados nos dois padrões de consumo “uso leve/moderado” e “uso de risco”. Além disso, os idosos que relataram consumo binge de álcool (4 ou mais doses/dia para mulheres e 5 ou mais doses/dia para homens nos últimos 30 dias) em pergunta específica inserida no questionário, foram também agrupados no “uso de risco”.
As variáveis exploratórias foram agrupadas em três blocos: (1) sóciodemográficas: sexo (masculino, feminino), idade em anos (60-69, 70-79, 80 ou mais), estado civil (agrupado em casado e não casado), cor da pele (agrupada em branca e não branca), escolaridade (categorizada em primário ou menos e médio ou mais); (2) hábitos de vida: tabagismo (nunca fumou/ex fumante e fumante atual), atividade física nos últimos três meses (sim, não) e (3) condições de saúde autorreferidas: hipertensão arterial, doenças do coração, acidente vascular encefálico (AVC), diabetes mellitus e depressão (não, sim).
Foi realizada uma análise descritiva das características da população em estudo pelo perfil de consumo de álcool, além de verificar as possíveis associações entre as variáveis pelo teste do Qui-quadrado de Pearson. Posteriormente, foi utilizada a regressão logística multinomial para obter estimativas de Odds Ratio (OR) e respectivos intervalos de 95% de confiança, considerando como categoria de referência o grupo “não uso”. Nesta análise, o ajuste foi realizado por blocos de variáveis, de modo que o bloco 1 foi ajustado por todas as variáveis sócio-demográficas (sexo, idade, estado civil, cor e escolaridade), o bloco 2 por todas as variáveis do bloco 1 acrescido das variáveis relacionadas aos hábitos de vida (tabagismo e atividade física), e, por último, o bloco 3 que foi ajustado por todas as variáveis dos blocos anteriores, além das variáveis referentes às condições de saúde do idoso (hipertensão arterial, doenças do coração, AVC, diabetes mellitus e depressão).
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Stata® versão 13.0 (StataCorp LLP, College Station, TX), incluindo os parâmetros do desenho amostral da PNS.
Em relação ao padrão de consumo de álcool, 9,4% (IC95%: 8,4-10,6) apresentava consumo leve ou moderado e 4,6% (IC95%: 3,9-5,3) apresentava consumo de risco. Quando avaliada por sexo, a prevalência dos padrões de consumo leve/moderado e de risco foi maior entre os homens em comparação às mulheres (15,7% - IC95%: 13,8-17,9; 8,6% - IC95%: 7,3-10,3 e 4,8% - IC95%: 3,9-5,9; 1,5% - IC95%: 1,1-2,1, respectivamente) (Figura 1).
A Tabela 1 apresenta a distribuição das características da amostra analisada para o total e de acordo com os diferentes padrões de consumo avaliados. Dos 10.537 participantes do estudo, 57,4% eram do sexo feminino, a maioria tinha idade entre 60-69 anos (56,3%) e era casada (53,2%). Cerca da metade dos entrevistados se auto classificaram como brancos (54,8%) e menos de um quarto declarou ter concluído pelo menos o ensino médio (23,3%). Em relação aos hábitos de vida, 88,1% dos idosos relatou nunca ter fumado ou ser ex-fumante e 77,4% não ter praticado atividade física nos últimos três meses. Um pouco mais da metade da amostra tinha histórico de hipertensão arterial (52,3%), sendo as demais condições de saúde menos frequentes. De maneira geral, os participantes que reportavam consumo de bebidas alcoólicas apresentaram, significativamente, maior proporção de homens, mais jovens, casados, com maior escolaridade, fumantes, que praticavam atividades físicas e que não reportavam diagnóstico médico para todas as doenças, exceto depressão (Tabela 1).
Tabela 1 Características da amostra estudada, de acordo com o consumo de álcool (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013).
