versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.30 no.2 São Paulo 2018 Epub 16-Abr-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017067
Em termos silábicos, a estrutura CV (consoante e vogal) antecede a aquisição da estrutura CCV (consoante, consoante e vogal)(1). No Português Brasileiro (PB), os grupos consonantais são compostos pela líquida lateral (/l/) ou pela líquida não lateral (/r/) seguida das obstruintes. Há um consenso na literatura (1-3) de que as líquidas laterais são adquiridas antes das não laterais, sendo estas últimas estabilizadas no sistema fonológico da criança por volta dos cinco anos de idade(4).
Pesquisas(2,3,5) apontam que as sílabas do tipo CCV são adquiridas tardiamente devido à sua complexidade fonológica, por um lado, e, por outro lado, pela sua complexidade articulatória. Na tentativa de adequar o sistema fonológico alvo ao sistema fonológico esperado, na posição do segmento e/ou da estrutura silábica desconhecida ou produzida inadequadamente, as crianças fazem uso de recursos chamados estratégias de reparo. No caso da estrutura silábica CCV, as estratégias de reparo comumente são simplificação de CCV para CV(3).
As simplificações da estrutura CCV em direção à CV são reportadas na literatura tanto em fase inicial da aquisição fonológica quanto no desenvolvimento fonológico tardio. A alta prevalência das chamadas simplificações do encontro consonantal na fala das crianças é reportada em diversos estudos(6-8) realizados em diferentes regiões do Brasil. No que se refere à sílaba CCV, estudo envolvendo a análise de oitiva mostrou indícios de que a simplificação (CCV para CV, por exemplo, prato para pato) é o recurso adotado mais frequentemente pelas crianças escolares, correspondendo a 60,67% (6) de produções de CCV simplificadas para CVs. Entretanto, outras estratégias também podem ser identificadas durante o processo de aquisição desta estrutura silábica, conforme descritas em estudo prévio: omissões de sílaba (ex.: plástico – [´tʃiku]), epênteses (ex.: bruxa – [bu’ɾuʃa]), fusão (ex.: cravo – [´davu]), alongamento compensatório (ex.: planta – [´pã: nta]) e metáteses (ex.: prato – [‘paɾtu]) (3).
Como a análise de oitiva não permite o detalhamento fonético dos fatos ou estruturas linguísticas que ocorrem durante o processo de aquisição fonológica (seja típica ou atípica), análises instrumentais (acústica e/ou articulatória) podem possibilitar (têm possibilitado) elucidar questões relativas à produção típica e atípica de CCV(8-11).
Em termos acústicos, foram realizadas pesquisas(3,12) que analisaram a produção fônica das sílabas CCV e CV com desenvolvimento fonológico típico e atípico e identificaram que, para diferenciar os dois padrões silábicos, as crianças típicas (CT) ou crianças atípicas (CA) fazem uso do que os autores denominaram como estratégia de alongamento compensatório (EAC) (também chamado de alongamento da vogal) como estratégia de reparo. A presença da EAC elucida que as crianças com produções atípicas para CCV já possuem um conhecimento fonológico a respeito da estrutura silábica(2,3), porém ainda não conseguem produzir conforme os padrões esperados pelo adulto.
A incorporação da análise acústica nos estudos voltados para aquisição de linguagem revelou estratégias, como a EAC, realizadas pelas CAs, ou seja, que, aparentemente, se apropriam do conhecimento fonológico da língua, mas, não necessariamente, realizam a tarefa articulatória esperada e necessária para diferenciar as duas sílabas (no exemplo citado acima, CCV e CV)(2).
Apesar de os estudos acústicos terem promovido um avanço no que se refere ao detalhamento fonético das produções infantis, a informação acústica é capaz de realizar apenas inferências articulatórias. Neste sentido, as metodologias que fazem uso de instrumentos articulatórios (eletropalatografia, microrraios X, ultrassonografia, articulografia) ganharam espaço, uma vez que permitem a visualização direta dos órgãos fonoarticulatórios durante a produção de fala(13-17).
