versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.5 São Paulo 2020 Epub 09-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20190153
A fibrose pulmonar idiopática (FPI) representa uma das doenças pulmonares intersticiais (DPI) mais comuns, definida como uma pneumonia intersticial fibrosante crônica de causa desconhecida e caracterizada pelo padrão de pneumonia intersticial usual tanto na tomografia computadorizada quanto no exame anatomopatológico.(1-4) O diagnóstico da FPI é desafiador, exigindo colaboração multidisciplinar de pneumologistas, radiologistas e patologistas para integrar tanto os dados clínicos quanto a interpretação dos padrões radiológicos da doença.(5)
Uma nova revisão das recomendações de diagnóstico da FPI com base nos mais recentes ensaios clínicos e consenso de especialistas foi publicada pela ATS/ERS/JRS/ALAT em setembro de 2018.(3) O algoritmo de diagnóstico recomenda que todos os pacientes com DPI sejam submetidos a uma investigação minuciosa para descartar causas específicas da doença, incluindo investigação de exposição ambiental, uso de medicamentos e testes sorológicos. Se nenhuma causa alternativa for identificada, o padrão da TCAR deve ser considerado. As categorias radiológicas da PIU nesta revisão recente são: PIU, provável PIU, indeterminada para PIU e diagnóstico alternativo.(3) O padrão radiológico da PIU é definido por reticulação bilateral e faveolamento, com bronquiectasias e bronquiolectasias de tração periférica, predominantemente basais e subpleural.(1,3,5) A PIU provável difere da PIU pela ausência de faveolamento, que são aglomerados de espaços císticos com paredes espessas e diâmetros semelhantes, tipicamente localizados nas regiões dorsal, basal e subpleural do pulmão.(3) Por outro lado, o padrão indeterminado apresenta evidências de fibrose basal e subpleural, mas com outros achados que não sugerem diagnóstico específico.(3) Assim, no contexto clínico adequado, o padrão tomográfico de PIU é acurado para diagnosticar a FPI sem a necessidade de biópsia.(5) No entanto, no caso de provável PIU, indeterminado ou padrão de TC consistente com um diagnóstico alternativo, a discussão multidisciplinar pode decidir quais outros exames são necessários para estabelecer o diagnóstico, embora a ATS/ERS/JRS/ALAT sugira a realização de uma biópsia cirúrgica do pulmão.(3)
À luz da contribuição da TCAR para o diagnóstico de DPI fibrosante, nosso objetivo foi descrever a prevalência e a sobrevida dos diferentes diagnósticos multidisciplinares de DPI associados aos padrões tomográficos de PIU (PIU típica, PIU provável e indeterminada para PIU).
Foram incluídos pacientes consecutivos com idade>18 anos, com diagnóstico multidisciplinar de FPI ou qualquer outra DPI com TCAR mostrando um padrão de PIU, provável PIU e indeterminado para PIU, em nosso centro de referência de janeiro de 2012 a janeiro de 2016. O diagnóstico foi determinado por biópsia pulmonar cirúrgica ou por discussões multidisciplinares. O padrão histológico da PIU na biópsia pulmonar cirúrgica e o diagnóstico clínico-radiológico foram baseados na ATS/ERS/JRS/ALAT.(3) Foram excluídos os pacientes que não realizaram acompanhamento clínico no nosso centro após a tomografia inicial. Dados clínicos, incluindo dados demográficos, exposição ocupacional, histórico de tabagismo, comorbidades no momento da primeira consulta, testes de função pulmonar, dados histopatológicos e status de falecimento foram recuperados por meio de prontuários médicos. Este estudo retrospectivo foi aprovado pelo comitê de ética local (número 1.763.960).
A TCAR foi realizada com cortes de 1,0 mm de espessura em todo o pulmão durante a inspiração e a expiração em decúbito dorsal. Todas as tomografias foram realizadas no GE LightSpeed 64 VCT 64MDCT (GE Healthcare, Waukesha, Wisconsin). O protocolo de tomografia computadorizada foi no modo espiral. Foram aplicados 120kVp, 2000mA, tempo de rotação de 0,5s, colimação de 0,5mm e filtro de alta resolução. As imagens tomográficas foram reconstruídas com espessura de 1mm nos eixos axial, coronal e sagital.
