versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.2 São Paulo mar./abr. 2018
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.01.003
O zumbido é a percepção auditiva de ruído, que pode assumir muitas formas, tais como zunido, rugido, silvo, sibilo e outros. Apesar da pesquisa completa e extensa, a causa do zumbido ainda não foi determinada. A prevalência do zumbido é significativamente maior em pessoas com deficiência auditiva do que na população com audição normal.1 Pesquisas têm demonstrado que enquanto 10% a 15% da população adulta total sofrem de zumbido, 70% a 85% da população com deficiência auditiva relatam a ocorrência de zumbido. 1,2
Uma diminuição temporária ou permanente dos estímulos auditivos (déficit sensorial) aumenta a sensibilidade dos neurônios subcorticais, resulta na reorganização plástica do córtex auditivo, com subsequente percepção sustentada do zumbido.3 Estudos sobre plasticidade sugerem que um aumento no estímulo auditivo proporcionado pela amplificação sonora externa através do efeito de mascaramento pode induzir plasticidade secundária, ajuda a diminuir o desconforto associado ao zumbido.4 Existe uma correlação significativa entre o zumbido e a perda auditiva em 85% a 96%.5 Portanto, a restauração da audição através de cirurgia ou amplificação por aparelho auditivo pode atenuar o zumbido. O zumbido é um problema comum em pacientes com otite média crônica (OMC). 6,7 Desde que o efeito da timpanoplastia sobre o zumbido foi sugerido pela primeira vez por Helm,8 tem havido poucos estudos que investigaram o desfecho do zumbido após cirurgia da orelha média para otite média crônica simples com zumbido. 6-9 Relatos anteriores mostraram que a cirurgia da orelha média pode melhorar parcialmente o zumbido. No entanto, até agora, nenhum fator influenciador foi determinado para o desfecho do zumbido pós-cirúrgico. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre o gap aéreo-ósseo (GAO) pré-operatório e a evolução do zumbido após a cirurgia de timpanoplastia tipo I.
Esse estudo retrospectivo foi feito em pacientes com OMC e zumbido subjetivo no lado ipsilateral, submetidos à timpanoplastia tipo I sob anestesia local entre janeiro de 2014 e outubro de 2015, todas feitas por um único cirurgião experiente com a mesma técnica (underlay) e uso de fáscia temporal ou pericôndrio, em um hospital universitário terciário. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional. Foram incluídos 75 pacientes com zumbido que tinham mais de seis meses de sintomas de OMC no lado ipsilateral, refratários ao tratamento clínico. Foram acompanhados por pelo menos seis meses no período pós-operatório. Um neotímpano epitelizado intacto sem retração ou lateralização foi considerado como um sucesso. Todos os pacientes foram avaliados por meio de otoendoscopia, audiometria tonal/vocal, questionário com a EVA e o questionário THI para sintomas de zumbido antes e seis meses após a timpanoplastia.
Em relação à EVA, pedimos aos pacientes para atribuir uma pontuação de 0 a 10 para o seu sintoma de zumbido, com a ajuda de uma escala padrão comumente usada para indicar o nível de dor. A avaliação centrou-se na intensidade e desconforto. A EVA é facilmente aplicável e compreendida pela maioria dos pacientes. O uso do THI fortalece a avaliação das reações funcionais, emocionais e catastróficas ao zumbido. A avaliação audiológica por audiometria tonal foi feita antes da timpanoplastia e seis meses após a cirurgia. Foram avaliados a média dos limiares (PTA, do inglês Pure Tone Average) e o GAO em 0,5, 1, 2 e 4 kHz. A atenuação subjetiva do zumbido em 75 pacientes foi investigada antes e após a timpanoplastia de tipo I. A influência da condução óssea (CO) pré-operatória, GAO pré-operatório e GAO pós-operatório no desfecho do zumbido após a operação foi avaliada. Devido à ausência de audiometria de acompanhamento em 20 pacientes, a relação entre a redução do GAO e melhoria do zumbido foi investigada em 55 pacientes. As análises estatísticas foram feitas com o teste t de Student pareado e o teste de correlação de Pearson com o software SPSS.
