Compartilhar

Papel das células-tronco derivadas do tecido adiposo na progressão da doença renal

Papel das células-tronco derivadas do tecido adiposo na progressão da doença renal

Autores:

Cassiano Donizetti-Oliveira,
Patricia Semedo,
Marina Burgos-Silva,
Marco Antonio Cenedeze,
Denise Maria Avancini Costa Malheiros,
Marlene Antônia dos Reis,
Alvaro Pacheco-Silva,
Niels Olsen Saraiva Câmara

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.9 no.1 São Paulo jan./mar. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1833

INTRODUÇÃO

Apesar de todos os esforços no tratamento da insuficiência renal aguda (IRA), essa síndrome ainda está associada à alta mortalidade e morbidade. Além disso, apresenta alta incidência e pode afetar cerca de 7% de todos os pacientes hospitalizados, com a taxa de mortalidade estando perto de 50% nos pacientes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)(1). Entre os sobreviventes de IRA em longo prazo (1 a 10 anos), aproximadamente 12,5% são diálise dependente e 19 a 31% desenvolvem doença renal crônica (DRC). Esse cenário pode ser devido a uma incompleta reparação e persistente inflamação túbulo-intersticial, levando a um aumento na proliferação de fibroblastos e ativação de miofibroblastos, resultando em deposição excessiva de matriz extracelular(2). A transição epitélio-mesenquimal (TEM) tem sido sugerida como principal fator no desenvolvimento da fibrose na evolução da IRA para DRC(35).

A TEM pode ser vista como uma resposta adaptativa das células epiteliais após estresse crônico/lesão. Hipóxia, estresse oxidativo e inflamação podem produzir e liberar várias quimiocinas e citocinas que atraem e dirigem o influxo de células inflamatórias para o espaço túbulo-intersticial. Esse infiltrado de células se ativa e produz um mix de fatores solúveis, inclusive pró-inflamatórias, citocinas pró-fibróticas e matriz metalopeptidase 9 (MMP-9)(6), criando um microambiente hostil para células epiteliais e endoteliais. Na fase inicial do processo inflamatório na fibrose renal, citocinas produzidas pelo infiltrado de células, como IL-1, TNF-α e IFNγ, potencializam a tubular TEM desencadeada por TGF-β, induzindo a expressão do receptor de TGF-β(7). TGF-β é o principal fator profibrótico, pois promove proliferação de fibroblastos, síntese de matriz extracelular e inibição da colagenase em múltiplos órgãos, eventos característicos da TEM(89). Ativação de TNF-α NF-kB dependente também estabiliza o fator de transcrição Snail (potente indutor de TEM) bloqueando sua ubiquitinação, proporcionando outro link molecular entre a inflamação e TEM(1011). A importância da inflamação renal em iniciar e promover TEM também é manifestada por muitas observações de que a fibrose renal é quase sempre precedida e intimamente associada à inflamação intersticial crônica(1214).

Células-tronco derivadas do tecido adiposo (CTAd) são células-tronco mesenquimais adultas(15), que são facilmente isoladas, e quando influeciadas pelo meio extracelular, têm a capacidade, in vitro, de se diferenciar em outros tipos celulares, como os adipócitos, miócitos, osteoblas. Elas são conhecidas por secretarem vários fatores de crescimento e, assim, terem efeito citoprotetor em diferentes modelos de lesão(16). Gimble et al. demonstraram que CTAds, quando em um tecido lesado, podem secretar citocinas e fatores de crescimento que estimulam a recuperação e limpeza de substâncias tóxicas liberadas no local da lesão, promovendo a recuperação das células sobreviventes(17). Vários estudos demonstraram que CTAds têm também a capacidade de regular as respostas do sistema imune(18,19). Elas podem suprimir a ativação de células T, pela inibição da expressão de ciclina D2(20), pela indução de células T reguladoras(21) ou por interferência com as células dendríticas(2122). Além disso, CTAds podem agir por meio de um efeito antiapoptótico em células-alvo, aumentando a recuperação da função renal.

