versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.5 São Paulo set./out. 2019 Epub 07-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.04.012
Na Itália, o carcinoma de células escamosas de laringe (CCEL) tem uma incidência anual de sete casos por 100.000 habitantes (AIOM 2016) e, de acordo com dados reportados pelo ISTAT, o Instituto Italiano de Estatística, 1.548 pacientes morreram devido ao CCEL em 2013. A maioria dos pacientes tinha entre 60 e 80 anos e a razão homens/mulheres variou de 4:1 a 20:1, com base nos históricos dos casos.1
Até hoje, a taxa de sobrevida relativa em cinco anos na Itália é de 68,9% (67,7% -70,2%), superior à média europeia (58,9%), que é significativamente afetada pela variabilidade geográfica e particularmente por uma menor taxa de sobrevida observada nos países da Europa Oriental.
Vários fatores de risco estão envolvidos na patogênese do CCEL, os dois principais são indiscutivelmente o consumo de cigarros e o de álcool.2
O tratamento da CCEL precisa de uma estratificação precisa de risco, para que se possa escolher a terapia mais adequada, prever todos os possíveis desfechos clínicos. Além disso, o conhecimento dos fatores prognósticos pós-cirúrgicos pode afetar positivamente as estratégias pós-operatórias e aumentar a taxa de sobrevida dos pacientes.3
Mais especificamente, o significado prognóstico da margem de ressecção (MR) ainda é uma questão controversa,4 se considerarmos os resultados contraditórios obtidos em vários estudos sobre a taxa de sobrevida de pacientes com MR positiva, especialmente após serem submetidos à radioterapia adjuvante.5-7
O principal objetivo deste estudo foi avaliar o papel prognóstico da MR em termos de sobrevida e risco de recorrência do tumor primário (T) através da análise de sobrevida.
Foi feita uma coleta retrospectiva de dados de 139 pacientes com CCEL, internados e tratados em nosso departamento entre 1º de janeiro de 2007 e 30 de abril de 2014. A aprovação para este estudo retrospectivo foi obtida do comitê de ética local (nº 11/2017).
Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação clínica completa, inclusive videolaringoscopia com fibra óptica, exames de sangue de rotina, teste de função pulmonar, radiografia e/ou tomografia computadorizada (TC) de tórax, TC cervical com e sem contraste.
O diagnóstico de CCEL foi confirmado através de biópsia feita durante a microlaringoscopia de suspensão. Os indivíduos excluídos do nosso estudo foram aqueles tratados com cirurgia robótica transoral ou com metástases distantes conhecidas, ou com tumores malignos de células não escamosas, ou que não puderam ser submetidos ao procedimento cirúrgico completo.
O estadiamento de câncer usado foi o critério TNM aprovado pelo American Joint Committee on Cancer (AJCC) (2010).8
As indicações cirúrgicas para laringectomia horizontal parcial aberta (do inglês open partial horizontal laryngectomy [OPHL], tipos I, IIa e IIb) ou laringectomia total consideraram pacientes com CCEL cT1-4aN0-2cM0, que concordaram em ser tratados cirurgicamente; em 134 (96,4%) pacientes, a laringectomia envolveu dissecção cervical seletiva (DCS) mono e bilaterais nos níveis II, III e IV. Todos os pacientes submetidos à cirurgia parcial, e que apresentaram recidiva, foram submetidos à laringectomia total de resgate. Dos 71 indivíduos que tinham indicações para terapia adjuvante, oito não a receberam devido a contraindicações (por exemplo, doença cardíaca, hepática, renal e outras).
Os relatos sobre os achados histopatológicos para cada amostra obtida durante a cirurgia incluíram uma descrição macroscópica precisa, que especificou o local anatômico da amostra, dimensões e características de cada amostra, localização do tumor com uma descrição das estruturas anatômicas envolvidas, uma descrição do procedimento DCS, se feito, que especificou o número e o tamanho dos linfonodos encontrados e o envolvimento, se houvesse, das estruturas anatômicas adjacentes, como a glândula submandibular, o músculo esternocleidomastóideo e a veia jugular.
As características diagnósticas/microscópicas também incluíram o tipo histológico, grau e tamanho do tumor; a presença ou ausência de invasão perineural vascular também foi assinalada, bem como a infiltração de estruturas anatômicas específicas para os diversos sítios.
