versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.4 São Paulo jul./ago. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.08.024
Os tumores de glândulas salivares representam de 3 a 10% de todas as neoplasias de cabeça e pescoço.1 Esses tumores ocorrem predominantemente nas glândulas salivares maiores.2,3
A glândula parótida é afetada com mais frequência, variando de 36,6 a 83%. Os tumores malignos são minoria, ocorrendo em 15-32% dos casos.1,4,5
Os tumores malignos e benignos mais comuns são o carcinoma mucoepidermoide e o adenoma pleomórfico, respectivamente.6,7
O adenoma pleomórfico compreende de 45 a 60% de todos os tumores de glândulas salivares. Aproximadamente 80% ocorrem na glândula parótida, geralmente no polo inferior do lobo superficial, mas, com menor frequência, pode ocorrer no lobo profundo ou no tecido da parótida acessória.8
Diversas abordagens cirúrgicas foram descritas para o tratamento desse tumor. Em 1895, Senn descreveu a enucleação como a técnica de escolha. Porém, a remoção do tumor era incompleta, com uma taxa de recorrência inaceitável.9
A parotidectomia total remove todo o tecido glandular, lateral e medial ao nervo facial, enquanto a parotidectomia superficial remove a glândula parótida lateralmente ao nervo facial. Em dissecção extracapsular, não é realizada qualquer dissecção do nervo facial.8,10-14
A lesão do nervo facial é uma das complicações mais graves que podem ocorrer em cirurgia de glândula parótida. Estima-se que de 30 a 65% dos pacientes experimentam algum tipo de fraqueza facial transitória, e que 3 a 6% evoluem com disfunção permanente, resultando em um impacto significativo na qualidade de vida.14
O principal objetivo deste estudo foi determinar possíveis fatores preditivos relacionados à ocorrência de paralisia facial periférica após parotidectomia superficial no tratamento cirúrgico de adenomas pleomórficos de glândula parótida.
Este foi um estudo preliminar, observacional, de caso-controle, realizado por meio de revisão dos prontuários de pacientes e laudos histopatológicos. Os dados foram obtidos no período de 1995-2014. Os nomes do paciente não foram recuperados; todas as informações foram obtidas através dos números de registro do hospital.
Os eventos analisados foram: tamanho e profundidade do tumor; tempo de doença referida pelo paciente (mais de 1,5 ou 10 anos); abordagem cirúrgica primária ou secundária. As dimensões avaliadas foram extraídas dos laudos histopatológicos, e não do estadiamento clínico, para se obter um valor mais preciso.
Os pacientes foram divididos em grupos de acordo com o evento estudado:
Evento analisado: tamanho do tumor ≥ 0,5 cm; 1,0 cm; 1,5 cm; 2,0 cm; 2,5 cm ou ≥ 3,0 cm.
Resultado: paralisia facial periférica.
Casos: pacientes submetidos a parotidectomia superficial com tamanho do tumor maior que as medidas anteriormente referidas.
Controles: pacientes submetidos a parotidectomia superficial com tamanho do tumor menor que as medidas anteriormente referidas.
Evento analisado: profundidade do tumor ≥ 0,5 cm; 1,0 cm; 1,5 cm ou 2,0 cm.
Resultado: paralisia facial periférica.
Casos: pacientes submetidos a parotidectomia superficial com profundidade do tumor maior que as medidas anteriormente referidas.
Controles: pacientes submetidos a parotidectomia superficial com profundidade do tumor menor que as medidas anteriormente referidas.
Evento analisado: cirurgia secundária para tratar tumor recorrente.
Resultado: paralisia facial periférica.
Casos: pacientes submetidos a parotidectomia superficial com recorrência do tumor de cirurgia anterior.
Controles: pacientes submetidos a parotidectomia superficial para tumor primário.
Evento analisado: tempo referido pelo paciente desde o momento em que a lesão foi notada até o tratamento cirúrgico.
Resultado: paralisia facial periférica.
Casos: pacientes com tempo de doença superior a 1,5 ou 10 anos.
Controles: pacientes com tempo de doença inferior a 1,5 ou 10 anos.
A paralisia facial foi classificada e graduada de acordo com a escala de House-Brackmann (HBS). Os pacientes foram avaliados no primeiro e sétimo dias de pós-operatório e no primeiro, terceiro e sexto meses após a cirurgia. E, no primeiro ano pós-operatório.
Todos os pacientes cujos prontuários e laudos histopatológicos não preencheram essas informações foram excluídos do estudo. Os pacientes que apresentaram qualquer tipo de deficiência de motricidade facial anterior à cirurgia também foram excluídos.