Recentemente, terapias com células-tronco têm se revelado uma nova estratégia para reduzir a progressão de doenças renais crônicas. Semedo et al. demonstraram que a administração de células-tronco mesenquimais (CTM) melhorou parâmetros histológicos e funcionais, além de reduzir fibrose em um modelo de ablação renal grave. A proteção renal decorrente da administração de CTM também atenuou a hipóxia crônica, estresse oxidativo e citocinas inflamatórias que levam à TEM e estão presentes durante DRC(23,24). Outros diversos estudos descreveram os efeitos benéficos da administração de CTAd. O tratamento com CTAd leva a uma melhor vascularização(25), regeneração óssea craniana, regeneração da parede cardíaca, reparo da função do miocárdio infartado e melhora funcional de acidente vascular cerebral. Neste estudo, propusemos que a CTAd pode interromper a progressão da fibrose renal em um modelo animal de DRC, por meio da modulação de eventos inflamatórios.

MÉTODOS

Isolamento de CTAd

Tecido adiposo da área inguinal de camundongo foi isolado de camundongos machos C5Bl/6 e digeridos com 0,075% de colagenase IA (Sigma Aldrich, St Louis, MO, EUA) a 37ºC por 30 minutos. Suspensão de células foi filtrada por um filtro de 70 μm (BD Biosciences, San Jose CA, EUA) para remover restos de tecido. Então, colagenase foi inativada com soro fetal bovino (SFB) e a suspensão celular foi lavada com tampão fosfato (PBS) e centrifugada duas vezes, por 5 minutos, a 260 xg cada vez. O pellet formado foi suspenso em 0,84% NH4Cl para remover as células vermelhas do sangue. As células foram lavadas e centrifugadas duas vezes com PBS e cultivadas em garrafas plásticas (TPP, Trasadingen, Suíça) em low-glucose Dulbecco's modified Eagle's medium (DMEM, Gibco, Invitrogen Corporation, Carlsbad, CA, EUA) suplementadas com 10% de soro fetal bovino (Emcare, Campinas, SP, Brasil). As células foram mantidas em cultura por 4 semanas.

Imunofenotipagem das CTAds

Suspensão de CTAds (1 × 105 células) foi incubada por 40 minutos em concentrações saturadas dos anticorpos CD34-FITC, CD105-FITC, CD73-CD45-PE e PerCP e controles (todos os anticorpos foram adquiridos da BD PharMingen Biosciences, San Diego, CA, EUA). Após três lavagens, as células foram centrifugadas a 200 xg durante 5 minutos e o pellet resultante ressuspendido em tampão fosfato (PBS) gelado. A fluorescência celular foi avaliada com a utilização de citômetro de fluxo (FACSCanto, Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA).

Diferenciação das CTAds

As CTAds foram diferenciadas em adipócitos por tratamento com DMEM low, suplementado com 10% de SFB e dexametasona (1 µM), isobutilmetilxantina (0,5 µM), insulina (10 mg/mL) e indometacina (100 µM) por 14 dias.

Diferenciação em osteoblasto as CTAds foram tratadas com SFB DMEM baixa glicose, suplementadas com 10% de dexametasona (0,1 µM), ácido ascórbico (0,2 µM) e fosfato beta-glicerol (10 mM) por 28 dias. Todos os reagentes foram adquiridos da Sigma-Aldrich.

Animal model de CKD

Camundongos fêmeas C57BL/6J, 8 semanas de idade, advindos do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais (CEDEME) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), foram submetidos à isquemia renal unilateral, como descrito por Burne-Taney et al(26). Os animais foram submetidos à incisão abdominal e seu pedículo renal direito foi dissecado. Um clamp microvascular (Rocca, São Paulo, SP, Brasil) foi colocado no pedículo renal esquerdo por 60 minutos, sendo os animais mantidos a temperatura próxima de 37ºC. Os animais foram monitorizados e mantidos por 24 horas, 6 e 10 semanas antes do sacrifício. Animais Sham foram submetidos ao mesmo procedimento cirúrgico, porém não houve clampeamento da artéria renal. Todos os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (CEP processo n.º 1915/2008).

Tratamento com CTAds

Após 4 horas do procedimento cirúrgico, um grupo de animais recebeu intraperitonealmente CTAd e foram sacrificados 24 horas e 6 semanas após a cirurgia. Outro grupo recebeu CTAd intraperitoneal após 6 semanas da cirurgia, e foi sacrificado na 10a semana. Cerca de 2×105 células foram administradas a cada animal.