Imagens inspiratórias e expiratórias pareadas foram avaliadas independentemente por dois radiologistas torácicos com mais de 8 anos de experiência. Todos os casos tiveram seus padrões de TCAR revisados e reclassificados para os três grupos de PIU, de acordo com os novos critérios da diretriz de 2018 da ATS/ERS/JRS/ALAT.(3) O padrão de PIU foi definido pelo predomínio basal e subpleural associado a faveolamento com ou sem bronquiectasia ou bronquiolectasia de tração periférica. O critério para PIU indeterminada, de acordo com as diretrizes, foi a presença de fibrose basal e subpleural com reticulação leve, opacidades em vidro fosco e/ou distorção e outros achados que não sugerem uma etiologia específica.(3) A concordância interobservadores dos radiologistas foi avaliada pelo cálculo da estatística kappa (κ) e foi interpretada de acordo com um estudo anterior.(6)
Um grupo multidisciplinar com a integração de pneumologista, reumatologista, radiologista e patologista foi responsável pela revisão do diagnóstico clínico final em casos selecionados. Essas conferências multidisciplinares ocorrem mensalmente para avaliar pacientes com padrão tomográfico de provável PIU ou indeterminado para PIU, pacientes com doença não característica ou suspeita de etiologia diferente da FPI ou também com evolução clínica discordante do diagnóstico previamente estabelecido. A abordagem inicial foi descartar outras causas de doença intersticial pulmonar. Os casos selecionados foram submetidos a biópsia pulmonar cirúrgica no caso de um “possível padrão de PIU” (de acordo com as diretrizes da ATS 2011, por se tratar de um estudo retrospectivo), quando tolerável clinicamente pelo paciente(2). Portanto, o diagnóstico final foi estabelecido considerando os achados clínicos, radiológicos e histopatológicos.
Os dados foram apresentados em frequência e porcentagem ou média ± desvio padrão (DP) ou mediana (IIQ). As comparações iniciais dos grupos foram realizadas utilizando o teste ANOVA para variáveis contínuas e testes qui-quadrado para categóricas. A análise de regressão de Cox foi realizada e as taxas de risco (HR) foram calculadas para investigar os fatores potenciais associados à maior mortalidade geral. Somente variáveis que apresentaram p<0,10 foram incluídas na análise multivariada. Em todos os outros casos, os valores de p foram bicaudais e considerados estatisticamente significativos com um alfa de 0,05. As análises estatísticas foram realizadas usando o SPSS v.18 (IBM, Chicago, IL).
Um total de 244 pacientes foi incluído no estudo e suas características estão descritas na Tabela 1. Entre esses, 106 apresentaram um padrão de PIU, 114 tinham um padrão de PIU provável e 24 tinham um padrão indeterminado para PIU. Os casos de PIU típica e provável e sua correlação histopatológica são mostrados nas Figuras 1 e 2. A maioria dos pacientes da nossa amostra era do sexo masculino (52,5%), tinha idade média de 68 ± 13 anos e não era fumante (70,9%). O tempo médio de seguimento foi de 2 anos no total da amostra, em que 31 indivíduos da amostra total morreram (12,7%) e 17 (7%) realizaram transplante pulmonar. Comparados àqueles com padrão provável e indeterminado para PIU, os pacientes com padrão de PIU típica eram mais comumente fumantes (37,7% vs. 24,6% e 12,5%, respectivamente; p = 0,017) e eram mais propensos a serem submetidos a transplante pulmonar (11,3% vs. 3,5% e 4,2%; p = 0,021).
Tabela 1 Características basais do paciente.