A idade média dos pacientes foi de 50,7 (11-78) anos, com 24 homens e 51 mulheres. OMC com zumbido foi encontrada na orelha direito em 41 casos e na esquerda em 34 (tabela 1). A tabela 2 mostra o tamanho da perfuração e o tipo de localização. A perfuração anterior moderada foi mais comum. A duração média do zumbido foi de 29,55 meses. A relação entre o nível de CO pré-operatória e a melhoria do zumbido foi avaliada por EVA. Os pacientes foram divididos em dois grupos com base no limiar de CO pré-operatório de menos de 25 dB (n = 50) ou mais de 25 dB (n = 25). A melhoria pós-operatória do zumbido em ambos os grupos mostrou significância estatística (tabela 3). A relação entre o GAO pré-operatório e a melhoria do zumbido apresentou resultados diferentes, dependeu do grau de GAO pré-operatório (menor ou maior do que 15 dB). A melhoria subjetiva foi avaliada por EVA e pelo THI. Pacientes com GAO pré-operatório inferior a 15 dB não apresentaram melhoria pós-operatória no zumbido com a EVA (p = 0,889) e o THI (p = 0,802). Entretanto, pacientes com GAO pré-operatório maior do que 15 dB apresentaram melhoria estatisticamente significante no zumbido pós-operatório com EVA (p < 0,01) e THI (p = 0,016) (tabela 4). Os limiares pós-operatórios de condução aérea (CA) e CO apresentaram melhoria significativa (tabela 5). A tabela 6 mostra alterações pós-operatórias significativas no GAO e zumbido em relação ao estado pré-operatório. No grupo com GAO pré-operatório maior do que 15 dB, 55 pacientes foram avaliados em relação ao PTA pós-operatório. A média do GAO pré-operatório foi de 17,9 dB e a média do GAO pós-operatório foi de 14,4 dB. O resultado audiológico mostrou melhoria significativa (p < 0,01). Além disso, o zumbido pós-operatório apresentou melhoria significativa em comparação com o zumbido pré-operatório com a EVA (p = 0,006). No entanto, a correlação entre a redução no escore da EVA e o GAO (fig. 1) ou entre a redução no escore do THI e o GAO (fig. 2) não foi significativa.
Tabela 1 Dados demográficos dos pacientes
Idade | 50,7 (11-78) anos |
Sexo (M:F) | 24:51 |
Local da lesão (TD: TE) | 41:34 |
Tabela 2 Tipo e localização da perfuração nos pacientes
Tamanho | Localização | Pacientes | Total |
---|---|---|---|
Pequeno | Anterossuperior | 7 | 29 |
Anteroinferior | 15 | ||
Posterossuperior | 2 | ||
Posteroinferior | 5 | ||
Moderado | Anterior | 21 | 32 |
Posterior | 2 | ||
Inferior | 9 | ||
Grande | Central | 11 | 11 |
Quase total | Central | 3 | 3 |
Tabela 3 Relação entre as alterações pós-operatórias no zumbido e o estado pré-operatório de CO
CO < 25 dB (n = 50) | CO > 25 dB (n = 25) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Pré-op média ± DP | Pós-op média ± DP | p-valor | Pré-op média ± DP | Pós-op média ± DP |
p-valor |
||
EVA | 2,7 (± 1,4) | 1,7 (± 2,0) | 0,008 | 3,7 (± 2,3) | 2,8 (± 2,8) | 0,015 |
Teste t de Student pareado.CO, condução óssea; EVA, escala visual analógica.
Tabela 4 Relação entre alterações pós-operatórias no zumbido e o estado pré-operatório de GAO
Grupo A (n = 23) | Grupo B (n = 52) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Pré-op média ± DP | Pós-op média ± DP | p-valor | Pré-op média ± DP | Pós-op média ± DP | p-valor | ||
EVA | 2,8 (± 2,3) | 2,7 (± 3,0) | 0,889 | 3,1 (± 1,5) | 1,8 (± 1,9) | < 0,01 | |
THI | 18,6 (± 23,6) | 20,0 (± 29,5) | 0,802 | 17,7 (± 21,4) | 9,7 (± 16,4) | 0,016 |
Grupo A, GAO pré-operatório < 15 dB; Grupo B, GAO pré-operatório > 15 dB.EVA, escala visual analógica; GAO, gap aéreo-ósseo; THI, tinnitus handicap inventory.Teste t de Student pareado.
Tabela 5 Alterações pós-operatórias e pós-operatórias em CA, CO (n = 55)
Pré-operatória | Pós-operatória | p-valor | |
---|---|---|---|
AC | 39,2 dB | 32,6 dB | < 0,01 |
BC | 21,2 dB | 18,2 dB | 0,001 |
Teste t de Student pareado.CA, condução aérea; CO, condução óssea.
Tabela 6 Relação entre GAO pré-operatório e pós-operatório e alteração no zumbido
Pré-op | Pós-op | p-valor | |
---|---|---|---|
GAO | 17,9 | 14,4 | < 0,01 |
EVA | 3,0 | 2,1 | 0,006 |
Teste t de Student pareado.EVA, escala visual analógica; GAO, gap aéreo-ósseo.
Figura 1 Correlação não significante entre melhoria do zumbido pela escala visual analógica (EVA) e ganho auditivo. Coeficiente de correlação de Pearson p = 0,139.
