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Papilomavírus humano (HPV) em carcinomas de cavidade oral e orofaringe na região central do Brasil

Papilomavírus humano (HPV) em carcinomas de cavidade oral e orofaringe na região central do Brasil

Autores:

Guilherme Petito,
Megmar Aparecida dos Santos Carneiro,
Sílvia Helena de Rabello Santos,
Antonio Marcio Teodoro Cordeiro Silva,
Rita de Cassia Alencar,
Antonio Paulo Gontijo,
Vera Aparecida Saddi

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.1 São Paulo jan./fev. 2017

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.01.004

Introdução

O câncer de cabeça e pescoço (CCP), inclusive os carcinomas de cavidade oral e orofaringe, constitui o sexto tipo mais comum no mundo, com uma estimativa anual de 633 mil casos novos e 355 mil óbitos.1 No Brasil, houve 15.290 CCPs em 2014 (11.280 casos em homens e 4.010 em mulheres).2

Os carcinomas orais e de orofaringe são responsáveis por mais de 80% do número total de casos de CCP3 e o carcinoma de células escamosas (CCE) é o tipo histológico mais comum, representa mais de 90% dos casos. O prognóstico para esses tumores é, em sua maior parte, pessimista, com baixa sobrevida após cinco anos, algo em torno de 58%.4,5

Idade, gênero e estadiamento do tumor no sistema TNM, inclusive a extensão do tumor, presença de metástases para linfonodos e metástases a distância, são os principais fatores prognósticos para os carcinomas de cavidade oral e orofaringe.6 Além disso, o grau histológico e a expressão de marcadores moleculares (p16, pRb e Ki-67) permitem melhor compreensão do comportamento e da evolução do tumor.68

Em geral, o tratamento de CCEs da cavidade oral e orofaringe é feito por cirurgia ou radioterapia, isoladamente ou em associação, e também pode incluir o uso da quimioterapia como opção para aumentar as probabilidades de cura.9 Estudos sugerem que, para os CCEs de cavidade oral e orofaringe positivos para HPV, o tratamento com cirurgia e radioterapia adjuvante é uma opção tão boa como o tratamento radioterápico definitivo, com ou sem quimioterapia.9,10

Tabagismo e consumo de álcool são considerados os principais fatores de risco para o câncer de cavidade oral e orofaringe.911 No entanto, com a intensificação das campanhas contra o fumo e o álcool, o papel do HPV nos carcinomas de cavidade oral e orofaringe cresceu em importância nos últimos anos.11,12 Um número crescente de estudos fala em favor da hipótese de uma associação entre HPV e os carcinomas de cavidade oral e orofaringe.1014

HPV é uma infecção sexualmente transmitida; portanto, fatores como um início precoce da vida sexual, grande número de parceiros sexuais, a prática do sexo desprotegido e do sexo oral foram incluídos como fatores de risco para infecção por esse vírus na mucosa da cavidade oral e orofaringe.15 Já foi demonstrado o crescimento da incidência de carcinomas de cavidade oral e orofaringe em associação com HPV em jovens.1416

A prevalência do HPV em CCEs de cavidade oral e orofaringe é o enfoque de diversos estudos

por todo o mundo e HPV16 é considerado como o genótipo mais prevalente e relevante na epidemiologia desses carcinomas.13,1720

Este estudo teve por objetivo investigar a prevalência e distribuição genotípica do HPV16 e do HPV18 nos carcinomas de cavidade oral e orofaringe, além de sua possível associação com as características clínicas dos tumores.

Método

Tipo de estudo e casuística

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o nº 13580613.5.0000.0031/2014. Trata-se de um estudo retrospectivo transversal que usou dados coletados de prontuários clínicos e analisou blocos de parafina que continham amostras de carcinomas de cavidade oral e orofaringe. Em princípio, a seleção foi feita mediante a análise dos prontuários do Departamento de Patologia no Hospital e foram incluídos apenas pacientes com diagnóstico histológico de CCE da cavidade oral e orofaringe. Inicialmente, foram selecionados 312 casos de CCE diagnosticados de 2005 e 2007. Os pacientes medicados com quimioterapia/radioterapia antes da cirurgia foram excluídos, o que resultou em 108 casos. Os blocos de parafina dos 108 casos foram histologicamente examinados e amostras com quantidade exígua de tumor foram excluídas; assim, terminamos com 82 casos selecionados para a extração do DNA e detecção de HPV DNA.