Avaliação da função renal

A creatinina sérica foi medida pelo método de Jaffé modificado. Ureia sérica foi medida utilizando kit Labtest (Labtest, Lagoa Santa, MG, Brasil).

Morfologia

Os rins dos animais sacrificados na 6a e 10a semana pós-isquemia foram analisados pelas colorações de Masson e Picrosirius. Para os exames histológicos, os rins foram fixados em formol tamponado 10% por 24 horas, lavados com etanol 70% por 24 horas e, em seguida, embebidos em parafina. Os cortes histológicos apresentavam espessura de 4 µm. Para avaliar o grau de expansão do interstício renal, a fração do córtex renal ocupado por tecido intersticial colorado positivamente para componentes da matriz extracelular (colágeno) foi avaliado quantitativamente por Masson por meio de uma técnica de contagem de pontos consecutivos em campos microscópicos, com aumento final de x 100 em uma grade de 176 pontos. Picrosirius foi medido com uma ampliação de 20 x usando o NIS-Element, programa de elementos de microscopia Nikon, com pelo menos 20 campos consecutivos. Necrose tubular aguda (NTA) foi avaliada em cortes de rim corados com hematoxilina-eosina por um revisor cego.

Reação em cadeia da polimerase em tempo real

Amostras de tecido renal foram rapidamente congeladas em nitrogênio líquido. O RNA total foi isolado usando o reagente Trizol (Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA) e concentrações de RNA foram determinadas pelo Nanodrop. Primeiramente, cDNAs foram sintetizados a partir da transcriptase reversa MML-V (Promega, Madison, EUA). Transcriptase reversa e reação em cadeia da polimerase (PCR) foi realizada utilizando TaqMan (Applied Biosystem, EUA) para moléculas: Col-1 (00801666_g1), CTGF (Mm01192931_g1), IL-1β (Mm01336189_m1), IL-4 (Mm00445259_m1), IL-6 (00561420_m1), IL-10 (Mm00439616_m1), iNOS (Mm01309902_m1), HO-1 (Mm00516004_m1), HPRT (Mm00446968_m1), Sry (Mm00441712_s1), TNF-α (Mm00443258_m1), VEGF (Mm01281449-m1) e Vimentina (00449201_m1). Os ciclos seguiram as seguintes condições: 10 minutos a 95ºC seguido por 45 ciclos de 20 segundos cada a 95ºC, 20 segundos a 58ºC, e 20 segundos a 72°C. RT-PCR foi realizado utilizando o SYBR Green PCR em tempo real (Applied Biosystem, EUA) para: HPRT (sense) 5-CTC ATG GAC TGA TTA ACA TGG GGA C-3 (antisense) 5-GCA GGT CAG CAA AGA TAT ACT AGC C-3; BMP-7 (sense) 5-ATT AGA CTT CCA CCC TCG ATA CC-3 (antisense) 5-TCC TTA TAG ATC CTG TCG AAT GCT-3 e TGF-β (sense) 5-AAC TAT TTC TGC AGC TCC ACA GAG A-3 (antisense) 5-TGG AGT ATG GTA GCC TTG G-3. Software de detecção de sequência 1.9 (SDS) foi utilizado para análise, e expressão de mRNA foi normalizada por HPRT. Os valores são expressos em relação a uma amostra de referência (calibrador): amostras dos animais Sham. O Ct (ciclo limite) para o gene alvo e o Ct para o controle interno foram determinados para cada amostra. As amostras foram realizadas em triplicata. A expressão relativa de RNAm foi calculada por 2CT. Todas as amostras experimentais foram expressas como uma diferença n vezes em relação ao calibrador.

Bioplex

O kit Bioplex de ensaio de camundongo com 23 plex de citocinas (Bio-Rad Laboratories, Inc., Hercules, CA, EUA) foi utilizado para testar amostras para a presença de 23 citocinas. O ensaio foi lido sobre o sistema de matriz Bioplex suspensão, e os dados foram analisados utilizando Bioplex software Manager 4.0. Curvas Standard variaram de 32,000 a 1,95 pg/mL.