Variáveis | Total % |
Não uso % |
Consumo Leve/Moderado % |
Consumo de risco % | Valor p* |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Masculino | 42,6 | 37,5 | 71,1 | 80,7 | < 0,001 |
Feminino | 57,4 | 62,5 | 28,9 | 19,3 | |
Idade em anos | |||||
60-69 | 56,3 | 53,8 | 67,5 | 79,9 | < 0,001 |
70-79 | 30,0 | 31,7 | 21,4 | 17,2 | |
80 ou + | 13,7 | 14,5 | 11,1 | 2,9 | |
Estado civil | |||||
Casado | 53,2 | 51,4 | 65,9 | 60,7 | < 0,001 |
Não casado | 46,8 | 48,6 | 34,1 | 39,3 | |
Cor | |||||
Branco | 54,8 | 53,1 | 71,9 | 50,4 | < 0,001 |
Não branco | 45,2 | 46,9 | 28,1 | 49,6 | |
Escolaridade | |||||
Primário ou menos | 76,7 | 79,1 | 59,8 | 66,1 | < 0,001 |
Médio ou mais | 23,3 | 20,9 | 40,2 | 33,9 | |
Tabagismo | |||||
Nunca ou ex-fumante | 88,1 | 89,8 | 83,9 | 63,7 | < 0,001 |
Fuma atualmente | 11,9 | 10,2 | 16,1 | 36,3 | |
Atividade Física | |||||
Sim | 22,6 | 20,4 | 39,3 | 29,7 | < 0,001 |
Não | 77,4 | 79,6 | 60,7 | 70,3 | |
Hipertensão | |||||
Não | 47,7 | 46,2 | 55,5 | 60,6 | < 0,001 |
Sim | 52,3 | 53,8 | 44,5 | 39,4 | |
Doenças do coração | |||||
Não | 88,1 | 87,7 | 88,1 | 95,9 | 0,009 |
Sim | 11,9 | 12,3 | 11,9 | 4,1 | |
AVC | |||||
Não | 94,9 | 94,4 | 97,8 | 97,1 | 0,010 |
Sim | 5,1 | 5,6 | 2,2 | 2,9 | |
Diabetes | |||||
Não | 80,9 | 79,8 | 89,1 | 86,2 | < 0,001 |
Sim | 19,1 | 20,2 | 10,9 | 13,8 | |
Depressão | |||||
Não | 90,1 | 90,0 | 91,9 | 88,6 | 0,568 |
Sim | 9,9 | 10,0 | 8,1 | 11,4 |
Todas as estimativas apresentadas consideraram os parâmetros amostrais da PNS. AVC- Acidente vascular cerebral.
*Teste do Qui-quadrado de Pearson.
A Tabela 2 apresenta os resultados da regressão logística multinomial da associação entre os padrões de consumo e as variáveis exploratórias incluídas no estado. Na análise bruta, com exceção da depressão, todas as variáveis investigadas apresentaram associação significativa com pelo menos uma categoria de consumo de álcool. Na análise ajustada, os resultados mostraram que sexo feminino (OR: 0,24; IC95%: 0,40-0,76), idade entre 70-79 (OR: 0,55; IC95%: 0,40-0,76) e 80 ou mais (OR: 0,62; IC95%: 0,41-0,99), cor de pele não branca (OR: 0,48; IC95%: 0,37-0,63), escolaridade igual a ensino médio ou mais (OR: 2,08; IC95%: 1,61-2,70), tabagismo atual (OR: 1,68; IC95%: 1,13-2,50), não praticar atividade física (OR: 0,45; IC95%: 0,34-0,61) e histórico de AVC (OR: 0,41; IC95%: 0,21-0,82) e diabetes mellitus (OR: 0,55; IC95%: 0,36-0,85) foram associadas ao consumo leve/moderado de álcool. Em relação ao consumo de risco, sexo feminino (OR: 0,13; IC95%: 0,09-0,19), idade entre 70-79 (OR: 0,36; IC95%: 0,23-0,56) e igual ou superior a 80 anos (OR: 0,14; IC95%: 0,04-0,42), escolaridade igual a médio ou mais (OR: 1,74; IC95%: 1,23-2,46), tabagismo atual (OR: 3,91; IC95%: 2,68-5,72), não praticar atividade física (OR: 0,63; IC95%: 0,43-0,92) e relatos de doenças do coração (OR: 0,31; IC95%: 0,17-0,59) e depressão (OR: 2,00; IC95%: 1,04-3,85) estiveram associadas a essa categoria.
Tabela 2 Fatores sociodemográficos, hábitos de vida e condições de saúde associados ao consumo de álcool entre idosos brasileiros (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013).