A avaliação das MR, adequadamente suturadas, foi feita em amostras obtidas por exérese. As margens foram classificadas como “livres” (sem tumor na margem ou próxima a ela), “próximas” (tumor a menos de 5 mm da margem de corte) ou “comprometidas” (tumor na margem de corte).9 Uma margem comprometida ou próxima foi considerada positiva; uma margem livre foi classificada como negativa.
As variáveis relatadas no conjunto de dados para cada paciente foram sexo, idade, classificação do tumor, pT, pN, técnica cirúrgica adotada, status da MR, radioterapia e/ou quimioterapia pós-operatória; as datas das intervenções cirúrgicas, detecção de recorrência, último check-up e morte causada pelo tumor sob observação também foram incluídas.
A idade foi expressa como média e desvio-padrão. Outras variáveis categóricas foram expressas como números e porcentagens. A sobrevida doença-específica (SDE) foi calculada com o método de Kaplan-Meier. Os modelos de razão de riscos proporcionais de Cox foram usados para avaliar os fatores prognósticos independentes e para o DSE. Fatores significantes obtidos com o modelo de razão proporcional de risco univariada de Cox foram incluídos no modelo de razão de riscos proporcionais de Cox multivariado, exceto para T, que foi excluído devido à multicolinearidade. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante. A análise estatística foi feita com o software STATA.
Fizemos uma análise retrospectiva dos dados de uma coorte de 139 pacientes (tabela 1), 128 homens e 11 mulheres (razão entre os sexos = 11,6:1); a idade dos indivíduos incluídos no estudo variou de 42 a 87 anos (média de 63,49 ± 10,25), com maior média de idade observada (t = 2,28; p = 0,023) nos homens (64,07 ± 10,22 anos) em comparação às mulheres (56,81 ± 8,44 anos). Dos pacientes, 45,32% (63/139) foram submetidos à laringectomia total, enquanto os demais foram submetidos à laringectomia parcial; particularmente. Em 47 casos (33,81%), uma OPHL tipo I foi feita em 24 (17,27), Tipo IIa e Tipo IIb em cinco (3,6%).
Tabela 1 Resumo das características clínicas da coorte
Nº | % | Nº | % | ||
---|---|---|---|---|---|
Idade | |||||
Sexo | |||||
M | 128 | 92,08 | < 65 | 74 | 53,23 |
F | 11 | 7,92 | ≥ 65 | 65 | 46,77 |
pT | pN | ||||
T1 | 6 | 4,32 | N0 | 91 | 65,46 |
T2 | 29 | 20,86 | N1 | 19 | 13,66 |
T3 | 54 | 38,85 | N2b | 11 | 7,91 |
T4a | 50 | 35,97 | N2c | 13 | 9,35 |
Nx | 5 | 3,62 | |||
Grau | MR | ||||
G1 | 20 | 14,38 | Livre | 102 | 73,39 |
G2 | 71 | 34,53 | Próxima | 21 | 15,1 |
G3 | 48 | 51,09 | Comprometida | 16 | 11,51 |
Tipo de laringectomia | Terapia adjuvante | ||||
OPHL Tipo I | 47 | 33,81 | Não | 66 | 47,49 |
OPHL Tipo IIa | 24 | 17,27 | RT | 10 | 7,19 |
OPHL Tipo IIb | 5 | 3,6 | RT+QT | 63 | 45,32 |
Total | 63 | 45,32 |
OPHL, laringectomia parcial horizontal aberta; QT, Quimioterapia; RT, Radioterapia.
O estadiamento anatomopatológico mostrou um tumor localmente avançado (T3-T4a) em 104 pacientes (74,82%), seis casos (4,32%) de carcinoma T1 e 29 (20,86%) do tipo T2. A DCS foi feita em 134 indivíduos; e em cinco casos não foi considerada necessária, dadas as características clínicas dos pacientes.
As margens de ressecção estavam livres em 73,39% das amostras, enquanto em 21 pacientes (15,1%) o estadiamento anatomopatológico identificou uma das margens próxima; finalmente, em 16 indivíduos (11,51%) foi encontrada uma presença microscópica de células neoplásicas em uma das margens de uma amostra obtida por meio de exérese.