Extração do DNA

O DNA genômico foi purificado a partir de amostras tumorais em formalinas, com inclusão em parafina. Essas amostras foram desparafinadas em xilenol e lavadas em etanol, em conformidade com protocolo padronizado. O DNA foi isolado pelo uso do kit comercial Wizard (Promega). A presença e a integridade do DNA foram verificadas pela amplificação de um fragmento com 99 pares de base (pb) de gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (GAPDH), pelo uso da reação de polimerase em cadeia (PCR).

Detecção de HPV DNA

HPV DNA foi detectado por PCR. O conjunto de primers empregado foi SPF 1/2 (fragmento curto de PCR). SPF 1/2 amplifica um fragmento de 65 pb da região L1 do genoma de HPV. Esse conjunto de primers permite a detecção de 39 HPVs de alto e baixo risco oncogênico: 6, 11, 13, 18, 26, 30, 31, 33 34, 35, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 58, 59, 61, 52, 64, 66, 67, 68, 69, 70, 72, MM4, MM7, 73,74, MM8. Os genótipos detectados por SPF1/2 são aqueles que infectam a membrana mucosa.13 A PCR com primers SPF 1/2 foi feita em um volume final de reação de 25 µL, com a adição de 2 µL de DNA purificado, 2,5 mM/L de MgCl2, 2 mM/L de cada desoxirribonucleotídeo (dNTPs), 2,5 µM/L de cada primer de oligonucleotídeo, 0,25 U de Taq Polymerase (Invitrogen, Brasil) e água ultrapura em quantidade suficiente para o volume final. As condições de ciclagem foram: pré-aquecimento durante um minuto a 94 ºC, seguido por 40 ciclos de: um minuto a 94 ºC, um minuto a 45 ºC e um minuto a 72 ºC, com uma extensão final de cinco minutos a 72 ºC. Foram empregados controles positivo e negativo em cada reação.

Genotipagem do HPV16 e 18

Fizemos genotipagem de HPV16 e HPV18 por PCR para todos os tumores positivos para HPV. Foram usados dois conjuntos de primers que amplificam parte da região E7 de cada genoma de HPV.21 Para o genoma de HPV16, o amplicon apresenta 104 pb. A PCR com primers de HPV16 foi efetuada em um volume final de reação de 25 µL, com 2 µL de DNA purificado, 2,5 mM/L de MgCl2, 2 mM/L de cada desoxirribonucleotídeo (dNTPs), 2,5 µM/L de cada primer de oligonucleotídeo, 0,25 U de Taq Polymerase (Invitrogen, Brasil) e água ultrapura em suficiente quantidade suficiente para o volume final. As condições de ciclagem foram: pré-aquecimento durante um minuto a 94 ºC, seguido por 40 ciclos de um minuto a 94 ºC, um minuto a 45 ºC e um minuto a 72 ºC, com uma extensão final de cinco minutos a 72 ºC. A PCR com primers de HPV18 foi efetuada em um volume final de reação de 25 µL, com 5 µL de DNA purificado, 2,5 mM/L de MgCl2, 2 mM/L de cada desoxirribonucleotídeo (dNTPs), 2,5 µM/L de cada primer de oligonucleotídeo, 1,25 U de Taq Polymerase (Invitrogen, Brasil) e água ultrapura em suficiente quantidade suficiente para o volume final. As condições de ciclagem foram: pré-aquecimento durante três minutos a 94 ºC, seguido por 35 ciclos de um minuto a 94 ºC, um minuto a 53 ºC e um minuto a 72 ºC, com uma extensão final de três minutos a 72 ºC.

Análise estatística

Todos os dados dos pacientes foram transcritos para planilhas do programa Microsoft Excel®. Os dados clínicos e histológicos do grupo, bem como a presença de genoma de HPV e genótipos de HPV16 e 18, foram analisados com a aplicação do teste exato de Fisher e do teste do qui-quadrado. Valores de p≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. Foram empregados controles positivo e negativo em cada reação.

Resultados

Características clínicas e histológicas: selecionamos um grupo de 82 casos de CCE da cavidade oral e orofaringe e avaliamos tais casos com respeito às características clínicas e histológicas (tabela 1). Entre os pacientes, 78% eram homens. Em sua maioria, os pacientes (54,9%) estavam situados na faixa abaixo dos 59 anos e 62,2% estavam casados. Registramos fatores de risco como tabagismo (78%) e consumo de álcool (70,8%) na maioria do grupo. Nos prontuários clínicos não havia registro de dados associados ao comportamento e orientação sexuais, bem como o número de parceiros sexuais em toda a vida, idade de início da atividade sexual e prática de sexo oral.