Em termos articulatórios, estudo recente realizado na língua inglesa (17) tem apontado diferenças na produção de crianças com desenvolvimento fonológico típico e atípico. Dados oriundos de ressonância magnética evidenciaram distintos padrões articulatórios nas substituições de líquidas. Os resultados apontaram para gestos distintos nos três grupos de indivíduos estudados (crianças em fase de aquisição fonológica, adolescentes com transtorno fonológico e adolescentes com perda auditiva). Diferente dos gestos articulatórios encontrados nas produções típicas, nas crianças em fase de desenvolvimento fonológico e nos adolescentes com transtorno fonológico, foram encontrados gestos omissos † e enrijecidos ‡ . Já no grupo de adolescentes com perda auditiva, observaram-se apenas gestos enrijecidos.
Pesquisa(18) baseada na eletropalatografia (EPG) detectou diferenças articulatórias na produção de crianças escolares escocesas com desenvolvimento típico e atípico. Ao comparar a fala dessas crianças, a autora identificou uma alta porcentagem de gestos indiferenciados no grupo de crianças com alterações fonológicas, o que não aparece no grupo de crianças típicas ou adultas. As crianças com desenvolvimento típico articularam os gestos de ponta e de corpo da língua de maneira semelhante ao adulto, sendo capazes de produzir padrões bem definidos contra o palato. Ao contrário, as crianças atípicas fazem uso da região anterior e posterior, simultaneamente, ou mesmo de toda a superfície da língua contra o palato, não diferenciando os gestos de maneira independente. Em consonância com esses achados, outro estudo (19), ao analisar a coordenação de gestos consonantais linguais em crianças com transtorno fonológico, também identificaram não somente gestos indiferenciados, como também detectaram a presença de um movimento excessivo do corpo da língua durante a produção da consoante /t/ se comparado às CTs(19).
Apesar de as pesquisas citadas anteriormente não estarem analisando a produção silábica CCV, a análise articulatória detectou diferenças nas produções dos grupos investigados (aquisição, transtornos fonológicos e déficits auditivos). No PB, até o momento, não há estudos que comparem a produção de CCV e CV em CTs e CAs a partir da análise articulatória. Assim, analogamente aos estudos anteriores(2,3), espera-se que as investigações baseadas em metodologias instrumentais possam fornecer informações articulatórias acerca da aquisição típica e atípica do padrão silábico CCV.
Dessa forma, a primeira hipótese assumida foi a de que CAs (simplificação de encontro consonantal) apresentam valores de área, entre a ponta e a lâmina da língua, superiores aos valores apresentados pelas CTs. Adicionalmente, a segunda hipótese assumida foi a de que o padrão silábico do tipo CCV apresentaria maior área, entre a ponta e a lâmina da língua, se comparado à CV.
O presente estudo busca comparar, por meio da ultrassonografia de língua, a produção de padrões silábicos do tipo CCV e CV realizados por crianças brasileiras com desenvolvimento fonológico típico e atípico.
Esta pesquisa foi aprovada (nº 0974/2014) pela Comissão de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP/Marília. Os responsáveis pelas crianças e as crianças assentiram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo foi realizado pautado nas diretrizes e nas normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos determinadas pelo Conselho Nacional de Saúde em sua resolução 466/12 e 510/16, respectivamente.
Este foi um estudo clínico transversal, quantitativo e prospectivo. A amostra do estudo foi composta por 10 crianças com idade entre 5 anos e 6 anos e 9 meses, de ambos os gêneros, sendo subdividas em dois grupos delineados a partir da condição clínica das crianças: crianças com desenvolvimento fonológico típico (CT) e com desenvolvimento fonológico atípico (CA).
A fim de compor o grupo de crianças para este estudo, a pesquisadora realizou uma triagem fonoaudiológica a fim de identificar alterações da linguagem oral, de voz, de motricidade oral, com o uso de um protocolo específico.
A triagem audiológica também foi realizada pela pesquisadora com o uso do audiômetro AD-28 da Interacoustic, com fone TDH-39, em cabina acústica instalada em uma sala da Escola de Educação Infantil. Foram pesquisadas as frequências sonoras de 1000, 2000 e 4000 Hz a uma intensidade de 20 dB NA (decibel nível de audição).