Imunoistoquímica

Colágeno I (diluído 1:200; COL-1, Abcam, Cambridge, MA, EUA), FSP-1 (diluído 1:400, S100A4, DAKO), PCNA (diluído 1:300; clone PC10, DAKO), e Hypoxyprobe (diluído 1:500; 121 Turnpike Middlesex, Burlington, MA, EUA) foram realizados em cortes histológicos fixados em parafina. Anteriormente, as lâminas foram desparafinizadas, reidratadas e submetidas à solução de recuperação antigênica Tris-EDTA pH 9 a 95°C. Para Hypoxyprobe, a recuperação antigênica foi realizada com tampão citrato 10 mM pH 6 a 55ºC. A atividade da peroxidade endógena foi bloqueada com peróxido de hidrogênio 3%, havendo também o bloqueio com Protein Block Solution (DAKO, Carpinteria, CA, EUA). Em seguida, as lâminas foram incubadas com anticorpo primário ou reagente controle negativo, seguido de incubação com Envision (DAKO), sendo incubações sequenciais de 30 minutos em temperatura ambiente. Coloração foi completada por uma incubação de 1 a 3 minutos com 3,3-diaminobenzidina (DAB) + substrato cromógeno, o que resulta em um precipitado de cor castanha no local do antígeno. Contracoloração com hematoxilina foi realizada. Para análise de hipóxia tecidual, foi administrado por via intraperitoneal HypoxyprobeTM_1 (pimonidazole HCl), na dose de 60 mg/kg de peso corporal, aproximadamente 25 minutos antes do sacrifício. Após a inoculação, HypoxyprobeTM_1 (121 turnpike Middlesex, Burlington, MA, EUA) foi distribuída para todos os tecidos, porém aderiu-se apenas em determinadas proteínas de células que tinham uma concentração de oxigênio inferior a 14 micromolar – o equivalente a uma pressão parcial pO2 = 10 mmHg a 37ºC.

Análise estatística

Os dados foram expressos com média ± SD. As diferenças entre os dois grupos foram avaliadas quanto à significância estatística com teste t de Student e ANOVA, e consideradas significativas para p < 0,05.

RESULTADOS

Isolamento da CTAd e caracterização

CTAds foram caracterizadas por ensaios imunofenotípicos usando alguns marcadores de superfície celular descritos na literatura(20). CD34, CD73, CD105 e CD45 foram avaliados. A expressão de CD73 foi de 24,9 ± 0,9%; CD105: 71,2% ± 19,7; CD34: 6,0 ± 3,8%; CD45: 6,9% ± 1,9. Esses resultados eram esperados em relação ao perfil imunofenotípico descrito para CTAd. Células em primeira passagem foram caracterizadas por diferenciação em adipócitos e osteócitos em ensaios paralelos. Nas células diferenciadas para adipócitos, pôde-se visualizar em vermelho gotículas de lipídios no interior das células coradas com Oil Red. Diferenciação para osteócito foi realizada e, após 28 dias, depósitos de cálcio foram observados por meio da coloração de Von Kossa (dados não mostrados).

Tratamento com CTAd leva à imunomodulação tecidual e sistêmica

Nesse modelo, isquemia e reperfusão grave ocorrem em apenas um rim. No entanto, devido ao longo tempo de isquemia (1 hora), os parâmetros funcionais renais são alterados. Níveis séricos de ureia apresentam-se aumentados nos animais sujeitos à isquemia severa quando comparados aos animais Sham. Tratamento com CTAd apresentou disfunção renal inferior (Figura 1A). Esses resultados foram correlacionados com NTA. Os rins submetidos à isquemia, após 24 horas, apresentaram maior área de necrose (Figura 1B), enquanto NTA foi diminuída nos animais tratados com CTAd. Além disso, o padrão de regeneração foi superior em animais tratados com CTAd (Figuras 1C e 1E) assegurado pela marcação de PCNA (Figuras 1F1H).

Figura 1 Efeitos da administração de células-tronco derivadas do tecido adiposo após 24 horas de isquemia unilateral. 