Tabela 1 Análise das características clínicas e histológicas dos pacientes com carcinomas de cavidade oral e orofaringe 

Todos os casos (n = 82)
Variável n %
Gênero
Mulheres 18 22,0
Homens 64 78,0
Idade no diagnóstico
Média 58
≤ 59 45 54,9
≥ 60 37 45,1
Estado civil
Solteiros 15 18,2
Casados 51 62,2
Outros 16 19,6
Fumante?
Sim 64 78,0
Não 18 22,0
Consumo de álcool?
Sim 58 70,8
Não 24 22,0
Localização do tumor
Cavidade oral 39 47,6
Orofaringe 43 52,4
Estadiamento
I/II 14 17,1
III/IV 68 82,9
Tamanho do tumor
T1 e T2 35 42,7
T3 e T4 47 57,2
Metástase para linfonodos
Sim 42 51,2
Não 40 48,8
Metástases a distância
Sim 01 1,2
Não 81 98,8
Grau histológico
Baixo 13 15,8
Moderado/alto 69 84,2
Óbito registrado
Sim 28 34,1
Não 54 65,9

HPV e a genotipagem de HPV DNA foram detectados em 21 casos (25,6%; IC de 95%, 16,9-36,6), dos quais 33,3% eram HPV16 e 14,3% eram HPV18. A tabela 2 descreve as características clínicas dos casos positivos e negativos para HPV. Entre as 21 amostras positivas para HPV, 47,4% estavam localizadas na cavidade oral e 52,6% na orofaringe. Considerando o estadiamento clínico para os tumores positivos para HPV, 4,8% estavam nos estágios I/II, enquanto que 95,2% estavam nos estágios III/IV. Foram detectadas metástases em linfonodos em 42,9% dos casos positivos para HPV e em 57,4% dos casos negativos para o vírus (p = 0,08). Não foram detectadas metástases a distância em casos positivos para HPV, enquanto que uma metástase a distância foi descrita nos casos negativos para HPV (p = 0,46). Com respeito ao grau histológico, 85,7% dos casos positivos para HPV demonstravam grau de diferenciação moderado a alto. Foi registrado um número maior de óbitos no grupo negativo para HPV (39,3%) vs. grupo positivo para HPV (19,1%), embora essa diferença não tenha sido estatisticamente significativa (p = 0,11). Com relação à genotipagem do HPV, sete amostras (33,3%) estavam positivas para HPV16, enquanto que três amostras (14,3%) estavam positivas para HPV18. No presente estudo, não foram detectadas diferenças significativas entre tumores positivos para HPV16 e para HPV18.

Tabela 2 Análise das características clínicas e histológicas dos pacientes negativos para HPV e positivos para carcinomas de cavidade oral e orofaringe 

HPV (-) (n = 61) HPV (+) n = 21)
Variável n % n % pa
Gênero
Mulheres 15 24,6 03 14,3 0,38
Homens 46 75,4 18 85,7
Idade no diagnóstico
Média 60 53 0,31
≤ 59 31 50,8 14 66,7
≥ 60 30 49,2 07 33,3
Localização do tumor
Cavidade oral 29 47,5 10 47,4 1,00
Orofaringe 32 54,5 11 52,6
Estadiamento
I e II 13 21,3 1 4,8 0,10
III e IV 48 78,7 20 95,2
Tamanho do tumor
T1 e T2 26 42,6 09 33,3 1,00
T3 e T4 35 57,4 12 66,7
Metástase para linfonodos
Sim 35 57,4 07 42,9 0,08
Não 26 42,6 14 57,1
Metástases a distâncias
Sim 01 1,6 00 0,00 0,46
Não 60 98,4 21 100,0
Grau de diferenciação
Baixo 10 16,4 03 14,3 1,00
Moderado/alto 51 83,6 18 85,7
Óbitos registrados
Sim 24 39,3 04 19,1 0,11
Não 37 60,6 17 80,9
Tratamento
Apenas cirurgia 24 39,5 03 14,3 0,32
Cirurgia + radioterapia 14 22,9 08 38,1
Radioterapia + quimioterapia 09 14,7 03 14,3
Outros 14 22,9 07 33,3
Tipo de HPV
HPV16 07 33,3
HPV18 03 14,3
Outros 11 42,4

aTodos os valores de p foram calculados com o teste exato de Fischer.

