versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.11 Rio de Janeiro 2018 Epub 23-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00158017
La Salud Mental Global es un campo de enseñanza, investigación y práctica, cuya prioridad es mejorar el acceso y asegurar la equidad en el cuidado en salud mental para todas las personas del mundo, proponiendo acciones especialmente en países de renta media y baja, como Brasil. Ante el actual panorama mundial, y considerando el avance local de los procesos de reforma sanitaria y psiquiátrica, es importante investigar el estado actual de la literatura brasileña y su relación con la Salud Mental Global, describiendo de qué forma la producción nacional aborda asuntos centrados en este campo. De este modo, adoptando un enfoque cualitativo y una perspectiva descriptiva, se realizó una revisión integradora de la literatura existente durante el período de 2014-2015, mediante una investigación bibliográfica en portugués e inglés, utilizando los términos salud mental y Brasil, combinados con palabras-clave correspondientes a los principales temas discutidos por parte de autores sobre Salud Mental Global. Se encontraron 88 artículos evaluados según su autoría, periódicos, regiones de publicación y metodología, de acuerdo con las categorías de análisis y acceso: atención primaria, atención psicosocial, determinantes sociales de la salud, derechos humanos y equidad. Se constató que existe en la producción científica nacional un conjunto de estudios muy rico y diversificado, con paralelismos con la literatura de la Salud Mental Global, pero que presenta un bajo índice de sistematización. Estos hallazgos revelan, por tanto, que, a pesar de los esfuerzos para la generación de conocimiento local, existen barreras que, posiblemente, comprometen la participación brasileña en el debate internacional sobre esta cuestión.
Palabras-clave: Determinantes Sociales de la Salud; Salud Mental; Salud Global; Revisión
A Saúde Mental Global é um campo de ensino, pesquisa e prática, cuja prioridade é melhorar o acesso e assegurar equidade do cuidado em saúde mental para todas as pessoas do mundo 1. A agenda da Saúde Mental Global fomenta diagnósticos situacionais, propostas metodológicas de pesquisa e avaliação, o enfrentamento da lacuna assistencial e a defesa dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e seus familiares em nível global 2,3,4,5,6,7,8. Indica também o acompanhamento de pessoas na comunidade pelos serviços e profissionais de atenção primária, o uso de intervenções baseadas em evidências científicas, em caráter colaborativo, próximas às características locais, e escalonáveis como estratégias de intervenção para a ampliação do acesso à saúde 3,4,5,6,7,8.
Outro aspecto da Saúde Mental Global é o esforço para congregar parceiros internacionais num amplo movimento social (movement for global mental health) de modo a fortalecer a saúde mental, as iniciativas de pesquisa e de elaboração de práticas de cuidado 9,10,11. Estudos apontam que os déficits na oferta de serviços de saúde mental refletem, parcialmente, importantes lacunas no conhecimento científico sobre a prestação desses cuidados em contextos de recursos insuficientes, bem como o pequeno volume de estudos em saúde mental voltados às populações que vivem em regiões de baixa e média renda (low and middle income countries - LMIC) 12.
Tal situação perpetuaria as desigualdades de saúde e implicaria menos oportunidades para a pesquisa. A urgência em estabelecer uma plataforma de partilha científica e uma agenda de investigação, como alguns autores defendem, fomentaria uma base de evidências que poderia orientar o planejamento estratégico e a implementação de intervenções, integrando aspectos culturais locais à prática assistencial dos serviços de atenção primária 12,13.
Torna-se importante investigar como essa agenda de pesquisas e intervenções tem repercutido no Brasil ou, no sentido contrário, pode estar sendo influenciada pela produção acadêmica e por políticas de saúde brasileiras. O caso brasileiro é singular, pois, mesmo sendo um LMIC, não se justificaria aplicar as mesmas medidas indicadas para países africanos e asiáticos, uma vez que, diferentemente destes, o Brasil dispõe de um sistema de saúde nacional estruturado, o Sistema Único de Saúde (SUS) 14. A estruturação do SUS resulta dos processos históricos da Reforma Sanitária e reorientação do modelo de atenção primária e, no campo da saúde mental, da Reforma Psiquiátrica e substituição dos manicômios por serviços comunitários amparados na Lei nº 10.2016/2001 e outras diretrizes de atuação integrada na Rede de Atenção Psicossocial.
A experiência brasileira tem exigido a criação e aprimoramento de políticas e práticas de cuidado que garantam o direito social à saúde em todas as suas dimensões. Ademais, o campo da saúde mental no Brasil é produto de um conjunto diverso e complexo de influências 14, com tradição no debate e nas práticas sanitárias locais, que acompanham as transformações no modelo de atenção experimentadas internacionalmente. Todavia, constata-se que as pesquisas brasileiras em saúde mental, embora auxiliem na compreensão da reforma assistencial, não têm ainda diversidade e abrangência suficientes para construir indicadores de saúde, ressaltar acertos e corrigir deficiências do sistema 15,16.
Considerando que o estímulo à produção científica, avaliações sistemáticas e amplas auxiliam nos processos decisórios e no avanço das Reformas Sanitária e Psiquiátrica 15,16,17, explorar como o debate travado internacionalmente se reflete na produção acadêmica brasileira pode fornecer subsídios aos pesquisadores, gestores e profissionais para dialogar criticamente com o campo da Saúde Mental Global.