A avaliação da produção da fala foi realizada por meio da avaliação fonológica(20), sendo levantado tanto o inventário fonético quanto o sistema fonológico. A análise do inventário fonético e fonológico possibilitou excluir as crianças que apresentavam dificuldades na produção de outras classes de sons e das líquidas isoladamente. As crianças que apresentaram alterações na triagem fonoaudiológica foram encaminhadas para atendimentos específicos na Clínica de Fonoaudiologia da UNESP (Marília).
Para o grupo de CT, foram incluídas crianças de 5 anos e 4 meses até 6 anos e 8 meses de idade, de ambos os gêneros e que apresentam ausência de alterações intelectuais, neurológicas; anatomomorfológicas que comprometam o processo de produção de fala (por exemplo, fissura labiopalatina); alterações otológico/auditivas, alterações no sistema estomatognático e alterações de fala e linguagem.
As CAs também não apresentaram alterações auditivas, intelectuais, neurológicas e apresentaram dificuldades na pronúncia de encontros consonantais. Foram excluídas as crianças que apresentassem dificuldades na produção de líquidas isoladas líquidas laterais ou tepe, ou seja, no padrão silábico CV.
Foram gravadas 18 palavras contrastando a sílaba inicial CCV e CV conforme proposto por estudo anterior(2). Para o corpus, foram selecionadas as figuras correspondentes aos pares das seguintes palavras: broa/boa [´bɾoa/ ´boa], prato/pato [´pɾato/´pato], prego/pego [´pɾɛgo/´pɛgo], pressa/peça [´pɾɛsa/´pɛsa], bruxa/bucha [´bɾuʃa/´buʃa], frita/fita [´fɾita/´fita], grato/gato [´gɾato/ ´gato], troca/toca [´tɾɔka/´tɔka], troco/toco [´tɾoko/´toko]. As figuras referentes às palavras foram apresentadas aos indivíduos por meio de uma atividade lúdica, ou seja, ao longo da gravação, as crianças nomeavam as figuras inseridas no software AAA (Articulate Assistant Advanced ).
As gravações utilizadas nesta pesquisa foram realizadas utilizando um aparelho de ultrassom portátil (modelo DP 6600), localizado numa cabine tratada acusticamente com os seguintes equipamentos: microfone unidirecional, transdutor microconvexo acoplado a um computador e um estabilizador de cabeça(21,22). A captação dos dados foi feita pelo software AAA que permite analisar os sinais ultrassonográficos e acústicos obtidos na gravação de fala, em tempo real(22).
O transdutor foi posicionado no queixo da criança com a ajuda do estabilizador de cabeça, o Articulate, desenvolvido pela Articular Instrument (Queen Margaret University). Esse procedimento foi adotado a fim de minimizar mudanças da posição do transdutor em relação à região submandibular do indivíduo.
Os indivíduos foram gravados individualmente em uma única sessão de, aproximadamente, 30 minutos, no Laboratório de Análise Acústica – LAAc da Universidade Estadual Paulista (UNESP no campus de Marília), no interior de uma cabine tratada acusticamente.
As figuras que representavam os estímulos foram apresentadas no software AAA. As figuras foram apresentadas previamente às crianças, com o objetivo de certificar a compreensão da palavra-alvo. Para cada palavra, foi solicitado que os indivíduos realizassem três repetições, totalizando 540 estímulos (3 repetições x 5 CTs x 5 CAs x 9 palavras com CCV + 9 palavras com CV). Em decorrência da condição clínica das CAs, espera-se que, do ponto de vista perceptivo auditivo, estas produzam o CCV como CV.
Caso a criança não compreendesse ou não se lembrasse da palavra-alvo no momento da gravação, a pesquisadora produzia a palavra e solicitava que a criança a imitasse.
Os 540 arquivos acústicos (.wav) produzidos pelas crianças, sendo 240 gravações das CTs e 240 das CAs, foram enviados para três juízes por meio de um recurso computacional que permite compartilhar arquivos digitais. Os juízes que participaram da pesquisa são experientes em transcrição fonética e residentes na mesma região dialetal dos participantes a fim de realizar o julgamento perceptivo-auditivo.