Discussão

Neste estudo, que analisou 82 casos de CCE da cavidade oral e orofaringe diagnosticados em um centro de referência para tratamento do câncer na região central do Brasil, detectamos HPV DNA em 21 casos (25,6%), dos quais 33,3% eram HPV16 e 14,3% eram HPV18. Esses resultados falam em favor da hipótese de que um subgrupo de carcinomas da cavidade oral e orofaringe está relacionado ao HPV.1218 Na última década, foram demonstradas mudanças significativas na epidemiologia dos carcinomas de células escamosas de mucosa da cabeça e pescoço, com um número crescente de casos relacionados ao HPV.122 Além do tabaco e do consumo de álcool, HPV parece ser um fator de risco importante para o desenvolvimento de CCEs da cavidade oral e orofaringe. A prevalência de HPV DNA no câncer de orofaringe (CO) varia, a depender do estudo, e até 84% de casos foram associados à infecção pelo HPV.19

A associação entre infecção pelo HPV e CCE da cavidade oral e orofaringe enfatiza a importância da introdução de testes moleculares específicos nas práticas de prevenção do câncer oral, para que se possa avaliar a presença do vírus e a possibilidade da expansão da vacina anti-HPV na população masculina.23,24

No presente estudo, 54,9% dos pacientes tinham menos de 59 anos. Diversos estudos descrevem faixas etárias dos pacientes com carcinoma da cavidade oral e orofaringe similares às descritas em nosso estudo.25,26 Em um estudo feito na Itália, a idade mediana foi de 65,6 anos.18 O acúmulo de exposições a vários fatores de risco durante toda a vida, como o tabagismo e o alcoolismo, contribui para a prevalência mais alta desses tumores em pacientes com idade mais avançada.6 Estudos demonstraram que houve um aumento importante dos cânceres de cabeça e pescoço associados ao HPV, em homens com menos de 50 anos, inclusive os carcinomas de célula escamosa da cavidade oral e orofaringe, em homens com menos de 50 anos.27 Em um período de 20 anos, a prevalência relativa do carcinoma de célula escamosa da cavidade oral (CCEO) avançou de menos de 20% para mais de 70% nos Estados Unidos e em alguns países da Europa.2830 Nos pacientes positivos para HPV avaliados em nossa série, 66,7% dos casos estavam abaixo da média de idade (59 anos). Em sua maioria, os casos de carcinoma da cavidade oral e orofaringe foram observados em homens (78%). Diferentes autores já relataram previamente essa informação; contudo, em diferentes países da Europa foi observada uma tendência crescente na incidência de carcinomas de orofaringe em mulheres.929

Tabagismo e consumo de álcool são descritos como os principais fatores de risco para carcinomas da cavidade oral e orofaringe.1131 O presente estudo confirmou a elevada frequência de fumantes (78%) e consumidores de bebidas alcoólicas (70,8%) no grupo. Embora não sendo totalmente considerado como fator prognóstico, o carcinoma da cavidade oral e orofaringe associado ao tabagismo e ao alcoolismo tende a ser mais agressivo.1 O uso do tabaco e do álcool pode induzir o CCE da cavidade oral e orofaringe mediante a agressão infligida em extensas áreas, o que resulta no fenômeno conhecido como cancerização de campo, que se caracteriza por alterações moleculares nas células de reserva, o que, por sua vez, leva à formação do campo epitelial alterado.26 Esse campo sofre expansão e se estende sobre a superfície da membrana mucosa, o que aumenta a possibilidade de formação de um novo carcinoma.32,33

O perfil de pacientes com carcinoma da cavidade oral e orofaringe associado com ao HPV tende a ser caracterizado por um grupo de pacientes mais jovens, com menos de 60 anos, não fumantes ou fumantes ocasionais, não consumidores de álcool ou com um comportamento sexual mais promíscuo; contudo, esses dados são controversos.34,35 Uma limitação importante de nosso estudo é a ausência de dados pertinentes ao comportamento sexual dos pacientes. Considerando que este é um estudo retrospectivo, esses dados não estavam nos prontuários médicos. Embora tenhamos descrito um percentual mais elevado de pacientes com menos de 59 anos no grupo positivo para HPV (66,7%), em comparação com o grupo negativo para esse vírus (50,8%), essas diferenças não foram estatisticamente significativas. Resultados similares com relação à faixa etária foram descritos em dois estudos feitos nos Estados Unidos.13,14 Em nosso estudo, a média de idade para pacientes positivos para HPV foi mais baixa, 53 anos, em comparação com o grupo negativo para HPV, que foi de 60 anos. Um estudo feito na Colômbia confirma a baixa idade média de pacientes positivos para HPV com carcinomas da cavidade oral e orofaringe.12 Em nosso estudo, não observamos associações significativas entre a presença de HPV e a ausência de hábitos como o tabagismo e o consumo de álcool, o que concorda com outros estudos.618