O zumbido subjetivo é mais comum do que o tipo objetivo. Pode ser causado por uma condição anormal na cóclea, no nervo coclear, na via auditiva ascendente ou no córtex auditivo.10
Qualquer fator otológico reversível, inclusive a OMC, deve ser tratado. Desde que Helms8 sugeriu que os sintomas subjetivos de zumbido podiam ser reduzidos após a cirurgia da orelha média em OMC com zumbido, poucos estudos 7-9,11-14 demonstraram a melhoria subjetiva do zumbido após cirurgia de orelha média. No entanto, os resultados mostraram variação que dependia do tipo de cirurgia ou do estado patológico da orelha média. Neste estudo, estudamos a relação entre a alteração no zumbido subjetivo e a timpanoplastia do tipo I. Nossos resultados mostraram melhoria do zumbido após a timpanoplastia de tipo I, semelhantemente a outros relatos. Kim et al.9 relataram que a melhoria média da CA correlacionou-se em média com a melhoria significante do zumbido, mas a média do GAO ou da CO não apresentou mudança significativa no zumbido. Entretanto, nossos resultados não foram semelhantes aos de Kim et al.9 No presente estudo, o zumbido melhorou após a cirurgia, independentemente do nível pré-operatório de CO maior ou menor do que 25 dB. A relação entre a melhoria pós-operatória do GAO e a redução do zumbido apresentou significância. No entanto, o GAO pré-operatório menor do que 15 dB não apresentou melhoria no zumbido. Quando o GAO pré-operatório foi maior do que 15 dB, a timpanoplastia foi eficaz na melhoria do zumbido. Esses resultados foram diferentes daqueles relatados por Lima et al.,7 em que o desconforto da perda auditiva foi maior do que o causado pelo zumbido em todos os momentos considerados. No presente estudo, os pacientes com GAO pré-operatório menores do que 15 dB se queixaram mais do zumbido do que da perda auditiva no período pré-operatório. Um relato anterior mostrou que a timpanoplastia geralmente melhorou o limiar tonal e levou a resultados favoráveis do zumbido através da restauração da mecânica da orelha média.15 Entretanto, a timpanoplastia não foi eficaz para a melhoria do zumbido no grupo com perda auditiva pré-operatória mais leve (GAO < do que 15 dB). Nossos resultados indicam que a possibilidade de melhoria do zumbido após a timpanoplastia é muito baixa nesses casos. Portanto, pacientes com OMC com perda auditiva mais leve podem ser encaminhados para o tratamento do zumbido com terapia sonora ou outros métodos após a cirurgia durante a entrevista pré-operatória. Uma explicação para isso seria que talvez em pacientes com perdas auditivas mais leves o zumbido possa trazer mais desconforto na vida diária em comparação com pacientes com perdas auditivas maiores.16
Del Bo e Ambrosetti4 sugeriram dois mecanismos através dos quais o zumbido pode ser melhorado pela restauração da audição. Primeiro, um nível aumentado de ruído ambiente percebido após a restauração da audição induz ao mascaramento parcial ou completo do zumbido e, segundo, as mudanças no sistema nervoso auditivo causadas pela privação de estímulo podem ser revertidas através da estimulação sonora apropriada. A melhoria do zumbido após a timpanoplastia tem sido relatada de forma positiva na literatura. Lima et al.7 e Baba et al. mostraram que 83% dos 23 pacientes e 55% dos 324, respectivamente, apresentaram melhoria do zumbido após a cirurgia, mas os relatos anteriores não investigaram profundamente a possível relação entre o zumbido e a audição. Recentemente, Kim et al.8 relataram que a restauração do limiar da CA foi um dos fatores mais importantes que contribuíram para a melhoria do zumbido. No presente estudo, o GAO pré-operatório mostrou-se um preditor importante do desfecho do zumbido após a timpanoplastia. Que seja de nosso conhecimento, pela primeira vez, o papel do GAO pré-operatório foi identificado como preditor para o desfecho do zumbido após a timpanoplastia. Embora haja uma redução do GAO pela melhoria do limiar da CA após a cirurgia, se o GAO pré-operatório for menor do que 15 dB, talvez o paciente possa não perceber a atenuação do zumbido. No presente estudo, embora o zumbido tenha melhorado com o ganho pós-operatório na audição, em pacientes cujo GAO pré-operatório era maior do que 15 dB a correlação entre a redução nos escores EVA ou THI após a operação e a melhoria auditiva não foi estatisticamente significativa. Esse dado foi semelhante aos de relatos anteriores. 7,9 Segundo Kim et al.,9 a razão pelo qual a correlação entre a melhoria do zumbido e a melhoria auditiva não se mostra significante é decorrente de causas multifatoriais do zumbido, inclusive a estabilidade emocional após a timpanoplastia. A limitação deste estudo é o pequeno tamanho da amostra e o desenho retrospectivo.
O GAO pré-operatório pode ser um preditor do desfecho do zumbido após a timpanoplastia em pacientes com OMC e zumbido.