Os estímulos foram organizados aleatoriamente pela pesquisadora na tentativa de evitar padrões de respostas no julgamento. Ao ouvir o estímulo sonoro, o juiz foi orientado a responder entre CCV, CV ou a opção outro (nesse caso, seria necessário transcrever foneticamente), sendo que foi considerada a concordância de pelo menos 2 (66%) juízes para cada estímulo avaliado. Os juízes foram orientados a ouvir os dados com o auxílio de fones de ouvido quantas vezes julgassem necessário.
No que se refere à medida articulatória, optou-se por investigar a área relativa à região entre a ponta e a lâmina da língua, como ilustra a Figura 1 . Essa medida quantitativa do ultrassom visa, essencialmente, apreender a presença do gesto relativo ao tepe no interior da sílaba CCV. O valor resultante dessa medida é dado em mm2.
Figura 1 As setas indicam a área mensurada pelo AAA, correspondendo, da direita para a esquerda, à ponta de língua e à lâmina da língua
A gravação ultrassonográfica é composta por diversos frames (imagens) por segundo, o que resulta na visualização do movimento da língua. Optou-se por selecionar um período correspondente a sete frames pelo fato de acreditar-se que é em seu interior que ocorre o ponto máximo de constrição da língua para a produção do tepe, no caso do padrão silábico CCV.
O marco temporal escolhido para todas as palavras cuja primeira consoante era ocupada por plosivas desvozeadas foram os três frames antes e depois do burst, totalizando sete frames. Nas plosivas vozeadas, a referência foi o final da barra de vozeamento, antes do início da vogal. Para as palavras frita e fita, foi utilizado o fim do ruído fricativo, como ponto de referência. Dessa forma, essa seleção corresponde à transição entre a primeira consoante e a vogal subsequente, ou seja, o período que corresponde aos sete frames selecionados (três frames antes e três depois do ponto de referência) é ilustrado na Figura 2 .
Figura 2 Os números que se encontram em janela digAviSplines (a) são relativos aos frames selecionados (7 frames) : o ponto máximo. O período (b) selecionado corresponde ao sinal acústico
Considerando o período de sete frames selecionados, por meio do AAA, selecionou-se automaticamente o frame correspondente ao ponto máximo de constrição para a extração da medida da área.
Foi realizado um tratamento estatístico descritivo (média e desvio padrão) e inferencial dos dados ultrassonográficos por meio do software IBM SPSS Statistics (versão 2.2). Com relação à estatística descritiva, foram extraídos os valores de média, desvio padrão e da área entre a ponta e a lâmina da língua.
Para os valores de área, adotou-se o teste ANOVA para medidas repetidas, sendo que os padrões silábicos (CCV e CV) como variável intraindivíduo e a condição clínica (típico e atípico) dos indivíduos como variável interindivíduo. Estabeleceu-se um nível de significância de α ≤ 0,05 e um intervalo de confiança de 95%.
Todas as crianças com desenvolvimento fonológico atípico foram previamente selecionadas pelas pesquisadoras e, ao produzirem a sílaba CCV, tais sílabas apresentaram simplificação do encontro consonantal.
Dessa forma, das 270 palavras cujo início é formado por CCV, 135 (50%) das realizações das crianças típicas foram avaliadas como CCV. Já as 135 (50%) palavras-alvo produzidas pelas crianças atípicas foram julgadas como CV, isso significa dizer que todas as produções de CCV foram julgadas como simplificadas.
Das 270 palavras-alvo com início CV, 270 (100%) foram julgadas como CV, sendo 135 (50%) no grupo de CTs e 135 (50%) também como CV no grupo de CAs.
Na Tabela 1 , são apresentados os valores, em milímetros2, das médias e dos desvios padrões das medidas de área entre a ponta e a lâmina de língua em função do padrão silábico analisado e da condição clínica das crianças.