Assim, com o objetivo de caracterizar o estado atual da literatura brasileira sobre saúde mental e sua relação com o campo da Saúde Mental Global, este artigo busca descrever como a produção nacional aborda argumentos, propostas, políticas e práticas reiterados na Saúde Mental Global, tais como aumento do acesso, redução da lacuna de tratamento e da desigualdade, combate ao estigma e a produção de evidências.
Este estudo adota abordagem qualitativa, natureza descritiva e método de revisão integrativa de literatura realizado por meio da pesquisa bibliográfica. Optou-se pela revisão integrativa por ela ser abrangente e permitir combinar dados da literatura teórica e empírica, bem como incluir estudos experimentais e não experimentais para se alcançar ampla compreensão do fenômeno analisado. Assim, essa metodologia proporciona a síntese de conhecimento, a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática, além de possibilitar a geração de um panorama consistente e compreensível de conceitos complexos, teorias ou problemas de saúde relevantes 18.
Para começar o mapeamento do campo e identificar a produção científica brasileira, foram feitas consultas-teste nas bases SciELO, BIREME/BVS e PubMed. Inicialmente, utilizaram-se as palavras-chave “saúde mental global” e “global mental health”, empregadas em modo busca avançada nos seguintes campos: título, resumo e assunto. Adicionou-se o termo “Brazil” para aumentar a especificidade da estratégia de busca a fim de garantir que os resultados encontrados em bases internacionais fossem referentes ao contexto brasileiro.
Constatando-se que as consultas-teste retornaram dois artigos, resultado que caracterizou a baixa penetração da discussão de Saúde Mental Global no Brasil e se mostrou insuficiente para uma revisão, aumentou-se a abrangência das buscas com a supressão do termo global e o acréscimo de outras palavras-chave. Logo, foram selecionadas palavras-chave (em português e inglês) que correspondiam aos principais tópicos enfatizados por Patel 2 ao defender uma estratégia de ação para o campo da Saúde Mental Global: acesso; atenção primária (mais as variantes atenção básica e saúde da família); determinantes sociais de saúde; direitos humanos; equidade e evidência. Então, utilizando tais descritores combinados às palavras-chave “saúde mental” e “Brasil”, empreenderam-se novas buscas nas mesmas bases bibliográficas, sempre no modo “busca avançada”, nos campos título, resumo e assunto, e nos idiomas português e inglês (Quadro 1).
Quadro 1 Estratégia de busca definitiva.
Base de dados | Idioma | Campo pesquisado | Palavras-chave 1 | Palavras-chave 2 | Palavras-chave 3 |
---|---|---|---|---|---|
BIREME/BVS | Português | Título, resumo, assunto | Saúde mental + | Brasil + |
Acesso Atenção primária (e suas variantes) Determinantes sociais da saúde-doença Direitos humanos Equidade Evidência |
SciELO | Resumo | ||||
PubMed | Inglês | Título, resumo | Mental health + | Brazil + |
Access Equity Evidence Human rights Primary care Social determinants of health |
Com a estratégia de busca definitiva, foram encontrados mais de 3 mil artigos que, após a eliminação de repetições, foram reduzidos a 996. Apesar de se obter uma amostra bastante representativa do campo, tornou-se inviável analisar o excessivo número de artigos inicialmente encontrados. Recorreu-se, então, ao filtro temporal. Considerando a emergência da Saúde Mental Global em 2007 e que as ideias desse campo, provavelmente, levariam algum tempo para serem apropriadas pela literatura nacional, buscou-se capturar a produção mais recente possível, selecionando-se o período de quase dois anos imediatamente anterior à coleta dos dados (janeiro de 2014 a outubro de 2015).
Como critérios de inclusão, foram adotados: artigos publicados nos idiomas português e inglês em periódicos nacionais e internacionais indexados nas bases assinaladas. Foram excluídos teses, dissertações, monografias, capítulos de livro e artigos que não estavam integralmente disponíveis ou cujo resumo não era pertinente à temática do estudo. Após esse refinamento, obtiveram-se 88 artigos que compõem a base de análise desta pesquisa.
Para orientar a apreciação conceitual dos artigos, foram tomados como categorias de análise alguns dos mesmos aspectos do campo da Saúde Mental Global utilizados na etapa anterior do levantamento da bibliografia: acesso, atenção primária, determinantes sociais de saúde, direitos humanos, equidade. Além desses, após a leitura dos resumos, atenção psicossocial foi incluída por se mostrar relevante como categoria de análise nativa da produção nacional e norteadora da política brasileira de saúde mental. Adicionalmente, foram analisadas a metodologia empregada (Figura 1) e as características dos artigos quanto ao perfil dos primeiros autores, periódicos e regiões de publicação.
Essas categorias guiaram o processo de análise conduzido em duas etapas: abrangente e específica. Na primeira, o grupo de pesquisadores foi dividido em duplas de trabalho e o conjunto dos artigos foi aleatoriamente distribuído entre as duplas. Cada pesquisador analisou os artigos quanto à presença ou ausência das categorias no foco principal ou na discussão dos resultados, redigindo uma síntese dos principais argumentos dos artigos encontrados para cada categoria positivada. As avaliações foram comparadas e sua síntese registrada em texto e planilha, que, posteriormente, foram agregados em uma planilha-matriz e um texto-matriz.