Parâmetro | Total (N = 244) | Provável PIU (N = 114) | Indeterminado PIU (N = 24) | PIU (N = 106) | p |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | ,391 | ||||
Masculino | 128 (52,5) | 55 (48,2) | 15 (62,5) | 58 (54,7) | |
Feminino | 116 (47,5) | 59 (51,8) | 9 (37,5) | 48 (45,3) | |
Idade (anos) | 68±13 | 69±14 | 68±10 | 68±11 | ,945 |
Hist. de tabagismo | 71 (29,1) | 28 (24,6) | 3 (12,5) | 40 (37,7) | ,017 |
Condições clínicas | |||||
Cardiomiopatia | 46 (18,9) | 20 (17,5) | 3 (12,5) | 23 (21,7) | ,390 |
DPOC | 22 (9,0) | 5 (4,4) | 5 (20,8) | 12 (11,3) | ,021 |
Diabetes mellitus | 71 (29,1) | 28 (24,6) | 3 (12,5) | 40 (37,7) | ,998 |
FPI | 83 (38,4) | 36 (31,6) | 3 (12,5) | 44 (56,4) | <,001 |
Câncer de pulmão | 25 (10,2) | 12 (10,5) | 4 (16,7) | 9 (8,5) | ,551 |
Transplante de pulmão | 17 (7,0) | 4 (3,5) | 1 (4,2) | 12 (11,3) | ,021 |
HP | 18 (7,4) | 6 (5,3) | 0 | 12 (11,3) | ,066 |
DTC | 43 (17,6) | 23 (20,2) | 4 (16,7) | 16 (15,1) | ,332 |
Função pulmonar | |||||
VEF1, L | 1,82±0,65 | 1,92±0,76 | 1,80±0,45 | 1,73±0,58 | ,483 |
VEF1, % | 71±20 | 74±20 | 70±20 | 67±20 | ,259 |
CVF, L | 2,22±0,83 | 2,34±0,97 | 2,22±0,83 | 2,10±0,70 | ,500 |
CVF, % | 68±19 | 70±18 | 68±19 | 66±21 | ,521 |
Razão, VEF1/CVF | 1,04±0,11 | 1,05±0,12 | 1,04±0,11 | 1,04±0,10 | ,476 |
Acompanhamento | 2,2±1,6 | 2,3±1,6 | 2,2±1,6 | 2,1±1,6 | ,366 |
Morte | 31 (12,7) | 10 (8,8) | 2 (8,3) | 19 (17,9) | ,037 |
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FPI: fibrose pulmonar idiopática; HP: hipertensão pulmonar; DTC: doença do tecido conjuntivo; VEF1: o volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: capacidade vital forçada.
Os dados foram apresentados como Nº (%) ou média ± DP.
Figura 1 TC da PIU e padrão anatomopatológico. (A-C) Imagens axial e coronal da TCAR de um paciente com PIU mostrando predomínio basal e subpleural com faveolamento e padrão reticular. (D) Biópsia pulmonar cirúrgica demonstrando cicatrizes densas com focos fibroblásticos (setas) em uma localização subpleural (H&E, 40x).
Figura 2 TC da PIU provável e padrão anatomopatológico. (A e B) Imagens tomográficas mostrando anormalidade reticular predominantemente basal, sem faveolamento. (C) Avaliação da biópsia pulmonar cirúrgica mostrando fibrose com faveolamento, porém sem focos fibroblásticos (H&E, 40x).
Sobre a prevalência do diagnóstico final, 43% (n = 105) dos 244 pacientes apresentaram FPI, 25,8% (n = 63) apresentaram DPI-DTC, seguidos por PHC com 12,3% (n = 30), pneumonia intersticial descamativa (7,4%, n = 18), doença pulmonar relacionada a medicamentos (5,3%, n = 13), fibrose não classificável (2%, n = 5), pneumonia intersticial bronquiolocêntrica (1,6%, n = 4), pneumoconiose (1,2%, n = 3) e pneumonia intersticial linfoide (1,2%, n = 3). No total, 69 pacientes foram diagnosticados pela biópsia pulmonar cirúrgica e os demais 175 por consenso multidisciplinar com base em achados clínicos e radiológicos.
A prevalência de cada diagnóstico individual estratificado de acordo com o padrão tomográfico da PIU é mostrada na Tabela 2. Os diagnósticos mais prevalentes nos pacientes com padrão PIU típico na TCAR foram FPI (n = 66, 62%) e pneumonia por hipersensibilidade crônica (PHC) (n = 21, 20%). Por outro lado, o diagnóstico mais comum associado aos padrões PIU provável e indeterminado foi a doença pulmonar intersticial associada à doença do tecido conjuntivo (DPI-DTC) (n=44, 39%; n=8, 33%, respectivamente). No grupo de PIU provável, a FPI representou o segundo diagnóstico mais comum (32%, n=36), enquanto que a pneumonia intersticial descamativa (PID) foi a segunda mais encontrada no grupo indeterminado (21%, n=5). A taxa de concordância entre os radiologistas foi de 94,05% (κ = 0,730; intervalo de confiança de 95%, 0,60-0,80).