Tabela 1 Estatística descritiva (média (x), desvio padrão (±) e coeficiente de variação) para o parâmetro de área entre a ponta e a lâmina da língua dos indivíduos típicos e atípicos. Média de CCV significa uma média dos valores referentes ao padrão silábico CCV e a média de CV significa uma média dos valores obtidos para o padrão silábico CV
Corpus | Crianças Típicas | Crianças Atípicas | ||
---|---|---|---|---|
Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | |
Broa | 340,66 | 134,37 | 539,63 | 191,48 |
Boa | 278,35 | 128,57 | 567,94 | 136,21 |
Prato | 326,64 | 106,6 | 547,31 | 95,58 |
Pato | 261,99 | 113,51 | 536,16 | 127,19 |
Prego | 310,24 | 82,87 | 603,47 | 91,17 |
Pego | 366,45 | 127,86 | 590,45 | 83,43 |
Pressa | 282,18 | 93,52 | 604,52 | 145,43 |
Peça | 292,92 | 116,01 | 599,53 | 116,51 |
Bruxa | 313,21 | 93,02 | 656,92 | 115,76 |
Bucha | 274,89 | 86,4 | 594,48 | 140,99 |
Frita | 346,08 | 124,49 | 651,17 | 131,83 |
Fita | 372,02 | 92,43 | 658 | 108,92 |
Troca | 309,26 | 113,79 | 608,36 | 118,37 |
Toca | 268,37 | 114,53 | 630,27 | 174,82 |
Troco | 335,59 | 114,97 | 589,52 | 146,35 |
Toco | 265,23 | 129,73 | 621,11 | 154,28 |
Grato | 374,52 | 131,06 | 628,68 | 206,04 |
Gato | 387,18 | 152,97 | 725,06 | 166,53 |
Média CCV | 326,49 | 110,52 | 603,29 | 138 |
Média CV | 307,49 | 118 | 613,67 | 134,32 |
Já na Tabela 2 , são apresentados os resultados obtidos pela ANOVA de medidas repetidas, tendo como efeitos principais o padrão silábico e a condição clínica dos indivíduos, bem como a interação entre condição clínica e padrão silábico.
Tabela 2 Valores da ANOVA por medidas repetidas obtidos pelas medidas de área (entre a ponta e a lâmina da língua), bem como os efeitos principais a condição clínica dos indivíduos e o padrão silábico (CCV e CV), bem como a interação entre condição clínica e padrão silábico
Efeitos principais e interações entre os efeitos | Ponta/Lâmina da língua | |
---|---|---|
Padrão silábico | F | F(1,8)=0,19 |
P | 0,658 | |
Condição Clínica | F | F(1,6)=172,48 |
P | 0,000 | |
Interação entre padrão silábico e condição clínica | F | F(1,6)=2,95 |
P | 0,090 |
As CAs produziram as duas sílabas analisadas, CCV e CV, com valores da área (entre ponta e a lâmina da língua) superiores comparativamente aos valores das crianças típicas, como exposto na Figura 3 .
Figura 3 Boxplot da área entre a ponta e a lâmina da língua das crianças típicas e atípicas nos dois padrões silábicos (CV em azul e CCV em verde). O eixo x representa a condição clínica dos indivíduos e no eixo y encontram-se os valores da área entre a ponta e a lâmina da língua
A ANOVA não mostrou nenhum efeito significante no que se refere ao padrão silábico (F(1,8)=0,19, p>0,658), nem para a interação entre condição clínica e padrão silábico (F(1,6)=2,95, p> 0,090). Entretanto, mostrou um efeito significante para a condição clínica das crianças (típica e atípica) (F(1,8)=172,48, p>0,000).
O presente estudo buscou comparar, por meio da ultrassonografia de língua, a produção de padrões silábicos do tipo CCV e CV realizados por crianças brasileiras com desenvolvimento fonológico típico e atípico.
A primeira hipótese assumida foi a de que crianças com desenvolvimento fonológico atípico (simplificação de encontro consonantal) apresentam valores de área, entre a ponta e a lâmina da língua, superiores aos valores apresentados pelas crianças típicas.
Essa hipótese foi corroborada integralmente, na medida em que os valores da área obtidos para as crianças com desenvolvimento atípico foram sempre maiores do que para as crianças com desenvolvimento típico, tanto para a produção de CV quanto para a produção de CCV (ver Tabela 1 ).
Os resultados mostraram que as crianças típicas produzem as sílabas CCV e CV de maneira diferente das produções do grupo de CAs, o que pode ser elucidado pela presença de gestos indiferenciados na produção de CCV. Esses resultados também concordam com a literatura pesquisada(16-19), uma vez que evidenciou diferenças articulatórias na produção de CTs e CAs, podendo estar associada à presença de gestos indiferenciados (GIs) na produção da fala neste último grupo de crianças.