Os dados foram então analisados para calcular a razão de chance, o intervalo de confiança, a estatística-z e o nível de significância (p < 0,05).
Durante o período estudado, 219 pacientes foram submetidos a abordagem cirúrgica na glândula parótida, sendo 157 deles devido ao adenoma pleomórfico.
Depois da exclusão dos pacientes submetidos a parotidectomia total e daqueles cuja informação estava incompleta, 84 pacientes, no total, foram submetidos a parotidectomia superficial.
Quanto ao gênero, 28 eram do sexo masculino e 56 do sexo feminino. A média de idade foi de 56,7 anos (17-89). A média do comprimento foi de 2,892 cm (0,8-6,0 cm) e a média da profundidade foi de 1,880 cm (0,5-3,2 cm). O lado direito foi afetado em 46 casos, e o lado esquerdo em 38 casos.
Paralisia facial ocorreu em 14 dos 84 pacientes (16,66%): quatro homens e dez mulheres.
A paralisia facial foi classificada de acordo com a HBS. Cinco pacientes apresentaram HBS II, sete HBS III e dois HBS IV. Nenhum paciente foi classificado como HBS V ou VI.
O tempo transcorrido entre a paralisia inicial e a recuperação completa foi avaliado em semanas. Um paciente com HBS II apresentou recuperação completa em duas semanas. Por outro lado, um paciente HBS IV apresentou recuperação completa apenas na 36.ª semana. Nenhum paciente permaneceu com paralisia facial após 36 semanas. A média de tempo até a recuperação completa foi de 19,19 semanas (fig. 1).
Para avaliar as dimensões do tumor, diversos valores foram testados sequencialmente, com um intervalo de 0,5 cm. Quanto à extensão do tumor, não encontramos significância estatística quando o tamanho do tumor foi inferior a 2,5 cm; no entanto, quando o ponto de corte foi estabelecido em 3,0 centímetros, encontramos uma razão de chance de 3,98, com intervalo de confiança de 1,1345-13,9728 (p = 0,0310) (tabela 1).
Tabela 1 Tabela de caso-controle - comprimento do tumor
Paralisia facial | ||
Comprimento | Sim | Não |
≥ 3,0 cm | 10 | 27 |
< 2,9 cm | 4 | 43 |
O mesmo foi feito com a profundidade do tumor e, com uma profundidade de 2,0 centímetros, encontramos uma razão de chance de 9,5556, com intervalo de confiança de 1,9832-46,0422 (p = 0,0049) (tabela 2).
Tabela 2 Tabela de caso-controle - profundidade do tumor
Paralisia facial | ||
Profundidade | Sim | Não |
≥ 2,0 cm | 12 | 27 |
< 1,9 cm | 2 | 43 |
Quando o evento testado foi cirurgia secundária a tumores recorrentes, encontramos uma razão de chance de 6,7778, com intervalo de confiança de 1,9227-23,8928 (p = 0,0029) (tabela 3).
Tabela 3 Tabela de caso-controle - cirurgia primária vs. secundária
Paralisia facial | ||
Sim | Não | |
Secundária | 7 | 9 |
Primária | 7 | 61 |
Quanto à duração da doença, os parâmetros avaliados foram mais de 1,5 e 10 anos. Encontramos razões de chance de 1,3684, com intervalo de confiança de 0,2725-6,8709 (p = 0,7032); de 0,1784, com um intervalo de confiança de 0,0099-3,2072 (p = 0,2423); e de 0,5096, com intervalo de confiança de 0,0260-9,9975 (p = 0,6571), respectivamente (tabelas 4-6).
Tabela 4 Tabela de caso-controle - duração da doença (1 ano)
Paralisia facial | ||
Sim | Não | |
≥ 1 ano | 12 | 57 |
< 1 ano | 2 | 13 |
Tabela 5 Tabela de caso-controle - duração da doença (5 anos)
Paralisia facial | ||
Sim | Não | |
≥ 5 anos | 0 | 11 |
< 5 anos | 14 | 59 |
Tabela 6 Tabela de caso-controle - duração da doença (10 anos)
Paralisia facial | ||
Sim | Não | |
≥ 10 anos | 0 | 4 |
< 10 anos | 14 | 66 |
Este foi um estudo retrospectivo de caso-controle que analisou um número significativo de pacientes e utilizou as características clínicas e morfológicas do adenoma pleomórfico para determinar possíveis fatores preditivos de paralisia facial após parotidectomia superficial.
Nossa pesquisa não encontrou estudo similar anterior na literatura consultada.