Após o procedimento cirúrgico, nenhuma terapia adjuvante foi administrada a 66 pacientes; 10 indivíduos (7,19%) foram submetidos a radioterapia pós-operatória exclusiva, enquanto 63 (45,32%) receberam quimioterapia concomitante. Além disso, entre os indivíduos com MR próxima, nove casos (42,85%) receberam terapia adjuvante; a mesma terapia foi dada a 13 (81,25%) dos 16 pacientes com margem comprometida. Todos os 43 pacientes N+ foram submetidos à radioterapia pós-operatória e apenas quatro casos (9,3%) não receberam quimioterapia concomitante.
Com exceção de 14 casos, em que o seguimento pós-operatório ocorreu após um período menor do que 12 meses, todos os demais pacientes foram acompanhados por um período médio de 59,44 ± 28,65 meses (variação = 12-122).
Apenas seis pacientes (4,31%) apresentaram recidiva, a qual ocorreu em 83,33% desses pacientes no primeiro ano de seguimento. Desses, dois tinham sido submetidos à laringectomia total, um a OPHL Tipo I e três a OPHL Tipo IIa. A MR era livre em dois casos, próxima em três e comprometida em um caso. Três dos pacientes com recidiva localizada morreram durante o período de acompanhamento, cinco, 11 e 23 meses após o diagnóstico de recidiva.
A mortalidade na coorte, avaliada pela SDE, foi 99,24% após um ano, 92,4% após três anos e 85,91% em cinco anos.
A tabela 2 mostra as características dos pacientes que morreram durante nosso estudo. Seis indivíduos (37,5%) tinham sido submetidos à OPHL Tipo I, quatro (25%) à OPHL Tipo IIa e seis (37,5%) à laringectomia total. Em 56,25% dos casos, os exames anatomopatológicos mostraram metástases linfonodais, enquanto um carcinoma tipo T4a foi observado em 87,5% dos indivíduos; em média, a morte ocorreu dentro de um período de 31,93 ± 18,89 meses após a cirurgia.
Tabela 2 Características dos pacientes que morreram durante o seguimento
N | Sexo | Idade | Grau | pT | pN | Tipo de laringectomia | MR | RT/QT | Recidiva | Sobrevida (meses) |
Cause of Death |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | M | 60 | 2 | 2 | 0 | OPHL Tipo IIa | Livre | Não | Não | 28 | Metástase a distância |
2 | M | 62 | 3 | 3 | 2b | OPHL Tipo IIa | Livre | Sim | Não | 42 | Metástase a distância |
3 | M | 60 | 3 | 4a | 2b | OPHL Tipo IIa | Comprometida | Sim | Não | 38 | Metástase a distância |
4 | M | 69 | 3 | 4a | 2b | OPHL Tipo IIa | Comprometida | Sim | Não | 44 | Metástase a distância |
5 | F | 55 | 2 | 2 | 2b | OPHL Tipo 1 | Próxima | Sim | Não | 47 | Metástase a distância |
6 | M | 63 | 2 | 3 | 1 | OPHL Tipo 1 | Livre | Sim | Não | 77 | Metástase a distância |
7 | M | 70 | 1 | 3 | 2c | OPHL Tipo 1 | Livre | Sim | Não | 13 | Metástase a distância |
8 | M | 51 | 3 | 3 | 0 | OPHL Tipo 1 | Livre | Sim | Não | 32 | Metástase a distância |
9 | M | 57 | 2 | 3 | 2c | OPHL Tipo 1 | Comprometida | Sim | Não | 36 | Metástase a distância |
10 | M | 69 | 2 | 4a | 0 | OPHL Tipo 1 | Próxima | Sim | Sim | 33 | Metástase a distância |
11 | M | 84 | 1 | 4a | - | Total | Livre | Não | Sim | 13 | Recidiva periestomal e metástase a distância |
12 | M | 87 | 3 | 4a | 0 | Total | Livre | Não | Sim | 32 | Recidiva periestomal e metástase a distância |
13 | M | 70 | 3 | 4a | 2b | Total | Livre | Sim | Não | 14 | Metástase a distância |
14 | M | 64 | 2 | 4a | 2c | Total | Livre | Sim | Não | 2 | Metástase a distância |
15 | M | 75 | 2 | 4a | 1 | Total | Próxima | Sim | Não | 36 | Metástase a distância |
16 | M | 72 | 3 | 4a | 2c | Total | Livre | Sim | Não | 12 | Metástase a distância |
Com relação ao pN, 37,5% dos pacientes classificados como N2b-2c foram a óbito durante o período de acompanhamento, assim como 10,52% dos casos N1 e 4,39% dos casos N0. Mais especificamente, um dos pacientes classificado como N2b-2c faleceu durante o 1º ano de acompanhamento, três entre o 2º e o 3º ano e cinco entre o 4º e o 5º ano.