Tabela 2 Distribuição da prevalência de DPI de acordo com o padrão da TCAR.
Diagnóstico final | Total (N = 244) | Provável PIU (N = 114) | Indeterminado PIU (N = 24) | PIU (N = 106) | p |
---|---|---|---|---|---|
Doença pulmonar relacionada a medicamentos | 13 (5,3) | 10 (8,7) | 3 (12,5) | - | 0,015 |
DTC | 63 (25,8) | 44 (38,6) | 8 (33,3) | 11 (10,3) | <0,001 |
FPI | 105 (43) | 36 (31,5) | 3 (12,5) | 66 (62,2) | <0,001 |
PH | 30 (12,2) | 9 (7,8) | - | 21 (19,9) | 0,004 |
PID | 18 (7,3) | 13 (11,4) | 5 (20,8) | - | <0,001 |
PIL | 3 (1,2) | - | 3 (12,5) | - | <0,001 |
PIB | 4 (1,6) | 2 (1,7) | 2 (8,3) | - | 0,015 |
Não classificado | 5 (2) | - | - | 5 (4,7) | 0,036 |
Pneumoconiose | 3 (1,2) | - | - | 3 (2,9) | 0,138 |
FPI: fibrose pulmonar idiopática; DTC: doença do tecido conjuntivo; PH: pneumonia por hipersensibilidade; PID: pneumonia intersticial descamativa; PIL: pneumonia intersticial linfóide; PIB: pneumonia intersticial bronquiolocêntrica.
Os dados foram apresentados como Nº (%) ou média ± DP.
Os eventos de morte durante o acompanhamento foram estatisticamente maiores para o padrão de PIU típico (n = 19, 17,9%) em comparação com o provável (n = 10, 8,8%) e o indeterminado para PIU (n = 2, 8,3%) (Tabela 1). A análise de regressão de Cox é mostrada na Tabela 3. Na análise multivariada, padrão tomográfico de PIU típico (HR=2,44, IC95% 1,05-5,64) e câncer de pulmão (HR=4,20, IC 95% 1,79-9,82) foram as únicas variáveis associadas positivamente à maior mortalidade após o controle da idade, do histórico de tabagismo e da cardiomiopatia.
Tabela 3 Análise de regressão de Cox para mortalidade geral entre os achados da TCAR e outros fatores independentes.
Parâmetro | Análise univariadaa | Análise multivariadab | ||
---|---|---|---|---|
HR (95% IC) | p | HR (95% IC) | p | |
Descobertas da TCAR | ,026 | ,037 | ||
PIU indeterminada | 1,44 (0,30-6,89) | 1,72 (0,36-8,19) | ||
PIU | 2,66 (1,10-6,42) | 2,44 (1,05-5,64) | ||
Feminino | 1,44 (0,65-3,17) | ,365 | ||
Idade (anos) | 1,02 (0,99-1,06) | ,107 | 1,01 (0,98-1,04) | ,347 |
História de tabagismo | 1,77 (0,79-3,95) | ,017 | 1,95 (0,88-4,28) | ,109 |
Condições clínicas | ||||
Cardiomiopatia | 2,94 (1,32-6,51) | ,008 | 2,05 (0,93-4,50) | ,077 |
DPOC | 1,32 (0,39-4,41) | ,646 | ||
DM | 0,73 (0,25-2,07) | ,558 | ||
HP | 1,40 (0,43-4,49) | ,571 | ||
Câncer de pulmão | 4,68 (2,05-10,6) | <,001 | 4,20 (1,79-9,82) | ,001 |
Função pulmonar | ||||
VEF1, % | 0,99 (0,96-1,03) | ,888 | ||
CVF, % | 0,98 (0,94-1,02) | ,339 | ||
Razão, VEF1/CVF | 3,89 (0,37-40,0) | ,258 |
TCAR: tomografia computadorizada de alta resolução; HR: taxa de risco; PIU: pneumonia intersticial usual; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HP: hipertensão pulmonar; VEF1: o volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: capacidade vital forçada; DM: Diabetes Mellitus; IC: intervalo de confiança.
aTodos os parâmetros em um nível de significância de p-valor menor que 0,10 na análise univariada foram incluídos em um modelo multivariável;
bModelo ajustado para achados na TCAR, idade, histórico de tabagismo, cardiomiopatia, câncer de pulmão, transplante de pulmão e DTC.