A exclusão dos dados duvidosos e o uso das medidas obtidas a partir dos prontuários e laudos histopatológicos tornaram a avaliação muito precisa e confiável.
Neste estudo, as cirurgias foram realizadas por residentes, sob a estrita supervisão de um experiente cirurgião de cabeça e pescoço. Os pacientes com tumores maiores e/ou mais profundos ou recorrentes foram operados por cirurgiões experientes.
Esse fato pode ser considerado um viés do estudo, porque mais de um cirurgião realizou as cirurgias; no entanto, isso reflete melhor a realidade da maioria dos centros de residência médica no Brasil. Por esse motivo, essa informação pode ser útil para prever e melhor prevenir um resultado indesejável provocado pelas mãos de residentes em treinamento.
O monitoramento neural intraoperatório (MNIO) não foi rotineiramente usado devido à cota limite do hospital. Portanto, o seu uso foi reservado para tumores recorrentes.
As mulheres totalizaram 56 casos, e os homens 28. Dos 14 pacientes com paralisia facial no pós-operatório, dez eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Não houve relatos de lesões permanentes, e todos os pacientes estavam totalmente recuperados em 36 semanas. Também não houve relato de paralisia facial grave (HBS V ou VI) durante o período estudado.
A paralisia transitória continua sendo a complicação mais comum no tumor de glândula parótida,14 e um fator importante de sofrimento tanto para os pacientes quanto para a equipe cirúrgica. A paralisia permanente é observada em 0-19% dos casos.15-21
Quando a lesão é permanente, as consequências são importantes, resultando em possíveis úlceras de córnea, assimetria facial, disfagia e salivação.
A parotidectomia superficial continua sendo a técnica mais eficiente ainda disponível, permitindo ao cirurgião, por meio da dissecção completa do nervo facial, melhores chances de preservar sua função.22
Ainda é questionável se a incidência de paralisia facial é maior após a ressecção de tumores malignos devido a uma abordagem cirúrgica mais agressiva23 ou após lesões benignas, geralmente com uma duração mais longa da doença associada à aderência do tumor e ao processo inflamatório adjacente.19
É bem intuitivo relacionar o aumento da dimensão do tumor a uma incidência maior de complicações. Neste estudo, demonstramos que os tumores com 3,0 cm ou mais de comprimento e 2,0 cm ou mais de profundidade apresentam um risco significativo de evolução com paralisia facial. Essas medidas devem ser levadas em conta na avaliação pré-operatória, pois exigem uma técnica muito mais cuidadosa durante a dissecção do nervo.
Todos os 16 casos de recidiva ocorreram após enucleação da lesão realizada em outros centros, pois essa abordagem não é preconizada em nossa instituição. Como observado neste estudo, a cirurgia secundária possui um risco maior de resultar em paralisia facial, certamente devido a inflamação perilesional, fibrose e falta de referências anatômicas.
A cirurgia realizada após uma abordagem anterior da glândula parótida tem uma razão de chance de 6,7778, com um intervalo de confiança de 1,9227-23,8928 (p = 0,0029). Isso deve ser levado em consideração ao se realizar uma cirurgia primária, exigindo uma abordagem curativa para evitar uma cirurgia secundária e, consequentemente, mais arriscada, e durante a própria cirurgia secundária, pois os riscos de lesão do nervo facial são significativamente maiores.
Por outro lado, a duração da doença não apresentou correlação com um risco maior de lesão do nervo facial durante a parotidectomia superficial. As razões de chance calculadas foram 1,3684, com um intervalo de confiança de 0,2725-6,8709 (p = 0,7032); 0,1784, com um intervalo de confiança de 0,0099-3,2072 (p = 0,2423); e 0,5096, com intervalo de confiança de 0,0260-9,9975 (p = 0,6571), com 1,5 ou 10 anos de duração da doença, respectivamente.
Um risco maior de lesão do nervo facial seria esperado com um período mais longo da doença. A explicação para o porquê desse risco não foi encontrado neste estudo, permanecendo obscura. Estudos adicionais, com foco nas alterações da ultraestrutura microscópica dos limites do tumor ao longo do tempo, poderiam ajudar a fornecer mais informações sobre essa questão.
A lesão do nervo facial durante a parotidectomia superficial continua sendo a complicação mais comum e mais temida.
Neste estudo, observamos que os tumores com 3,0 cm ou mais de comprimento e/ou 2,0 cm ou mais de profundidade apresentam um risco significativamente maior de lesão do nervo facial.
A cirurgia secundária para tumores recorrentes também apresenta um risco maior de evoluir com paralisia facial após parotidectomia superficial.