Como mostrado na tabela 3, uma análise multivariada de todas as covariáveis (sexo, idade, grau, pT, pN, tipo de cirurgia, status da MR, terapia adjuvante e recorrência) mostrou um aumento na taxa de mortalidade (figs. 1 A-B) apenas com relação à pN (HR = 5,043; p = 0,015) e recidiva (HR = 11,586; p = 0,012). A MR não foi considerada um preditor independente (HR = 0,757; p = 0,653); em vez disso, não parece estar associada ao risco de recorrência (p = 0,052).
Tabela 3 Análise de sobrevida da coorte
Desfecho = Mortalidade | ||||
---|---|---|---|---|
Covariável (a) | Análise univariada (HR) | Análise multivariada (HR) | ||
Sexo | ||||
M vs. F | HR = 1,563 | p = 0,666 | HR = 1,211 | p = 0,863 |
Idade | ||||
1º ou 2º tercil vs. 3º tercil | HR = 2,484 | p = 0,070 | HR = 1,434 | p = 0,518 |
Grau | ||||
G3 vs. G1-2 | HR = 1,651 | p = 0,321 | - | - |
Estágio T | ||||
T2-3 vs. T1 | HR = 4,12e+08 | - | - | - |
T4a vs. T1 | HR = 1,09e+09 | p < 0,0001 | - | - |
Estágio N | ||||
N2b-2c vs. N0-1 | HR = 7,352 | p < 0,0001 | HR = 5,043 | p = 0,015 |
Tipo de laringectomia | ||||
OPHL Tipo I ou OPHL Tipo IIa ou Total vs. OPHL Tipo IIb | HR = 1,69e+15 | - | - | - |
MR | ||||
Positiva vs. negativa | HR = 1,443 | p = 0,477 | HR = 0,757 | p = 0,653 |
Terapia adjuvante | ||||
RT/QT vs. Sem terapia adjuvante | HR = 0,162 | p = 0,005 | HR = 0,209 | p = 0,062 |
Recidiva local | ||||
Recidiva vs. sem recidiva | HR = 6,591 | p = 0,004 | HR=11,586 | p = 0,012 |
Um conhecimento mais profundo da embriologia, anatomia e função da laringe permitiu o desenvolvimento de uma gama mais ampla de procedimentos cirúrgicos para o tratamento do CCEL, mas ainda hoje as escolhas feitas por um cirurgião otorrinolaringológico durante uma cirurgia, ou as conclusões alcançadas por equipes multidisciplinares, inclusive oncologistas e radioterapeutas, são inevitavelmente afetadas por múltiplos fatores, alguns dos quais não podem ser levados em consideração na fase pré-operatória.
As margens de ressecção estão incluídas entre esses fatores e têm sido o foco de inúmeros estudos, os quais tentaram avaliar sua confiabilidade, do ponto de vista oncológico. Uma MR positiva é geralmente seguida, também de acordo com a condição clínica do paciente, por um aumento da exérese e/ou um tratamento pós-operatório de radioquimioterapia, com o objetivo de reduzir o risco de recorrência localizada.10
Apesar do exposto, e como demonstração da complexidade do assunto, alguns estudos não identificaram menor risco de recidiva e/ou pior sobrevida em pacientes com margem negativa, comparados a pacientes com MR positiva que não haviam recebido terapia adjuvante, mas que apenas foram acompanhados de perto.11,12
O papel potencial da MR como um preditor independente de sobrevida ainda é debatido, uma vez que não há dados definitivos disponíveis que levem em consideração a heterogeneidade dos casos de CCEL do ponto de vista de estadiamento e biomolecular.