Na segunda etapa, ocorreu a análise por categoria específica, iniciada por sorteio entre os pesquisadores. O texto-matriz foi subdividido de acordo com as categorias de análise para o aprofundamento da apreciação abrangente feita na etapa anterior. Todas as análises foram submetidas à avaliação do grupo e as divergências foram debatidas coletivamente.
Este estudo integra a linha de pesquisa Dilemas e Desafios das Políticas de Saúde Mental Global, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em colaboração com o Centro Rio de Saúde Global, ambos sediados na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Houve apoio financeiro do edital CNPq Universal de nº 443137/2014-5, e bolsas de doutorado (CNPq 140379/2014-2 e FAPERJ 2017.01612.2).
A presente revisão encontrou 88 artigos (Tabela 1) apreciados segundo sua autoria, periódicos e regiões de publicação, metodologia e categorias de análise.
Tabela 1 Artigos segundo autoria, metodologias e categorias de análise.
Autor (Ano) | Método | Categorias de análise | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Acesso | Atenção primária | Atenção psicossocial | Determinantes sociais da saúde | Direitos humanos | Equidade | ||
Andrade & Bosi (2015) 28 | Estudo de caso | X | X | X | - | - | - |
Andreoli et al. (2014) 37 | Transversal | X | - | - | X | - | - |
Arce (2014) 38 | Estudo de caso | X | - | X | X | - | X |
Barros et al. (2014) 39 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Barroso et al. (2015) 40 | Transversal | X | - | X | X | X | X |
Bastos et al. (2014) 41 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Bleicher et al. (2014) 29 | Estudo de caso | X | - | X | X | X | X |
Borysow & Furtado (2014) 30 | Estudo de caso | X | - | X | - | - | X |
Bosi et al. (2014) 31 | Estudo de caso | X | - | X | X | - | X |
Campanha et al. (2015) 22 | Transversal | X | - | - | - | - | - |
Campos et al. (2014) 42 | Transversal (survey) | - | - | - | X | - | - |
Carvalho et al. (2014) 43 | Transversal | - | X | - | - | - | - |
Castaldelli-Maia et al. (2014) 21 | Transversal (survey) | - | - | - | X | - | - |
Cezar et al. (2015) 44 | Estudo de caso | X | X | X | X | - | - |
Chiavegatto Filho et al. (2015) 19 | Transversal (survey) | X | - | - | X | - | - |
Chiavegatto Filho et al. (2015) 20 | Transversal (survey) | X | - | - | X | - | X |
Conte et al. (2015) 45 | Estudo de caso | X | - | X | - | - | X |
Correia Junior & Ventura (2014) 46 | Ensaístico | - | - | X | - | X | X |
Costa et al. (2015) 47 | Estudo de caso | - | X | X | - | - | - |
Costa et al. (2014) 48 | Cartografia | X | - | X | - | - | - |
Costa et al. (2015) 32 | Transversal | X | - | X | - | - | X |
Couto & Delgado (2015) 49 | Ensaístico | X | - | X | - | X | - |
Cruz et al. (2014) 50 | Transversal | X | - | X | X | - | X |
Dantas & Oda (2014) 26 | Revisão de literatura | - | - | X | - | - | - |
Dias et al. (2015) 51 | Revisão de literatura | X | X | X | X | X | |
Duarte et al. (2014) 52 | Estudo de caso | - | X | X | - | - | - |
Faria et al. (2014) 53 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Frateschi & Cardoso (2014) 54 | Estudo de caso | X | X | - | - | - | - |
Frosi & Tesser (2015) 55 | Estudo de caso | X | X | X | - | - | - |
Garbaccio et al. (2014) 56 | Transversal | - | X | - | - | - | - |
Gazignato & Silva (2014) 57 | Estudo de caso | - | X | - | - | - | - |
Gomes et al. (2014) 58 | Estudo de caso | X | X | - | X | X | X |
Gonçalves et al. (2014) 59 | Transversal | X | X | - | X | - | X |
Gonçalves et al. (2015) 60 | Longitudinal | - | - | - | X | - | X |
Hori & Nascimento (2014) 61 | Estudo de caso | - | X | X | - | - | - |
Kantorski et al. (2014) 62 | Transversal | X | - | X | X | X | X |
Kantorski et al. (2014) 63 | Transversal (survey) | X | X | X | - | X | X |
Lapischies et al. (2014) 64 | Transversal | - | - | X | X | - | - |
Lima et al. (2015) 65 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Lima & Brasil (2014) 66 | Estudo de caso | X | - | X | X | X | X |
Maluf (2015) 67 | Ensaístico | X | - | - | X | X | X |
Marcelino Filho & Araújo (2015) 68 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Marques et al. (2015) 24 | Descritivo | X | - | X | X | - | - |
Martins et al. (2015) 69 | Estudo de caso | - | X | - | - | X | - |
Matijasevich et al. (2014) 70 | Longitudinal (coorte) | - | - | - | X | - | - |
Mendenhall et al. (2014) 71 | Revisão de literatura | - | - | - | X | - | - |
Molina et al. (2014) 72 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Mosqueiro et al. (2015) 73 | Longitudinal | - | - | - | X | - | - |