A inflamação tem um importante papel nos resultados da isquemia e reperfusão renal. Além disso, é sabido que CTAd leva à imunomodulação. Nesse sentido, analisamos a expressão do RNAm de diversas citocinas após o tratamento com CTAd. Expressão de RNAm de IL-6 estava reduzida no tecido renal nos animais tratados com CTAd (Figura 1I). Expressão de RNAm de TNF-α e IL-1β também foi quantificada, mas não foram observadas diferenças estatísticas (Figuras 1J e 1K), embora os animais tratados com CTAd tivessem uma menor expressão. Surpreendentemente, a expressão de RNAm de citocinas anti-inflamatórias IL-4 e IL-10 estava aumentada no tecido renal dos animais tratados com CTAd (Figuras 1L e 1M).

Sistemicamente, encontramos o mesmo padrão imunomodulatório no tecido renal. Citocinas séricas pró-inflamatórias, como IL-1α, IL-1β, KC e IL-12 (p70) foram reduzidas no grupo de animais tratados com CTAd (Figuras 1N, 1P, 1R, 1T). Os níveis de IL-6 e IL-13 também foram avaliados, mas não foram observadas diferenças significantes (Figuras 1O e 1S). Níveis de RANTES também estavam reduzidos nos animais tratados com CTAd (Figura 1T). Neste ensaio multiplex, G-CSF, GM-CSF, IL-12 (p40), MCP-1, MIP-1β e níveis de TNF-α não diferiram dos animais tratados com CTAd dos animais não tratados. Além disso, IL-12, IL-3, IL-4, IL-10, IL-17, MIP-1ª e IFNg não foram detectados.

Para verificar a presença de CTAd dentro dos rins após o tratamento, a expressão do RNAm de SRY foi amplificada por PCR em tempo real (Figura 1U). Não foram detectadas intensidades de RNAm de SRY, indicando a ausência dessas células dentro do tecido nesse tempo de estudo.

CTAd cessa progressão da fibrose decorrente de isquemia severa

Após 6 semanas, neste modelo de isquemia reperfusão, observou-se que o rim submetido à isquemia estava menor quando comparado ao rim contralateral em animais não tratados. Surpreendentemente, o rim isquêmico dos animais tratados com CTAd não se apresentava reduzido (Figura 2A). Apesar disso, o nível de creatinina e de ureia não se alterou com o tratamento com CTAd, provavelmente devido à presença de rim contralateral que, gradualmente, compensa a perda funcional do rim lesado (Figuras 2B e 2C). Esse rim com tamanho reduzido apresentou também uma maior área de fibrose, como demonstrado pelas colorações com tricrômico de Masson e Picrosirius (Figuras 2D, 2E e 2F). Nenhuma fibrose relevante foi observada no grupo Sham.

Figura 2 Efeitos da administração de células-tronco derivadas do tecido adiposo em camundongos após 6 semanas de isquemia unilateral. 

Quantificamos também a expressão do RNAm de algumas moléculas pró-fibróticas a fim de ratificar nossos dados sobre deposição de colágeno. Colágeno tipo 1 (Col-1), vimentina e fator de crescimento do tecido conjuntivo (CTGF) foram avaliados em tecido renal após 6 semanas. Mais uma vez, reduzida expressão de RNAm dessas moléculas foram observadas no tecido renal dos animais tratados com CTAd (Figuras 3A, 3B e 3C). Além disso, para confirmar tais resultados, as análises de proteínas foram realizadas por meio de testes de imunoistoquímica para proteína específica de fibroblastos 1 (FSP-1) e Col-1 (Figura 4).

Figura 3 Expressão de citocinas em soro e tecido renal dos animais sacrificados 6 semanas após a reperfusão. 

Figura 4 Imunoistoquímica do tecido renal após 6 semanas. 