Nosso estudo correlacionou o diagnóstico multidisciplinar final com os padrões tomográficos de PIU típico, PIU provável e indeterminado para PIU, com base nos critérios clínicos, radiológicos e histopatológicos para o diagnóstico de PIU da diretriz mais recente da ATS/ERS/JRS/ALAT.(3) A maioria dos pacientes com padrão tomográfico de PIU típico tiveram o diagnóstico multidisciplinar final de FPI, sendo a PHC e a DPI-DTC os principais diagnóstico diferenciais nesse padrão. A maioria dos pacientes (97,1%) com diagnóstico multidisciplinar final de FPI apresentava um padrão de PIU típico ou provável na TC. Notavelmente, três pacientes com padrão indeterminado para PIU também foram diagnosticados com FPI após a avaliação multidisciplinar. Pacientes com padrão de PIU típico tiveram uma mortalidade significativamente maior em comparação com os outros dois padrões de TCAR.
Poucos estudos relatam a prevalência geral de doenças pulmonares intersticiais, pois seu diagnóstico é difícil em alguns casos e requer uma equipe multidisciplinar especializada. Sabe-se que a prevalência e a distribuição etiológica da DPI em uma população variam de acordo com a região em todo o mundo. A maioria dos estudos atuais está mais focada na FPI; eles determinaram que a prevalência de FPI é maior nos Estados Unidos e na Europa (variando de 10 a 60 casos por 100.000), em comparação com a América do Sul e o leste da Ásia(1,7-12), e, na verdade, está aumentando em comparação com anos anteriores.(7-9) Uma explicação para esse fato se deve ao aumento do conhecimento sobre a doença, com maior conscientização sobre o diagnóstico e o tratamento.(9) Enquanto na América do Norte, a FPI, a DPI-DTC e a PHC representam as formas mais prevalentes de DPI (correspondendo a 20% cada), um estudo em uma população francesa colocou DPI-DTC (16%) e FPI (11,6%) como as principais etiologias da DPI.(1,10) Por outro lado, a distribuição de DPI em uma população indiana era de 47,3% de PHC, 13,9% de DPI-DTC e 13,7% de FPI.(13) A prevalência de cada DPI específica em nosso estudo se assemelha a encontrada no estudo americano, tendo FPI, PHC e DPI-DTC como os principais diagnósticos diferenciais para a DPI fibrosante.
Nossos resultados também estão de acordo com estudos anteriores que mostraram alta concordância entre o padrão de PIU na TCAR e o diagnóstico multidisciplinar da FPI.(5,14-17) Chung et al.(18) demonstraram que o diagnóstico histopatológico de PIU é mais frequentemente observado nos pacientes com padrão tomográfico de PIU definitiva ou provável, em comparação com aqueles com padrão indeterminado. Em um estudo com 214 indivíduos com FPI, Yagihashi et al.(19) constataram que 97,1% dos pacientes com padrão de PIU na TCAR apresentavam PIU histologicamente definida ou provável. Mas eles também demostraram que um grande grupo de pacientes (94,7%) com padrão “inconsistente com PIU” na TCAR terminou com um diagnóstico hispatológico de PIU, sugerindo que o termo “inconsistente” é realmente enganoso e não preciso. Da mesma forma, um estudo com 59 indivíduos, realizado em um centro especializado em DPI, demonstrou uma alta especificidade no diagnóstico de FPI de início recente, com base apenas na avaliação clínica ou tomográfica, apesar de uma sensibilidade relativamente baixa.(20)
Cabe ressaltar que a TCAR isoladamente, sem o contexto clínico adequado, não pode estabelecer com precisão o diagnóstico de FPI, pois o padrão de PIU pode ser observado em outras causas de DPI(5), como demonstrado em nosso estudo. Diante disso, tanto a diretriz da ATS/ERS/JRS/ALAT quanto a revisão da Fleischner Society enfatizam a importância de diferenciar PHC e DPI-DTC da FPI em pacientes com DPI fibrosante avançada (3,5), nas quais as características da TC frequentemente se sobrepõem.