Mot & Ronzani (2015) 74 | Estudo de caso | X | - | X | - | - | - |
Muylaert et al. (2015) 75 | Estudo de caso | - | - | X | - | - | - |
Nogueira et al. (2014) 76 | Transversal | - | X | - | X | - | - |
Nunes et al. (2014) 77 | Ensaístico | - | - | X | - | - | - |
Oliveira et al. (2015) 78 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Pastor-Valero et al. (2014) 79 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Paula et al. (2014) 80 | Transversal (survey) | X | - | - | X | - | X |
Pereira et al. (2014) 81 | Longitudinal | - | - | - | X | - | - |
Perrone (2014) 82 | Ensaístico | - | - | X | - | - | - |
Pinto et al. (2014) 83 | Transversal | - | - | - | X | - | - |
Portugal et al. (2014) 84 | Transversal | - | X | - | X | - | - |
Quindere et al. (2014) 85 | Estudo de caso | - | - | X | - | - | - |
Quintana et al. (2015) 86 | Transversal (survey) | X | - | - | X | - | X |
Ramos et al. (2014) 87 | Estudo de caso | X | - | X | - | - | - |
Reichenheim et al. (2014) 88 | Transversal (survey) | - | X | - | X | - | - |
Ribeiro et al. (2015) 89 | Ensaístico | - | - | - | X | X | X |
Rios & Costa Andrada (2015) 90 | Etnografia | X | - | X | - | X | X |
Rodrigues et al. (2014) 91 | Transversal | - | X | - | X | - | - |
Romio et al. (2015) 92 | Revisão de literatura | X | - | - | X | - | X |
Rotenberg et al. (2014) 93 | Transversal | - | - | - | X | X | X |
Salles & Matsukara (2015) 94 | Estudo de caso | - | - | X | - | X | - |
Santos et al. (2014) 95 | Estudo de caso | - | - | X | - | X | - |
Santos & Nunes (2014) 96 | Estudo de caso | - | X | X | - | - | - |
Santos & Abdala (2014) 97 | Transversal | - | X | - | X | - | - |
Santos & Fernandez (2014) 98 | Estudo de caso | X | - | X | X | X | X |
Saur & Loureiro (2015) 99 | Longitudinal (coorte) | - | - | - | X | - | - |
Scivoletto et al. (2014) 25 | Descritivo | X | - | X | X | X | X |
Silva et al. (2014) 100 | Observação participante | X | X | - | X | X | X |
Silva Júnior & Fischer (2014) 101 | Ecológico | - | - | - | X | - | - |
Sobrinho et al. (2014) 102 | Transversal | X | X | X | X | - | X |
Souza et al. (2014) 103 | Revisão de literatura | - | - | X | - | - | - |
Souza & Carvalho (2014) 104 | Estudo de caso | X | X | X | - | X | X |
Stefanovics et al. (2014) 23 | Intervenção | - | - | X | X | - | - |
Surjus & Campos (2014) 105 | Revisão de literatura | X | - | X | X | X | X |
Sweetland et al. (2014) 106 | Ensaístico | X | - | - | X | X | X |
Tavares et al. (2015) 107 | Revisão de literatura | X | - | X | X | - | - |
Teixeira et al. (2015) 108 | Estudo de caso | X | X | X | - | - | - |
Vedana & Miasso (2014) 109 | Estudo de caso | X | - | X | - | - | - |
von Hohendorff et al. (2015) 110 | Ensaístico | X | - | X | - | X | - |
Wetzel et al. (2014) 111 | Estudo de caso | X | X | X | X | - | - |
Total | 44 | 26 | 46 | 54 | 22 | 31 |
Os primeiros autores são majoritariamente psicólogos (31), médicos (20) e enfermeiros (18), seguidos de terapeutas ocupacionais (4), biólogos (2), dentistas (2), farmacêuticos (2), fonoaudiólogos (2), e outras categorias, com um autor cada, entre advogados, antropólogos-médicos, cientistas sociais, economistas, educadores físicos, jornalistas e nutricionistas.
Os 88 artigos se distribuem esparsamente em 54 periódicos tanto de origem nacional (32), quanto internacional (22), sendo 38 escritos em português, 34 em inglês, 16 em ambos os idiomas.
Houve concentração geográfica tanto das regiões investigadas, quanto da origem das instituições publicadoras. Dentre os 88 artigos, a região mais estudada foi a Sudeste (34), seguida da Sul (17), Nordeste (16) e Centro-oeste (1). Dezenove estudos pesquisaram em âmbito nacional, enquanto um apresentou experiência de consórcio de pesquisa internacional.
Dos 32 periódicos nacionais, 24 foram editados por instituições do Sudeste (São Paulo: 14; Rio de Janeiro: 10), principal região publicadora, seguida pelo Centro-oeste (Distrito Federal: 3), Sul (Rio Grande do Sul: 2; Paraná: 1) e Nordeste (Ceará: 1; Pernambuco: 1). Desses 32 periódicos nacionais, 22 foram editados por universidades, a maior parte do Sudeste (São Paulo: 11 dentre 14; Rio de Janeiro: 6 dentre 10), uma parte do Centro-oeste (Distrito Federal: 1 dentre 3) e Nordeste (1 dentre 2). No Sul, as instituições acadêmicas editaram todas as publicações (3). Os 10 periódicos restantes foram publicados por órgãos de afiliação profissional, entidades de classe, outras instituições de ensino, pesquisa e hospitais filantrópicos. Não foram encontrados estudos sobre a Região Norte, nem periódicos ali editados.