Uma observação atenta dos principais achados dos estudos analíticos mostrados na tabela 4 indica, acima de tudo, que os casos apresentados pelos diversos autores citados não têm um denominador comum, em termos de tipo de procedimento cirúrgico e extensão local de uma neoplasia; a metade dos estudos citados, de fato, relata procedimentos cirúrgicos parciais e totais (em alguns casos, também por endoscopia) na laringe, inclusive amostras com pT1-4. Em alguns casos, a MR foi avaliada em pacientes submetidos à cirurgia de resgate após falha da radioterapia.6
Tabela 4 Revisão de literatura sobre o papel prognóstico da MR
Autores | Ano | Amostra | Laringectomia | T | R1% | R0% | Recorrência | SG | SLD | SDE | Análise |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bradford et al. | 1996 | 159 | Parcial e total | T1-T4 | 15,72 | 84,28 | ns | ns | ns | - | Multi |
Naudè et al. | 1997 | 182 | Parcial e total | T1-T4 | 45,06 | 54,94 | 0,02 | - | - | ns | Uni |
Bron et al. | 2000 | 69 | LPSC | T1-T4 | 11,59 | 88,41 | ns | - | - | < 0,006 | Multi |
Sessions et al. | 2002 | 200 | Parcial e total | T3 | - | - | - | - | - | 0,04 | Uni |
Dufour et al. | 2004 | 118 | LPSC | T3 | 2,54 | 94,92 | < 0,001 | - | - | - | Uni |
Gallo et al. | 2004 | 253 | LPSC | T1-T4 | 15,82 | 84,18 | 0,06 | ns | - | - | Multi |
Yu et al. | 2006 | 65 | Parcial e total | T3 | - | - | - | ns | - | - | - |
Sun et al. | 2009 | 63 | LPSC e TCHEP | T1-T4 | 17,46 | 82,54 | 0,028 | ns | - | - | Multi |
Liu et al. | 2009 | 221 | Parcial e total | T1-T4 | 17,65 | 82,35 | - | 0,015 | 0,001 | - | Multi |
Soudry et al. | 2010 | 29 | Parcial e total | T1-T4 | 41,37 | 58,63 | - | 0,035 | ns | - | Multi |
Karatzanis et al. | 2010 | 1314 | Parcial e total | T1-T4 | 9,3 | 90,7 | - | < 0,001 | - | - | Multi |
Liu et al. | 2013 | 183 | Parcial | - | - | - | - | < 0,05 | - | - | Multi |
Zhang et al. | 2013 | 205 | Parcial e total | T1-T4 | 15,1 | 84,9 | - | < 0,001 | - | - | Multi |
Page et al. | 2013 | 175 | LPSC | T1-T3 | 9,14 | 90,86 | ns | 0,0001 | - | - | Multi |
Basheeth et al. | 2014 | 75 | Total | T1-T4 | 16 | 84 | < 0,001 | 0,03 | - | 0,05 | Multi |
De Virgilio et al. | 2016 | 35 | Total | T1, T2 | 0,85 | 99,15 | - | - | - | ns | Multi |
Eskiizmir et al. | 2017 | 85 | Parcial e total | T3, T4 | 12,9 | 87,1 | ns | ns | ns | ns | Multi |
LPSC, laringectomia parcial supracricoide; R0, margem negativa; R1, margem positiva; TCHEP, tráqueo-cricohioide-epiglotepexia.
A prevalência de MR positiva foi observada entre 1% e 45%, variou, na maioria dos casos, entre 10% e 17%, um percentual apenas um pouco abaixo dos 26,6% encontrados em nossa coorte.
A recidiva não foi reconhecida por todos os autores como associada à MR, independentemente do tipo de procedimento cirúrgico adotado; dos nove estudos em que essa associação foi analisada, cinco não encontraram significância estatística, enquanto em um caso essa associação foi encontrada apenas em relação aos tumores do tipo T3-4, não em estágios iniciais ou intermediários;13 de maneira análoga, nosso estudo também não encontrou uma análise estatisticamente válida (p = 0,052).