Imunomodulação da inflamação pelas CTAds

Já em 24 horas após isquemia e reperfusão grave, observou-se uma importante modulação da resposta inflamatória nos animais tratados com CTAd. Como essa inflamação reduzida, no ponto de tempo inicial, poderia estar relacionada à progressão da fibrose, temos investigado o padrão inflamatório no interior do rim e sistemicamente, 6 semanas após o tratamento. Além disso, quantificamos algumas moléculas protetoras e angiogênicas relacionadas à reparação tecidual. Em 6 semanas, as expressões no rim de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-6, ainda estavam reduzidas nos animais submetidos à isquemia severa e tratados com CTAd (Figuras 3D e 3E). Além disso, a heme-oxigenase 1 (HO-1) e a razão BMP-7/TGFb estavam aumentadas nos animais tratados com CTAd, em comparação aos animais não tratados (Figuras 3F e 3G). Terapia com CTAd também levou a uma imunomodulação sistêmica. Níveis séricos de citocinas foram reduzidos em animais tratados com CTAd. IL-1α, TNF-α, KC e os níveis de RANTES foram significativamente reduzidos nos animais tratados, quando comparados a animais não tratados (Figuras 3K, 3M, 3N e 3O). IL-6 e outras citocinas (IL-1β e IL-10 e IL-17) não diferiram entre os grupos, embora uma tendência de redução nos animais tratados com CTAd tenha sido observada (Figura 3L e dados complementares).

A hipóxia crônica, devido à rarefação dos capilares, é uma possível teoria para explicar a contínua progressão da fibrose renal, uma vez que baixa pressão de oxigênio é um fator importante para TEM. Assim, analisamos se a hipóxia tecidual foi reduzida no tecido renal, utilizando uma sonda que detecta áreas mais baixas da pO2. Rim isquemiado dos animais tratados com CTAd demonstrou áreas mais baixas de hipóxia (Figura 3J). Além disso, expressão de mRNA iNOS estava aumentada nos rins dos animais tratados com CTAd, apesar de diferenças significativas não terem sido encontradas na expressão de VEGF (Figuras 3H e 3I).

Reversão de fibrose renal após tratamento com CTAd

Testamos o papel da CTAd na reversão de um quadro fibrótico já estabelecido. CTAd foram administradas 6 semanas após a isquemia. Os animais foram observados até a 10a semana. Surpreendentemente, o rim dos animais tratados com CTAd mostrou reduzidas áreas de fibrose, como analisado pela coloração de Picrosirius (Figuras 5C e 5D). Melhora funcional também foi observada e correlacionada à redução dessas áreas de fibrose (Figuras 5A e 5B). Confirmando esses dados, a expressão de RNAm de vimentina estava reduzida nos animais tratados com CTAd, quando comparadas aos não tratados (Figura 6). Expressão de RNAm de colágeno tipo I também estava diminuído nos animais tratados com CTAd, mas não foi observada diferença significativa (Figura 6B). Além disso, o teste de imunoistoquímica para colágeno tipo I e FSP-1 correlacionam com os estudos dos genes observados (Figura 6E). Expressão de mRNA de citocinas protetoras como IL-10 e BMP-7 aumentaram após o tratamento com CTAd (Figuras 6C e 6D). Novamente, apesar dessa melhora funcional e histológica, CTAd não foi encontrada no rim, analisada pela expressão de RNAm de SRY (Figura 6F).

Figura 5 Efeitos da administração de células-tronco derivadas do tecido adiposo na 6ª semana após IRI, analisada após 10 semanas. 

Figura 6 Expressão de citocinas em tecido renal dos animais 10 semanas após a reperfusão. 

DISCUSSÃO

Em 2002, a CTAd foi primeiramente descrita por Zuk et al.(27). Desde então, estudos com CTAd vêm crescendo exponencialmente. Propriedades regenerativas da CTAd são grandes atrativos para muitas doenças(28). Doenças fibroproliferativas chamam nossa atenção, uma vez que a destruição do tecido causada pela deposição de matriz extracelular leva à perda funcional do órgão. Isso é muito importante para os rins, uma vez que o equilíbrio entre células e matriz extracelular determina sua função.

A DRC está emergindo como um problema de saúde mundial. As possíveis terapias para o estágio final de insuficiência renal são, hoje, a diálise e o transplante, as quais, no entanto, não resolvem esse problema(29). Várias comorbidades podem causar DRC, mas um aspecto é sempre esquecido: a persistente inflamação após eventos de IRA(30,31). Inflamação é o principal fator na progressão da fibrose renal. Ela leva à transformação de uma célula epitelial em miofibroblastos, a chamada TEM(4). Se a TEM ocorre in vivo ou não, não é um consenso. No entanto, não é questionável o papel da inflamação na formação da cicatriz.