No grupo dos 22 periódicos internacionais, observou-se uma grande prevalência de publicações do Hemisfério Norte, com forte concentração nos Estados Unidos (12) e Reino Unido (4), seguidos por Portugal, Canadá, Suíça, Bélgica, Chile e Colômbia, cada país com um artigo publicado.
As áreas de conhecimento que concentraram maior número de periódicos foram Saúde Coletiva/Pública (14), Enfermagem (9), Psicologia (9) e Psiquiatria (4). Juntos, esses 36 periódicos publicaram 64 artigos, cerca de 73% do material analisado. Algumas das outras áreas foram: Antropologia da Saúde, Direito Sanitário, Fonoaudiologia, Geriatria e Gerontologia, Medicina, Pediatria, Terapia Ocupacional e Saúde Mental Global.
As revistas mais procuradas foram: Cadernos de Saúde Pública e Physis (6 artigos cada); Revista de Saúde Pública e Ciência & Saúde Coletiva (5); PLoS One (4); e Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental (3); totalizando 29 dos 88 artigos.
No que se refere aos estudos quantitativos (40) (Figura 2), houve destaque para estudos observacionais (39) em relação aos de intervenção (1). Entre os estudos observacionais, ocorreu predomínio dos transversais (33) em relação aos longitudinais (5) e ao ecológico (1).
Acerca dos estudos observacionais transversais, cujo objetivo principal é caracterizar a prevalência de agravos e fatores associados, houve realce para aferição da prevalência de transtornos mentais em diferentes contextos e sua relação com os determinantes sociais de saúde. Destacaram-se, entre os estudos de prevalência, quatro artigos integrantes da pesquisa Megacity, a primeira de base populacional de amostra probabilística representativa da população adulta da Região Metropolitana de São Paulo, com aplicação de escalas diagnósticas e entrevistas psiquiátricas estruturadas. Essa pesquisa integrou um grupo de estudos epidemiológicos com a mesma proposta metodológica conduzidos em 30 diferentes países, coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em colaboração com a Universidade de Harvard e a Universidade de Michigan (ambas dos Estados Unidos). Além de revelarem informações sobre a carga global de doença em diferentes culturas, servem de base para a alocação de recursos em saúde mental de acordo com a necessidade da população 19,20,21,22.
Quanto aos estudos observacionais longitudinais, mais dispendiosos porque acompanham uma população ao longo do tempo levantando possíveis relações de causalidade, o foco transitou entre a abordagem biomédica de questões materno-infantis e a avaliação dos determinantes sociais de saúde em populações infantis.
O único estudo ecológico encontrado analisou a variação dos benefícios previdenciários por transtornos mentais e sua relação com o trabalho.
Em termos de estudos de intervenção, identificou-se uma única intervenção comunitária, The Equilibrium Program, que visa à promoção da reintegração familiar e social de crianças e adolescentes em vulnerabilidade na cidade de São Paulo, vítimas de alguma forma de trauma e negligência, com consequentes alterações na saúde física e mental. Destaca-se seu caráter interdisciplinar, envolvendo serviços de saúde, assistência social, jurídica e educação. Enquanto os resultados da intervenção foram descritos num artigo de metodologia quanti-quali 23, o contexto, as inovações propostas e os principais desafios para sua implementação foram apresentados em outros dois artigos descritivos, com abordagem qualitativa 24,25.
As pesquisas qualitativas encontradas incluíram 28 estudos de caso, 6 revisões de literatura, 2 cartografias e uma etnografia (Tabela 1; Figura 3). Em mais da metade, a coleta de dados ocorreu mediante entrevistas, associadas frequentemente a outras técnicas, evidenciando uma diversificação na obtenção do material empírico.
Os estudos de caso evidenciaram temas relacionados a práticas e processos de trabalho na atenção psicossocial e na atenção primária. A saúde mental de populações específicas, como moradores de rua e infanto-juvenil, também foi foco de análise.
A revisão de literatura foi referida em seis estudos de temáticas variadas em saúde mental, tais como: prioridades de investigação; avaliação de políticas; ensino; organização da rede de atenção psicossocial; grupos populacionais específicos; integração de tecnologias à atenção primária à saúde - tele-mental health.
As cartografias abordaram a redução de danos, elucidando desafios do cuidado pautado em ações de apoio realizadas pelas equipes de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e pesquisas avaliativas de serviços de saúde mental produzidas no Brasil entre 2004 e 2013.
A única etnografia encontrada analisou intersecções entre saúde, direitos e cidadania no campo do autismo, descrevendo controvérsias entre associações de pais e profissionais de saúde mental no SUS.
Por último, os oito estudos ensaísticos, versaram principalmente sobre garantia de direitos e implementação de políticas em saúde mental, a maioria desses com foco em crianças e adolescentes.