O prognóstico para carcinomas da cavidade oral e orofaringe é incerto e de difícil previsão.4 A identificação de fatores que podem ajudar na escolha do melhor tratamento e na previsão da evolução do tumor e também da sobrevida do paciente se reveste de evidente importância clínica. Ao que parece, o CCE da cavidade oral e orofaringe positivo para HPV apresenta um prognóstico mais favorável quando o câncer é tratado com cirurgia e radioterapia adjuvante, ou com radioterapia, acompanhada ou não de quimioterapia final.10 Em nosso estudo, limitações na coleta de dados não permitiram uma análise de sobrevida associada à terapia empregada. Uma revisão sistemática destaca a importância da avaliação de pacientes com carcinomas orofaríngeos relacionados ao HPV, para que se possa escolher a melhor terapia, visto que esses carcinomas associados ao vírus demonstram características moleculares distintas, em comparação com os carcinomas negativos para HPV.9 Mas até o momento são poucos os estudos que descrevem uma associação direta entre tratamento, presença do genoma de HPV e sobrevida.9,10

Alguns estudos descreveram um prognóstico melhor para carcinomas da cavidade oral e orofaringe positivos para HPV, inclusive em casos de tumores bem diferenciados, com menor risco de metástases aos linfonodos e de metástases a distância.936 Em nosso estudo, essas características foram observadas; contudo, a diferença entre os grupos não foi significativa. Metástases a distância não foram descritas no grupo positivo para HPV, embora apenas um caso de tumores negativos para o vírus tenha se apresentado com metástases a distância. Com relação à presença de metástases aos linfonodos, observamos menor percentual dessa ocorrência nos tumores positivos para HPV (42,9% vs. 57,4%); esse achado sugere melhor prognóstico para esses tumores. Contudo, tais diferenças não foram estatisticamente significantes.

HPV16 e HPV18 são descritos como os genótipos mais prevalentes em carcinomas da cavidade oral e orofaringe e sua associação com esses carcinomas parece ser relevante.14 Neste estudo, das 21 amostras positivas para HPV, HPV16 foi descrito em 33,3% e HPV18 em 14,3% dos tumores. A descrição da prevalência de HPV16 e 18 em carcinomas da cavidade oral e orofaringe é importante, para que se possa prever o impacto da vacinação sobre esses tumores, pois ambos os genótipos são os alvos principais das vacinas bivalentes (16/18) e tetravalentes (11/16/18/6).1527 No presente estudo, não foram descritas diferenças significantes com relação ao estadiamento e casos de óbito dos pacientes, ao serem comparados os casos positivos e negativos para HPV16 e 18.

Artigos recentemente publicados enfatizam que as campanhas de vacinação constituem solução eficiente para o controle de carcinomas associados a HPV.1537 Com relação a essa conexão, e considerando a elevada prevalência de HPV nos carcinomas da cavidade oral e orofaringe em homens, é extremamente importante que essa campanha também seja estendida ao grupo masculino.

Em nosso estudo, a presença de HPV foi detectada em 25,6% dos casos, com inclusão dos tipos 16 e 18, o que nos fez concluir que HPV também está associado ao desenvolvimento de carcinomas da cavidade oral e orofaringe. Este estudo sofre de uma importante limitação com respeito relação aos dados clínicos e comportamentais dos pacientes. Nos prontuários médicos, havia escassez de tais informações, como comportamento sexual, higiene oral, histórico de doenças sexualmente transmitidas, seguimento dos pacientes etc. Essas dificuldades são inerentes aos estudos retrospectivos, visto que os pesquisadores dependem exclusivamente das informações presentes nos prontuários médicos – que frequentemente se encontram perdidos, estão incompletos ou são pouco claros.2030

Por tudo isso, sugerimos a feitura de um estudo prospectivo com uma coleta de dados mais eficiente e com seguimento dos pacientes, o que permitirá uma pesquisa mais acurada e completa, com maior número de casos provenientes de diferentes centros oncológicos no país, com o objetivo de aprofundar o conhecimento da carcinogênese pelo HPV em carcinomas da cavidade oral e orofaringe.

Conclusões

Nosso estudo confirma a maior prevalência de HPV DNA em carcinomas de cavidade oral e orofaringe, especialmente em homens (78%), com média de 58 anos e alta frequência de fumantes e consumidores de bebidas alcoólicas.

A prevalência do genoma de HPV DNA nas amostras analisadas foi de 25,6% e entre os casos positivos 33,3% eram HPV16 e 14,3% eram HPV18, o que sublinha a associação do HPV de alto risco na carcinogênese da cavidade oral e orofaringe.

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