Apesar da melhora funcional após a lesão renal aguda, uma inflamação residual pode contribuir para o estresse epitelial conduzindo à fibrose. Nesse modelo de isquemia unilateral grave, a inflamação remanescente leva o rim a diminuir de tamanho devido à fibrose cicatricial formada.

O mecanismo principal de ação das células-tronco adultas é imunorregulação(23,24). Isso acontece por um efeito predominantemente parácrino da CTAd, por meio de um fenômeno chamado touch and go, no qual essas células são atraídas para a área de lesão, secretam fatores imunes e depois deixam o tecido e/ou morrem. Isso pode explicar o porquê de as CTAds não poderem ser vistas no rim dos animais tratados.

Neste trabalho, propomos que a CTAd pode inibir EMT, agindo sobre a inflamação. Em 24 horas, os animais tratados com CTAd tiveram um melhor resultado funcional correlacionado a uma imunomodulação, que reflete, após 6 semanas, quando menores áreas de fibrose são observadas.

Em nossos resultados, em 10 semanas de análises, podemos observar que, além de cessar o processo fibrótico, a CTAd pôde reverter esse quadro de fibrose. Isso abre uma incrível oportunidade para tratamento clínico. Focamos, então, nos resultados inflamatórios. Novamente, os animais tratados com CTAd tiveram baixos níveis de inflamação, o que pode refletir na redução da progressão da deposição de matriz extracelular.

Em resumo, propomos aqui que o tratamento com CTAd pode levar a uma parada da progressão ou até mesmo à reversão do processo fibrótico por downregulation da inflamação, via administração sistêmica.