Os GIs, por sua vez, podem estar associados às restrições motoras na fala, presentes em decorrência de atrasos ou desvios no controle dessas regiões da língua no grupo de crianças com dificuldades na produção de CCV. Dessa forma, as CAs possivelmente apresentam GIs, pois as medidas ultrassonográficas indicaram que esse grupo apresenta restrições em diferenciar os gestos de ponta e do corpo anterior da língua.
As crianças com desenvolvimento típico ao realizar as produções fazem uso de articuladores quase independentes, são capazes de produzir padrões linguais bem definidos contra o palato. Diferentemente, as crianças com desenvolvimento fonológico atípico, parecem ser incapazes de diferenciar os gestos de ponta e o corpo anterior da língua(18), realizando assim os GIs. Conforme a interpretação da autora (18), os GIs ocorrem devido às restrições motoras na fala presentes em decorrência de atrasos ou desvios no controle dessas regiões da língua (18).
Hipotetiza-se que as crianças com produções atípicas deste estudo possivelmente apresentam GIs na produção de CCVs, mantendo a língua mais próxima do palato, o que explica as maiores medidas de área entre a ponta e a lâmina da língua independentemente do tipo de padrão silábico. Em outras palavras, essas crianças parecem não coordenar o gesto de ponta e do corpo de língua durante a produção de CCV e CV, o que pode ser interpretado como um uso de maior porção da língua em decorrência dos GIs.
A segunda hipótese assumida foi a de que o padrão silábico do tipo CCV apresentaria maior área se comparado à CV. A hipótese não foi confirmada para nenhum dos grupos de crianças estudadas.
Diferentemente dos estudos que utilizaram a análise acústica para detectar diferenças sutis na comparação de CCV e CV pela medida de duração (2,3), a medida ultrassonográfica relativa à área não foi sensível para detectar os movimentos de língua que diferenciam CCV de CV em ambos os grupos.
Suspeita-se, porém, que a medida de área apreende padrões articulatórios mais globais, não permitindo um detalhamento de regiões específicas da língua, o que justificaria a não diferença entre o padrão silábico CV e CCV.
A medida de área, portanto, permitiu diferenciar padrões articulatórios entre grupos clínicos de crianças, uma vez que apreende informações articulatórias não específicas de uma região da língua.
Assim como a análise acústica evidenciou uma estratégia de produção de fala, não captada pelo ouvido humano que diferencia as crianças típicas das atípicas(12), observa-se que a análise articulatória também detectou diferenças no que se refere à produção fônica entre os grupos, ou seja, acredita-se que as crianças embora não produzam o som ou o padrão silábico alvo, realizam um movimento articulatório para marcar o conhecimento fonológico não captado pelo ouvido.
Os resultados deste estudo apontaram que a análise ultrassonográfica quantitativa, especificamente, a partir da medida da área entre duas regiões anteriores da língua (ponta e lâmina), foi eficaz para diferenciar a condição clínica analisada (no caso, desenvolvimento fonológico típico e atípico). No futuro, sugere-se aplicar esse parâmetro ultrassonográfico em outros grupos clínicos e incluir outras medidas articulatórias que analisem regiões distintas da língua, incluindo, por exemplo, as regiões posteriores da língua.
A ultrassonografia do contorno da língua mostrou ser uma técnica eficaz para a caracterização dos padrões gestuais da produção da fala mais globais, uma vez que permitiu identificar a produção fônica das crianças diagnosticadas com desenvolvimento fonológico atípico contribuindo para o processo diagnóstico deste grupo de crianças.
Por meio da ultrassonografia de língua, buscou-se comparar as diferenças articulatórias na realização de padrões silábicos do tipo CCV e CV realizados por crianças com desenvolvimento fonológico típico e atípico.
Os resultados mostraram que as crianças atípicas produzem as sílabas estudadas com maior área entre a ponta e lâmina de língua se comparadas às produções do grupo de crianças típicas, o que pode ser interpretado, possivelmente, como presença de gestos indiferenciados. Entretanto, as sílabas CCV não apresentaram maior área entre a ponta e a lâmina da língua se comparadas à sílaba CV em nenhum grupo das crianças investigadas (CTs ou CAs).