Bloco | Variáveis | Análise Bruta | Análise Ajustada | ||
---|---|---|---|---|---|
Leve/Moderado OR (IC95%) |
Risco OR (IC95%) |
Leve/Moderado OR (IC95%) |
Risco OR (IC95%) |
||
1 | Sexo | ||||
Masculino | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Feminino | 0,24 (0,18-0,32) | 0,14 (0,10-0,21) | 0,24 (0,40-0,76) | 0,13 (0,09-0,19) | |
Idade | |||||
60-69 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
70-79 | 0,54 (0,39-0,73) | 0,36 (0,23-0,57) | 0,55 (0,40-0,76) | 0,36 (0,23-0,56) | |
80 ou + | 0,61 (0,40-0,94) | 0,13 (0,04-0,40) | 0,62 (0,41-0,99) | 0,14 (0,04-0,42) | |
Estado civil | |||||
Casado | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Não casado | 0,55 (0,43-0,70) | 0,68 (0,49-0,96) | 0,92 (0,70-1,20) | 1,31 (0,90-1,90) | |
Cor | |||||
Branco | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Não branco | 0,44 (0,34-0-58) | 1,11 (0,81-1,53) | 0,48 (0,37-0,63) | 1,10 (0,78-1,56) | |
Escolaridade | |||||
Até primário | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Médio ou > | 2,55 (1,99-3,28) | 1,95 (1,40-2,70) | 2,08 (1,61-2,70) | 1,74 (1,23-2,46) | |
2 | Tabagismo | ||||
Nunca ou ex-fumante | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Fumante atual | 1,69 (1,19-2,41) | 5,05 (3,53-7,22) | 1,68 (1,13-2,50) | 3,91 (2,68-5,72) | |
Atividade Física | |||||
Sim | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Não | 0,39 (0,30-0,51) | 0,60 (0,42-0,86) | 0,45 (0,34-0,61) | 0,63 (0,43-0,92) | |
3 | Hipertensão | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0,69 (0,55-0,86) | 0,56 (0,40-0,77) | 0,88 (0,68-1,13) | 0,80 (0,58-1,12) | |
Doenças do coração | |||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0,97 (0,64-1,46) | 0,30 (0,17-0,54) | 0,95 (0,59-1,53) | 0,31 (0,17-0,59) | |
AVC*** | |||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0,37 (0,20-0,71) | 0,51 (0,19-1,37) | 0,41 (0,21-0,82) | 0,63 (0,23-1,68) | |
Diabetes | |||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0,48 (0,33-0,70) | 0,63 (0,38-1,05) | 0,55 (0,36-0,85) | 0,80 (0,47-1,35) | |
Depressão | |||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0,79 (0,49-1,28) | 1,15 (0,61-2,16) | 1,11 (0,66-1,87) | 2,00 (1,04-3,85) |
]OR (IC95%): Odds ratio e intervalo de 95% de confiança, obtido pela regressão multinomial, considerando o não uso de álcool como categoria de referência. AVC: Acidente vascular cerebral. Bloco 1 (variáveis sociodemográficas); bloco 2 (variáveis do bloco 1 + hábitos de vida); bloco 3 (variáveis do bloco 2 + condições de saúde)
O presente estudo evidenciou que, apesar da maioria dos participantes relatar abstinência ao uso de álcool (86,0%), ainda observa-se uma prevalência considerável de idosos que apresentam um padrão que excede as atuais recomendações de consumo (até 1 dose por dia para mulheres e 2 doses por dia para homens) propostas pela OMS. Este achado está em consonância com outros estudos nacionais4,14 e de outros países como Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Finlândia15-18.
O valor encontrado de prevalência para o consumo de risco (4,6%) foi semelhante ao observado em um estudo realizado na Alemanha, em uma amostra com idosos com 75 anos ou mais, em que a prevalência foi de 6,5%19 e outro realizado na Coréia, que encontrou uma taxa de 5,4% para bebedores de risco a partir de 60 anos20. Em relação ao consumo moderado de álcool, são raros os estudos que abordam essa categoria em idosos. O valor de prevalência encontrado (9,4%) foi inferior ao de um estudo longitudinal com idosos irlandeses (43,1%)21, mas essa diferença é atribuída à definição adotada para o consumo moderado no estudo irlandês, que foi de até 4 doses por dia ou até 10 doses por semana.