As publicações analisadas exploraram um amplo leque de assuntos, como: prevalência de condições, entrada e permanência nos serviços; desenvolvimento e implementação de políticas e estratégias para a melhoria do cuidado em atenção psicossocial; práticas intersetoriais e interface com a atenção primária em saúde, salientando a prática do matriciamento; avaliação das políticas e práticas assistenciais; empecilhos para o acesso e qualidade do cuidado, incluindo questões relativas a estigma como índice de vulnerabilidade e fator agravante para desigualdades sociais e iniquidades em saúde. Além disso, investigaram recortes populacionais específicos focalizando grupos vulneráveis com características e necessidades próprias. Quanto à perspectiva abordada nos trabalhos, muitos consideraram a ótica dos serviços ou dos profissionais de saúde e, com menor frequência, a dos usuários ou familiares que frequentam os serviços.
Dentre os 88 estudos encontrados, constatou-se que 54 aludiam à categoria determinantes sociais da saúde, 46 mencionavam atenção psicossocial, 44 abordavam acesso, 31 se referiam à equidade, 26 versavam sobre atenção primária e 22 condiziam a direitos humanos (Tabela 1).
Dos 54 artigos correspondentes à categoria determinantes sociais da saúde, 35 utilizaram metodologia quantitativa, a maioria estudos transversais, além de 16 qualitativos e 3 ensaísticos. Os temas e populações abordados foram bastante diversos, articulando em suas discussões indicadores como renda, ocupação, gênero, idade, condições de saúde e acesso a serviços de saúde, educação e justiça.
No que se refere à categoria acesso, os trabalhos problematizaram as políticas que orientam a oferta dos serviços de saúde mental, os critérios e barreiras para entrada e permanência nos serviços e fatores intervenientes na disponibilidade e qualidade da assistência.
Quanto à categoria atenção psicossocial foram encontrados artigos sobre a especificidade do trabalho desenvolvido nos CAPS e como algumas populações se relacionam com os serviços, com destaque para o acesso, e também acerca da relação com outros programas, refletindo temas como a intersetorialidade, com foco para a atenção primária e a desinstitucionalização.
Na categoria atenção primária, enfatizou-se o suporte matricial, havendo alguns trabalhos que enfocam sua dimensão educacional e outros, sua dimensão assistencial, seja por intermédio de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) ou do trabalho em rede com o CAPS. Ao mesmo tempo em que os estudos ressaltaram o potencial do matriciamento em saúde mental na atenção primária, apontaram também para os principais desafios de sua consolidação, entre eles: distribuição pouco justa do apoio matricial no território nacional, precariedade das condições de trabalho e superação do modelo tradicional em saúde mental.
Os estudos que abordaram a categoria equidade indicaram que as desigualdades devem ser reconhecidas e as adaptações devem ser encaminhadas pelos profissionais, serviços e gestores no planejamento do cuidado para enfrentar as necessidades detectadas. De modo geral, os trabalhos discutiram tais adaptações, correlacionando-as com as outras categorias abordadas.
Dentro do tema dos direitos humanos, o estigma surgiu como índice de vulnerabilidade e fator agravante para desigualdades sociais, acesso, iniquidade, levando à discussão sobre a defesa do acesso e do cuidado em saúde mental como um direito.
A produção brasileira de conhecimento em saúde mental é majoritariamente direcionada a leitores da língua portuguesa, embora haja esforço dos autores para publicar em inglês a fim de alcançar leitores estrangeiros, mesmo em menor escala. Além disso, está geograficamente concentrada no Sudeste, o que reflete e reforça desigualdades entre as regiões 15,26.
Mesmo que nem sempre as investigações analisadas demonstrem interação entre a academia e os serviços, ficou evidente a participação das universidades públicas brasileiras não só como entidades de produção, mas também de disseminação do conhecimento por meio dos periódicos científicos que editam. Dessa maneira, responsáveis pela maior parte das publicações, é incontestável sua centralidade no desenvolvimento de estudos sobre saúde mental.
Os resultados indicaram haver equilíbrio entre o uso de metodologias quantitativas e qualitativas na pesquisa científica em saúde mental no Brasil para as palavras-chave utilizadas. E, com exceção das pesquisas Megacity e Equilibrium Program, mostraram que a maioria dos estudos são iniciativas pontuais, com pouca relação de complementaridade entre si.
Embora estudos quantitativos transversais tenham sido expressivos nesta revisão, salvo um dos artigos da pesquisa Megacity22, a maioria não avaliou a proporção de indivíduos com transtornos mentais em tratamento ou outras medidas referentes ao acesso ao cuidado em saúde mental, distanciando-se da discussão acerca da lacuna de tratamento (mental health gap), tema vital para a Saúde Mental Global.
Sobressaiu a publicação de apenas uma iniciativa de intervenção 23,24,25. Contudo, destaca-se o caráter inovador e interdisciplinar dela, que contemplou a participação comunitária em seu planejamento, corroborando a proposta de autores da Saúde Mental Global de valorizar o engajamento da comunidade local 27.
O predomínio da natureza exploratório-descritiva e da pesquisa de campo como fonte de coleta de dados entre os estudos qualitativos contribuiu para avaliar e enfatizar políticas, práticas e processos de trabalho locais, considerando tanto a perspectiva de gestores e profissionais de saúde, quanto de usuários dos serviços e seus familiares 28,29,30,31,32. Tal mapeamento fornece dados sobre a realidade sociocultural e os impasses político-organizacionais existentes no campo da saúde mental brasileira, cujos desdobramentos podem nortear o desenvolvimento de futuras produções acadêmico-científicas e de abordagens culturalmente sensíveis.