No entanto, vale a pena ressaltar que, entre os nossos pacientes, os dois únicos casos de recidiva localizada com margem livre ocorreram em pacientes submetidos à laringectomia total para T4a (a DCS não foi feita em um caso), não seguida de terapia adjuvante, dada a idade dos pacientes, maior do que 80 anos. Como, além disso, houve recidiva periestomal, semelhante ao descrito por Basheeth et al., a MR pode não ter tido relevância.14
Em relação à análise de sobrevida feita por muitos autores, com cálculo das curvas de sobrevida geral (SG), SDE e sobrevida livre de doença (SLD), novamente não há interpretação unânime quanto ao significado prognóstico da MR. Cerca de metade dos autores não encontrou diferença estatisticamente significante nas curvas de sobrevida entre os indivíduos com MR positiva ou negativa.5,15-20 Outros, pelo contrário, como Karatzanis et al. e Page et al., corroborados pela alta significância estatística observada (p ≤ 0,0001), identificaram a MR como fator prognóstico independente.21-23
Nosso estudo estaria de acordo com os resultados do primeiro grupo, mesmo que apenas em relação à SDE, uma vez que a SG não pôde ser avaliada, pois não foi possível coletar adequadamente as informações necessárias para esse subtipo de curva de sobrevivência. Em relação à SDE, apenas Bron et al. e Sessions et al. encontraram uma diferença estatisticamente significante entre MR positivas e negativas, mesmo no estudo de duas coortes inteiramente diferentes (a primeira consistia em pacientes que haviam sido submetidos à laringectomia parcial supracricoidea (LPSC) para T1-4 e a última incluiu também pacientes que haviam sido submetidos à laringectomia total, mas apenas para tumores T3).24,25
Alguns autores optaram por analisar a razão entre a margem e SLD, ou seja, o tempo decorrido entre o procedimento cirúrgico e a recidiva da neoplasia; apenas Liu et al. observaram efeito significante (p < 0,05) da MR, relacionado com a taxa de sobrevida supracitada.26
De acordo com os resultados de nossa análise estatística, que coincidiram com a maioria dos estudos citados, o pN resultou em um fator prognóstico independente, 37,5% dos pacientes N2b-2c foram a óbito durante o período de seguimento (HR = 5,043; p = 0,015).
Além da natureza retrospectiva do estudo, que pode não incluir certos fatores de confusão, os quais poderiam influenciar os resultados, nosso estudo apresenta outros pontos fracos. Em primeiro lugar, a falta de significância de certas covariáveis poderia ser influenciada pelo tamanho da coorte e pelo número relativamente pequeno de eventos (mortes) observados; no entanto, como mostrado na tabela 4, parece evidente que cerca de metade dos autores citados relatou uma amostra de tamanho pequeno. Segundo, mesmo que a literatura esteja repleta de estudos que avaliam o papel da MR como fator prognóstico, inclusive pacientes submetidos à cirurgia laríngea aberta, mas também transoral, reiteramos que os dados da análise de sobrevida a respeito de uma única técnica precisam ser fornecidos, porque a escolha da cirurgia é geralmente influenciada pelo estadiamento TNM e pode indiretamente afetar o prognóstico.
As discrepâncias observadas na comparação de dados disponíveis na literatura com os resultados obtidos a partir da análise de nossa coorte de pacientes não nos permitem tirar conclusões definitivas sobre a relação da MR com o prognóstico dos pacientes com CCEL.
Isso é amplamente explicado por uma série de pontos críticos e metodológicos, intrinsecamente ligados à definição e interpretação das MR. A avaliação das MR é o ponto de chegada de um processo multinível que envolve vários profissionais e que inclui vários aspectos no campo oncológico. Esses aspectos, por sua vez, podem ser afetados por múltiplas variáveis, que nem sempre podem ser levadas em conta, e que não são, acima de tudo, explicitamente relatadas em estudos científicos.
Nosso estudo não identificou a MR como fator prognóstico independente (HR = 0,757; p = 0,653); a maioria dos artigos publicados anteriormente não apresenta escolhas metodológicas unânimes e as coortes de pacientes analisados não são fáceis de comparar, devido às diferentes fases de estadiamento e ao tipo de laringectomia feita, consideram, diferentemente de outros autores, os critérios de seleção particularmente rígidos.
Para chegar a uma concordância consensual em relação ao valor prognóstico das MR, portanto, seria necessário fazer uma metanálise em estudos rigorosamente sobrepostos, no que diz respeito à definição, metodologia e às escolhas terapêuticas pós-operatórias. Outra possibilidade que deve ser considerada é a busca de marcadores genéticos em uma margem, para ajudar a prever o risco de recorrência e/ou sobrevida do paciente com maior precisão, tem-se assim uma ferramenta confiável, para um manejo pós-operatório mais efetivo.27