Em relação aos fatores associados, o consumo de álcool, independente do padrão analisado, foi menos frequente entre as mulheres e nas faixas etárias mais altas. O maior consumo observado no sexo masculino é consistente com outros estudos populacionais22,23, ocorrendo, provavelmente, devido a diferenças biológicas associadas ao sexo feminino, como menor quantidade de água, de enzimas digestivas e massa corpórea. Essas características interferem na absorção e metabolismo do álcool ingerido e podem predispor a severos efeitos adversos relacionados ao álcool, reduzindo o consumo entre as mulheres24.
Além disso, apenas um terço da população idosa começa a fazer uso do álcool após os 60 anos de idade25. A maioria parece seguir um comportamento no qual o consumo de álcool na velhice e os valores sociais e morais associados a este hábito, seriam determinados ainda no início da juventude, ou seja, receberia influência dos padrões desenvolvidos durante toda a vida14. Nesse sentido, questões socioculturais, como participação mais efetiva dos homens em eventos sociais e ocupacionais associados ao álcool, podem ter influenciado no desenvolvimento de um padrão de consumo alcoólico mais acentuado em homens comparados às mulheres nessa população22.
Analisando-se as faixas etárias, acredita-se que o consumo de álcool em idosos é menor que a população mais jovem devido a algumas hipóteses: (1) a quantidade de álcool que os adultos bebem confortavelmente é alterada na velhice como consequência de mudanças fisiológicas relacionadas à idade18,26, propiciando a redução desse consumo; (2) idosos podem reduzir o consumo de álcool como resultado da deterioração da saúde e surgimento de doenças; (3) bebedores de risco morrem mais cedo, reduzindo a prevalência em idades mais avançadas; (4) a coorte atual de idosos bebe menos que coortes anteriores, como resultado de experiências compartilhadas e de mudanças no contexto histórico que influenciam os padrões de consumo; (5) baixas prevalências do consumo de álcool podem estar relacionadas à problemas na mensuração precisa do consumo de beber em idosos26; e (6) pessoas que envelhecem vivenciando problemas com álcool são mais propensas a apresentar agravos de saúde relacionados a processos de hospitalização constante ou serem institucionalizadas, apresentando, portanto, menor chance de participar de inquéritos domiciliares26. Essas hipóteses podem também explicar, pelo menos em parte, a redução da prevalência de consumo na população idosa com o aumento da idade, como observado no presente estudo, resultado consistente com outros achados27-29. Ressalta-se que a associação entre consumo de álcool e idade em estudos transversais pode sofrer efeito de coorte ou período devendo esses fatores serem considerados na interpretação desses resultados.
Neste estudo, ter cor de pele não branca foi um fator protetor na avaliação do consumo leve/moderado de álcool, achado que corrobora grande parte dos estudos que investigaram essa associação8,30. As causas para esse resultado não estão bem esclarecidas na literatura, mas acredita-se que essa menor prevalência possa estar associada à restrição econômica de acesso ao álcool pela grande maioria desse segmento populacional31. No entanto, este dado não é consenso na literatura, e estudos realizados no Brasil14 e em outros países28,32 já demonstraram a associação inversa, sugerindo que pessoas de pele não branca são mais propensas a fazer uso não moderado de álcool, resultado não evidenciado entre os participantes da PNS.
Embora alguns autores ainda apontem para a maior escolaridade como fator protetor para o consumo de álcool33,34, sobretudo o de risco14,35, a maioria dos estudos mostra associação semelhante ao observado entre idosos brasileiros participantes da PNS, com a maior escolaridade estando associada ao maior consumo23,36. No Brasil, poucos estudos buscam investigar a associação entre determinantes sociais e o consumo de álcool, sobretudo em idosos, sendo essa ainda uma lacuna em aberto que precisa ser investigada22. De qualquer forma, a consistente associação observada entre idosos brasileiros, independente do padrão de consumo, mostra a importância de se considerar os segmentos de maior escolaridade como alvo para políticas de intervenções que visem à redução desse consumo.