REFERÊNCIAS

1. Mehta RL, Pascual MT, Soroko S, Savage BR, Himmelfarb J, Ikizler TA, et al. Spectrum of acute renal failure in the intensive care unit: the PICARD experience. Kidney Int. 2004;66(4):1613-21.
2. Levy EM, Viscoli CM, Horwitz RI. The effect of acute renal failure on mortality. A cohort analysis. JAMA. 1996;275(19):1489-94.
3. Kalluri R. EMT: when epithelial cells decide to become mesenchymal-like cells. J Clin Invest. 2009;119(6):1417-9.
4. Kalluri R, Weinberg RA. The basics of epithelial-mesenchymal transition. J Clin Invest 2009;119(6):1420-8.
5. Okada H, Inoue T, Suzuki H, Strutz F, Neilson EG. Epithelial-mesenchymal transformation of renal tubular epithelial cells in vitro and in vivo. Nephrol Dial Transplant. 2000;15 Suppl 6:44-6.
6. Strutz F, Neilson EG. New insights into mechanisms of fibrosis in immune renal injury. Springer Semin Immunopathol. 2003;24(4):459-76.
7. Liu X. Inflammatory cytokines augments TGF-beta1-induced epithelial-mesenchymal transition in A549 cells by up-regulating TbetaR-I. Cell Motil Cytoskeleton. 2008;65(12):935-44.
8. Leask A, Abraham DJ. TGF-beta signaling and the fibrotic response. Faseb J. 2004;18(7):816-27.
9. Zeisberg M, Yang C, Martino M, Duncan MB, Rieder F, Tanjore H, et al. Fibroblasts derive from hepatocytes in liver fibrosis via epithelial to mesenchymal transition. J Biol Chem. 2007;282(32):23337-47.
10. Bachelder RE, Yoon SO, Franci C, de Herreros AG, Mercurio AM. Glycogen synthase kinase-3 is an endogenous inhibitor of Snail transcription: implications for the epithelial-mesenchymal transition. J Cell Biol. 2005;168(1):29-33.
11. Wu Y, Deng J, Rychahou PG, Qiu S, Evers BM, Zhou BP. Stabilization of snail by NF-kappaB is required for inflammation-induced cell migration and invasion. Cancer Cell. 2009;15(5):416-28.
12. Guijarro C, Egido J. Transcription factor-kappa B (NF-kappa B) and renal disease. Kidney Int. 2001;59(2):415-24.
13. Segerer S, Nelson PJ, Schlöndorff D. Chemokines, chemokine receptors, and renal disease: from basic science to pathophysiologic and therapeutic studies. J Am Soc Nephrol. 2000;11(1):152-76.
14. Lange-Sperandio B, Trautmann A, Eickelberg O, Jayachandran A, Oberle S, Schmidutz F, et al. Leukocytes induce epithelial to mesenchymal transition after unilateral ureteral obstruction in neonatal mice. Am J Pathol. 2007;171(3):861-71.
15. Zuk PA, Zhu M, Mizuno H, Huang J, Futrell JW, Katz A, et al. Multilineage cells from human adipose tissue: implications for cell-based therapies. Tissue Eng. 2001;7(2):211-28.
16. Bi B, Schmitt R, Israilova M, Nishio H, Cantley LG. Stromal cells protect against acute tubular injury via an endocrine effect. J Am Soc Nephrol. 2007;18(9):2486-96.
17. Gimble JM, Katz AJ, Bunnell BA. Adipose-derived stem cells for regenerative medicine. Circ Res. 2007;100(9):1249-60.
18. Yañez R, Lamana ML, García-Castro J, Colmenero I, Ramírez M, Bueren JA, et al. Adipose tissue-derived mesenchymal stem cells have in vivo immunosuppressive properties applicable for the control of the graft-versus-host disease. Stem Cells. 2006;24(11):2582-91.
19. Fang B, Song Y, Zhao RC, Han Q, Lin Q. Using human adipose tissue-derived mesenchymal stem cells as salvage therapy for hepatic graft-versus-host disease resembling acute hepatitis. Transplant Proc. 2007;39(5):1710- 3.
20. Rasmusson I, Ringdén O, Sundberg B, Le Blanc K. Mesenchymal stem cells inhibit lymphocyte proliferation by mitogens and alloantigens by different mechanisms. Exp Cell Res. 2005;305(1):33-41.
21. Aggarwal S, Pittenger MF. Human mesenchymal stem cells modulate allogeneic immune cell responses. Blood. 2005;105(4):1815-22.
22. Ivanova-Todorova E, Bochev I, Mourdjeva M, Dimitrov R, Bukarev D, Kyurkchiev S, et al. Adipose tissue-derived mesenchymal stem cells are more potent suppressors of dendritic cells differentiation compared to bone marrow-derived mesenchymal stem cells. Immunol Lett. 2009;126(1-2):37-42.
23. Semedo P, Correa-Costa M, Antonio Cenedeze M, Maria Avancini Costa Malheiros D, Antonia dos Reis M, Shimizu MH, et al. Mesenchymal stem cells attenuate renal fibrosis through immune modulation and remodeling properties in a rat remnant kidney model. Stem Cells. 2009; 27(12):3063-73.
24. Semedo P, Palasio CG, Oliveira CD, Feitoza CQ, Gonçalves GM, Cenedeze MA, et al. Early modulation of inflammation by mesenchymal stem cell after acute kidney injury. Int Immunopharmacol. 2009;9(6):677-82.
25. Moon MH, Kim SY, Kim YJ, Kim SJ, Lee JB, Bae YC, et al. Human adipose tissue-derived mesenchymal stem cells improve postnatal neovascularization in a mouse model of hindlimb ischemia. Cell Physiol Biochem. 2006;17(5-6):279-90.
26. Burne-Taney MJ, Yokota N, Rabb H. Persistent renal and extrarenal immune changes after severe ischemic injury. Kidney Int. 2005; 67(3):1002-19.
27. Zuk PA, Zhu M, Ashjian P, De Ugarte DA, Huang JI, Mizuno H, et al. Human adipose tissue is a source of multipotent stem cells. Mol Biol Cell. 2002; 13(12):4279- 95.
28. Zuk PA. The Adipose-derived stem cell: looking back and looking ahead. Mol Biol Cell. 2010;21(11):1783-7
29. Levey AS, Stevens LA, Coresh J. Conceptual model of CKD: applications and implications. Am J Kidney Dis. 2009;53(Suppl 3):S4-16.
30. Rodríguez-Iturbe B, García GG. The role of tubulointerstitial inflammation in the progression of chronic renal failure. Nephron Clin Pract. 2010;116(2):c81-8
31. Wynn TA. Cellular and molecular mechanisms of fibrosis. J Pathol. 2008;214(2):199-210.