(5,21) Embora a PHC seja caracterizada por fibrose predominante em lobos superior e médio e região peribroncovascular, com opacidades em vidro fosco, nódulos centrolobulares mal definidos, atenuação em mosaico e aprisionamento de ar, pode eventualmente ser subpleural e apresentar faveolamento, simulando PIU.(22,23) Em nosso serviço, utilizamos o algoritmo de diagnóstico de CHP sugerido por Vasakova et al.(22), que inclui avaliação de histórico ocupacional e ambiental, exame físico, padrão tomográfico, IgGs séricas específicas, lavagem broncoalveolar (LBA) e biópsia pulmonar em casos selecionados. Se o paciente tiver histórico de exposição e/ou IgGs positivas com padrão de PH na TCAR e lavado broncoalveolar (LBA) mostrando linfocitose, o diagnóstico de PH pode ser feito com confiança. Caso contrário, uma biópsia é indicada.(22)
O mesmo problema também é verdadeiro para a doença do tecido conjuntivo. Chung et al.(24) demonstraram recentemente que 57,4% dos pacientes com pneumonia intersticial com características autoimunes (IPAF) apresentavam características de PIU na TCAR. A ATS/ERS/JRS/ALAT recomenda que todos os pacientes com DPI sejam submetidos a testes sorológicos para descartar a DTC, embora não tenham um consenso sobre quais testes devem ser realizados rotineiramente.(3) Em nosso serviço, nossa abordagem inicial inclui sorologias para proteína C-reativa, taxa de sedimentação de eritrócitos, anticorpos antinucleares e fator reumatoide.(2,25) Pacientes jovens, mulheres e aqueles com sinais e sintomas de DTC ou testes sorológicos positivos são avaliados por um reumatologista.(2,3,25) O prognóstico dessas doenças nos casos de fibrose avançada parece ser o mesmo da FPI, mas quando diagnosticada precocemente e tratada corretamente, é substancialmente melhor.(2,23) Esses resultados confirmam a importância de uma abordagem multidisciplinar, correlacionando os achados clínicos, radiológicos e patológicos, principalmente naqueles pacientes com perfil clínico-radiológico não característico.
Os pacientes com padrão de TC de PIU típica tinham maior probabilidade de morrer ou realizar transplante de pulmão em comparação com os outros dois padrões de PIU. Esse resultado é esperado, dada a maior mortalidade de pacientes com FPI e aos artigos anteriores, que demonstraram desfecho pior nos pacientes com PIU definitiva na TCAR de acordo com as diretrizes de 2011 da ATS.(16,26-28) Esse fato pode ocorrer porque o padrão de PIU na TCAR é mais comum em pacientes em estágio avançado da doença, diferentemente dos estágios iniciais, quando os achados radiológicos podem ser mais atípicos.(16,26-28)
Nosso estudo tem algumas limitações. Primeiro estão as limitações inerentes à natureza retrospectiva do estudo. Segundo, como os pacientes foram recrutados em um único centro de referência para transplantes, a variabilidade regional influencia os resultados, pois fatores ambientais, etnia, hábitos culturais e riscos ocupacionais são relacionados ao desenvolvimento de doenças pulmonares intersticiais.(9,10) Terceiro, não temos os dados histopatológicos de todos os pacientes, em particular daqueles com FPI, dada a literatura recente que considera desnecessária a biópsia nesses pacientes. Assim, certo grau de incerteza clínica está frequentemente presente em benefício do paciente e também é reconhecido pela Fleischer Society(5)e pelas diretrizes da ATS/ERS/JRS/ALAT.(3) Não incluímos pacientes com padrão tomográfico compatível com um diagnóstico alternativo, o qual poderia contribuir com a distribuição geral das DPIs em nosso estudo.
Em resumo, apresentamos a prevalência dos diferentes diagnósticos multidisciplinares de DPI de acordo com os padrões tomográficos de PIU típica, provável e indeterminada, definidos pela última diretriz da ATS/ERS/JRS/ALAT. PHC e DPI-DTC foram os principais diagnósticos diferenciais da FPI em pacientes com padrão de PIU. Além disso, pacientes com padrão PIU típico na TCAR tiveram maior probabilidade de morrer ou realizar transplante de pulmão no seguimento.