As associações clássicas entre tabagismo e consumo de álcool foram replicadas neste estudo, para ambos os padrões de consumo investigados, porém mais evidente no consumo de risco. Esse resultado reforça outros inúmeros estudos20,27 e chama atenção para a importância dessa combinação de fatores de risco para a saúde entre idosos brasileiros. O uso de tabaco aliado ao consumo de álcool configura-se como uma importante causa de morbimortalidade em diferentes países e faixas etárias, em particular para a população idosa37,38. Embora alguns estudos tenham encontrado associação positiva entre consumo moderado de álcool e cessação do tabagismo, sugerindo que beber leve/moderado pode, de alguma forma, facilitar a cessação do uso de tabaco39, o presente estudo não demonstrou essa associação, indicando que o hábito de fumar é mais frequente entre os bebedores, em qualquer quantidade.
Nossos resultados demonstraram que a inatividade física apresentou associação inversa com o consumo de álcool, corroborando outros realizados no Brasil40 e no mundo41. Acredita-se que as possíveis limitações físicas que implicam na redução ou cessação da prática de atividade física podem estar relacionadas ao baixo consumo de álcool. Além disso, idosos que apresentam doenças ou lesões relacionadas ao consumo de álcool podem apresentar quadro de maior gravidade, como resultado de reservas fisiológicas diminuídas e outras morbidades associadas, resultando em uma menor prática de atividades físicas42, o que pode explicar as associações reportadas nesse estudo.
As associações com condições de saúde observadas nessa análise evidenciaram um padrão semelhante ao observado em outras populações10 em que idosos com relatos de doenças do coração, AVC e diabetes mellitus apresentavam menor consumo de álcool. Por outro lado, embora acredita-se que níveis moderados de consumo possam reduzir os riscos para doenças coronarianas em uma associação em forma de “U” ou “J”43, nossos resultados mostraram associação significativa apenas entre relato de doenças do coração e consumo de risco, mas não com o consumo leve/moderado. De qualquer forma, é possível supor que os participantes com os eventos acima referidos sejam menos propensos a beber devido ao medo de interações negativas com medicamentos e acompanhamento médico mais frequente para estas condições crônicas, sendo que essa associação poderia ser explicada pela causalidade reversa entre essas variáveis. No entanto, para compreender melhor a associação entre beber e saúde é necessário considerar o desenvolvimento de perfis de consumo de álcool ao longo da vida (se houve moderação ou interrupção) e como esses estão associados aos eventos de saúde descritos acima29, o que não pode ser considerado nesse estudo, dada sua natureza seccional.
O histórico de diagnóstico para depressão seguiu um padrão diferente das demais condições de saúde e revelou uma associação significativa e positiva para o consumo de risco de álcool, resultado consistente com outros estudos28,44. De modo semelhante, outro estudo realizado no Brasil evidenciou a associação entre o consumo de álcool e depressão apenas para o padrão de dependência alcoólica4. Apesar de evidências de pior prognóstico de depressão entre abstêmicos, em comparação aos indivíduos que bebem quantidades moderadas11, nossos resultados não evidenciaram essa associação.
No que se refere às limitações deste estudo, embora o desenho transversal tenha sido adequado à investigação dos objetivos estabelecidos (estimar a prevalência de uso moderado e de risco de álcool, e os fatores a eles associados), esse delineamento não permite estabelecer relações temporais entre o uso de álcool e as variáveis independentes, podendo algumas dessas associações serem resultado de causalidade reversa. Outra limitação a ser considerada é a possibilidade de viés de informação, por omissão de dados, sobretudo no que se refere ao consumo de álcool, o que poderia ter reduzido a magnitude das associações reportadas. Por outro lado, trata-se de um estudo conduzido em uma amostra nacional, que se utilizou de procedimentos padronizados para a coleta das informações, assegurando sua validade interna12.
Em resumo, acredita-se que esses achados possam contribuir para o conhecimento sobre o consumo de álcool entre idosos, visto que poucos estudos até o momento buscaram examinar a associação de diversos fatores com mais de um padrão de consumo de álcool entre mulheres e homens idosos. Os resultados apontaram para um conjunto de fatores associados ao consumo de álcool, que podem auxiliar nas investigações desse tema, bem como possibilitar subsídios ao planejamento de futuras intervenções, pela identificação de grupos mais vulneráveis a esse consumo. A partir desses resultados esforços devem ser direcionados para o controle do uso, principalmente no que diz respeito ao consumo de risco de álcool, visto que esse é um dos principais problemas de saúde pública no mundo.