Por sua vez, os estudos ensaísticos permitem melhor questionar o atual panorama de implementação de políticas em saúde mental e da garantia de direitos dos usuários, corroborando a discussão sobre direitos humanos enfatizada pela Saúde Mental Global.
Analisando os artigos encontrados, verificou-se que, embora as consultas bibliográficas das palavras-chave tenham sido realizadas separadamente, os estudos aglutinavam mais de uma categoria de análise, a maioria com até três categorias. Foram encontrados 13 artigos com 5 das 6 categorias, 9 artigos com 4 categorias, 16 artigos com 3, 22 com 2, e 28 com apenas 1 categoria. Essa multiplicidade e sobreposição de categorias na construção da argumentação das pesquisas revela que o debate na saúde mental brasileira é diverso e multifacetado, sinalizando a multidimensionalidade teórica da composição das práticas neste campo e a complexidade da edificação dos saberes em saúde mental. Todavia, frequentemente não foi fornecida uma conceituação teórica das categorias abordadas pelos autores, comprometendo a clareza do conhecimento produzido.
A categoria acesso foi frequentemente associada à atenção primária, atenção psicossocial, ou ambas, refletindo a discussão sobre a utilização dos serviços e a obtenção de cuidados nesses setores assistenciais. É nítida a reivindicação por melhores condições de ingresso nos serviços e pela qualificação do cuidado. Assim como no campo da Saúde Mental Global, a reivindicação do acesso à saúde mental aparece como tema central, ainda que em sua argumentação apenas algumas publicações brasileiras recorram explicitamente à concepção da lacuna de tratamento, que é considerado um dos pilares conceituais da literatura de Saúde Mental Global 2,3,4,5,6,7,8.
O fato de a categoria determinantes sociais da saúde ser referida em mais da metade dos artigos (54 de 88) sugere a valorização da discussão dos fatores condicionantes do estado de saúde da população na saúde mental brasileira. Tal categoria sobressaiu em trabalhos que problematizam questões relacionadas a estigma, exclusão social e violência, e buscam uma compreensão ampliada do processo saúde-doença, reconhecendo diversos elementos para se pensar as condições de saúde e de atenção à população brasileira. A tendência identificada nesses artigos sugere afinidades com a discussão da Saúde Mental Global, que reconhece a importância da inclusão dos determinantes sociais de saúde nas pesquisas científicas 1,2,12.
A categoria atenção primária foi significativa, correspondendo à importância crescente desse nível assistencial para a saúde mental no Brasil. O destaque dado ao matriciamento reflete a aposta que essa ferramenta representa no cotidiano dos serviços no que tange à integração da saúde mental na atenção primária, aproximando do modelo de “collaborative care”, uma das principais estratégias da Saúde Mental Global para a ampliação do acesso e da qualidade dos cuidados 12. As dificuldades reveladas pelas experiências locais na construção desse modelo e sua efetiva integração, por sua vez, retratam as barreiras de acesso ao cuidado adequado em saúde mental.
A emergência da categoria atenção psicossocial indica a relevância dessa modalidade assistencial no SUS em decorrência dos avanços alcançados pelo processo de desinstitucionalização 33, situação que difere de outros LMIC. As publicações refletem a particularidade e a diversidade do contexto local de saúde mental. Porém, ainda que sejam fundamentais para ilustrar as diversas práticas realizadas na saúde mental, os estudos, em sua maioria, são pontuais e apresentam limitação quanto à construção de indicadores de saúde e quanto à discussão dos acertos ou deficiências do sistema 15,26.
Assim como ocorre na literatura de Saúde Mental Global 34, o tema do estigma aparece frequentemente associado à defesa dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental. Nesta revisão, associou-se também à vulnerabilidade como fator agravante para desigualdades sociais e de acesso. Quanto à equidade, os estudos encontrados apontam que, quando não reconhecidas, as desigualdades geram desequilíbrio no acesso à saúde, limitando o uso dos serviços pela população. Essa mesma lógica apareceu nos estudos que trataram das categorias determinantes sociais da saúde e direitos humanos, apontando que populações mais estigmatizadas ou em maior vulnerabilidade, cujas desvantagens sociais são mantidas pelo ciclo marginalização-adoecimento, carecem de acesso a recursos em acordo com suas necessidades específicas. Segundo a Saúde Mental Global 2,4,9, planejar intervenções que abordem as necessidades específicas de grupos vulneráveis para minimizar as disparidades e promover a equidade é uma das prioridades para solucionar os grandes desafios em saúde mental.
Portanto, foi identificada correspondência entre os assuntos que emergem das categorias investigadas nos estudos analisados do cenário brasileiro e aqueles abordados na Saúde Mental Global. Entretanto, apesar desse paralelo, há dissonâncias entre a produção nacional e a da Saúde Mental Global. A maior delas é a proeminência que a categoria atenção psicossocial assume na literatura local. Outras dissonâncias referem-se à forma como é conduzida a argumentação das pesquisas, que podem ser atribuídas a desdobramentos dos movimentos das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, à concentração geográfica dos estudos que reproduz e perpetua as desigualdades, e a limitações das abordagens metodológicas majoritariamente empregadas na pesquisa em saúde mental no Brasil.
A produção nacional, referente aos descritores e ao período analisado, apresentou um conjunto de estudos rico, diversificado e equilibrado no uso de abordagens quantitativas e qualitativas. Enquanto a maioria das pesquisas quantitativas enfocou a prevalência do adoecimento mental considerando os determinantes sociais de saúde, as qualitativas se concentraram em descrever especificidades e particularidades das experiências investigadas, achados que apontam um forte compromisso com a compreensão do contexto local, diferentemente da Saúde Mental Global em que as condições sociais são pouco exploradas 10,11,13.
Se, por um lado, o panorama contextual atraiu estudos de várias metodologias, a lacuna de estudos epidemiológicos mais abrangentes limita a construção de indicadores que, se combinados a outras evidências oriundas das pesquisas qualitativas já feitas no país, poderiam melhor embasar o planejamento de ações de saúde mental na atenção primária e na atenção psicossocial 16,35e a respectiva alocação de recursos.
O Equilibrium Program exemplificou a riqueza dos métodos mistos complementares (mix methods) e a viabilidade de incorporar a participação comunitária em seu planejamento, metodologia cada vez mais recomendada 16 também para a elaboração participativa de indicadores de avaliação de serviços de saúde mental, reforçando a importância de outros agentes, como usuários ou trabalhadores, para a avaliação 17,26. Tal abordagem se coaduna com a visão de autores da Saúde Mental Global 11,27,34quando indicam o desenvolvimento de intervenções que priorizem as experiências contextuais em detrimento daquelas importadas de outras realidades.
Apesar da riqueza do conjunto e do equilíbrio metodológico quali-quanti, constatou-se um baixo índice de sistematização dos estudos, caracterizado por: descrição de múltiplas realidades pontuais cujas análises dialogam pouco entre si; concentração geográfica; pouca articulação, integração e/ou continuidade entre estudos das várias regiões do país e, por fim, curto período de investigação.
A ausência de políticas indutoras de pesquisas de grande porte e de longo prazo, aliada à carência de diretrizes, que, regularmente, estabeleçam pactos e prioridades para as investigações em saúde mental com a pluralidade metodológica necessária 3,15,26, parece justificar a baixa sistematização observada. Ainda que possuir um sistema universal com um percurso estabelecido na assistência de saúde mental 14,15 diferencie o Brasil de muitos países LMIC, supõe-se que entraves do próprio SUS atravanquem os pactos de trabalho, bem como o fluxo e integração de informações entre serviços/gestores/profissionais/pesquisadores. Entre os motivos desses entraves estão a debilidade do SUS de fomentar o desenvolvimento científico 15, associada à descentralização e municipalização dos serviços 36, e ainda à distância entre estes e a academia.
Contornar tais obstáculos para qualificar o desenvolvimento e a sistematização dos estudos em saúde mental no Brasil de modo a garantir o acúmulo consistente de expertise requer uma série de iniciativas previamente pactuadas em fóruns públicos com representantes de múltiplas instâncias e instituições pertinentes ao campo 16. Adicionalmente, os pesquisadores brasileiros precisam responder aos desafios de método 15,35 com maior diversidade metodológica, incluindo abordagens que possibilitem avaliar as intervenções e seus impactos na disponibilização e qualidade do cuidado 15,16,17,26. Um conjunto de evidências plurais, certamente, enriqueceria a saúde mental brasileira levando-a, por sua vez, a enriquecer os debates da Saúde Mental Global.
Uma das limitações desta revisão foi o curto intervalo de tempo analisado. Tratar diferenças de opinião entre pesquisadores alongou a etapa de análise. Utilizar a mesma estratégia de busca bibliográfica em idiomas diferentes pode ter introduzido viés de seleção. Para garantir que estudos encontrados se referissem ao cenário brasileiro, acrescentou-se o termo “Brasil” em todas as buscas, inclusive em português, havendo possibilidade de estudos brasileiros que não utilizavam o termo (no título, resumo ou palavras-chave) não terem sido localizados. A sobreposição de categorias implica perda de clareza na análise dos dados, embora reflita a complexidade epistêmica e metodológica do campo. Apesar dessas limitações, destaca-se a quantidade e variedade de artigos, bem como a diversidade de métodos analisados. Analisar artigos em português e inglês é mais um mérito desta revisão. Ressalta-se ainda o ineditismo de cotejar a produção brasileira com a da Saúde Mental Global, campo ainda pouco explorado no país.
Partindo de categorias-chave enfatizadas no campo da Saúde Mental Global, esta revisão examinou como elas aparecem em estudos de saúde mental realizados recentemente no país e apontou paralelos entre a produção científica brasileira e aquela da Saúde Mental Global.
Constatou-se que a participação ativa nesse campo demanda que países LMIC, como o Brasil, sejam capazes de estabelecer suas próprias agendas de pesquisa e de práticas de cuidado, respeitando as necessidades da população e o contexto local, simultaneamente ao estabelecimento de parcerias com organismos internacionais.
Avalia-se que, apesar dos esforços para a geração de conhecimento, as barreiras para ampliação e aprofundamento das abordagens metodológicas possivelmente limitam a participação brasileira no debate internacional.